Proêmio.
Em
primeiro lugar, pergunta-se se existe a lei.
Segundo, pergunta-se é possível
conhecer a lei.
Terceiro, pergunta-se se a lei
pode ser conhecida por todos os homens.
Quarto, pergunta-se se existe
relação entre a lei e a noção de verdadeiro.
Quinto, pergunta-se se a lei se
adequa convenientemente com a verdade.
Sexto, pergunta-se se a lei é
prescrita necessariamente pela verdade.
Em sétimo lugar, pergunta-se se a lei possui uma
essência.
Artigo 1.
Se existe a lei.
Em
primeiro lugar, pergunta-se se existe a lei.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A
lei não existe, porque tudo o que diz respeito a vida humana, está intrinsecamente
imbuído no ser humano; e a lei, como algo externo, não existe, porque não está
imbuída no ser humano; pois, tal como diz Protágoras, “o homem é a medida de
todas as coisas”, então, a lei não existir, porque o ser humano é a norma
de juízo em todos os fatos, e, em geral, para todas as experiências; logo, se
confirma pelo princípio do homo mensura que não existe a lei.
2.
Ademais, como o Filósofo diz no livro I de De Caelo que Deus e a
natureza nada criam que seja inútil (cf. De Cael. 270b30), logo, se subentende
que a lei, sendo inútil, não existe, pois não fora criada nem por Deus e nem
pela natureza.
3.
Ademais, como diz o Filósofo no livro III de De Anima, a natureza não
negligencia nenhuma das coisas necessárias (cf. De An. 432b20); donde, se a lei
não é entendida a partir da natureza humana, logo, a lei não é necessária; e
não sendo naturalmente necessária, torna-se evidente que a mesma não existe, já
que tudo o que existe é naturalmente necessário; logo, etc.
4.
Ademais, o Apóstolo diz que “não há quem faça o bem, não há nem um só”
(Rm 3.12b), bem como também o atesta o salmista (Sl 14.3b; Sl 53.3b); e, sendo
a lei aquilo que ordena ao bem, logo, se não há nem um só que faça o bem, é
clarividente que não existe lei.
5.
Ademais, no livro I do Digestorum, se diz que a lei é “a arte do bem
e do equitativo”; logo, se não existe bem e não existe nada equitativo,
como o sobredito afirma (arg. 4), é clarividente que não existe a lei.
6.
Ademais, Papiniano, no livro I das Definitionum, diz que a lei é o “decreto
de homens prudentes”; ora, e não existe nenhum homem que faça o bem, e,
sendo a prudência o qualificativo de quem busca o bem ao evitar o erro, é
clarividente que a prudência não existe; e se não existe a prudência, e, sendo
a lei decreto de homens prudentes, então, é clarividente que a lei não existe.
II. [Em
Contrário].
1.
Mas, em contrário, diz o Teólogo que “a lei é uma regra e medida dos
atos, pela qual somos levados à ação ou dela impedidos” (STh Ia IIae, q.
90, a. 1, co.); donde, se a lei é uma regra, é possível que tal regra seja
descumprida; e se a lei é a medida dos atos, então, é possível que haja atos
que estejam contrários a lei; por isso, a lei incentiva a certas ações e
procura impedir certas ações, ao passo que, quem pratica certas ações está de
acordo com a lei, e por isso, tais ações são ordenadas e permitidas, e quem
pratica certas ações que não está de acordo com a lei torna-se infrator da lei,
e por isso, tais ações são proibidas e castigadas; por isso, Modestino no livro
I da Regularum, diz que “a virtude da lei é essa: mandar, proibir,
permitir, castigar”.
2.
Além disso, já que os atos são qualificados por regras e por medidas, então,
estes possuem uma lei; e, a lei é a regra e a medida dos atos, o que per se
demonstra o propósito da lei; ora, tudo o que possui um propósito, é porque
possui uma existência.
III. [Solução].
1. A
lei existe, pois é a medida dos atos; e toda medida pode ser aquém ou além da
medida; donde, tanto os atos que confirmam e são incentivados por esta medida,
quanto os atos que são por ela proibidos, são testemunho da existência da lei;
pois, tanto a virtude quanto a falta para com a lei, são testemunhos da
existência da própria lei, já que, se algo é praticado de acordo com esta
medida dos atos, tal algo seja evidenciado como estando de acordo com a lei, e
se algo é praticado contra esta medida dos atos, tal algo seja evidenciado como
estando contra a lei; portanto, só é possível afirmar a partir de uma coisa que
algo é ordenado ou algo é proibido se esta coisa existe e é clarividente. Donde
se segue que a lei existe; portanto, etc.
2. E
também diz o Príncipe dos Profetas: “Ai dos que decretam leis injustas e dos
escrivães que escrevem perversidades, para prejudicarem os pobres em juízo, e
para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo, e para despojarem as
viúvas, e para roubarem os órfãos!” (Is 10.1-2), dando a entender que, se a
Escritura se pronuncia com um “Ai” àqueles que pervertem a lei, logo, a
existência da lei em si é algo de fundamental importância, já que, através da
lei se estabelece o bem e o equitativo; por isso, “Ai” daqueles que pervertem a
lei, isto é, “Ai” daqueles que pervertem o bem e a equitativo. Se há a
perversão do bem e do equitativo, então, necessariamente, se descreve que
existe uma medida dos atos que descreve o que é o bem e o equitativo; ora, esta
medida é a lei; logo, etc.
3.
Deste modo, se a perversão da lei ocorre, então, a própria lei é desfigurada;
pois, a perversão da lei, é a destruição do propósito natural da lei; e o
encargo profético da expressão “Ai daqueles que decretam leis injustas”,
é uma forma de expressar o juízo de Deus para com aqueles que decretam leis
injustas e que assim pervertem o direito; a existência de leis injustas é sinal
que a lei em si não é injusta; pois, a perversão da lei, é a instauração da
injustiça, do prejuízo, da destruição, do despojo da justiça e da verdade;
logo, se o profeta acusa veementemente aqueles que pervertem a lei, e existe
todo um encargo do profetismo bíblico a respeito deste assunto, é porque existe
uma lei.
4. E
também se confirma o sobredito pelo que Cícero, no livro III do De Republica,
assevera: “Há certamente uma lei verdadeira, a reta razão, conforme à
natureza, difusa em todos, permanente, eterna, que ordenando chama ao dever,
vetando obstaculiza a falta”; e a lei, sendo verdadeira, ordena e veta,
isto é, ordena ou coíbe as ações com vista a um fim; donde, a lei verdadeira
ser segundo a reta razão, a qual, está difusa em todos e sobre todos,
independente se a praticam ou não; até mesmo porque, a existência da lei chama
ao dever, ao passo que o não cumprimento do dever, demonstra uma falta para com
a lei; donde, se existe uma falta para com a lei, e é descrito como falta, é
porque existe uma lei; o mesmo raciocínio se aplica àqueles que cumprem a lei;
logo, etc.
IV. [Respostas
aos Argumentos].
1.
Quanto ao primeiro argumento se responde que, conquanto seja verdadeiro que
tudo o que diz respeito a vida humana esteja naturalmente no ser humano e na
natureza, o homem não é a medida de tudo para si; sendo assim, o ser humano não
é a norma de juízo em todos os fatos, pois, então, surgiria um subjetivismo
deificado, onde cada um seria a norma de juízo de todos os fatos, gerando
confusão incontrolável; donde, ser necessário que a medida das coisas, a norma
de juízo, se forme para além do ser humano, conquanto seja indistinta para
todos os homens; ora, a lei é a medida dos atos para todos os homens; então, a
lei é a norma de juízo e a regra das ações nas coisas humanas.
Portanto,
conquanto o princípio do homo mensura seja por muitos valorado, tal
princípio é errôneo; pois, a própria medida dos atos humanos é pela razão, e
sendo que o direito não é formado pela opinião de cada um, mas pela razão,
então, a lei não é feita a partir do homo mensura, mas a partir da rationis
humanae; isso se estabelece devido a que a razão constitui-se o fundamento
do direito, e da existência da lei, com o propósito de que, em tudo, o ser
humano seja dignificado e valorado, sem com isso sucumbir num subjetivismo
doentio, tal como a absolutização e aplicação do princípio do homo mensura
estabelece. Logo, por este próprio princípio se estabelece que a lei existe,
pois, o próprio homem em seu “eu” e subjetividade não pode ser a regra da lei,
já que Cícero diz no livro I de De Legibus que “o direito não é
estabelecido pela opinião, mas pela natureza”. Donde, naturalmente, existe
a lei, como a natureza em geral o confirma, e como a natureza humana em
particular também o confirma.
