Prólogo.
1. “o homem produz símbolos”; esta sentença de
Jung demonstra o que concerne a algo fundamentalmente humano, dir-se-ia,
humano, demasiadamente humano, a saber, a produção de símbolos; mas por que o
homem produz símbolos? Simples, porque não consegue abarcar de uma vez o todo,
e por isso, ao produzir símbolos, produz uma parte que está em ordem ao todo e
que demonstra algo do todo. Isto, em si, constitui-se de algo inerentemente
humano; os símbolos são caractere indiscutível do que é realmente humano; por
isso, sem símbolos, sem humanização.
2. Deste modo, se faz necessário investigar o que
concerne aos símbolos, tendo em vista a importância e a utilidade deste
assunto; pois, em tudo que é essencialmente produzido pelo ser humano, se tem
algo simbólico; na verdade, todo o saber humano tem algo simbólico; portanto, a
compreensão sobre os símbolos diz respeito tanto a própria natureza humana,
quanto sobre a natureza do saber, bem como sobre o que concerne a vida humana
como um todo. Por isso, no preceito jungiano, o que o homem é, diz respeito ao
que produz a partir do que se é; assim, o ser humano em sua humanidade, produz
símbolos.
Capítulo I: O homem como animal simbólico.
3. A pressuposição jungiana, demonstra o fato de que o
ser humano é um animal simbólico; pois, o ser humano, é um ser
moral-espiritual-cultural; e, como ser cultural, produz símbolos; portanto, é
um animal simbólico em tudo o que é e faz; por isso, o ser humano está imbuído
em símbolos e para produzir símbolos; pois, a função do homem em relação a
cultura é produzir cultura; e ao fazê-lo, desenvolver o saber; e o saber só se
desenvolve em consonância com a simbologia, já que pelo preceito dos sábios se compreende
que todo conhecimento é simbólico.
4. Portanto, ao se referir ao homem como um animal
simbólico, se fazem três coisas: primeiro, se evoca o modo de operar da
inteligência; ora, a inteligência opera de modo a apreender os indivisíveis e
combinar os divisíveis; ou dito segundo os termos utilizados por Piaget, por
assimilação e acomodação; embora os termos de Piaget sejam incompletos, a
descrição da dialógica assimilação-acomodação é mais facilmente entendida;
pois, em seu operar, primeiro a inteligência capta o objeto, depois o acomoda a
algum outro conhecimento já captado; e os símbolos sempre são os primeiros
objetos a serem captados pela inteligência; logo, os símbolos existem e
coadunam-se com o desenvolvimento da inteligência; por isso, sem símbolos, ou
símbolos mal-feitos ou mal dispostos, a inteligência não se desenvolve e o ser
humano é emburrecido.
Segundo, se estabelece o preceito concernente ao
ajuste do homem ao objeto percebido; ora, ao assimilar e acomodar algum objeto
inteligido, o ser humano faz seu próprio ajuste a este objeto; e observe-se
bem, faz um ajuste ao objeto, e não ajusta o objeto a seu próprio gosto; pois,
a inteligência ao acomodar algo, trata posteriormente, de ajustar este algo
através não em sua totalidade, pois é algo impossível, mas o ajustar no máximo
possível; assim, o ajuste do homem ao que ele percebe e conhece, é apenas parte
do que se pode conhecer sobre este objeto; pois, como afirma Olavo de Carvalho,
“na percepção isso jamais ocorre porque não posso me relacionar com nenhum
ente na sua totalidade”. E este ajuste, por sua vez, demonstra que o homem
ao ser um animal simbólico, ao se relacionar com a natureza, se relaciona com
outros seres simbólicos, já que todos os seres vivos são, em suma, animais
simbólicos.
Terceiro, a designação dos símbolos como “matriz de
intelecções”; ora, se o homem se ajusta aos símbolos, ao realizar a
acomodação de algum objeto inteligido, então, se deve compreender que nos
símbolos se tem os gérmens necessários para a intelecção; assim, se observa a
precisa definição de Susanne Langer, que chama os símbolos de “matriz de
intelecções”; e realmente, os símbolos possuem os gérmens que atinam a
assimilação de um objeto, ao este ser percebido, ao mesmo tempo em que
proporciona que um objeto percebido seja acomodado com algum conhecimento já
existente, para abalizar outras intelecções; na verdade, os símbolos fornecem
os elementos necessários para todo o processo concernente a intelecção e ao
operar da inteligência.
