Desditosa imbecilidade! E por que? Porque ouvi alguém
maldizer Nietzsche com os mais terríveis insultos, com as mais pujantes
resoluções (na verdade, não são resoluções porque nada de verdade possuíam), ao
mesmo tempo com as mais hediondas imbecilidades; e este maldizente terminou
suas falas vociferando: “Nietzsche é apenas um louco!”.
E isso me escandalizou profundamente; e pensei sobre
isso; e resolvi elucubrar sobre isso; por isso, se põe a pergunta: “Será
Nietzsche apenas um louco?”.
E responderei a essa pergunta; e esta resposta
certamente deixará muitos estupefatos; e acabará por segredar, em assombro para
todos, uma confissão filosófica por Nietzsche.
E que entendam isso corretamente!
I
[Nietzsche, gênio multifacetado]
Friedrich Nietzsche; ou simplesmente Nietzsche! E que
seja isso falado em grande exclamação. Pois, só se deve falar de Nietzsche em
tom exclamativo.
Poucos nomes foram tão geniais; poucos tão pouco
amados; poucos tão odiados; poucos tão vituperados; etc. Mas, apesar disso
tudo, Nietzsche permanece; aliás, Nietzsche permanecerá até o fim dos tempos na
galeria dos heróis da razão.
Por isso, será Nietzsche apenas um louco como muitos
gostam de afirmar? Sim, Nietzsche é um louco; todavia, um louco no mais pleno
sentido platônico da loucura; e a verdadeira loucura de Nietzsche não é
propriamente loucura psíquica, mas luta pela sobriedade diante da mais cruel e
hedionda destruição cultural já enfrentada pela humanidade, e que quase ninguém
conseguira se aperceber das consequências desta destruição. Neste sentido, a
loucura de Nietzsche se assemelha a loucura de Hölderlin.
Portanto, é Nietzsche um louco? Sim, é um louco, mas
não apenas isso; na verdade, muito mais do que isso; Nietzsche é muito mais do
que dele se fala; é muito mais do que dele se elucubra; é muito mais do que
dele se esperou e muito mais do que dele continua a se esperar.
E o que Nietzsche é? A resposta é simples: Nietzsche é
um gênio multifacetado!
Nietzsche é filósofo; e seus insights filosóficos são
instigantes, magistrais e provocadores; a tapeçaria filosófica de Nietzsche é
um baú de tesouros; e se Platão e Aristóteles tivessem vindo posteriormente a
ele, certamente o garimpariam com plena estima e muito gosto.
Ademais, Nietzsche é psicólogo; e suas análises
psicológicas são melhores do que as de Freud ou as de Jung; na verdade,
Nietzsche fez com as descrições psicológicas o mesmo que Dostoiévski, apenas
com a diferença de que o gênio das letras russas o fizera em romances e
Nietzsche em textos filosóficos, com a mais precisa mestria poética em seus incomparáveis
aforismos.
Ademais, Nietzsche é poeta; e um grandíssimo poeta;
não somente nas poesias, mas no manejo inigualável da prosa narrativa; a
linguagem encontra em Nietzsche um de seus maiores artífices; e mais
propriamente nas poesias, Nietzsche expressa o inexpressável e alcança agudeza
de análise de um Schiller ou de um Hölderlin; aliás, como escritor Nietzsche é
tão digno de estima quanto, por exemplo, Thomas Mann ou Jakob Wassermann; e em
sua mestria como filólogo Nietzsche é tão genial quanto
Wilamowitz-Moellendorff.
Ademais, Nietzsche é musicólogo; e nesta sua face,
demonstra uma aguda percepção estética, não somente na compreensão dos
fenômenos musicais, mas principalmente no descortinar da “metafísica do
artista”, e num geral de toda a “metafísica da arte”; ninguém
entendeu melhor o fenômeno da aesthetic na alma humana e nas expressões
do artista do que Nietzsche.
II
[Nietzsche como homem]
Mas, além dessas e de outras características,
Nietzsche é humano; retomando suas palavras: “humano, demasiadamente humano”;
e de uma sinceridade inquebrantável; e graças a Deus por isso; assim sendo,
Nietzsche é um “problema” para filósofos, para psicólogos, para
musicólogos, para filólogos, para literatos, etc., enfim para todos aqueles que
adentram aos quarteirões do estudo da sabedoria. E um problema catedralesco.
