Prefácio.
O livro dos Predicamentos, ou livro das Categorias,
é um dos livros mais debatidos da história da filosofia; um dos últimos livros
a serem coletados por Aristóteles das notas de suas aulas (de seus escritos
exotéricos), de quando o Filósofo estava já doente e próximo a morte; por isso,
as Categorias, icônico livro da história da filosofia, não foi burilado
corretamente e de maneira precisa tal como outras de suas obras.
E é um fato curioso, que justamente o livro mais
importante da lógica, tenha ficado fragmentário e em grande parte sem os nexos
adequados; pois, a partir dos problemas predicamentais, a história das ideias
foi de uma parte a outra; épocas se ergueram e épocas caíram sob as
interpretações que surgiram deste livro do Filósofo, tanto na civilização
ocidental quanto na civilização oriental.
Ora, por exemplo, a escolástica se inicia com um problema
evocado a partir dos predicamentos, o problema dos universais, descritos por
Porfírio e abalizados por Boécio. No entanto, a escolástica também decai a
partir dos predicamentos, com os problemas propugnados por Ockham, que se
apercebeu destes em seu comentário as Categorias, mas que infelizmente a
eles sucumbira (um mistério das épocas? Talvez!?); pois, filosoficamente, o
nominalismo surge a partir de um problema predicamental não resolvido e/ou tomado
de maneira errônea.
E, isto, sem evocar o problema da analogia que emerge
como um dos maiores problemas da filosofia a partir do livro das Categorias,
e que mesmo Santiago Ramirez em sua monumental obra De Analogia não
conseguira solucionar; além de vários outros problemas que não foram analisados
de maneira adequada.
E, apesar de Porfírio ter aclarado toda a problemática
dos universais a partir do cap. II das Categorias, e os predicamentos,
principalmente a substância (cap. V), terem sido muito debatidos ao longo da
história, há ainda inúmeros outros problemas que não foram sequer evocados; e,
sem nenhuma hipérbole, se pode afirmar que o livro das Categorias é um “campo
minado” de problemas filosóficos.
Deste modo, diante deste livro, que é superado em
profundidade apenas pela Metafísica, que Avicena chamou de o livro mais
difícil de todos, se estabelece os problemas fundamentais que permeiam da
física a ética e as artes; basicamente toda a filosofia é permeada pelos
problemas predicamentais, pois, o contato com a realidade, e o conhecimento
haurido da realidade, sempre se defronta com as proposições predicamentais, já
que estes, em ordem as operações do intelecto, estão sob a primeira operação do
intelecto.
Portanto, se vai comentar esta obra a fim de aclarar
todas estas questões, e extrair novos problemas, para demonstrar toda a
profundidade peculiar do livro das Categorias.
E este comentário menor, é talhado para abalizar estas
questões de modo a apresentar o que concerne ao livro das Categorias,
para que, depois, no comentário médio se possa explicar, comentar, reavaliar,
reestruturar e abalizar este livro, a fim de acrescentar as digressões
necessárias para explicar e demonstrar os nexos faltantes deste texto em ordem
a toda a filosofia aristotélica.
Por fim, se relembra que fora dito que através da Metafísica
se pode provar, de maneira irrefutável, que Aristóteles é o maior de todos os
filósofos; realmente, isso é um fato; todavia, não somente através da Metafísica,
mas também através das Categorias se pode constatar que Aristóteles é,
por honra mais do que devida, o Filósofo.
Soli Deo Gloria!
In Nomine Iesus!
Dezembro de 2024.
Esboço do Livro das Categorias.
Parte I: Os Anti-Predicamentos (Caps. I-III).
Capítulo I: As Coisas Predicáveis.
Capítulo II: As Coisas Predicamentais.
Capítulo III: As Coisas Predicamentadas.
Parte II: Os Predicamentos (Caps. IV-IX).
A. A Primeira Categoria Geral (Caps. IV-V).
Capítulo IV: O Preâmbulo às Categorias.
Capítulo V: A Substância.
B. A Segunda Categoria Geral e Suas Características
(Caps. VI-IX).
Capítulo VI: A Quantidade.
Capítulo VII: A Relação.
Capítulo VIII: A Qualidade.
Capítulo IX: Os Seis Predicamentos em Comum.
Parte III: Os Pós-Predicamentos (Caps. X-XIV).
Capítulo X: Os Opostos.
Capítulo XI: Os Contrários.
Capítulo XII: O Anterior.
Capítulo XIII: O Simultâneo.
Capítulo XIV: O Movimento.
Capítulo XV: O Ter.
Prólogo.
1. O livro dos Predicamentos, ou Categorias,
segundo Boécio, versa sobre as dez palavras que concernem aos dez primeiros
gêneros das coisas no que são significantes[1],
isto é, a partir de quando estão na dialógica predicáveis-predicadas; pois, o
que concerne a lógica, é a consideração das coisas que são significantes, ao
passo que a medida que são significadas se as compreende não apenas como
intenções lógicas, mas como realidades.
2. Deste modo, o Filósofo, neste livro, inicia as
elucubrações sobre a lógica enquanto ciência dos predicamentos, em ordem ao
ente; mas, não ao ente enquanto ente, como se faz na Metafísica, mas ao
ente predicável e suas nuances; pois, compreender as partes do ente e suas
elucubrações, é o que antecede o estudo da sabedoria; mais propriamente, é uma
propedêutica do estudo da sabedoria; e, como as partes do ente, diz respeito
inicialmente ao ente predicável, então, compete analisar o que concerne ao ente
predicável antes de propriamente se adentrar as esferas modais do ente.
3. E a lógica é a parte da filosofia que versa sobre o
ente predicável (por isso, é a propedêutica da filosofia); especificamente, a
primeira parte da lógica; pois, a lógica é subdividida em duas partes: a
teórica e a prática; a teórica versa sobre o ente predicável, e consta nas Categorias
e no Sobre a Interpretação; a prática versa sobre o silogismo e consta
dos Analíticos aos Elencos Sofísticos (ou Refutações
Sofísticas).
Ora, quanto a parte prática, não há muito o que se
afirmar de antecedência, visto estar basicamente completa, embora se tenham
muitos textos faltantes em relação a sofística; no entanto, quanto a parte
teórica, apenas o Sobre a Interpretação é um tratado mais completo,
enquanto as Categorias é um texto fragmentário e com inúmeros problemas
teoréticos, mas que demonstram uma óbvia “ambição metafísica”, embora
sujeita a dialógica ambígua entre o que é predicável e o que de fato é
predicamentado (ou: entre as noções lógicas e as coisas e/ou os seres).
4. Portanto, na elucubração sobre as Categorias
há de se compreender que os problemas predicamentais evocados são de suma
importância, conquanto sejam de grande dificuldade; por isso, se compreende que
mesmo que o livro dos Predicamentos esteja incompleto e seja
fragmentário, é um dos mais importantes livros da filosofia.
Assim sendo, compreender estes problemas é iniciar o
estudo da filosofia pela propedêutica da filosofia, ao mesmo tempo em que
elenca-se questões que inferem diretamente a compreensão sobre a Filosofia
Primeira; no entanto, os problemas predicamentais, hão de ser analisados
tendo em vista a lógica.
Logo, se deve primeiro evocar estes problemas e
demonstrá-los de acordo com a ordem do texto, para depois, se procurar
explicá-los e resolvê-los.