2.
Quanto ao segundo argumento se responde que, se Deus e a natureza nada criam
que seja inútil, como bem o atesta o Filósofo, então, tanto Deus quanto a
natureza criam e ordenam uma medida dos atos, que se configuram àquilo que fora
criado e que se estabelecem como pressupostos à vida humana; donde, a lei
existir, já que é a lei a medida dos atos; portanto, é a própria lei a medida
dos atos que se conformam àquilo que se estabelece na vida humana; donde, a lei
ter sido criada por Deus e imbuída na natureza, que naturalmente a apresenta
aos seres humanos e que os seres humanos racionalmente podem conhecer e
entender.
3.
Quanto ao terceiro argumento se responde que do mesmo como a natureza não
negligencia nenhuma das coisas necessárias, nela mesma está a medida dos atos;
pois, tudo que a natureza não negligencia das coisas necessárias, está imbuída
na própria natureza, e como tal, é racional; pois, já que a lei é entendida a
partir da natureza, então o próprio direito não é estabelecido pela opinião,
mas pela natureza; então, a lei é parte das coisas naturalmente necessárias,
pois é pela natureza instituída de maneira inescapável à vida humana.
4.
Quanto ao quarto argumento se responde que a Escritura bem afirma que nos
homens não existe nenhum bem espiritual, pois, todas as obras humanas diante de
Deus são trapos de imundície, enquanto atos meritocráticos (cf. Is 64.6); mas
em relação ao bem humano, na vivência humana, a Escritura afirma que Deus
outorga dons aos homens (cf. Ef 4.8) e que todos os homens devem buscar uma boa
vivência, já que aqueles que não tendo lei, agem conforme a lei, fazem lei para
si mesmos (cf. Rm 2.14); portanto, não há nenhum ser humano que faça algum bem
espiritual por si mesmo; mas todos os homens devem fazer o bem natural uns aos
outros, como a própria máxima da qual dependem a lei e dos profetas ensina: “tudo
o que quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12).
Deste modo, a lei existe, porque a lei ordena o que diz respeito ao bem
natural; logo, a lei ordena ao bem natural, e proíbe o que corrompe este bem;
com isso, no ser humano, existe uma justiça natural intrínseca, que na própria
natureza se manifesta, através da formação do direito, e na existência da lei;
pois, a lei, sendo aquilo ordena ao bem, é comum a todos os homens,
independente de se os homens tem justiça espiritual ou não; e como todos os
homens não possuem uma justiça espiritual, como bem o atesta o Apóstolo, então,
todos, indistintamente possuem uma justiça natural; e a lei ordena a esta
justiça natural; logo, existe para esta finalidade.
5.
Quanto ao quinto argumento se responde que sendo a lei a arte do bem e do
equitativo, logo, ordena ao que é bom e equitativo; e, sendo os seres humanos
dotados de uma justiça natural, é clarividente que a lei ordena os homens para
esta justiça natural; e deste modo, a lei existe, pois, todos homens tendem
naturalmente para o bem e o equitativo, e a lei demonstra isso de maneira
incontestável.
6.
Quanto ao sexto argumento se responde que, se a lei é a arte do bem e do
equitativo, e os homens sendo possuintes de uma justiça natural intrínseca,
então, a lei é decreto de homens que buscam o bem evitando o erro; por isso,
tal como diz Papiniano é a lei decreto de homens prudentes; donde, ser deveras
certeiro afirmar que esta justiça natural também é prudência; portanto, aqueles
que praticam o que ordena a lei, na justiça natural, são chamados de prudentes,
e aqueles que não praticam o que ordena a lei e desobedecem-na são chamados de
imprudentes. Logo, a prudência, enquanto testemunho da justiça natural, é a
asseveração da existência da lei e das ordenações e proibições que advêm da
própria lei.
Artigo 2.
Se é possível conhecer a lei.
Segundo, pergunta-se se é
possível conhecer a lei.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A lei não é passível de ser
conhecida; logo, não é possível se conhecer a lei; pois, tudo o que pode ser
conhecido o é essencialmente, e por isso, se torna passível de ser conhecido,
enquanto tudo o que não pode ser conhecido essencialmente, não é passível de
ser conhecido, logo, pode no máximo, ser apenas demonstrável; logo, etc.
2. Ademais, tudo o que é
predicável, é passível de ser conhecido; e tudo o que é predicado é possível de
se conhecer; e como a lei não é predicada, logo, não é possível se conhecer a
lei; pois, se não se pode predicar, é porque não é predicável, e se não é
predicável, não é passível de ser conhecida; portanto, não é possível se
conhecer a lei.
3. Ademais, tudo o que é
conhecível, é virtualmente explicável; e a lei, como não é virtualmente
explicável, logo, é porque não é conhecível; por isso, a lei não é passível de
ser conhecida; ora, tudo que não é passível de ser explicado, não é possível de
ser conhecido, então, a lei não é possível de ser conhecida porque não é
virtualmente explicável.
4. Ademais, a lei não é um
conhecimento científico porque não possui conhecimento prévios; e como os
conhecimentos prévios que são a base do conhecimento científico, tal como o
próprio Filósofo demonstra no livro I dos Analíticos Posteriores (Anal.
Post. 71a1), e estes não são existentes na lei, logo, a lei não é passível de
ser conhecida a partir dos ditames da ciência; ora, o que não pode ser aferido
a partir dos ditames da ciência não pode ser conhecido; portanto, não se é
possível conhecer a lei.
5. Ademais, se a lei não é
ciência, logo, a mesma não é passível de ser ensinada, pois, como diz o
Filósofo no livro VI da Ética a Nicômaco, julga-se que toda ciência pode
ser ensinada e seu objeto, aprendido (cf. Et. Nic. 1139b25); logo, como a lei
não é ciência, fica clarividente o porquê a lei não é passível de ser
conhecida; pois, só pode ser conhecido o que possui ciência intrínseca, e como
a lei não possui ciência intrínseca, a lei não é passível de ser conhecida e,
por isso, não é possível se conhecer a lei.
6. Ademais, como só é possível
conhecer o poder e as ações da lei, como diz o jurisconsulto Publio Celso,
logo, a lei não é passível de ser conhecida, pois não é passível de ser
explicada; pois, a lei, só é passível de ser vivenciada em suas ações e poder,
e não de ser conhecida.
7. Ademais, tudo aquilo que não é
possuinte de um conhecimento científico, é uma ciência puramente acidental, tal
como a descrição do Filósofo demonstra (cf. Et. Nic. 1139b33); e, se somente é
possível conhecer a conclusão da lei, então, a lei é ciência puramente
acidental, já que se conhece sua conclusão, mas não seus princípios; portanto,
a lei não é passível de ser conhecida, pois, somente seu acidente - no caso sua
conclusão -, é conhecível.
II. [Em
Contrário].
1. Mas, em contrário, diz
o Teólogo que a lei é algo racional (cf. STh Ia IIae, q. 90, a. 1, co.); e tudo
o que é racional, pode ser conhecido; logo, sendo a lei algo racional, é
passível de ser conhecida, e assim, é possível se conhecer a lei; pois, tudo o
que é passível de ser conhecido, sendo racional, é evidentemente possível de se
conhecer, já que tudo o que é racional necessariamente é conhecível.
2. Além disso, Isidoro, no livro
II da Etymologiarum, diz que a lei não contém nada de obscuridade para a
apreensão; sendo assim, na lei não é nada de tão difícil que não haja ninguém
que possa entendê-la; e se a lei não contém nada de obscuridade para que se
possam conhecê-la, apreendê-la, então, é clarividente que é possível se
conhecer a lei.
III. [Solução].
1. O que existe, existe para ser
conhecido; se a lei existe, então, a lei é conhecível; pois, por natureza
intrínseca, a lei existe para ser conhecida; e ao ser conhecida, ser entendida
e apreendida; portanto, tudo o que diz respeito a lei, a existência da lei, a
natureza da lei, os ditames da lei, etc., além de ser virtude comum da vida em
sociedade, porque proveniente da justiça, também é conhecível; logo, a lei pode
ser conhecida.
2. Além disso, sendo
necessariamente estabelecida para ser conhecida, a lei é intrinsecamente
pedagógica; tanto para o propósito da lei que é regular as ações humanas em
vista ao bem, quanto para que a lei seja conhecível em sua estrutura teorética;
pois, se a lei é pedagógica é porque há na lei algo a ser conhecido, bem como
há na lei algo a ser experienciado.