Nietzsche é humano; e que novamente se reafirme, e com
altaneira exclamação: Nietzsche é humano! E essa é a melhor de suas
características; em filosofia, quase ninguém foi tão humano quanto Nietzsche; e
por essa razão ninguém pode falar tanto e de maneira tão precisa sobre a mente
e o coração humano quanto ele; na verdade, ao ser tão humano pode realmente
entender o que é o divino, e entendê-lo melhor do que muitos que se dizem “cristãos”.
Aliás, por ser demasiadamente humano, a filosofia de
Nietzsche contém elementos de uma “teologia filosófica”, no sentido da teologia
atinente a filosofia, apenas com a carranca negativa da crítica aguda; mas, em
nada desprezível como tão costumeiramente se fala, e em nada tão demoníaco como
se fala.
Pois, ao criticar abruptamente o falso cristianismo de
seus dias, martelando-o, Nietzsche fornecera uma apresentação racional do
verdadeiro cristianismo, ainda que isso não tenha sido percebido; na verdade,
Nietzsche martelando o falso cristianismo apresentou o que concerne
racionalmente ao verdadeiro cristianismo, e fizera isso de maneira que nenhum
filósofo jamais fizera; todavia, o fizera sob os penhascos da metodologia
dialética.
Por isso, a grandeza de Nietzsche está em ser homem;
pois, como ele diz em “Assim Falou Zaratustra” (pref., § 4): “o que é
grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim”; ora, Nietzsche tem
sua grandeza como homem porque ele é uma ponte e não um fim; uma ponte para
compreender o “eu” que domina a cultura totalmente (a saber, Hegel); e não um
fim da reflexão filosófica; a reflexão filosófica não termina em Nietzsche, nem
ele jamais pretendeu isso.
Na verdade, Nietzsche é um meio para compreender - na
verdade o melhor meio para se compreender -, o ímpeto que domina a cultura e
que permeia todos inconscientemente.
Com isso, se pode afirmar em letras garrafais e com
ecos históricos e historiáveis, Nietzsche é um sábio; e que ninguém jamais
duvide disso; e que nenhum insolente ouse levantar a voz contra isso.
Talvez esta seja a melhor maneira de se honrar e
definir Nietzsche adequadamente, apesar de todos os revezes de sua obra e das
incontáveis maledicências e loucuras que foram ditas a seu respeito; na
verdade, loucos são os que chamam Nietzsche de louco sem entender as razões e
motivos de sua loucura - não uma loucura psíquica, mas uma loucura
cultural-existencial; não uma morbus animi, mas uma morbus
existentialis, por não se deixar dominar pelo “eu” que domina a cultura e
subjuga as consciências dos indivíduos a seu sistema (e aqui este “eu” é Hegel).
Nietzsche não se deixou dominar por Hegel, e esta é a
causa de sua “loucura”.
Na verdade, Nietzsche foi o primeiro a lutar contra o
domínio de Hegel no inconsciente da vida cultural (e em relação a isso
poder-se-ia também evocar Husserl) - e saiu vencedor, embora com trágicas
consequências; Nietzsche não sucumbiu a Hegel, e essa é a razão mais pungente
para honrá-lo e admirá-lo; apesar de ter ficado doente e ter sofrido
fisicamente dores terríveis, não foi dominado por este “eu” que subjuga as
consciências a seu sistema; o homem Nietzsche saiu vencedor do confronto contra
o “deus” Hegel; e por esta razão devem ser desferidos os maiores elogios a
Nietzsche.
Somente um homem verdadeiro pode destruir os ídolos
com o martelo; e isso custa muito; o confronto contra os ídolos é tão abrupto e
terrível quanto os males da guerra; mas aqueles que saem vencedores do
confronto com os ídolos se tornam sábios dignos de estima e de respeito.
Nietzsche encarou o crepúsculo dos ídolos com firmeza
e sinceridade, e pode, em meio ao crepúsculo da cultura ocidental, apresentar
aos homens o caminho da verdade; ao criticar as muitas faces do erro faz
transparecer de forma límpida o caminho da verdade. Nietzsche foi um luminar em
honra a verdade, a qual conheceu pelo lume da luz interior.