5. E isto não é algo tão simples; pois, ao se evocar
estes aspectos, o texto das Categorias, que historicamente é dividido em
três partes: anti-predicamentos (caps. I-III), predicamentos (caps. IV-IX) e
pós-predicamentos (caps. X-XV), certamente evocará problemas tão aporéticos que
pensar-se-á serem mais de três livros distintos que foram acoplados juntos;
muito embora isso possa assim parecer, no entanto, se compreende que é apenas
um único livro, que fora junções das notas de aulas sobre este assunto, muito
provavelmente coletados pelo Filósofo quando este estava doente e pouco antes
de morrer[2],
demonstrando com isso que não teve o tempo e as forças necessárias para
elaborar um tratado mais preciso, tal como fizera com o Sobre a
Interpretação e em outros escritos.
6. Deste modo, a estrutura fragmentária, e os grandes
nexos faltantes entre uma parte e outra, principalmente nos anti-predicamentos
e nos pós-predicamentos, ao serem olhados com mais cuidado, fornecerão
instrumentos significativos para a elucubração filosófica; com isso, se
estabelece tais reflexões com o objetivo de aclarar o significado das partes
gerais e o conteúdo do livro das Categorias, para abalizar a primeira
coluna da parte teórica da lógica, seguindo a linha dos comentadores antigos, a
fim de esclarecer da melhor maneira possível este singular texto do Filósofo.
Pois, além de versar sobre os problemas
predicamentais, as reflexões provenientes deste livro, fornecera os insights
necessários para as elucubrações que formaram outros icônicos livros da
história da filosofia, tais como, a Isagoge de Porfírio, tida como um
modo de introdução as Categorias; a Paráfrase Temistiana, um
outro modo de compreender a designação das dez categorias; o Livro dos Seis
Princípios; etc. Na verdade, estes três livros supramencionados se
concatenam quanto aos problemas anti-predicamentais; etc.
7. Portanto, ao se explicar as Categorias,
tendo em vista estes aspectos, se compreende que é o texto fundamental pelo
qual se entende o propósito e a intenção do Filósofo nos livros que compõem o Órganon;
por isso, para Alberto, a lógica é a ciência pela qual se alcança o
conhecimento do que é desconhecido através do que é conhecido[3]; logo,
a partir do conhecimento do que versa as Categorias, se consegue aclarar
os aspectos desconhecidos, através dos quais, se avança em direção ao que é
conhecido e ao próprio de modo de conhecer e ao modo de significar.
8. Pois, a lógica, principalmente em sua parte
teórica, versa sobre aspectos desconhecidos a partir dos conhecidos, para que o
que é desconhecido seja mais facilmente compreendido, e assim, o modo de
conhecer se torne mais abalizado pela explicação do que já se conhece; por
isso, posteriormente, o Filósofo vai afirmar que todo ensino e toda instrução
intelectual procedem de conhecimento pré-existente (cf. Anal. Post. 71a1); etc.
Logo, a instrução intelectual precedente fundamental a
qualquer saber e conhecimento, é o conhecimento e o entendimento sobre os
preceitos lógicos concernentes a predicação (Categorias) e a
interpretação (Sobre a Interpretação), e modo como os entes são
expressos racionalmente de maneira correta, a saber, através do silogismo, que
se subdivide em algumas espécies, dando forma aos livros subsequentes a
primeira parte da lógica, isto é, os livros da segunda parte da lógica; etc.
§ 1. A
razão dos anti-predicamentos.
(Cat., I-III, 1a1-1b24)
9. A primeira parte do livro das Categorias são
os anti-predicamentos (caps. I-III); e os anti-predicamentos são subdivididos
de dois modos: primeiro, quanto a estrutura predicatória; segundo, quanto aos
preceitos predicatórios.
10. Em relação ao primeiro, se o subdivide em três
modos: primeiro, as coisas predicáveis (cap. I); segundo, as coisas
predicamentais (cap. II); terceiro, as coisas predicamentadas (cap. III).
Ora, esta subdivisão é a que concerne quanto aos três
capítulos dos anti-predicamentos, e está em ordem a estrutura geral do livro,
que embora fragmentário, tem o nexo geral quanto ao tema fundamental da
primeira parte da parte teórica da lógica.
11. Em relação ao segundo, se o subdivide em dois
modos: primeiro, em relação aos modos e as formas de predicação, ou primeiros
princípios anti-predicamentais (cap. I); segundo, em relação aos preceitos
ontológicos dos anti-predicamentos (caps. II-III).
Ora, esta subdivisão concerne ao entendimento da
profundidade e de toda a ampla gama de problemas predicatórios e ontológicos
que estão imbuídos nos anti-predicamentos; pois, enquanto no cap. I se aclara
uma série de problemas e pressuposições quanto as noções lógicas, que permeia
desde a noção do ato predicatório até a noção da posição da analogia na ciência
dos predicamentos, nos caps. II-III se aclara uma série de problemas e
pressuposições quanto as noções ontológicas, tanto em relação as coisas quanto em
relação aos seres, muito embora sob a estrutura predicamental.
Por isso, dos caps. II-III, surge uma série de
preceitos que dão origem tanto a Isagoge de Porfírio, que neste sentido
busca ser uma introdução aos predicamentos (caps. IV-IX), ao invés de uma
introdução geral as Categorias como muitos parecem propugnar; quanto ao Livro
dos Seis Princípios, que emerge da dialógica que está no cap. II (e que
também está no cap. IX); mas que mesmo com estas obras parece permanecer
incompletas, alcançando alguma completude de sentido apenas com o “Tractatus brevis de modis distinctionum” (Tratado breve sobre o modo das
distinções) de Pedro Tomás.
12. Além disso, a estrutura disposta no cap. II,
demonstra tanto o que concerne a predicação, nas Categorias, quanto aponta
para o que concerne a interpretação; portanto, se estabelece tanto o preceito a
respeito de como se predica as coisas incomplexas, através das dez categorias,
quanto o preceito de como se entende as coisas complexas, através das orações,
tal como se demonstra nas duas partes do Sobre a Interpretação.
13. Deste modo, a razão dos anti-predicamentos se
estabelece em um preceito tríplice, a saber: primeiro, os aspectos antecedentes
aos predicamentos; segundo, os preceitos ontológicos da lógica; terceiro, as
primeiras percepções quanto ao ato predicatório.
14. Primeiro, os aspectos antecedentes aos
predicamentos; ora, os anti-predicamentos, evidentemente, são os antecedentes
dos predicamentos; Alberto os intitula de “antecedentibus ad scientiam libri
preadicamentorum” (antecedentes ao livro da ciência dos predicamentos); na
verdade, não somente antecedentes aos predicamentos, mas nos preceitos imbuídos
nos anti-predicamentos, se haure o necessário para estabelecer a base
introdutória da lógica; pois, para Alberto, é a partir da Isagoge de
Porfírio que se tem uma introdução a lógica, o que o grande mestre alemão chama
de “antecedentibus ad logicam” (antecedentes a lógica); todavia, como já
fora afirmado, a Isagoge não é uma introdução às Categorias como
um todo, mas uma introdução específica aos predicamentos (caps. IV-IX); logo,
não está em ordem a Isagoge o dignar os antecedentes da lógica, mas sim
os anti-predicamentos, que em linha gerais não é somente a parte inicial das Categorias,
mas de toda a lógica.
Portanto, os anti-predicamentos estabelecem os
antecedentes aos predicamentos, ao mesmo tempo em que fornece os preceitos
necessários para os antecedentes a lógica como um todo; por isso, antes de
adentrar aos predicamentos é necessário se compreender três coisas: primeiro, a
designação da possibilidade da predicação, ao evocar o ente como algo
predicável, e, consequentemente, em sua tríplice relação predicamental, a
saber, os equívocos, os unívocos e os cognominados (cap. I); segundo, a
demonstração da predicação, ao evocar o ente predicado numa relação quadrupla
com a designação predicamental, e isto a partir de sua dupla distinção, a
saber, ou como incomplexo, ou como complexo (cap. II), sendo o objeto próprio
das Categorias, os incomplexos; terceiro, a evidência da predicação, ao
evocar o modo como as coisas predicamentadas estão dispostas num enunciado com
sujeito e predicado, e isto a partir de uma dupla distinção, a dos gêneros e a
das diferenças (cap. III).