3. Outrossim, é que a lei pode
ser conhecida, porque é passível de ser conhecida; pois, tudo o que é passível
de ser conhecido, é possível de ser conhecido; pois, o que é passível de ser
conhecido, necessariamente, pode ser explicado; e tudo o que pode ser
explicado, é porque fora conhecido; com isso, a lei pode ser conhecida porque é
necessário que a lei seja explicada; pois, se a lei é feita para que seja
aplicada, tal como em todos os mestres do direito romano se afirma, é porque
antemão a própria lei fora conhecida.
4. E a lei é passível de ser
conhecida, pois, há na formação da lei uma intelecção racional, que estabelece
e prescreve racionalmente a lei; pois, tal como diz o Teólogo que sempre que
houver um intelecto que possa enunciar, pode haver uma proposição (cf. De
Ver., q. 1, a. 5, ob. 21); e assim, a lei, sendo enunciada, há nesta uma
proposição, e em tudo o que há uma proposição tem algo da verdade, e sendo
possuinte de algo da verdade, pode ser conhecido, pois, tudo o que possui algo
da verdade, necessariamente é estabelecido para ser conhecido. Logo, é
proposição jurídica que a lei pode ser conhecida.
IV. [Respostas
aos Argumentos].
1. Quanto ao primeiro argumento
se responde que a lei é passível de ser conhecida, porque instituída em
benefício de todos os homens; pois, como a lei possui uma essência comum, a
saber, ser em benefício de todos, a lei pode ser conhecida essencialmente, o
que torna a lei passível de ser conhecida, e por isso, a lei é possível de ser
conhecida; e como tudo o que é conhecido essencialmente também pode ser
demonstrável, a lei tanto pode ser conhecida quanto pode ser demonstrada.
2. Quanto ao segundo argumento se
responde que tudo o que é possível de ser conhecido, também é predicável, já
que tudo o que é predicável é passível de ser conhecido; deste modo, a lei,
sendo passível de conhecida, é passível de ser predicada; e a lei sendo
predicada, se torna possível de ser conhecida, porque o que é possível de se
predicar, é passível de ser conhecido; logo, é possível se conhecer a lei, já
que se pode conhecer a lei essencialmente, a partir da predicação da lei.
3. Quanto ao terceiro argumento
se responde que, sendo a lei passível de ser predicada, a lei se torna
virtualmente explicável; e sendo virtualmente explicável, o é porque é
conhecível; logo, a lei é possível de ser conhecida, porque virtualmente
explicável.
4. Quanto ao quarto argumento se
responde que, embora a lei propriamente dita não seja um conhecimento
científico, a lei per se é científica, porque a lei é instituída e
interpretada a partir de outras leis; o jurisconsulto Paulo, no livro V de Ad
Legem Iuliam et Papiam, diz que as leis posteriores se interpretam pelas
leis anteriores; deste modo, a lei se torna um conhecimento científico, porque
a própria lei é científica, pois, as leis posteriores são instituídas a partir
de leis anteriores, o que intrinsecamente demonstra a cientificidade da lei; e
isso se acopla plenamente com a proposição do Filósofo que para o conhecimento
científico são necessários conhecimentos prévios; e para o conhecimento da lei,
os conhecimentos prévios estabelecem-se a partir do conhecimento das leis que
estabeleceram-se de antemão, as leis anteriores, e então, ao se conhecer estas,
pode se instituir, conhecer e interpretar as leis posteriores; logo, a lei é
passível de ser conhecida a partir dos ditames da ciência, o que torna a lei
possível de ser conhecida.
5. Quanto ao quinto argumento se
responde que, embora a lei em primeira instância não seja ciência, a existência
e o conhecimento que provêm da lei se tornam em ciência; pois, sendo as leis
posteriores interpretadas pelas posteriores, logo, o conhecimento haurido da
lei, ao ser acumulado e delineado em princípios, causas e elementos, se torna
em ciência; e sendo a lei estabelecida como ciência, a lei não somente pode ser
conhecida, como também pode ser ensinada; por isso, tal como diz o Filósofo
toda ciência pode ser ensinada e seu objeto apreendido; e a lei, sendo
conhecível, pode ser ensinada; e ao ser ensinada, o é porque seu objeto fora
apreendido. Logo, a lei é uma ciência; pois, a lei, tendo ciência intrínseca,
confirmada pela jurisprudência das leis posteriores embasada pela
jurisprudência das leis anteriores, é porque a lei é passível de ser conhecida,
e com isso, é possível de ser conhecida.
6. Quanto ao sexto argumento se
responde que, conquanto a lei deva ser conhecida em seu poder e em suas ações,
a lei só pode ser conhecida assim, porque antes se conhecera as palavras da
lei; pois, só se pode conhecer o propósito de algo, tendo de antemão sido
conhecido sua essência e o modo em como esta essência é expressa por palavras;
o que é expresso por palavras, o é pelo fato de ser conhecível. Logo, a lei ao
ser passível de ser vivenciada em suas ações e poder, é porque antes foi
conhecida e entendida em suas palavras.
7. Quanto ao sétimo argumento se
responde que, do mesmo modo como se pode conhecer o propósito da lei, isto é,
suas ações e poder, também se pode conhecer a essência da lei, isto é, suas
palavras; logo, se se conhecesse apenas as ações e o poder da lei, a lei seria
apenas uma ciência puramente acidental; mas, como somente se pode conhecer as
ações e o poder de algo porque antes se conheceu seus princípios, logo, a lei é
uma ciência plena, e não uma ciência puramente acidental; pois, se conhece
tanto o poder da lei quanto os princípios da lei; se conhece tanto as ações da
lei quanto as palavras da lei. Por isso, a lei pode ser conhecida tanto em seus
princípios, quanto em sua conclusão; logo, a lei é uma ciência plena, e assim,
é passível de ser conhecida.
Artigo 3.
Se a lei pode ser conhecida por todos os homens.
Terceiro, pergunta-se se a lei
pode ser conhecida por todos os homens.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A lei não pode ser conhecida
por todos homens pelo fato de que nem todos os homens tem conhecimento
científico; e, para compreender a lei é necessário um conhecimento científico,
os quais, requerem conhecimentos prévios (cf. Anal. Post. 71a1); logo, é
clarividente que, se nem todos os homens possuem tais conhecimentos, nem todos
os homens podem conhecer a lei; portanto, a lei não pode ser conhecida por
todos os homens.
2. Ademais, como o conhecimento
da lei requer uma certa bondade natural que se configure com a lei, é
clarividente que nem todos os homens possuem esta bondade; logo, a lei não pode
ser conhecida por todos os homens, pois nem todos os homens possuem esta
bondade natural.
3. Ademais, tudo o que pode ser
conhecido por todos os homens, é naturalmente similar entre todos os homens; e
como a lei não é a mesma para todos os homens, logo, a lei não pode ser
conhecida por todos os homens, já que não é naturalmente similar entre todos os
homens.
4. Ademais, a lei não pode ser
conhecida por todos os homens, pois, Ulpiano, no livro I das Institutionum,
afirma que a lei é feita pelos príncipes; logo, somente aos príncipes interessa
conhecer sobre as leis, já que são eles que fazem as leis, e aos homens não
interessa as leis, já que os mesmos não podem sequer influir em algo que não
podem mudar; portanto, nem todos os homens podem conhecer a lei, salvo aqueles
que tem relação direta com os príncipes.
II. [Em
Contrário].
1. Mas, em contrário, diz Justiniano no livro I
das Institutionum que há um direito que é comum a todos os homens;
portanto, se há um direito comum a todos os homens, todos os homens podem
conhecer a lei, pois, conhecer o direito é, em certo sentido, conhecer a lei;
e, sendo que há um direito comum a todos os homens, também há uma lei comum a
todos os homens, a qual, por ser comum a todos os homens, pode ser conhecida
por todos os homens.
III. [Solução].
1. Isidoro, no livro II da Etymologiarum,
assevera que a lei é escrita para o benefício comum dos cidadãos; e se a lei é
para benefício de todos, então, por todos pode ser conhecida; donde, ser
deveras correto a acepção de que a lei é para todos, conhecível por todos, e
para o benefício comum de todos; donde o Teólogo também asseverar que a lei é
por excelência relativa ao bem comum (cf. STh Ia IIae, q. 90, a. 2, co.).