5. Deste modo, o ser humano, enquanto um animal
simbólico, percebe os símbolos, se relaciona com outros entes simbólicos, bem
como abaliza tudo quanto concerne ao operar da inteligência a partir dos
símbolos; por isso, se pode afirmar que em tudo quanto é humano, demasiadamente
humano, se tem uma ampla estrutura simbólica; e o ser humano vive e desenvolve
tudo quanto diz respeito a vida natural neste amplo escopo simbólico; logo, o
simbolismo natural é elemento inescapável da vida natural, e isto em todos os
sentidos.
Capítulo II: A definição de símbolo.
6. Ora, diante de afirmação do homem como um animal
simbólico, surge a questão sobre o significado dos símbolos; e, sobre isso,
duas coisas são afirmadas: primeiro, quanto a definição de símbolo; ora,
definir o vocábulo símbolo não é coisa fácil; pois, este vocábulo adquire
conotações diversas nos mais variados campos do saber; por isso, para definir
símbolo é necessário estabelecer uma definição geral e englobante que permeie
basicamente todo o amplo escopo da aplicabilidade deste conceito aos campos do
saber.
Assim, se define símbolo como algo que representa
algum objeto, o qual, nesta representação evoca a tensão entre o objeto
representado e aquele que percebe este objeto; com isso, símbolo pode ser
definido como um signo amplo, já que expressa a coisa representada em vários
ângulos e modos, tal como um prisma que reflete a luz; o que o prisma reflete
são efeitos da luz ao permeá-lo, mas não é propriamente a própria luz; o mesmo
se dá com o símbolo e a coisa a que ele se refere.
Além disso, se compreende que o vocábulo símbolo, pode
ser definido a partir da díade da relação fundamental do ser humano com o Ser
Superior e com os outros seres vivos; logo, os símbolos são parte do que se
compreende da realidade, mesmo que os símbolos não consigam se referir a um
objeto em sua totalidade, o que per se é impossível; mas ao se referir a algo
deste objeto, por si mesmo, reflete este objeto tal como o prisma ao receber a
luz. E fundamentalmente esta é a natureza do símbolo em relação ao objeto
significado.
7. Segundo, quanto aos sinônimos de símbolo; ora, ao
definir símbolo desta maneira, e ao ter aclarado anteriormente algumas de suas
propriedades, tal como na definição da Sra. Langer, se pode aferir alguns
sinônimos para o vocábulo símbolo; e, entre as muitas possibilidades, dois
aspectos são salientados.
Primeiro, a que pressupõe o símbolo como a percepção
de um dado da realidade; ora, esta definição se estabelece em consonância com o
processo inerente a percepção, a qual, por sua vez, demonstra que toda a
realidade, uma totalidade, é percebida com os dados que da mesma emanam, os
quais, são parte do todo e estão em relação com o todo; por isso, um dado
percebido, é uma percepção sobre um ente existente, não em sua totalidade e nem
na totalidade que lhe abarca, mas de parte de sua totalidade, a qual atinou a
percepção e a esta se mostrou, e vice-versa; logo, um símbolo é como um dado
percebido de um ente existente, e as mais das vezes, o símbolo é a expressão
deste dado.
Segundo, a que define símbolo como círculo de
latência; ora, esta definição provêm da significação feita aos símbolos por
Olavo de Carvalho, ao este afirmar “que símbolo não é mais do que outro nome
para círculo de latência”, e assim “podemos definir símbolo..., como uma
parte que anuncia totalidades latentes”; com isso, símbolo traz em si a
tensão inerente do objeto percebido e seu “intelector”, ao mesmo tempo
em que anuncia uma totalidade maior deste objeto que não fora totalmente
captada, a qual anuncia tanto que há mais a conhecer sobre o objeto percebido
quanto em relação ao todo ao qual faz parte este objeto; portanto, se pode
afirmar que símbolo tem por sinônimo os círculos de latência já que estes
anunciam uma parte de uma “totalidade latente”.
8. Ora, nestas duas se abaliza uma definição de
símbolo; mas não somente isso, pois, o que concerne aos símbolos permeia tudo
quanto o ser humano faz; no laborar da vida cotidiana, se tem símbolos e mais
símbolos, bem como se produzem símbolos de símbolos, e assim por diante; no
entanto, ao se compreender que o símbolo é definido como um círculo de latência
se compreende tudo quanto diz respeito a apreensão dos objetos reais na
realidade; e, isto, por sua vez, demonstra as latências dos entes existentes,
os quais, por isso mesmo, também são entes simbólicos; e se são entes
simbólicos, então, são inteligidos por outros entes simbólicos; logo, etc.
Capítulo III: A importância e a utilidade do símbolo.