E isto tudo abalizado propriamente pelo encargo
textual, pela estrutura textual, pela normativa textual, e por tudo aquilo que
está disposto de modo peculiar nas entrelinhas do cap. I.
15. Segundo, os preceitos ontológicos da lógica; ora,
o cap. I, abaliza tudo quanto diz respeito aos anti-predicamentais, mas também abaliza
um preceito fundamental nas entrelinhas do cap. II, a saber, os preceitos
ontológicos da lógica; a lógica não é ciência real, mas é instrumento para
ciência real (Metafísica), como Calov demonstrara[4].
Logo, na estrutura quadrilátera evocada no cap. II a
partir da designação do sujeito, se tem um preceito ontológico que evoca a
própria estrutura ontológica da realidade, bem como o modo como esta estrutura
se dá no ato predicatório; ora, isto é demonstrado através dos quatro tipos de
ente evocados nas distinções do sujeito propugnadas pelo Filósofo na segunda
parte do cap. II, pois, como se sabe o cap. II é subdividido em duas partes: a
primeira, onde se fazem duas divisões; uma, onde trata das coisas incomplexas e
complexas (cf. Cat. 1a16-19); e outra, onde trata dos quatro tipos de ente de
acordo com a designação do sujeito (cf. Cat. 1a20-28). E a segunda, onde a
evoca a definição do que existe no sujeito (cf. Cat. 1a29-1b9).
16. Terceiro, as primeiras percepções quanto ao ato
predicatório; ora, os anti-predicamentos abalizam as percepções iniciais a
respeito do ato predicatório, a fim de ajuizar o que concerne a este ato feito
indistintamente por todos os seres humanos, mas que muitas vezes sequer é
elucubrado de modo adequado; assim, as primeiras percepções quanto ao ato
predicatório são compreendidas a partir do modo da predicação e da maneira como
a predicação é demonstrada e evidenciada.
Pois, existe uma diferença entre o que é predicado de
acordo com a preceituação silogística, e expresso em dez categorias, e o que é
predicado mormente com a preceituação real, e expresso em dez gêneros de
realidades; os vocábulos são os mesmos, o número de categorias também, mas a
forma de expressar e o entendimento no ato predicatório são diversos.
Assim sendo, as primeiras percepções quanto ao ato
predicatório demonstram a diferença entre o preceito tópico a respeito das
categorias, tal como no livro dos Tópicos, e parte do sujeito da parte
prática da lógica, e o preceito predicamental a respeito das categorias, tal
como no livro das Categorias, e parte do sujeito da parte teórica da
lógica. Ou, como um estudioso aristotélico bem afirmara: “As duas obras
tratam a mesma relação mas com nuances diferentes: os Top. concentram-se nos
dez predicados, as Cat. nos gêneros de realidades expressados por aqueles”[5];
ou dito de outro modo, as categorias a partir do preceito tópico dizem respeito
ao silogismo, e as categorias a partir do preceito predicamental dizem respeito
aos gêneros de realidade.
Com isso, o que concerne ao preceito tópico, é
entendido a quem já dominou o raciocínio como algo consciente; enquanto que o
que concerne ao preceito predicamental, é entendido por quem está desenvolvendo
a compreensão sobre o saber e sobre a primeira das operações do intelecto; assim,
as operações do intelecto são sempre lógicas, pois, um intelecto permeado pela
sobriedade racional está em ordem, e esta ordem é demonstrada pela forma como a
estrutura da lógica está disposta. Por isso, a inteligência se desenvolve na
abstração da realidade, já que está em consonância com a ordem da realidade,
expressa em termos lógicos com e nas operações do intelecto.
17. A razão dos anti-predicamentos está em ordem ao
que significa o livro das Categorias, como primeira coluna da parte
teórica da lógica; e, mesmo que o texto esteja fragmentário, as possibilidades
demonstradas no texto concernem aos mais importantes problemas lógicos, que
depois são retomados e analisados de outro modo na Metafísica; pois, as
noções lógicas são permeadas pelo ser já que provêm da realidade, muito embora
não versem sobre o ser enquanto o ser, objeto da Metafísica, mas versam
sobre o ser enquanto bem que está inerente nas coisas e nos seres; por isso, as
noções lógicas também tem algo deste bem; portanto, as noções lógicas são
permeadas pelo ser enquanto bem presente nas coisas e na natureza das coisas,
tal como se demonstra no ato predicatório, ou a apreensão dos indivisíveis (cf.
De An. 430a26).
18. Portanto, compete compreender o que concerne a
cada um dos capítulos dos anti-predicamentos. Pois, em cada capítulo dos
anti-predicamentos, se tem um preceito que abaliza o entendimento sobre os
predicamentos e do que concerne a tarefa da predicação; e, embora o livro das Categorias
careça de um proêmio, pois, já adentra na descrição dos três modos de predicar,
os problemas anti-predicamentais são por si um caso a parte nas elucubrações
lógicas; no entanto, o que está delineado nos anti-predicamentos é suficiente
quanto ao entendimento sobre o que antecede a compreensão sobre os
predicamentos e sobre a lógica como um todo; por isso, podem ser intitulados de
problemas concernentes a “lógica pura”.
19. Ora, o que concerne ao cap. I, são as coisas
predicáveis; pois, toma-se o termo coisa como descrição genérica para os entes
existentes; logo, o cap. I versa sobre as coisas predicáveis, sobre o que pode
ou não ser predicado; com isso, se afere a possibilidade da predicação e sua
compreensão quanto ao modo como o que é predicado é expresso enquanto tem por
parâmetro outro algo real; pois, se se predica determinado algo, o modo de
expressar este algo predicado se coaduna com outro algo real que já fora predicado;
portanto, o que é predicado demonstra-se ou pela homonímia, ou pela sinonímia,
ou pela paronímia, tendo como parâmetro outro algo demonstrado desta forma.
E, isto, evidentemente, embora pareça destoado da
reflexão predicatória, descreve um princípio fundamental, já que tudo que é
predicado ou se defronta com alguma dessemelhança em algo já predicado, que dá
origem aos homônimos; ou com alguma semelhança em algo já predicado, que dá
origem aos sinônimos; ou ainda ao mesmo tempo com alguma
semelhança-dessemelhança em algo já predicado, que dá origem aos parônimos.
Além disso, a ordem propugnada também infere algo em
relação a predicação; pois, o Filósofo, respectivamente, apresenta os
homônimos, depois os sinônimos, depois os parônimos; e esta é a ordem que
ocorre realmente quanto ao ato predicatório; pois, sempre se predica algo em
equivocidade, depois, compara-o ou acomoda-o a algo em univocidade, e, por fim,
surge algo em estrutura cognominada. Logo, o que primeiro é conhecido é o que é
desconhecido, ou que não é expresso num enunciado, mas que é apresentado por um
dos dez gêneros de realidades ou categorias.
Mas, em suma, esta designação do cap. I, ainda se mantém
propriamente no âmbito apenas das noções lógicas, embora a significação seja
algo que ocorra realmente, isto é, com um referente. Pois, como versa sobre o
que é predicável, então, estabelece-se na possibilidade de ser predicado, a
qual se for efetivada, se dá do modo que fora descrito. Logo, somente o que se
mostra como predicável, é que realmente se torna algo predicamental e/ou
predicamentado.