2. Além disso, se a lei é
relativa ao bem comum, e é em benefício dos cidadãos, todos os homens,
indistintamente, podem conhecer a lei, seja por participação neste bem comum,
seja por investigar a lei; por isso, a lei pode ser conhecida por todos os homens,
já que a própria lei é em benefício destes; e tudo o que é em benefício de
alguém, pode ser conhecido por este alguém; pois, se algo é ordenado para um
fim - no caso, o bem comum -, então, neste próprio ato teleológico, está
imbuído algo de racional, está inserido um gérmen racional que floresce a
medida que se conhece este algo, notadamente estabelecido para ser conhecido e
assim usufruído, já que é em benefício ao bem comum. Logo, se constata por
estas e outras vias que a lei pode ser conhecida por todos os homens.
IV. [Respostas
aos Argumentos].
1. Quanto ao primeiro argumento
se responde que, embora nem todos os homens tenham conhecimento científico, e
que a lei também seja científica em certo aspecto, os requisitos para o
conhecimento da lei estão disponíveis a todos os homens, mesmo para aqueles que
não tenham conhecimento científico; pois, o Filósofo ao afirmar que para o
conhecimento científico são necessários conhecimentos prévios, estes são na
verdade, pressuposto para uma Analítica do conhecimento a ser estudado.
E como a lei, sendo também
científica, a mesma pode ser estudada por uma Analítica, bem como, ser
conhecida por todo aquele que busca e procura a compreender; a Analítica que
pode se evidenciar na lei e através da lei é para aqueles que querem compreendê-la
de maneira ainda mais precisa e científica, mas o conhecimento básico da lei,
do que a lei significa, de qual a essência da lei, etc., pode ser alcançado por
todos os homens, independente se tenham ou não conhecimento científico, apenas
sendo necessário, como em qualquer conhecimento, uma certa atividade
intelectiva cumulativa para a compreensão do objeto estudado.
2. Quanto ao segundo argumento se
responde que do mesmo modo como o conhecimento da lei requer certa bondade
natural que se configure com a lei, a fim de que a lei seja cumprida, ainda que
esta bondade não exista em alguns homens, a própria lei pode ser conhecida,
inclusive pela não-bondade natural nos homens, que demonstram o conhecimento da
lei por não a cumprirem ou por não a praticarem, tal como diz o Apóstolo: “Mas
eu não conhecei o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a
concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (Rm 7.7).
Assim sendo, se a lei serve para
incentivar os homens na prática do bem, logo, se os homens não praticarem esta
bondade, já demonstram certo conhecimento da lei, pois, ninguém descumpre
aquilo que desconhece; portanto, mesmo que os homens não tenham esta bondade
natural necessária ao pleno conhecimento da lei, esta própria falta da bondade
natural acarreta o conhecimento da lei, só que de forma negativa; logo, todos
os homens, tenham ou não a bondade natural, podem conhecer a lei.
3. Quanto ao terceiro argumento
se responde que, é clarividente que tudo o que pode ser conhecido por todos os
homens é naturalmente similar entre todos os homens, ao passo que a lei, que é
a mesma para todos os homens, também é similar entre todos os homens; logo, a
lei não é constituída apenas para algumas pessoas, mas para todas as pessoas em
geral; pois, Ulpiano, no livro III de Ad Sabinum, diz que a lei não é
constituída para algumas pessoas em particular, mas para todas as pessoas em
geral; e, sendo a lei para todas as pessoas, é similar entre todas as pessoas.
4. Quanto ao quarto argumento se
responde que, embora a lei seja feita pelos príncipes, e possa ser instituída
por alguns representantes, esta lei é instituída a partir de uma lei comum a
todos os homens; pois, ninguém pode instituir uma lei que não seja já evidente
na Lei comum a todos os homens; portanto, ainda que aquele que são responsáveis
pela instituição e interpretação da lei, possam outorgar e fazer outras leis, a
base da lei é a mesma; logo, a lei pode ser conhecida por todos os homens, pois
mesmo que haja diversidade de leis, o tronco comum da Lei permanece o mesmo
diante da multiplicidade das leis; pois, há um aspecto que mantém a unidade da
Lei diante da multiplicidade das leis, sem o qual, não haveria sequer
possibilidade de conhecimento da lei e nem de instituição de outras leis; e
este aspecto é a lei que é comum a todos os homens – a lei natural -, os quais,
relegam àqueles que julga por bem serem os seus representantes legais a
possibilidade de instituírem novas leis, mas em consonância e em obediência a
esta lei que é comum a todos, dada em função e em benefício de todos.
Artigo 4.
Se existe relação entre a lei e a noção de verdadeiro.
Quarto, pergunta-se se existe
relação entre a lei e a noção de verdadeiro.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A lei, por ser aferida a partir dos costumes, não
se relaciona necessariamente com as coisas; logo, como não há relação da lei
com as coisas, então não há relação da lei com o intelecto, pois, o intelecto
existe para compreender a coisa e a própria coisa designa o verdadeiro para o
intelecto; e, como não há relação entre a lei com as coisas, então, não há
relação entre a lei e o intelecto; portanto, a lei não se relaciona com os
princípios fundamentais que dão origem a noção de verdadeiro.
2. Ademais, o Teólogo diz que a “noção de
verdadeiro consiste na adequação da coisa e do intelecto” (De Ver.,
q. 1, a. 3, co.); e, como a lei não se relaciona com as coisas, a lei não se
relaciona com a noção de verdadeiro, já que a noção de verdadeiro consiste na
adequação da coisa e do intelecto.
3. Ademais, a noção de verdadeiro implica a noção de
verdade; e a verdade só é conhecida pela ciência especulativa; e o objetivo da
ciência especulativa, como diz o Filósofo no livro II da Metafísica, é a
verdade (cf. Met. 993b20); logo, a verdade, que implica a noção de verdadeiro
se evidencia pela ciência especulativa; e, como a lei não é ciência
especulativa, mas ciência prática, então, a lei não se relaciona com a noção de
verdadeiro.
4. Ademais, a noção de verdadeiro se relaciona com a
virtudes; e como a lei não é virtude, pois coíbe o mal, sendo que a virtude é a
prática do bem, então, a lei não se relaciona com a virtude; portanto, a lei
não se relaciona com a noção de verdadeiro.
5. Ademais, a noção de verdadeiro implica certa
aquiescência com a verdade; pois, se a verdade implica a noção de verdadeiro,
isto pressupõe que esta noção deva ser assentida; pois, onde há a noção de
verdadeiro há certo assentimento com a verdade; e como a lei não se relaciona
com a verdade, pois não possui assentimento com a verdade, logo, a lei não se
relaciona com a noção de verdadeiro.
6. Ademais, a noção de verdadeiro implica certa
participação no bem; e, como diz a Escritura que não há ninguém que faça o bem
(cf. Rm 3.12), então, nem sequer há algo ou alguém que possa aferir a noção de
verdadeiro, porque não há quem faça o bem; logo, a lei não se relaciona com a
noção de verdadeiro.
7. Ademais, o bem do homem implica o conhecimento da
verdade, como diz o Teólogo: “o bem do homem, enquanto é homem, consiste que
a razão seja perfeita no conhecimento da verdade” (De Virt. q. 1, a.
9, co.); e, como não há quem pratique o bem, logo, não há quem conheça a
verdade; logo, a lei não se relaciona com a noção de verdadeiro, pois, se não
há o conhecimento da verdade, então não há bem, e se não há bem, não se pode
aferir a noção de verdadeiro.
8. Ademais, como diz a Escritura que todos se
desviaram (cf. Sl 53.3), isto é, que todos se seguiram cada um por seu caminho,
logo, é clarividente que não existe uma verdade; pois, a verdade implica o
andar no caminho da verdade; logo, se cada um anda por seu caminho, não existe
uma verdade, mas muitas verdades; por isso, não existe uma noção do verdadeiro,
mas pluralidade de verdades, já que a noção de verdadeiro implica a existência
de uma verdade; logo, a lei não se relaciona com a noção de verdadeiro.
II. [Em Contrário].
1. Mas, em contrário, diz o Teólogo que sempre
que houver algo que o intelecto possa enunciar, pode haver uma proposição (De
Ver. q. 1, a. 5, arg. 21); logo, se se pode enunciar a lei, é porque pode
haver uma proposição sobre a lei, e isto, porque há algo que o intelecto pode
enunciar sobre a mesma; ora, toda enunciação possui algo de verdadeiro;
portanto, se se pode haver uma proposição sobre a lei, então, a lei se
relaciona com a noção de verdadeiro, já que toda proposição implica algo da
noção de verdadeiro.
2. Além disso, algo ao ser enunciado não somente
implica a noção de verdadeiro, mas por esta implicação, demonstra certa participação
na verdade; e a verdade, é parte da justiça; logo, ao se enunciar a lei, se
implica a noção de verdadeiro, e a participação na verdade; pois, se a verdade
é parte da justiça, e a lei procura preservar e manter a justiça, então, a lei
não somente implica a noção de verdadeiro, mas a participação na própria
verdade. Logo, a lei tem em si algo da noção de verdadeiro, e, por isso, algo
da verdade.