Por isso, o martelo de Nietzsche é um dos mais belos
tesouros do templo da filosofia; uma de suas relíquias mais admiráveis; pois,
Nietzsche testemunhara da verdade ao criticar as muitas faces do erro,
principalmente no abjeto e falso cristianismo que conheceu no contexto em que
vivia.
Ademais, suas críticas ao falso cristianismo o tornam
um profeta-filósofo que compreendeu os terríveis erros da religião melhor dos
que os que faziam parte da religião; e por que? Porque não rejeitou sua
humanidade e suas limitações; o homem que fez uma das mais agudas críticas ao
cristianismo, foi aquele que melhor entendeu as limitações do intelecto humano,
e por esta razão criticou o vil cristianismo de sua época.
Por esta razão, foi tão odiado e mal compreendido;
pois, não quis sobrelevar-se a sua limitação como ser humano, nem tentou
escondê-la sob máscaras da hipocrisia; antes, foi demasiadamente humano, e se
satisfez plenamente em sua existência como filósofo; algo digno de estima,
principalmente na filosofia moderna, onde a maior parte dos filósofos não se contenta
com a simples existência e filósofo, e com isso passam a querer se “deus”.
Nietzsche foi humano, e sua filosofia é para seres
humanos que são humanos, não para seres humanos que se consideram como “deus”
ou algo similar; a filosofia de Nietzsche tem os “pés no chão” e não a “cabeça
nas alturas”; Nietzsche tem os “pés na terra” e não a “cabeça nas
nuvens”.
III
[As razões de uma confissão por Nietzsche]
Assim, se pode fornecer, de maneira imparcial e
resoluta algumas razões para uma confissão por Nietzsche; não uma confissão de
amor absoluto, que é devido somente a Deus; mas uma confissão de amor no
sentido de estima e admiração (storge e philia).
Deste modo, partindo dos pressupostos que o próprio
Nietzsche estabelece sobre o que é amar, sobretudo os que estão na primeira
parte de “Assim Falou Zaratustra” (pref., § 4), evoco algumas breves
razões do porque se deve gostar e admirar Nietzsche:
1. Se deve amar a Nietzsche porque ele não sabe viver
a não ser como os que sucumbem, isto é, a não ser como um ser humano
verdadeiramente humano; pois, os homens, sendo contingentes, acabam por
sucumbir as doenças, etc., e por fim, a morte; não a há como se livrar desta
contingência inevitável da vida, a morte; e este é o ponto de partida racional
para a verdadeira sabedoria.
2. Se deve amar a Nietzsche porque ele é de grande
desprezo, desprezível e desprezador, e por isso ele é deve ser respeitado e
estimado; pois, só se ama verdadeiramente o que se também se pode desprezar.
3. Se deve amar a Nietzsche porque ele não espera que
nada caia do céu, isto é, ele não procura atrás das estrelas uma razão para
ser, mas procura na terra, na vida real uma razão para o além-do-homem (isto é,
o atingir o fim da vida humana); Nietzsche constata que os homens só alcançam
seu propósito ao viverem como homens.
4. Se deve amar a Nietzsche porque ele vive para
conhecer, e ao alcançar o conhecimento, poder alcançar o além-do-homem, isto é,
o fim teleológico da vida.
5. Se deve amar a Nietzsche porque ele trabalha e
inventa, isto é, ele labora nesta vida tendo em vista o além-do-homem.
6. Se deve amar a Nietzsche porque ele ama a virtude e
é virtuoso.
7. Se deve amar a Nietzsche porque ele não vive
somente para si, mas doa-se inteiramente ao espírito de sua virtude, isto é,
àquilo ao qual ele aspira profundamente; é um homem que busca atingir um ideal
(ou dito em outros termos, é um sonhador).
8. Se deve amar a Nietzsche porque ele faz da virtude
um pendor e uma fatalidade, isto é, ele sabe que a virtude é um meio e não fim,
por isso, é um caminho que se abre diante da fatalidade e para a fatalidade
(aqui no sentido de morte); mesmo os homens mais virtuosos não conseguem se
livrar da fatalidade do sucumbir.