20. Ora, o que concerne ao cap. II, são as coisas
predicamentais; pois, o que é descrito como predicável, ao ser predicado, se
torna algo predicamental; assim, tudo o que é predicamental, em suma, é algo
que já fora predicado, ou está expresso como incomplexo, e assim se defronta
com alguma das categorias, ou está expresso como complexo, e assim está
disposto num enunciado. Logo, as coisas predicamentais, estão dispostas de dois
modos: primeiro, em relação a distinção entre incomplexos e complexos; segundo,
a definição das coisas predicamentais em quatro classificações.
Deste modo, o que concerne ao primeiro modo, abaliza a
distinção da parte teórica da lógica em dois princípios gerais: o primeiro,
quanto as coisas incomplexas, nas Categorias; o segundo, quanto as
coisas complexas, no Sobre a Interpretação. E o que concerne ao segundo
modo, abaliza a compreensão sobre os tipos de ente de acordo com a ordem
ontológica da realidade.
Portanto, as coisas predicamentais, abalizam o que
concerne aos preceitos constituintes da lógica, bem como abaliza a compreensão
do que concerne as coisas complexas, já que demonstra que as coisas complexas
estão no sujeito, e possuem algum predicado, embora só sejam realmente
elucubradas a partir da investigação sobre o enunciado; no entanto, a segunda
parte do cap. II e o cap. III, são uma forma de introdução geral à segunda
operação do intelecto.
21. Ora, o que concerne ao cap. III, são as coisas
predicamentadas; pois, o que é predicamental, ao ser demonstrado, se torna algo
predicamentado; assim, o que fora predicado, se demonstra como predicamentado
através de um sujeito e de um predicado, isto é, num enunciado, onde se tornam
evidentes os gêneros e as diferenças do que fora predicado; com isso, as coisas
predicamentadas, complementam a designação das coisas predicamentais, e
encerram o que concerne a compreensão sobre as coisas complexas; e, conquanto
as Categorias versem sobre as coisas incomplexas, antes de propriamente
designar o que concerne as categorias pelas quais as coisas incomplexas são
expressas, é necessário compreender o modo como as coisas que estão em
combinação (ou em proposição) são expressas, donde se afirmar as mesmas como
coisas predicamentadas, isto é, as coisas predicadas que estão em combinação, e
por isso possuem sujeito e predicado.
Deste modo, as coisas predicamentadas são um anteposto
aos predicamentos; pois, tudo quanto concerne as coisas predicamentais (cf.
Cat. 1a16-19), segue-se logicamente a partir do cap. IV; no entanto, as coisas
predicamentadas são colocadas para complementar o entendimento designado no
cap. II (cf. Cat. 1a20-22), bem como para abalizar esta questão; por isso,
pode-se afirmar que as coisas predicamentadas são uma espécie de adendo antes
dos predicamentos; e isto não impugna a importância do cap. III, mas esclarece
a razão de ser deste capítulo diante da estrutura e dos preceitos concernentes
a ciência predicamental.
22. E o que fora dito basta quanto a compreensão a
respeito da razão dos anti-predicamentos, que serve não somente de antecedente
aos predicamentos, mas que se for analisada e extraída toda a profundidade que
está imbuída neste pequeno texto, se obtém os princípios teóricos basilares do
que se constitui a lógica, e, por consequência, de todo a enciclopédia do saber.
Ora, isto basta quanto a uma apresentação dos anti-predicamentos.
§ 2. A
razão dos predicamentos.
(Cat., IV, 1b25-2a10)
23. A segunda parte do livro das Categorias são
os predicamentos (caps. IV-IX); e, os predicamentos são entendidos de dois
modos: primeiro, em relação a uma definição em dez vocábulos; segundo, em
relação a uma dupla distinção geral.
24. Em relação ao primeiro, se o subdivide em dez
vocábulos que concernem aos dez predicamentos, os quais são: substância,
quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão.
Estes dez vocábulos designam basicamente o que concerne aos predicamentos. E,
quanto a esta designação não há muito o que falar pois é conhecida e costumeira
na interpretação do livro das Categorias.
25. Em relação ao segundo, se o subdivide em duas
distinções: uma, com a primeira categoria geral; a outra, a segunda categoria
geral e suas características. A primeira categoria geral é a substância (cap.
V); a segunda categoria geral é o acidente e suas características (caps. VI-IX).
E esta dupla distinção, também utilizada em muitos comentaristas antigos, é a
que melhor convém sobre o que concerne a ciência dos predicamentos.
Logo, nesta dupla distinção geral se compreende melhor
o propósito e o encargo dos predicamentos, pois, tudo o que não é substância,
necessariamente é acidente, pois, como Alfarábi afirmara, não há nada além de
substância e acidente[6]; portanto,
ao se subdividir os predicamentos em dois blocos gerais, se compreende a
inter-relação entre as categorias, bem como a suficiência das categorias, tanto
em relação aos dez vocábulos quanto em relação a ordem dos mesmos, e o próprio
modo como as coisas são expressas tanto a partir de si mesmas quanto na própria
ordem da realidade.
26. E, justamente o cap. IV, é o que faz o nexo entre
o que é afirmado na primeira parte do cap. II (cf. Cat. 1a16-19), e entre o que
concerne as coisas incomplexas, a saber, as categorias (cf. Cat. 1b25ss); assim
sendo, é um preâmbulo aos predicamentos; pois, volve-se à linha de argumentação
básica do que concerne as coisas incomplexas, propriamente como aquilo que ao
ser predicado não possui combinação; etc.
27. Deste modo, a razão dos predicamentos é tríplice,
a saber: primeiro, evoca o que se refere as coisas incomplexas; segundo,
delineia o que é necessário compreender primeiro em relação ao ato
predicatório; terceiro, designa os preceitos básicos da análise da realidade.
28. Quanto ao primeiro, se entende duas coisas:
primeiro, que tudo que não possui combinação, é algo incomplexo; pois, a
não-combinação afere algo que não foi relacionado de maneira real com outro
algo quanto a expressão formal na linguagem. Segundo, que os incomplexos são a
base para o conhecimento dos complexos, e com isso, proporciona o conhecimento do
que é desconhecido através do que é conhecido; por isso, Alberto assevera: “as
duas coisas que, quando são desconhecidas, desejamos conhecer, a saber, o incomplexo
e o complexo”[7];
logo, os incomplexos são a base para o conhecimento dos complexos, bem como da
apreensão do que é desconhecido através do que é conhecido.
29. Quanto ao segundo, se entende que o ato
predicatório se dá de uma determinada maneira; e, em relação a isso, se
compreende tanto o que concerne as operações do intelecto, quanto o que
concerne ao que primeiro é necessário compreender no ato predicatório, pois, do
mesmo modo como o que é incomplexo abaliza a compreensão do que é complexo, o
ato predicatório demonstra o modo de operação do intelecto quanto ao que é
predicado, a saber, por assimilação e acomodação; assimilar o que é
desconhecido e acomodá-lo com o que é conhecido. O ato predicatório
fundamentalmente se dá desta maneira, donde a primeira coluna da parte teórica
da lógica ter por objeto a apreensão dos indivisíveis.
30. Quanto ao terceiro, se entende duas coisas:
primeiro, que a análise da realidade é feita tanto de modo abstrativo, ao se
abstrair o saber da realidade, quanto de modo estrutural, ao se compreender que
o saber que emerge da realidade tem uma estrutura ressoante com a própria
realidade; logo, da análise da realidade se abstrai o saber que se coaduna com
a própria realidade e com a ordem da realidade demonstrada na ordem do próprio
saber. Segundo, que a análise da realidade desenvolve a inteligência, pois, a ordem
das operações da inteligência é a mesma que a das operações reais dos entes na
realidade, bem como é mesma da ordem das operações lógicas; logo, na análise da
realidade existe uma harmonia entre as operações dos entes reais, a abstração
destas operações pela inteligência, e das próprias operações da inteligência na
abstração da realidade; e estas são, por sua vez, demonstradas na ciência da
lógica[8].