3. Além disso, o Filósofo no livro II da Metafísica,
afirma que os primeiros princípios das coisas têm que ser necessariamente
verdadeiros (cf. Met. 993b28); logo, se a lei é enunciada, e, assim, implica
algo da noção de verdadeiro, é devido a que a lei possui primeiros princípios;
e, sendo possuinte de primeiros princípios, estes, necessariamente, têm que ser
verdadeiros; logo, a lei se relaciona com a noção de verdadeiro porque possui
primeiros princípios intrínsecos a sua natureza, os quais demonstram a noção de
verdadeiro, bem como certa consonância com a verdade.
III. [Solução].
1. A proposição, por ser enunciada, possui algo de
verdadeiro; logo, tudo aquilo que é enunciado participa da verdade, pois o
enunciado está em ordem a verdade; por isso, Anselmo afirma que nada é
verdadeiro a não ser por participar da verdade, e com isso, a verdade do
verdadeiro está no próprio verdadeiro (cf. De Ver., cap. II). Portanto,
a lei, por ser enunciada, possui algo de verdadeiro; pois, tudo o que é
verdadeiro, o é por participar na verdade; logo, a lei se relaciona com a noção
de verdadeiro porque participa em algo da própria verdade.
2. Além disso, Anselmo também diz que assim como o
tempo está para as coisas temporais, assim a verdade está para as coisas
verdadeiras (cf. De Ver., cap. XIII); portanto, onde há algo de
verdadeiro há algo da verdade; logo, onde há a noção de verdadeiro, há certa
participação na verdade; e as coisas participam da verdade de dois modos:
primeiro, de maneira essencial; segundo, de maneira nocional. O primeiro modo,
constitui-se do fato de que na essência das coisas existe algo da verdade, isto
é, a própria natureza da coisa, seu núcleo de sentido; logo, as coisas, per
se, evidenciam algo da verdade. O segundo modo, constitui-se do fato de que
as coisas, por possuírem algo da verdade em sua essência, ao serem nomeadas,
passam a evocar algo da verdade a partir da noção que se enuncia sobre a coisa,
donde o nome significar a realidade própria da coisa, isto é, algo de sua
verdade inerente ou essencial; logo, as coisas per se, nocionalmente,
são entendidas em sua participação na verdade, o que afere as verdades inerentes
as coisas. Portanto, na lei existe algo da verdade, o que por si, evoca o
princípio de que o núcleo de sentido da lei possui algo de verdadeiro, isto é,
está nocionalmente em relação com a verdade, bem como evoca que a lei participa
da verdade, isto é, está essencialmente em relação com a verdade.
3. A dupla descrição dos dois modos pelos quais as
coisas participam na verdade demonstra que a lei, em sua natureza intrínseca,
ao ser demonstrada com a noção de verdadeiro, pressupõem sua própria existência
em consonância com a verdade; mas, ao existir em consonância com a verdade, a
lei demonstra que a partir da noção de verdadeiro, se pode aferir que a lei e
na própria lei, se pode descrever a verdade daquilo a que, essencialmente, a
lei se refere; donde, se a lei se referir a X, logo, a verdade da lei açambarca
este X ou pelo menos diz respeito a algo inerente a este X. E a lei se refere a
justiça, e como a justiça é parte da verdade, então, a própria lei é parte da
verdade, pois, é enunciada com a noção de verdadeiro, é verificada a partir da
verdade e é analisada como parte da própria verdade; e isto em ordem a justiça.
IV. [Respostas aos Argumentos].
1. Quanto ao primeiro argumento se responde que a lei,
embora seja aferida a partir dos costumes, o é porque se relaciona com as
coisas; pois, os costumes são estabelecidos a partir da relação dos seres
humanos entre si e na relação com as coisas; por isso, o jurisconsulto Gaio, no
livro I das Institutionum, afirma que o direito que se usa é concernente
as coisas. Se o direito se relaciona com as coisas, e a relação entre as coisas
e o intelecto designam o verdadeiro para o intelecto, então, o direito se
relaciona com a noção de verdadeiro; deste modo, a lei, intrinsecamente, de
maneira essencial e relacional, se coaduna com os princípios fundamentais que
dão origem a noção de verdadeiro. Logo, a lei, em sua essência e em sua
racionalidade, se coaduna com a noção de verdadeiro.
2. Quanto ao segundo argumento se responde que a
afirmação do Teólogo é correta, pois, a noção de verdadeiro consiste na
adequação da coisa e do intelecto; e, como a lei se relaciona com as coisas,
então, a lei se relaciona com a noção de verdadeiro.
3. Quanto ao terceiro argumento se responde que a
noção de verdadeiro, ao implicar a noção de verdade, demonstra que, ao se
aferir a própria noção de verdadeiro, se pode conhecer algo da verdade; e,
embora o objeto da ciência especulativa seja a verdade, como diz o Filósofo, a
própria verdade também é objeto da ciência prática, conquanto o seja com vista
a ação; logo, a noção de verdade, de maneira especulativa é trabalhada pela
ciência especulativa, com vista ao conhecimento e ao entendimento da verdade, enquanto
também é trabalhada pela ciência prática, com vista a ação virtuosa; com isso,
a verdade implica a noção de verdadeiro tanto pela ciência especulativa quanto
pela ciência prática; e a lei, embora seja descrita como ciência prática, para
ser prática, possui algo de especulativo; logo, a lei é tanto ciência prática
quanto ciência especulativa, e, por isso, se relaciona com a noção de
verdadeiro tanto em uma quanto na outra.
4. Quanto ao quarto argumento se responde que a
virtude, ao ser a prática do bem, ao mesmo tempo também é a coibição do mal;
logo, a lei se relaciona com a virtude; por isso, Modestino, no livro I da Regularum,
afirma que “a virtude da lei é essa: mandar, proibir, permitir, castigar”;
logo, a virtude da lei, ao ser a prática do bem, é coibir o mal; e ao ordenar,
mandar a prática do bem, proibir, coibir o mal; portanto, a lei se relaciona
com a noção de verdadeiro pois possui uma virtude inerente; donde, o Teólogo
afirma que “a lei prescreve o ato da virtude” (De Virt. q. 1, a.
8, arg. 3); logo, a lei se relaciona com a noção de verdadeiro, pois é uma
virtude, e prescreve o ato da virtude ao mandar, proibir, permitir e castigar.
5. Quanto ao quinto argumento se responde que a noção
de verdadeiro, ao implicar certa aquiescência com a verdade, necessariamente,
evoca o assentimento para com a verdade; logo, a lei, ao se relacionar com a
noção de verdadeiro, implica certo assentimento com a verdade; portanto, a lei,
ao prescrever o ato da virtude, isto é, o que é verdadeiro ao ser prescrito
como correto, então, a lei, ao ter sua virtude inerente, “mandar, proibir,
permitir, castigar”, demonstra o assentimento e aquiescência com a verdade.
6. Quanto ao sexto argumento se responde que a noção
de verdadeiro, ao implicar certa participação no bem, evidencia-se tanto por
esta participação, nos atos virtuosos, quanto pela falta desta participação,
nos atos viciosos; pois, se não há quem pratique o bem, como afirma a
Escritura, é porque não há quem viva na verdade, e se não há bem e nem verdade,
então, o que resta na ação humana são os atos viciosos; e os atos viciosos são
contrários a lei, totalmente contrários a lei natural, e em alguns casos, se
inferirem o bem do outro, contra a lei positiva; e a lei se relaciona com a
noção de verdadeiro, mesmo quando a bondade e o bem não existe entre os homens;
pois, naturalmente, a lei se relaciona com a noção de verdadeiro, pois, se
relaciona com o bem; e, como a verdade pressupõem o bem, e o bem demonstra a
existência da verdade, logo, onde a verdade há o bem, e onde há o bem é porque
há a verdade; assim sendo, mesmo que não haja ninguém que faça o bem e ninguém
que conheça a verdade, se pode aferir o bem e a verdade pela falta destes,
ainda que não se possa conhecer plenamente o bem e a verdade pela falta destes,
mas se os pode significar brevemente; por isso, a falta do bem e a falta da
verdade, ao se defrontar com parte da virtude da lei, no proibir e castigar,
demonstra que o contrário da falta do bem e da falta da verdade, evidentemente,
é o próprio bem e a própria verdade, que se coadunam com a outra parte da
virtude da lei, a saber, o mandar e permitir; logo, seja no que a lei manda e
permite, seja no que a lei proíbe e castiga, se pode aferir a noção de
verdadeiro; portanto, a lei se relaciona com a noção de verdadeiro através das
partes da virtude da lei.