9. Se deve amar a Nietzsche porque ele não busca
virtuoses sem fim, mas se contenta na pura e simples virtude verdadeira; isto
mostra que ele é humano.
10. Se deve amar a Nietzsche porque ele é um homem que
prefere outorgar virtude do que recebê-la; ou seja, é um justo no sentido
judaico; ou de acordo com suas próprias palavras tem uma alma que se esbanja,
ou no dito salomônico, tem uma alma que engorda.
11. Se deve amar a Nietzsche porque ele prefere ser
prejudicado do que prejudicar.
12. Se deve amar a Nietzsche porque ele é um homem de
palavra, e jura pela verdade até mesmo com prejuízo de si mesmo.
13. Se deve amar a Nietzsche porque ele sabe discernir
o passado, procurando redimi-lo; ele sabe justificar o futuro, porque redimiu
corretamente o passado; e assim sabe viver o presente, porque tem em ordem o
passado e em vista o futuro.
14. Se deve amar a Nietzsche porque ele não tem medo
de indagar e açoitar pela indagação a crença no divino; porque só critica e
indaga aquele que verdadeiramente ama; a busca pela verdade não é falta de amor
pela verdade, mas é uma manifestação do próprio amor pela verdade; porque quem
busca a verdade, mesmo na crítica e/ou na indagação, demonstra com isso que ama
a verdade.
15. Se deve amar a Nietzsche porque ele mantém a
profundidade de alma, isto é, a excelência da virtude, também em meio ao
sofrimento; a profundidade de alma só é vista realmente nos ferimentos da vida.
16. Se deve amar a Nietzsche porque ele tem a alma
repleta, isto é, ele esquece de si mesmo em favor de outrem, a fim de servi-los;
não o esquecimento de si no sentido de se menosprezar, mas no sentido de não se
sobrelevar moralmente contra outrem, e sempre procurar fazer o melhor para o
outro; e com isso demonstra que ama a Deus, pois se ama a Deus no outro.
17. Se deve amar a Nietzsche porque ele é de espírito
livre e de coração livre, ou seja, ele não tem medo das prisões inventadas
pelos homens para prender o espírito e o coração. Pois, sua cabeça, sua
inteligência é apenas reflexo de seu coração; o que o coração sente é o que a
mente pensa, e vice-versa.
18. Se deve amar a Nietzsche porque ele sabe que a
vida é como uma gota caindo de uma nuvem escura, aos poucos se cai, sem muito
alarde, mas é algo contínuo até ter um fim, até ter um sucumbir; a existência
de cada ser humano é como uma gota, e a realidade é o oceano; assim, cada um
vive neste oceano como uma gota, que acaba por fazer parte deste oceano sem se
tornar o próprio oceano; esta é uma analogia de Nietzsche para significar o que
é viver.
[...]
Em suma, estas são algumas breves razões do que porque
se deve gostar e admirar Nietzsche; e que isso não choque ou escandalize
aqueles que só encontram em Nietzsche o reflexo de suas próprias frustrações
e/ou imbecilidades.
E, tenho por certo, que estas razões são mais do que
suficientes para aclarar a admiração por Nietzsche, embora estas razões sejam
apenas um estalo preambular sobre a filosofia de Nietzsche.
Aliás, que se mencione que Nietzsche, em suas
reflexões sobre o amor, está em perfeita concórdia com os ensinamentos da fé cristã sobre a caridade, ainda que os tenha escrito em forma de “antítese”; para se
ter um exemplo, muito do que Nietzsche fala sobre o amor está em conformidade
com o que Tomás de Aquino fala sobre a caridade (cf. STh IIaIIae, q. 25-46); etc.
IV
[Um adendo teológico]
E, por fim, chega a uma conclusão preliminar sobre
Nietzsche, a qual já está disposta no que dele fora dito até aqui.
Todavia, como Nietzsche é intitulado como um ateu
terrível, o maior crítico do cristianismo, um dos quatro cavaleiros do Apocalipse,
e similares, é bom que se indague uma questão teológica de muita importância,
embora a resposta a esta indagação não possa ser precisa em termos absolutos.
E esta indagação é: será que Nietzsche foi salvo?