31. Assim, fica designado o que concerne aos
predicamentos, numa estrutura geral mais abalizada e menos fragmentária do que
os anti-predicamentos; mas, com vários aspectos imbuídos nas entrelinhas que
tornam os predicamentos uma mina de ouro que permeia não só a lógica, mas a
física, a metafísica, a ética e as artes, isto é, em como está disposto todo o corpus
aristotelicum.
Logo, os predicamentos são uma forma de entender não
somente as coisas incomplexas, mas de tudo aquilo que está como incomplexo em
toda a realidade, desde os entes naturais visíveis, até as operações ocultas da
natureza; etc.
Pois, os entes reais, quando são predicados, estão em
ordem aos predicamentos, que nada mais é do que a descrição em preceitos
instrumentais do que concerne a própria ordem da realidade. Donde, a lógica ser
o instrumento do saber e para o saber, e a base instrumental da enciclopédia do
saber humano.
32. Portanto, o que concerne aos predicamentos está
delineado no cap. IV, tanto na descrição das categorias, quanto no modo como
estão as categorias. Com isso, cumpre analisar os predicamentos a partir da
dupla distinção geral, a saber: a substância (cap. V), e o acidente e suas
características (caps. VI-IX).
§ 3. A
substância.
(Cat., V, 2a11-4b19)
33. A primeira categoria geral é a substância (cap.
V); pois, entre o que é predicado, é necessário que venha em primeiro lugar o
que é predicado primeiro tanto na ordem ontológica quanto na ordem de
eminência, a saber, a substância; por isso, se afirma que da primeira categoria
geral se haure o princípio do primado ontológico do indivíduo (cf. Cat.
2a11-14); e, isto está ordenado quanto a ordem da realidade, tanto no sentido lógico,
quanto no sentido metafísico; ora, no sentido lógico se prova na própria definição
de substância, o que o Filósofo faz neste livro; já no sentido metafísico, se
prova na Metafísica; etc.
34. Embora tal descrição demonstre o preceito do
primado ontológico do indivíduo de acordo com a filosofia e a teologia, se nos
interessa primordialmente aqui a descrição filosófica; logo, cumpre entender os
modos como a substância está disposta como primeira categoria geral a partir da
filosofia; e, sobre isso, se constata que este capítulo está subdivido em duas
partes: primeiro, a definição de substância; segundo, as propriedades da
substância.
35. Primeiro, a definição de substância; em primeiro
lugar, o Filósofo fornece uma definição de substância (cf. Cat. 2a11-3a7); ora,
quanto a isso faz duas coisas: primeiro, define o termo substância (cf. Cat.
2a11-34); segundo, distingue as espécies de substâncias em primárias e
secundárias (cf. Cat. 2a35-3a7).
Ora, quanto ao primeiro, ao definir substância, define
tanto o que concerne a esta categoria em particular, quanto ao que concerne a
ordem ontológica em geral, já que ao definir a substância, também estabelece o
primado ontológico do indivíduo demonstrando assim os entes necessários da
ordem da realidade. Além do que, a substância primária, como não é predicada, é
a condição necessária de toda predicação, como afirmara Trendelenburg[9]; o
que faz aferir os graus de eminência em relação as substâncias primárias,
chegando assim a Substância Primeira, fundamento de toda ordem e de todas as
substâncias primárias; etc.
Ora, quanto ao segundo, ao se distinguir substâncias
primárias e secundárias, se faz a distinção entre os seres eternos e
necessários tais como Deus, as inteligências separadas (cf. Da Inter. 23a23-24),
etc., e os seres temporais tais como os corpos celestes, as coisas, o homem, os
animais, etc.; e, desta distinção depende toda a compreensão sobre a ordem
ontológica da realidade (Metafísica ou Filosofia Primeira), bem como a
ordem de eminência na natureza e no movimento das coisas naturais (Física ou
Filosofia Segunda).
36. Segundo, as propriedades da substância; em segundo
lugar, o Filósofo analisa as propriedades da substância (cf. Cat. 3a8-4b19); e,
evidentemente, esta é a parte mais longa deste capítulo; pois, as substâncias
possuem propriedades que demonstram se são substância primárias ou secundárias,
bem como demonstram que tipo de substâncias são quanto a ordem da realidade, se
são naturais e geradas, ou espirituais e não-geradas; etc.
Por isso, as propriedades das substâncias, são um modo
de compreender o que substancial e o que não é substancial; pois, entre as
substâncias, existem as substâncias substanciais e as que não são substanciais;
ora, as substâncias substanciais são as que existem por si além da máquina do
mundo, e as substâncias que não são substanciais existem entre si e são
mantidas pela causa primeira através de segundas causas; e esta distinção se
aplica tanto no que concerne as substâncias primárias quanto ao que concerne as
substâncias secundárias; mas é propriamente parte da investigação que concerne
a Metafisica.
Pois, as propriedades da substância são aferidas no
ato predicatório, a partir da própria substância, ou de maneira unívoca, ou de
maneira equívoca, ou quando da inter-relação com outra substância, de maneira
cognominada; portanto, se compreende a razão do Filósofo ter iniciado o livro
das Categorias, primeiro pela tríplice distinção como primeiros
princípios anti-predicamentais, e tal distinção se mostrar evidente tanto na
primeira categoria geral, a substância, quanto na segunda categoria geral, o
acidente.
37. Na verdade, as propriedades de uma categoria geral
é o que demonstra como o que fora predicado está em relação ao sujeito e/ou
como se encontra em um sujeito; no caso da substância, se constata que a mesma
não se encontra num sujeito e nem é afirmada de um (cf. Cat. 2a11-13), e isto
em relação a um sujeito predicado tendo por base um sujeito predicador; etc.
Pois, dos princípios da substância se abstrai a
natureza do acidente, como afirma Kilwardby[10]; por
isso, Alberto afirma que a substância é o primeiro gênero de todos [os
predicamentos], e um certo princípio de todos os predicamentos[11].
Assim, das propriedades da substância se haure os
princípios da segunda categoria geral e de suas características, bem como dos
princípios pós-predicamentais; pois, os princípios da substância delineiam e
abalizam os princípios de todos os predicamentos, tanto na lógica, quanto na
metafísica; pois, a substância primeira, é que abaliza as substâncias
primárias, e assim por diante, tanto na ordem das causas quanto na ordem dos
causados.
38. Portanto, quanto aos predicamentos, principalmente
quanto a primeira categoria geral, o Filósofo conseguira alocar tudo
corretamente e esta parte do texto dos Predicamentos quase não é
fragmentária e nem possui nexos faltantes tal como os anti-predicamentos e os
pós-predicamentos; logo, não há muito o que falar a título de introdução além
do que fora descrito, sendo propriamente a explicação deste texto o que melhor
delineia o que concerne a própria substância enquanto termo predicamental. Ora,
isto que fora dito basta quanto a apresentação da primeira categoria geral.
§ 4. O
acidente e suas características.
(Cat., VI-IX, 4b20-11b14)
39. A segunda categoria geral é o acidente, e,
consequentemente, suas características mais comuns (caps. VI-IX); pois, como se
afirma a partir dos antigos comentaristas, o acidente é algo que acontece ao
sujeito passível de corrupção; por isso, a definição de Porfírio é a mais
utilizada, a saber: “o acidente é o que pode aparecer e desaparecer sem
provocar a destruição do sujeito”[12];
a qual é embasada na definição do Filósofo no livro V da Metafísica, de
que acidente é qualquer atributo que se possa aplicar a um sujeito, não em
função de ser um sujeito em particular ou de se ter um tempo ou lugar
particulares (cf. Met. 1025a23-25).