7. Quanto ao sétimo argumento se responde que a razão
perfeita no conhecimento da verdade é o bem do homem, como diz o Teólogo; logo,
tudo o que contribui para a perfeição desta razão conduz ao conhecimento da
verdade; embora, não se tenha quem pratique o bem, e por isso, não se tenha
quem conheça a verdade, logo, a verdade pode ser entendida como existente pela
simples noção de bem, e o próprio bem evoca a noção da verdade; logo, se se
pode falar em bem, se pode falar em verdade; pois, se se pode pelo menos
enunciar algo a respeito do bem e da verdade, então, se pode aferir a noção de
verdadeiro. Logo, se conhece o bem do homem enquanto homem, mesmo na falta
deste bem; pois, a falta deste bem, indica a necessidade e a utilidade deste
bem; portanto, na falta ou na existência deste bem do homem enquanto é homem,
se pode aferir a noção de verdadeiro, pelo simples fato de se ter enunciado a
descrição de bem. Se não existe o bem, então, a lei será efetiva em sua parte
negativa, em proibir e castigar; e, assim, se conhece a lei através da
proposição negativa; e, se existe o bem, então, a lei será efetiva em sua parte
positiva, em mandar e permitir; e, assim, se conhece a lei através da
proposição positiva.
8. Quanto ao oitavo argumento se responde que a
descrição da Escritura de que todos se desviaram, denota que todos estão longe
do caminho da verdade e do caminho do bem; mas, o Apóstolo anuncia um caminho
mais excelente: “vos mostrarei um caminho mais excelente” (1Co 12.31);
logo, existe um caminho que açambarca a verdade e o bem, a saber, o caminho da
caridade; e a caridade perfeita só existe na verdade e no bem; portanto, existe
uma verdade que se evidencia pela caridade; e a verdade que se evidencia pela
caridade é a verdade perfeita; e a verdade perfeita é una; logo, ainda que os
homens tenham se desviado, existe uma verdade; os descaminhos dos homens não os
conduzem a verdade, embora nestes possa haver aspectos fragmentários das coisas
verdadeiras; pois, a própria noção de pluralidade de verdades, indica a
existência de uma única verdade, pois, não se poderia pensar em múltiplas
manifestações da verdade, se não houvesse uma única verdade; logo, existe uma
única verdade, e múltiplas perspectivas sobre esta verdade, que por ser una, se
manifesta de diversos modos; por isso, nas coisas verdadeiras há algo da
verdade, tal como Anselmo assevera “que existe uma só verdade em todas as
coisas verdadeiras” (cf. De Ver., cap. XIII); portanto, a lei, ao se
relacionar com a noção de verdadeiro, implica a participação na verdade, em uma
só verdade, embora, em suas várias partes e manifestações, se relacione com
todas as coisas verdadeiras, assim como ocorre com todas as ciências; e, isto
não tolhe a unidade da verdade, mas aperfeiçoa a compreensão sobre a verdade
demonstrando a existência plena da verdade em várias esferas, inclusive na que
concerne a lei.
Artigo 5.
Se a lei se adequa convenientemente com a verdade.
Quinto, pergunta-se se a lei se
adequa convenientemente com a verdade.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A verdade, ao ser existente,
existe porque há adequação da coisa e do intelecto, formando assim a
compreensão sobre o que é verdadeiro; e a lei não está na adequação da coisa e
do intelecto; portanto, a lei não se adequa com a verdade.
2. Ademais, as coisas existentes
possuem alguma participação na verdade; mas, como a lei não participa naquilo
que existe, mas é criação das coisas existentes, então, a lei não participa da
verdade; logo, a lei não se adequa com a verdade porque a verdade existe na
essência de todas as coisas existentes e não das coisas que existem a partir
das coisas existentes, como no caso, a lei; logo, etc.
3. Ademais, o Filósofo, no livro
II da Metafísica, diz que tal como cada coisa é no tocante à existência
é no tocante à verdade (cf. Met. 993b30); e, como a lei é criação das coisas
existentes, mas não existente em si mesma, então, a lei é tocante ao modo como
existe, a saber, derivado; e as coisas derivadas, as coisas que existem, não
participam da verdade como as coisas não-derivadas, as coisas existentes; logo,
a lei não se adequa a verdade pois não existe do mesmo como as coisas
existentes.
4. Ademais, Avicena, no livro I
da Metafísica, fala sobre o existente necessário e o existente possível
(cf. Met., livro I, cap. 7); e somente o existente necessário se adequa
a verdade, enquanto o existente possível não; e a lei é um existente possível;
logo, a lei não se adequa com a verdade.
5. Ademais, Anselmo diz que
existe verdade na essência de todas as coisas existentes (cf. De Ver.,
cap. VII); logo, algo para participar ou se adequar com a verdade, tem de ser
uma coisa que existe; e, sendo a lei uma coisa que existe a partir das coisas
existentes, então, a lei não se adequa com a verdade.
6. Ademais, o Filósofo, no livro
VI da Metafísica, diz que o falso e o verdadeiro não estão nas coisas,
mas na mente (cf. Met. 1027b25); e, como a lei não está na mente, logo, não se
fala da lei a partir das categorizações de falso e verdadeiro; e, se não se
fala da lei a partir da categorização de verdadeiro, é clarividente que a lei
não se adequa com a verdade.
7. Ademais, a adequação com a
verdade conduz ao entender corretamente; logo, tudo aquilo que se adequa com a
verdade produz um entendimento correto; e, como a lei não se entende
corretamente, pois, só se entende o fim da lei e não seus princípios, então, a
lei não se adequa com a verdade.
8. Ademais, o Filósofo, no livro
III de De Anima, afirma que entender corretamente, é a sensatez, a
ciência e a opinião verdadeira (cf. De An. 427b11); portanto, como a lei não se
entende corretamente, não se tem uma opinião verdadeira sobre a lei, logo, a
lei não se adequa com a verdade, pois, tudo o que se adequa com a verdade
possui uma opinião verdadeira.
9. Ademais, o Teólogo diz que “as
palavras recebem a predicação da verdade do mesmo modo que os conceitos que
elas significam” (De Ver., q. 1, a. 3, co.); e, como a lei não tem
um conceito ao qual ela significa, então não recebe a predicação da verdade; e
tudo o que não recebe predicação da verdade não se adequa com a verdade; logo,
a lei não se adequa com a verdade.
10. Ademais, Anselmo diz que a
verdade não pode ser enclausurada por nenhum princípio ou fim (cf. De Ver.,
cap. I); e, já que a lei possui um fim, a mesma não pode se adequar com a
verdade já que a verdade não poder ser enclausurada por nenhum fim; portanto, a
lei não se adequa com a verdade pois senão enclausura a verdade a si mesma,
destruindo assim a própria verdade.
II. [Em
Contrário].
1. Mas, em contrário, o
Filósofo, no livro VI da Metafísica, diz que aquilo que é no sentido de
ser verdadeiro depende da combinação e da dissociação (cf. Met. 1027b20); logo,
tudo o que é verdadeiro possui algo da combinação e algo da dissociação; e, a
lei possui tanto combinação quanto dissociação; pois, Modestino, no livro I de Regularum,
afirma que “a virtude da lei é essa: mandar, proibir, permitir, castigar”;
e a lei ao mandar e permitir, possui combinação, e ao proibir e castigar,
possui dissociação.
2. Além disso, aquilo que se
adequa com a verdade, possui uma estrutura tópica; e a estrutura tópica, é o
que demonstra a adequação de algo com a verdade através da demonstração; por
isso, o Filósofo, no livro I dos Tópicos, assevera que o propósito da
investigação tópica é descobrir um método que capacite a raciocinar acerca de
qualquer problema a partir das opiniões gerais, que habilite na sustentação de
um argumento ao mesmo tempo que habilite a se esquivar de algum enunciado que
contrarie este argumento (cf. Top. 100a18). E a lei possui uma estrutura
tópica; logo, aquilo que possui estrutura tópica, se adequa com a verdade.