9. Assim, ao ter se evocado aspectos sobre a
importância do símbolo, se pode então concluir ao se designar o que concerne a
utilidade do símbolo; e, sobre isso, três aspectos são salientados: primeiro, a
respeito da aplicabilidade dos símbolos; ora, os símbolos se aplicam em vários
aspectos concernentes ao saber, já que a primeira abstração de um ente é
justamente através de seu símbolo; no entanto, os símbolos ao funcionarem como
uma “matriz de intelecções”, fornecerem os gérmens necessários para
atinar o ato intelectivo para a abstração de um determinado ente; por isso, os
símbolos se tornam efetivamente aplicáveis a toda expressão do ente assimilado.
Deste modo, a aplicabilidade dos símbolos refere-se
não somente a significação de algo, mas fundamentalmente a utilização do
elemento simbólico de um ente para a compreensão deste ente e para o
desenvolvimento da própria percepção, a fim de aclarar a assimilação de um
objeto pela inteligência; e isto, por sua vez, demonstra que os símbolos estão
em conformidade com as concepções comuns da mente que todos conhecem e aprovam;
logo, se constata que os símbolos são aplicáveis em tudo quanto diz respeito a
este tipo de concepção comum da mente, tanto para a intelecção quanto para a
compreensão do referente ao que o símbolo se refere; etc.
10. Segundo, a respeito da comunicabilidade dos
símbolos; ora, os símbolos comunicam algo; e, com isso, se constata que os
símbolos possuem certa comunicabilidade; pois, se um símbolo representa algo,
então, comunica algo sobre este algo representado; logo, em tudo o que é
simbólico haverá comunicabilidade entre si, bem como com os seres humanos;
pois, a percepção da comunicabilidade dos símbolos é algo inerente ao ser
humano, mesmo que as mais das vezes não busca compreender os aspectos
dialógicos desta comunicabilidade.
Por isso, Schelling afirma que a figura humana já é em
si mesma uma imagem do universo (cf. Philosophie der Kunst, 608); pois,
o ser humano sendo uma imagem do universo, possui em si mesmo o que concerne
para entender o universo; logo, figura humano como uma imagem do universo se
torna um símbolo que açambarca e se relaciona com outros símbolos, e que nesta
inter-relação explica os símbolos; por esta razão que alguns autores antigos
falam do homem como um microcosmo; e, com isso, se pode constatar que, sendo o
homem um microcosmo, então, se relaciona com o macrocosmo, de modo a haurir uma
imagem do universo que permeie toda as esferas da vida humana.
11. Terceiro, a respeito da disposição simbólica do
saber; ora, se a figura humana é uma imagem do universo, então, nesta imagem e
na inter-relação com outros entes, se conseguirá perceber a disposição
simbólica do saber; pois, como “todo conhecimento é simbólico”, a
própria disposição do saber também é; e, evidentemente, isto engendra tudo
aquilo que diz respeito ao modo como os símbolos atinam a percepção para a
intelecção de algo; o símbolo é o que primeiro é entendido a partir do
conhecimento sensível; logo, onde houver um símbolo existe uma “matriz de
intelecções”, as quais, por sua vez, aponta para toda uma ampla teia de
fenômenos referentes a algo, que constituem este algo e demonstram sua
essência, seja algo complexo seja algo incomplexo dizível.
12. Deste modo, concluo esta breve reflexão, onde pude
delinear o que significa os símbolos, ao modo de introdução, a fim de responder
o que vossa dileção me indagara; embora, a reflexão sobre os símbolos permeie
uma ampla gama de assuntos e tópicos, e principalmente em tempos coevos onde se
reveste de uma imensa dificuldade desde a implementação de uma inculturação
anti-simbólica e de normas sociais anti-símbolos, a reflexão sobre os símbolos
se tornou quase como um totem de épocas passadas; e mesmo diante deste cenário,
se deve recuperar a reflexão sobre o símbolo, pois esta permeia tudo quanto diz
respeito ao saber humano e a vida humana.
Então, no que fora dito, creio ter dito o suficiente
para explicar o que concerne a este assunto; mas, se possível não deixe de ler
os seguintes livros: (i) “O Homem e Seus Símbolos”, de Jung; (ii) “Imagens
e Símbolos” de Mircea Elíade, entre outros do mesmo autor; (iii) “Philosophie
der symbolischen Formen” de Ernst Cassirer - deste livro se tem uma edição espanhola
muito boa; (iv) “Símbolos Fundamentais de la Ciência Sagrada” de René
Guénon, e outros livros dele sobre os símbolos; (v) “Von Heiligen Zeichen”
de Romano Guardini - deste livro se tem uma edição espanhola muito boa; (vi) “O
Saber e o Enigma” de Olavo de Carvalho; entre tantos outros livros; mas se
conseguir ler estes e compreendê-los, certamente, conseguirá melhor compreender
os símbolos a partir deste texto introdutório que lhe escrevo.
13. E termina aqui esta breve reflexão a respeito dos
símbolos. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
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