Logo, a definição de acidente se dá a partir da
designação do sujeito; ora, como a substância, a primeira categoria geral, é
aquilo que não é nem dito nem afirmado de um sujeito (cf. Cat. 2a12), então, o
acidente, a segunda categoria geral, é o que é passível de ser sujeito ou de
ser afirmado a partir de um sujeito.
Por isso, na segunda parte do cap. II, o Filósofo houvera
feito a descrição da divisão ontológica dos seres, e das classificações a
partir do sujeito, na qual se encontra a própria subdivisão dos predicamentos
em substância e acidente.
40. Deste modo, segundo Alberto, o ente passível por si
de ser predicável é substância, enquanto que o ente que não é por si predicável
ou é passível de ser sujeito, é acidente[13];
ora, o ente passível de ser predicável por si, na definição ferreirina, é a
matéria; pois, a matéria é passível de ser predicada por si; e o ente que não é
passível de ser predicável por si, o acidente, como na definição ferreirina, é
a forma; pois, a forma não é passível de ser predicada por si; a forma permeia
o que é per accidens, por isso mesmo, adquirindo formas predicamentais
diversas, que se estende em nove predicamentos distintos.
E, embora a distinção matéria-forma se dê mais
propriamente na Metafísica, tal distinção já se encontra presente nos
predicamentos, dado a lidar com realidades e não apenas com noções lógicas; por
isso, as definições ferreirinas são corretas neste sentido, muito embora o
filósofo brasileiro as tenha empregado no sentido metafísico nos predicamentos,
o que, por si, é um erro - basicamente o erro comum de quase todos os filósofos
posteriores a Scotus e Ockham[14]; etc.
Assim, se pode acoplar tal distinção para melhor
compreender os gêneros de realidade aos quais se referem as categorias; no
entanto, não em relação ao ente enquanto ente, mas ao ente enquanto predicável
ordenável a partir das coisas existentes. Por isso, o que é predicável por si é
forma, e o que não é, é matéria; e isto em ordem as noções lógicas as quais são
extraídas das realidades; pois, o que é predicado, não diz respeito a apenas
noções lógicas, mas a realidades; e, sendo realidades, ou lidam com a matéria
ou então com a forma; mas estas enquanto são predicáveis e não quanto a
essência das mesmas (o que concerne a Metafísica).
41. Assim sendo, as características mais comuns ao
acidente são nove, as que o Filósofo enumera nos caps. VI-IX; logo, compete
analisar como cada uma destas características se dá a partir da matéria como
forma, a saber: quantidade, relação, qualidade, lugar, tempo, posição, estado,
ação e paixão.
42. A primeira destas características é a quantidade;
isto é, a medida da extensão de algo que exista continuamente ou discretamente;
por isso, se diz que algo mede 2 metros ou 3 metros, ou então se algo pesa 2kg
ou 3 kg, etc., então se tem a quantidade; logo, a quantidade versa sobre o
contínuo e/ou sobre a descrição da extensão de um ser ou de uma coisa; além
disso, quantidade significa aquilo que é divisível (cf. Met. 1020a8). Ora, o
que é divisível, o é porque é ordenável e dizível; por isso, a primeira das
características do acidente é ser divisível, já que é algo incomplexo; pois, os
incomplexos dizíveis são divisíveis, e, por isso, passíveis de alguma
quantidade.
43. A segunda destas características é o relativo; isto
é, o que está relativo a algo, ou em similitude ou em dissimilitude; pois, o
ser relativo se dá em coisas opostas ou diversas entre si; por exemplo, o dobro
e a metade, são relativos; ou ainda, o triplo e o um terço, são relativos; e
neste sentido os relativos estão em ordem a quantidade ou em relação com a
quantidade.
Além disso, os relativos se relacionam com a qualidade,
pois, algo relativo pode ter semelhança com outro algo, e neste sentido diz
respeito a qualidade (cf. Met. 1021a11).
E, assim, o relativo se relaciona de algum modo com as
outras características do acidente; pois, tudo que possui alguma relação de
similitude ou dissimilitude, ou então da relação entre ambas, é açambarcado em
algum modo de relação.
Mas, além disso, os relativos também podem ser descrições
a partir de pessoas, onde se afirma da relação entre uma ou mais pessoas, tanto
que divergem entre si quanto que concordam entre si; etc.
44. A terceira destas características é a qualidade; isto
é, as características circundantes e mais particulares de um ente quanto ao
modo de sua existência no que lhe compete; por exemplo, a cor, como branco,
negro, etc., a qual é expressão de um acidente nos entes existentes quanto ao
modo de sua existência e não tanto em relação a sua essência. Por isso, se diz
que qualidade é a diferença na substância, isto é, na essência de algo (cf.
Met. 1020a34); donde a partir da qualidade se inferir a diferença entre virtude
e vício, ou das paixões inerentes ao movimento (cf. Met. 1020b14-25), e
similares; etc.
45. A quarta destas características é o lugar; isto é, a
posição dos entes existentes quanto ao seu modo de existir, ou ubicação; por
exemplo, o habitat de um determinado animal, ou então, a posição de uma coisa
ou um ser no espaço, se está em tal ou tal lugar, se está de acordo com as
posições espaciais, ou então, se está dentro ou fora de determinado lugar, e
coisas similares; etc. Por isso, tudo que é incomplexo se enquadra num lugar ou
numa posição espacial, e de acordo com as propriedades ordenantes deste lugar.
46. A quinta destas características é o tempo; isto é, o
movimento do ente existente quanto a sua duração; pois, um ente existe, em
relação a matéria, o tanto quanto é durável em relação ao tempo, mas o ente não
é propriamente o tempo; por isso, quanto a isso, se identifica o tempo, seja em
sua divisão mais simples, em dias, semanas, meses e anos, ou então em sua
divisão mais complexa, a saber, entre tempo e eternidade; pois, todo acidente
tem a característica inegável de estar sob o tempo e não sob a eternidade, e
assim, tem as propriedades inerentes a temporalidade, a saber, o “quando”
característico de todo ente. Por isso, se pode afirmar que o tempo de um ente,
isto é, o “quando” de um ente, é algo incomplexo. Na verdade, quanto a
disposição do tempo em relação a matéria, se pode afirmar que o tempo é algo de
incomplexo.
47. A sexta destas características é a posição; isto é, o
modo como o ente existente está em determinado momento; por isso, tem ligação
com o lugar e o tempo, ou com a ubicação e o quando; logo, se está situado ou
de acordo com a posição espacial (seres), ou de acordo com a posição no reino
natural (coisas); assim, o estar situado diz respeito ou a estar posicionado
(seres animados) ou a ter sido posicionado (as coisas inanimadas). Por isso, a
posição de um ente, seja um ser ou uma coisa, diz respeito ao modo deste ente
na ordem da realidade, já que sendo incomplexo está sujeito as propriedades da
posição em que se encontra.
48. A sétima destas características é o estado (ou ter);
isto é, o que as coisas ou os seres possuem enquanto estão em determinado
lugar, tempo e/ou posição; por exemplo, um ser humano tem um calçado em
determinado local que não o tem em outro, etc.; do mesmo modo, o ter ou não uma
arma, e o estar armado; assim, se constata que o estado de uma coisa ou de um
ser, neste sentido, é o que esta coisa ou ser tem ou possui de acordo com as
características anteriores, ou o que esta coisa ou ser demonstra de si ao existir
(também chamado de hábito).
49. A oitava destas características é a ação; isto é, a
ação que se acomete sobre determinada coisa ou ser; por exemplo, o cortar, que
sucede a um objeto cortável; ou o queimar, que se sucede a um objeto queimável;
etc. A ação tem por característica, tal como se diz no Livro dos Seis
Princípios, o “agir naquilo em que subjaz, tal como se diz 'cortante'
daquele que corta” (II, 16). Por isso, a ação diz respeito ao fazer,
enquanto potência de um ser que está em ato, mas que tende a potência do fazer.