III. [Solução].
1. A adequação com a verdade,
além de requerer certa aquiescência e certa participação, também requer a
adequação para com a verdade; pois, aquilo que prescreve algo, ao prescrever,
também é prescrito por este algo; e somente a verdade é que está prescrita em
todas as coisas; pois, senão estas coisas não seriam entendíveis; pois, o que
torna as coisas conhecíveis e entendíveis é a adequação com a verdade; pois, é
pela verdade que o intelecto ao considerar as coisas passa a compreendê-las, ao
mesmo tempo que, ao compreendê-las, desenvolve a inteligência. Donde, a lei, ao
se adequar a verdade, possui certa compreensão da própria verdade; logo, ao se
compreender e entender a lei, se compreende e se entende algo da verdade.
2. Além disso, o Filósofo, no
livro II da Metafísica, afirma que não se pode conhecer a verdade
independentemente da causa (cf. Met. 993b23); ora, se a lei se adequa com a
verdade, então, a verdade é uma das causas da lei; portanto, se se conhece que
a lei se adequa com a verdade, então, se conhece que a verdade é uma das causas
da lei; donde, se infere que se pode conhecer tanto a verdade quanto a lei; por
isso, ao se adequar a verdade, a lei demonstra ser conhecível e entendível a
todos quantos buscam a verdade e conseguem apreendê-la. Pois, o que se adequa,
além de ser adequado, adequaliza em princípios a partir daquilo a que se
adequa; logo, se a lei se adequa a verdade, então, é adequada pela verdade, e
adequaliza em princípios a partir da própria verdade. Donde, a lei se adequar
convenientemente, em todos os sentidos, com a verdade.
IV. [Respostas aos Argumentos].
1. Quanto ao primeiro argumento
se responde que a verdade, por ser existente, é compreensível; logo, existe um
modo de compreendê-la; e este modo é a adequação entre a coisa e o intelecto;
e, tudo aquilo que existe, participa em algo da verdade; logo, através da
adequação da coisa e do intelecto, se percebe que tudo o que existe possui algo
de verdadeiro; portanto, se a lei existe, possui algo de verdadeiro; ora, o que
é verdadeiro possui adequação com a verdade; logo, a lei se adequa com a
verdade; pois, a lei, sendo proveniente da relação entre as coisas com outras
coisas, e dos seres humanos com as coisas, é clarividente que estas relações
possuem uma lei, e nesta uma adequação; ora, se a lei se adequa com as coisas,
então, pode ser compreendida pelo intelecto; e se pode ser compreendida, possui
algo de verdadeiro, e assim se adequa convenientemente com a verdade.
2. Quanto ao segundo argumento se
responde que a lei, embora seja participe das coisas existentes, também é uma
das coisas existentes; pois, existe uma lei existente por si mesma, e existe
uma lei que é criação das coisas existentes; respectivamente, isso se chama de
lei natural e de lei positiva; logo, a lei natural é uma das coisas existentes,
e a lei positiva é criação das coisas existentes; ora, as coisas existentes
participam da verdade essencialmente, e as coisas que existem a partir das
coisas existentes participam da verdade por derivação; logo, a lei natural
participa da verdade essencialmente, e a lei positiva participa da verdade por
derivação, pois provêm da lei natural; por isso, a lei natural abaliza a lei
positiva; pois, se a lei positiva provêm da lei natural, então, a lei positiva,
em todas suas nuances, não pode contradizer a lei natural. Donde, a lei se
adequar com a verdade tanto na lei natural, essencialmente e fundamentalmente,
quanto com a lei positiva, por derivação; a primeira, é mais específica e prova
a verdade da proposição, a segunda, é menos específica, mas de igual modo
atesta a prova da primeira; logo, a lei, em suas duas esferas, se adequa com a
verdade.
3. Quanto ao terceiro se responde
que a lei é algo existente, pois, a lei natural existe co-naturalmente com a
existência da natureza e do ser humano, isto é, faz parte do núcleo de sentido
da realidade; e, assim, existe a lei existente em si mesma, e a lei que existe
a partir desta; portanto, a lei existe como existente e existe como lei
derivada a partir da lei das coisas existentes; ora, tanto uma quanta a outra
participam da verdade, embora em grau diferente; a lei existente, isto é, a lei
natural, participa por natureza e por essência da verdade, e a lei a partir da
lei existente, isto é, a lei positiva, participa por derivação da natureza e da
essência da verdade, sendo dependente em sua natureza participante da verdade
da lei natural, pois, a medida da participação da lei positiva na verdade é a
medida de sua adequação com a lei natural. Logo, a lei, em seus modos de
existência, se adequa com a verdade.
4. Quanto ao quarto se responde
que a distinção de Avicena é útil, pois, a própria lei é açambarcada nesta
distinção; logo, a lei tem duas esferas: a da lei existente necessária e a da
lei existente possível; a da lei existente necessária, é a da lei que existe
naturalmente, a lei natural, que por ser existente necessária se adequa
plenamente com a verdade; e a da lei existente possível, é a da lei que existe
em derivação da lei natural, a lei positiva, que por ser derivação da lei
natural participa da verdade de acordo com o grau de relação e de combinação
com a lei natural. Logo, a lei se adequa com a verdade, tanto como existente
necessária, de maneira plena, quanto como existente possível, de maneira
derivada.
5. Quanto ao quinto argumento se
responde que a verdade existe na essência das coisas existentes; mas também, na
essência das coisas que existem a partir das coisas existentes, pois, estas são
proveniência daquelas; logo, onde se tem uma coisa que existe, esta participa
da verdade na medida da relação com as coisas existentes; portanto, aquilo que
existe se adequa com a verdade das coisas existentes na medida da relação com
estas; donde, sendo a lei natural, uma das coisas existentes, então, o que
provêm da lei natural participa na verdade a partir desta; com isso, a lei
positiva, sendo uma coisa que existe a partir de uma coisa existente (lei
natural), participa da verdade a medida de adequação com a lei natural; e por
isso, se adequa com a verdade na proporção desta participação.
6. Quanto ao sexto argumento se
responde que a descrição do Filósofo sobre o falso e o verdadeiro, diz respeito
ao modo como se apreende o falso e o verdadeiro; pois, as coisas, em si mesmas,
não são nem falsas e nem verdadeiras, isto é, não estão presas ao juízo do
intelecto; mas, ao serem aferidas como existentes pelo intelecto são, por este,
designadas como falsas ou verdadeiras, a partir de um ponto de referência na
própria realidade; pois, as coisas são verdadeiras no sentido de serem
existentes, e por isso, em sua essência, possuem algo da verdade; no entanto,
como o juízo sobre o verdadeiro e o falso estão na mente, tal como diz o
Filósofo, isto demonstra que a apreensão das coisas, na adequação da coisa com
o intelecto, se dá, primordialmente, pela apreensão da existência das coisas,
donde, se uma coisa existe, esta coisa é, e se uma coisa não existe, esta coisa
não é; logo, o que é, é verdadeiro, e o que não é, é falso.
E, tal distinção, se aplica a
lei; pois, sendo a lei uma coisa que existe, possui algo da verdade; e, sendo a
lei natural, participe da verdade, então, se adequa com a verdade, e esta
adequação, sendo perfeita, não permite que haja falsidade nesta lei; todavia, a
lei positiva, como é derivada, pode incorrer em erro, em falsidade; logo, a lei
positiva, ao ser apreendida pelo intelecto, pode ser discernida se possui algo
falso ou não; ora, esta compreensão só é possível, em se tratando da lei
positiva, porque esta é fundamentada pela verdade, isto é, pela lei natural,
que se adequa perfeitamente com a verdade; logo, o intelecto só pode
compreender o verdadeiro ou o falso na lei positiva, se se compreende a lei
natural, isto é, a parte da lei que se adequa totalmente a verdade; deste modo,
a lei natural, sendo percebida e apreendida pelo intelecto, demonstra onde e de
que modo se tem veracidade ou falsidade na lei positiva. Portanto, a descrição
de que o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas na mente, se demonstra
desta maneira ao se investigar a lei.
7. Quanto ao sétimo se responde
que a designação da lei, enquanto participe da verdade, demonstra que as partes
da lei, ainda que aferidas distintamente, são entendidas conjuntamente, e a
partir desta participação; logo, mesmo que a descrição dos jurisconsultos
afirme que só se pode conhecer o fim da lei, isto se refere ao propósito da
lei, e nisto, se reafirma a proposição de que se se conhece o fim da lei, é
porque a lei possui princípios; portanto, se a lei possui princípios, estes são
conhecíveis; logo, a lei, tanto em seu fim, quanto em seus princípios, se
adequa com a verdade; este em relação aos princípios pelos quais a lei positiva
se adequa com a lei natural, aqueles em relação as ações que a lei prescreve;
portanto, a lei se adequa com a verdade em todas as suas partes, e mesmo a lei
positiva, desde que em consonância com a lei natural, o que não revoga o
princípio, mas o estabelece como norma para análise dos fatos concernentes a
ciência jurídica, o que, per se, é clarividente em qualquer ciência.