Sim, esta é a indagação; para muitos, de maneira
direta, deve ser dito que Nietzsche foi para o inferno; e, conquanto muitos
prefiram não pontuar nada a esse respeito, certamente ninguém acreditaria que
Nietzsche foi salvo ou algo similar.
No entanto, mesmo que seja princípio da fé que o
destino final das almas somente Deus sabe, ainda que em alguns casos seja
evidente a compreensão de quem foi para o céu (por exemplo, São João, etc.) e
quem foi para o inferno (por exemplo, Hitler), se deve sempre ter temor ao
falar desses assuntos; ainda mais da perspectiva filosófica.
Assim, ao se tomar Nietzsche neste quesito, em tudo
que fez e falou parece ser um homem despreocupado com o destino eterno; no
entanto, apenas parece, pois Nietzsche sabia do destino eterno; na verdade, ao
levar a cabo quase toda a sua obra, com o seu real propósito em vista,
Nietzsche defrontou-se com aquele diante do qual ele não podia fugir e aquele
cuja vida lhe era a expressão da perfeição, a saber, Cristo.
Portanto, ao fazer este breve adendo teológico numa
reflexão filosófica - que os filósofos e os estudiosos da filosofia me
desculpem por isso -, considero por bem evocar um aspecto para aclarar esta
consideração.
Assim, se põe novamente a questão: será que Nietzsche
foi salvo?
E a consideração feita abaixo, embora não sirva para
uma resposta cabal a esta questão, certamente serve para pensá-la com outra
perspectiva.
Pois, na obra “A Genealogia da Moral” (prol., §
1), o próprio Nietzsche confessara: “Nós, que somos homens do conhecimento,
não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos - e não sem
ter motivo (a morte de Deus). Nunca nós nos procuramos: como poderia,
então que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: ‘onde estiver o
teu tesouro, ai estará também o teu coração’” (o ensinamento de
Cristo) [em parênteses: acréscimo meu].
Ora, esta sentença de Nietzsche, a sentença de
abertura dessa obra singular que ele escrevera, serve para aclarar que o
auto-conhecimento depende do conhecimento de Deus; por isso, aqueles que não
conhecem a Deus, desconhecem a si mesmos; quem não busca a Deus não encontra a
si mesmo; o encontro de si, está no encontro com Deus e no encontro do outro; e
aqui se tem as razões “teológicas” do amor, para a surpresa de muitos.
Por isso, aquele que afirmara que onde estiver o teu
tesouro estará o teu coração, tem razão; isto, em suma, é uma confissão de
Nietzsche da veracidade do que Cristo dissera; o tesouro do homem está em seu
coração, e o mais importante tesouro do homem é o conhecimento de si, que
alcança apenas com o conhecimento de Deus.
Aliás, esta crítica de Nietzsche orbita em torno da
falta do conhecimento de Deus; observe-se bem, Nietzsche critica a falta do
conhecimento de Deus; e estabelece que a falta deste conhecimento é o que
conduz os homens ditos do conhecimento ao desconhecimento de si mesmos; e ao
fazer uma genealogia da moral, se constata que o desconhecimento de si é o pior
dos males; ou dito em outros termos, a falta conhecimento de Deus é o pior dos
males.
E é do mais alto valor que esta “confissão” de
Nietzsche tenha sido feita justamente nesta obra, onde ele descortina as
perspectivas concernentes a moral natural e suas nuances na vida dos indivíduos
e da sociedade; e a moral no sentido do conhecimento de si; portanto, para
haver moral tem de haver conhecimento de Deus.
Ora, se a moral é correta, então há um ponto de
partida para as ideias morais; e ao investigar a genealogia da moral, Nietzsche
se defrontou com o ponto arquimédico da moral, aquele ponto donde todas as
ideias morais tomam seu ponto de partida e donde emanam; por isso, ele demonstrara
isso em sua expressão supramencionada, de que o Cristo é quem tem razão.
Isto é mais do que uma “confissão”, é uma declaração
racional de submissão; embora não do ponto de vista religioso e teológico, mas
plena de reverência do ponto de vista da reta razão, da luz interior; a luz
interior de Nietzsche apontava para Cristo, assim como havia os gérmens do logos
nos filósofos antigos.