50. A nona destas características é a paixão (ou
padecer); isto é, a ação que se lhe é acometida; por exemplo, o ser queimado é
algo que padece a madeira ou o feno quando nestes é colocado fogo; pois, o ato
de queimar é ação, mas o ser queimado é paixão; no caso da madeira, o queimar é
ação, o ser queimado, é paixão; etc. Por isso, no Livro dos Seis Princípios se
diz que “a paixão é o efeito e a consequência da ação” (III, 29).
Além disso, os entes ao possuírem paixões próprias, isto
permite que a partir destas paixões, isto é, a partir do que padecem, se possa
chegar à cognição dos sujeitos, tal como afirma o Comentador (cf. Met., IX,
cap. 2); pois, a ação que sofre um ente demonstra o modo como se pode inteligir
este ente; e isto se aplica principalmente no que concerne ao ente móvel; etc.
51. E estas são as características do acidente;
evidentemente, o Filósofo também enumera uma lista similar no livro V da Metafísica,
a qual tem alguns insights que ajudam a clarificar estas que enumera no livro
dos Predicamentos; todavia, ao lidar com o ente predicável, o Filósofo
defronta-se com outro problema do que ao lidar com o ente enquanto ente, já que
o ente predicável diz respeito ao modo como as coisas estão e são, e isto em
relação ao modo como estão na realidade, que é o modo como se apresentam a
inteligência já que isto está em ordem a maneira como se as percebe.
Portanto, o acidente que tem sua natureza proveniente da
substância, tanto de modo essencial em ordem ao Ser, ao provir da Substância Primeira,
quanto de modo natural em ordem a natureza, ao surgir e/ou a sofrerem ação a
partir das substâncias primárias e das substâncias secundárias, etc.; assim,
diante dos sujeitos primários da natureza, os acidentes surgem a partir do
movimento destes e da inter-relação entre os mesmos e do que surge desta
inter-relação.
52. No entanto, além destas características que se
evidenciam a partir da descrição do acidente como forma, a partir do cap. IX se
apresentam ainda mais dois aspectos: primeiro, a partir do próprio texto deste
capítulo, que muitos comentaristas pensam ser um adendo para complementar os
predicamentos; segundo, a partir da designação da inter-relação, daquilo que é
chamado dos seis predicamentos em comum, que tem ligação com as seis distinções
evocadas no cap. II (donde surge, como fora dito, uma das pressuposições
fundantes do Livro dos Seis Princípios).
Logo, os seis predicamentos em comum, diz respeito a
certa comunicabilidade da forma a partir da matéria dada algumas
características em comum que são mais próximas do que outras; por isso, da
designação dos predicamentos em comum surge as questões evocadas sobre as
divisões predicamentais (que Boécio esclarece em parte no livro De
Divisionibus).
53. Assim, dos seis predicamentos em comum evocados no
cap. IX, surgem muitas possibilidades predicamentais, que ao serem colocadas em
ordem, e de modo adequado, fornecem inúmeros princípios não só para as
características comuns ao acidente, mas principalmente para o que concerne
tanto a estrutura da ciência dos predicamentos, quanto para as noções inerentes
aos pós-predicamentos.
Pois, do mesmo modo como os predicamentos se referem aos
incomplexos, os pós-predicamentos se referem ao modo como os incomplexos estão
ou ao modo como se os compreende dado a estrutura da luz interior, não somente
quanto a apreensão dos indivisíveis, mas também quanto ao compor e o dividir, e
ainda mais propriamente em relação ao raciocinar.
Por isso, do mesmo como há uma inter-relação entre os
seis predicamentos em comum, também há uma inter-relação entre as noções dos
pós-predicamentos, e esta é aferida pelos seis predicamentos em comum e pelo
que destes surge; e uma inter-relação entre ambos, de modo subsequente e
complementar.
Pois, como diz o Expositor, “onde há seis divisões, é
necessário fazer uma sétima dividida”[15]; e
esta é a razão do Filósofo evocar os seis predicamentos em comum no cap. IX,
delineando-os como seis divisões predicamentais, das quais, evidentemente,
emerge uma sétima dividida, a saber, as noções pós-predicamentais; etc. Ora, o
que fora dito basta quanto a uma apresentação do que concerne a segunda
categoria geral.
§ 5. A
razão dos pós-predicamentos.
(Cat., X-XV, 11b15-15b31)
54. Após os predicamentos, se tem os pós-predicamentos
(caps. X-XV); e os pós-predicamentos tem o mesmo problema dos
anti-predicamentos, a saber, estrutura fragmentária e os nexos faltantes; no
entanto, em menor grau do que nos anti-predicamentos; por isso, a razão dos
pós-predicamentos é fornecer noções funcionais para os termos predicamentais,
como se mostra necessário a partir do cap. IX; pois, logicamente, os conceitos
funcionais dos pós-predicamentos, abalizam muitos aspectos sobre os
predicamentos bem como os abalizam sobre os preceitos comuns ao ente,
principalmente para a compreensão das esferas modais do ente finito para além
da intenção do lógico; ou mais propriamente, ao modo como o ente finito é
predicado e enunciado pelo lógico, e depois explicado pelo metafísico.
55. Assim, nos pós-predicamentos se extraem quatro
princípios fundamentais: primeiro, o da relação opostos-contrários; segundo, o
da inter-relação anterior-posterior; terceiro, o que concerne ao movimento
enquanto noção lógica; quarto, o que concerne as circunstâncias.
56. Primeiro, o da relação opostos-contrários (cap.
X-XI); ora, a relação opostos-contrários designa o modo e a espécie de oposição
e de contrariedade; por isso, o Filósofo investiga primeiro quatro tipos de
oposição, e a partir disso, delineia o que concerne aos contrários; pois, os
tipos de oposição, entre relativos, entre contrários, entre privação e posse, e
entre afirmação e negação, estão, evidentemente, em ordem ao modo e a espécie
da contrariedade, tendo em vista se pertencem ao mesmo gênero; pois, da relação
opostos-contrários, se consegue compreender a relação de proporcionalidade ou
de desproporcionalidade entre um ser e uma coisa, e vice-versa, ou entre um ser
e outro ser, ou entre uma coisa e outra coisa. Portanto, da compreensão sobre a
relação opostos-contrários, se tem a compreensão sobre o modo da existência dos
entes quanto a ordem de eminência da realidade.
57. Segundo, o da inter-relação anterior-simultâneo
(cap. XII-XIII); ora, se afirma a respeito do anterior (e do posterior), em
relação as coisas (cf. Met. 1018b9); com isso, se pode acoplar cinco distinções
predicamentais a respeito de uma coisa ser dita anterior, a saber: quanto ao
tempo, quanto a existência de outra coisa, quanto a ordem, quanto a qualidade,
quanto a causa e os causados. Portanto, uma coisa é anterior a outra, de acordo
com estes modos; e ao constatar que uma coisa é anterior, se constata o modo
como esta coisa está na ordem predicamental, tanto em relação aos primeiros
princípios predicamentais quanto em relação aos predicamentos.
Além disso, se afirma a respeito do simultâneo, tendo
por base o anterior (ou o posterior); pois, se tem uma tríplice distinção a
respeito da simultaneidade, a saber: em relação ao tempo, em relação ao estado
da causa, e em relação da coordenação do mesmo gênero. Ora, a partir da
designação do simultâneo, se constata se uma coisa é ou está em simultaneidade
com outra, o que infere diretamente na interpretação desta coisa que fora
predicada; portanto, o modo da simultaneidade, além de se relacionar com o modo
de anterioridade, também está disposto em ordem a enunciação, pois, tudo o que
é enunciado demonstra o algo do que é anterior e/ou o algo de que é simultâneo;
ou dito de outro modo, demonstra do que provêm e o modo como está; e isto tanto
indica se está em ordem a matéria e o tipo de matéria, quanto indica se está em
ordem a forma e o tipo de forma.
58. Terceiro, o que concerne ao movimento enquanto
noção lógica (cap. XIV); ora, o movimento, enquanto noção lógica, não se refere
ao modo do princípio da natureza, mas a forma deste princípio, a saber, a
mudança; por isso, o movimento enquanto noção lógica se refere a mudança de um ente, seja uma coisa
seja um ser, e o movimento enquanto princípio da natureza se refere ao modo
como os entes estão na ordem natureza; assim, o Filósofo apresenta seis tipos
de mudança, a saber: a geração, a corrupção, o aumento, a diminuição, a
alteração e a mudança de lugar.
Ora, se há mudança, o modo como um ente está, se dá de
acordo com a ordem predicamental, que infere, lugar, posição, etc.; com isso,
se constata que da espécie de mudança se pode aclarar o que um ente é e como o
ente está, isto é, se pode aferir algo tanto sobre sua essência quanto sobre o
modo de sua existência. E isto é fundamental para o lógico, a fim de que a
predicação também esteja em ordem as coisas naturais e não somente ao ser das
coisas enquanto são.
Pois, o lógico não somente predica e enuncia o que
metafísico interpreta, mas também predica e enuncia o que o físico interpreta.
Portanto, a lógica está em ordem tanto à metafísica quanto à física; etc.
59. Quarto, o que concerne as circunstâncias (cap.
XV); ora, todo ente real é acometido por circunstâncias; e as circunstâncias,
as mais das vezes, se dão tanto pela relação opostos-contrários, quanto pela
inter-relação anterior-posterior, bem como pelo movimento; tudo isso, de algum
modo, afeta o ente real, e assim, neste afetar, neste padecer, surgem as
circunstâncias que se acometem ao ente; por isso, se fala, a partir destes
aspectos, que o ente tem algo; os sentidos de ter estão abalizados por estes aspectos
que lhe são antecedentes, já que são os que lhe dão alguma forma.
Pois, tudo o que acontece a um ente na realidade, será
parte do que concerne a este ente; logo, se afirma que tal ente tem isso ou
aquilo, tal como os exemplos evocados pelo Filósofo: o homem tem conhecimento,
tem determinada altura, tem isso ou aquilo, etc. Ora, aquilo que se é difere do
que aquilo que se tem; então, aquilo que um ente tem é acidente em relação ao
que é, mesmo quando deste de algum modo provêm.
60. Deste modo, se observa que nos pós-predicamentos
estão delineados, enquanto noções lógicas e de acordo com a intenção do lógico,
tudo quanto concerne a filosofia; pois, em consonância com os quatro princípios
fundamentais elencados, se estabelecem quatro preceitos filosóficos
fundamentais: primeiro, da relação de dessemelhança dos entes existentes;
segundo, os princípios anteriores e simultâneos ao modo que os entes existem e
estão; terceiro, o preceito que concerne ao movimento, já que tudo quanto existe
está em movimento, pois o movimento é princípio da natureza (cf. Phys. 192b);
quarto, o que concerne ao ser enquanto ente existente e suas circunstâncias
tanto na ordem do ser (ontologia) quanto ao ter - no caso aqui ter como fazer
(filosofia prática ou ética), através do qual se mostra o estado geral de algo.
Ora, nestes princípios se fundam toda e qualquer análise da realidade e da
elucubração filosófica.
61. Além disso, estes princípios fundamentais também
delineiam as regras predicamentais e a estrutura da lógica como ciência, tanto
da parte teórica quanto da parte prática; mas não somente da lógica, mas das
outras partes da filosofia, como por exemplo, se inere a partir dos próprios
pós-predicamentos: a lógica com os caps. X-XI; a metafísica com os caps.
XII-XIII; a física com o cap. XIV; a ética com o cap. XV; etc. Logo, se observa
que em ordem os preceitos pós-predicamentais perfazem toda a estrutura da
filosofia: lógica, filosofia segunda, filosofia primeira, filosofia terceira,
artes.
62. Portanto, os preceitos pós-predicamentais estão em
ordem a toda a filosofia; mais propriamente alguns dos preceitos
pós-predicamentais são aplicados aos princípios fundamentais do ente móvel;
pois, a inter-relação opostos-contrários, e anterior-simultâneo, bem como a
descrição das propriedades do movimento, e a descrição genérica da categoria
estado, estão em ordem aos adjuntos naturais; donde, os pós-predicamentos
também demonstrarem o que se segue a lógica, aquilo que versa sobre os
preceitos instrumentais do que o homem pode fazer e/ou laborar, a saber, as
artes; etc.
63. Com isso, os pós-predicamentos não apenas
apresentam novos conceitos funcionais aos preceitos predicamentais; mas também
versam sobre vários aspectos da filosofia, tanto em relação aos princípios
instrumentais quanto em relação aos princípios reais; logo, o que se segue aos
predicamentos, necessariamente tanto diz respeito a segunda operação do
intelecto, quanto aos elementos fundamentais da reflexão racional; ora, o que
se segue aos predicamentos quanto a operação do intelecto, o Filósofo o trabalha
no Sobre a Interpretação; e o que se segue aos predicamentos quanto aos
elementos da reflexão racional, se estabelecem paulatinamente na sequência dos
assuntos do próprio Corpus Aristotelicum, bem como em relação a ordem
mais adequada à compreensão; etc. Ora, isto que fora dito basta quanto a uma
apresentação do que concerne aos pós-predicamentos.
64. E termina aqui este breve comentário as Categorias de Aristóteles. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
[1] cf. Boécio,
In Categorias Aristotelis Commentaria, livro I, prol.
[2] As teorias a respeito de quando o
livro das Categorias fora compilado são várias; mas, certamente a mais
provável é de que o Filósofo o compilara das notas de suas aulas de quando já
estava doente, provavelmente numa situação similar a descrita no Livro da
Maçã.
[3] cf.
Albertus Magnus, Super Porphyrium De V Universalibus, trat. I, cap. 1.
[4] cf. Abraham
Calov, Encyclopaedias Disciplinarum Realium Ideiae [Lubecae, 1652], § I.
[5] cf. Carlo
Natali, Aristóteles [São Paulo: Paulus, 2016], pág. 51.
[6] cf. Alfarábi, De Ortu
Scientiarum, cap. I.
[7] Alberto
Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. I.
[8] E deixe-se bem claro que se afirma
a proposição de “ciência da lógica” enquanto lógica pura, e não em relação ao
preceito de Hegel.
[9]
cf. Adolf Trendelenburg, Geschichte der Kategorienlehre
[Berlim: G. Bethge, 1846], I, § 10, pág. 53ss.
[10] cf. Robert
Kilwardby, Notulae Super Librum Praedicamentorum, lect. 5.
[11] cf. Alberto
Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. 7.
[12] Porfírio, Isagoge:
Introdução às Categorias de Aristóteles [São Paulo: Attar Editora, 2002],
V, n. 1, pág. 51.
[13] cf. Alberto
Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. 7.
[14] Em relação a lógica, e depois em relação a metafísica, se pode afirmar que
o único filósofo, desde o advento da modernidade (a partir de Scotus), que não
decaíra neste erro fora Edmund Husserl.
[15] Tomás de Aquino, Comentário ao
Sobre a Alma de Aristóteles [Campinas, SP: Vide Editorial, 2024], livro I,
lect. 7, pág 104s.
Nenhum comentário:
Postar um comentário