A reverência filosófica, mesmo em filósofos críticos,
como no caso Nietzsche, muitas vezes é maior e mais adequada do que a de muitos
que se dizem “cristãos”; na verdade, a reverência filosófica de Nietzsche para
com o Cristo, o tornam mais cristão do que muitos “cristãos” hodiernos; e
Nietzsche está mais próximo da fé cristã do que, por exemplo, Kant, Hegel e
Heidegger; etc.
Outrossim, é que em sua obra “O Anticristo” (§
8), Nietzsche segredara: “É necessário referir quem olhamos como a nossa
antítese”; e, obviamente, ao colocar o signo do anticristo, ele como
antítese está a se referir ao Cristo.
E o que quer dizer Nietzsche com referir?
Nietzsche utiliza o termo referir nesta sentença em
vários sentidos (apenas a compreensão do significado deste termo em português é
suficiente para entender isso); menciona-se apenas dois deles: primeiro, no
sentido de conferir honra a quem se refere; segundo, no sentido de aludir
alguém, especialmente em aludir o autor preferido.
Ora, isso desvela muita coisa no propósito de
Nietzsche; ao fazer a antítese com o Cristo ao buscar interpretar e descrever
os sentimentos do anticristo, Nietzsche segredou o único a quem ele conferia
honra ao mesmo tempo em que demonstrara seu autor preferido, a saber, Cristo.
Nietzsche, ao se colocar como o anticristo, na verdade, dialeticamente, está
confessando o próprio Cristo.
E aqui está a chave hermenêutica principal para se
entender Nietzsche, a saber: compreender as teses que ele vela em suas
declarações antitéticas (teses veladas em antíteses desveladas; esta é uma
forma do método dialético, que Nietzsche se utiliza com maestria inigualável);
ou dito em outros termos, compreender as sentenças veladas em suas antíteses; a
compreensão sobre este princípio metodológico – algo de extrema complexidade! -
é o que concerne ao entendimento correto sobre a filosofia de Nietzsche.
E que coisa maravilhosa este entendimento! E toda a
obra de Nietzsche está permeada por aquilo que prefiro intitular de “surpresas
dialéticas” (algo comum no método dialético utilizado por Nietzsche), isto
é, soluções escondidas em enigmas hermenêuticos comuns as sentenças
nietzschianas, que apontam o real propósito de Nietzsche e nas quais se
desvela, por exemplo, sua honra grandíssima para com Cristo; etc.
Deste modo, embora a indagação posta não tenha sido
respondida em sua totalidade, a partir dos pressupostos evocados se consegue
pontuar outra perspectiva nesta questão; portanto, se se não se tem uma
resposta cabal, pelo menos se consegue dissolver as aporias acusatórias contra
Nietzsche.
E, para concluir, é bom lembrar que São João o Teólogo
afirma que quem confessa a Cristo é de Deus, e Deus está nele (cf. 1Jo 4.2,
15); e não somente àqueles que o confessam teologicamente, mas também para
àqueles que o confessam filosoficamente; todos aqueles que confessam a razão
pura e simples, como Nietzsche fizera, mesmo que em forma de “antítese”,
na verdade também confessam Cristo.
Que isso não seja esquecido e nem menosprezado ao se
analisar o pensamento de Nietzsche, aquele que é chamado um dos “mestres do
ateísmo contemporâneo”, mas tinha Cristo em alta honra e o estimava como
seu autor preferido; não declarara isso diretamente, mas a explicação de muitas
de suas sentenças aponta cabalmente para isso.
E que não se tenha medo e/ou receios de quando ao se
entender corretamente Nietzsche, declarar abertamente a estima por este
inevitável filósofo alemão do séc. XIX, que quanto mais o tempo passa mais
atual ficam suas reflexões; aliás, Nietzsche é hoje mais atual do que foi em
sua época.
E termina aqui esta reflexão, que também serve como
uma breve apresentação sobre a filosofia de Nietzsche; uma breve apresentação
que é melhor do que todas imbecilidades que foram ditas sobre
Nietzsche nestes últimos 125 anos.
θεῷ χάρις!
Nenhum comentário:
Postar um comentário