8. Quanto ao oitavo argumento se
responde que o entendimento sobre a lei, conquanto possa ser feito em etapas e
em modos diversos, se se pode pelo menos entender um aspecto de uma parte da
lei, então, isto demonstra que a lei é entendível; ora, aquilo que é
entendível, é passível de ser entendido corretamente; logo, a lei pode ser
entendida corretamente; e aquilo que pode ser entendido corretamente, tal como
diz o Filósofo, é a sensatez, a ciência e a opinião verdadeira. Portanto, como
a lei pode ser entendida corretamente, se pode aferir a sensatez a partir da
lei; se pode aferir a ciência a partir da lei, isto é, a ciência da lei; se
pode aferir a opinião verdadeira a partir da lei, a que concerne aos fatos
sobre a lei. Portanto, a lei se adequa com a verdade, e o entendimento correto
sobre a lei, proporciona o entendimento sobre a sensatez, a ciência e a opinião
verdadeira no que concerne a lei, sendo estes, por sua vez, demonstração de que
a lei, em sua existência, e em suas partes, possui e prescreve a sensatez no
que se refere as ações humanas, a ciência no que concerne a demonstração
analítica, e a opinião verdadeira no que concerne aos fatos da realidade
analisados pela ciência jurídica.
9. Quanto ao nono argumento se
responde que a lei possui uma significação básica; logo, a lei é aferida como
um conceito, e possui um significado; pois, Papiniano, no livro I das Definitionum,
afirma que a “lei é um preceito comum, decreto de homens prudentes, correção
dos delitos que por vontade ou por ignorância se cometem, e o pacto comum da
República”; logo, se a lei possui um significado, então, recebe a
predicação da verdade; e, como tudo aquilo que recebe predicação da verdade se
adequa com a verdade, então, a lei, tendo um conceito ao qual ela significa, se
adequa com a verdade. Donde, a descrição do Teólogo, açambarca também a
descrição sobre a lei, e, por isso, demonstra que a lei se adequa com a
verdade, pelo simples fato de ser um conceito e possuir um significado. Logo, a
lei, em sua natureza, e, por consequência, em seu significado, se adequa com a
verdade, pois, a natureza e o significado da lei demonstram o modo como a lei
existe na realidade, perfazendo assim, um princípio indiscutível da adequação
com a verdade, a saber, ser possuinte de signo, significado e referente.
10. Quanto ao décimo argumento se
responde que o fim da lei, sendo a prescrição das ações, demonstra que tal fim,
mesmo sendo aferido, evidencia a liberdade da verdade; pois, tal como dissera
Anselmo, a verdade não pode ser enclausurada por nenhum princípio ou fim, mas
todas as coisas, enquanto existentes, e, por isso, participes da verdade, são
permeadas e açambarcadas pela verdade, tanto em seus princípios quanto em seus
fins; o que não enclausura a verdade e nem as coisas, mas demonstra que as
coisas são, indiscutivelmente, permeadas pela verdade; logo, a lei, tanto em
seus princípios como em seu fim, é permeada e açambarcada pela verdade, o que,
não enclausura a verdade, mas demonstra que as coisas que existem estão sob o
império da verdade. E a lei, como uma coisa que existe e como uma coisa
existente, está sob o império da verdade, especificamente, na esfera jurídica
da realidade onde a verdade impera de maneira jurídica.
Artigo 6.
Se a lei é prescrita necessariamente pela verdade.
Sexto, pergunta-se se a lei é
prescrita necessariamente pela verdade.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A lei é prescrita pelos
costumes, e os costumes são delineados a partir das ações humanas; logo, tudo
aquilo que é parte dos costumes, se torna parte da lei; e, como a lei é
prescrita pelos costumes, a lei é oriunda das ações humanas; ora, as ações
humanas são o que ditam a verdade, portanto, a verdade não prescreve, mas é
prescrita pelas ações humanas; logo, a lei não é prescrita pela verdade.
2. Ademais, os costumes são a
base da veracidade de um povo; donde, a partir destes, os povos formarem um
direito por escrito; logo, em todos os povos a lei nasce dos costumes;
portanto, existe um fio comum em todos os povos donde provêm a lei, o qual é os
costumes, e não a verdade; logo, a lei não é prescrita pela verdade.
3. Ademais, Platão, no livro I de
As Leis, assevera que a lei é formada por um “deus”, que uns chamam Zeus
e que outros chamam de Apolo; logo, a lei em cada parte é fundada por algum
“deus”; portanto, não existe unidade na lei; e onde não existe unidade é porque
há muitas verdades; e se há muitas verdades, então, não existe uma única
verdade que prescreva as coisas; logo, a lei não é prescrita pela verdade, mas
de acordo com os deuses de cada localidade.
4. Ademais, o Filósofo, no livro
V de Ética a Nicômaco, assevera que a lei existe para os homens entre os
quais há injustiça (cf. Et. Nic. 1134a30); e, onde há injustiça não existe a
verdade; portanto, onde há a lei, não existe a verdade; logo, a lei não é
prescrita pela verdade.
5. Ademais, no livro I do Digestorum, se diz que saber as leis
não é conhecer suas palavras, mas sua força e poder; e os costumes
referem-se a força e ao poder; logo, se só se conhece a força e o poder da lei,
então, só se conhece os seus costumes; portanto, a lei é prescrita pelos
costumes; logo, a lei não é prescrita pela verdade.
6. Porém, no artigo anterior (a.
5) se mostrou que a lei se adequa com a verdade; então, parece que a lei deva
ser prescrita pela verdade; entretanto, se a lei apenas se adequa com a
verdade, então, significa que a lei participa em algo da verdade, e não que a
lei é prescrita pela verdade; logo, a participação na verdade não significa que
a lei seja prescrita pela própria, pois, senão ao invés de participar na
verdade, seria a própria verdade. Portanto, a lei não é prescrita pela verdade.
7. Ademais, aquilo que é
prescrito, tem de normativamente prescrever a partir daquilo do qual é
prescrito; e se algo é prescrito a partir da verdade, então, tem de prescrever
a partir da própria verdade; todavia, a lei é prescrita pelos costumes, então, a
lei não poder prescrever a partir da verdade, mas somente a partir dos
costumes; então, a lei não é prescrita pela verdade.
8. Ademais, Kant define a teoria
dos costumes como ética (cf. GMS, pref.); logo, tudo o que tem a ver com
os costumes diz respeito a ética; e como a lei diz respeito a ética, pois só se
conhece sua força e poder, então, a lei é ditada pelos costumes; portanto, a
lei não é prescrita pela verdade, mas pelos costumes.
9. Ademais, o Filósofo, no livro
I da Física, afirma que quando um objeto de investigação tem princípios,
é através do conhecimento destes que o conhecimento e a compreensão são
alcançados (cf. Física, 184a10); e, ao se conhecer os princípios de um
objeto de investigação se conhece os modos pelos quais este objeto é prescrito,
e como o que se conhece da lei são sua força e poder, então a partir disso é
que se entende a lei; logo, como a lei é prescrita pelos costumes, então provêm
dos princípios dos costumes a prescrição da lei; e, se provêm dos costumes a
prescrição da lei, logo não provêm da verdade; portanto, a lei não é prescrita
pela verdade.
II. [Em
Contrário].
1. Mas, em contrário, no livro I do Digestorum, se diz que a lei é “a
arte do bem e do equitativo”; e tudo aquilo que tem o bem e o equitativo, é
prescrito pela verdade, já que da verdade provêm tudo aquilo que é bom e que
tudo o que possui equidade; pois, a retidão, prova do bem e do equitativo,
implica na verdade, a qual é o bem do homem enquanto é homem; então, onde há a
verdade, há a prescrição da retidão, seja pela lei divina, ensinando aos homens
o caminho da salvação, seja na lei humana, demonstrando aos homens o caminho do
bem e da equidade.
2. Além disso, Orígenes, no livro
I de Contra Celsum, fala sobre a lei da verdade (cf. Cont. Cel.,
livro I, n. 1); logo, se a própria verdade possui uma lei, então, a lei
participa em algo da verdade; e, tudo aquilo que participa de algo, é prescrito
ou prescritivo a partir deste algo; ora, aquilo que é prescrito e/ou
prescritivo a partir da verdade, é participe da própria verdade; e sendo
participe da verdade é prescrita a partir da mesma; pois, se algo é disto ou
daquilo, este algo é prescrito a partir daquilo que é; logo, se se tem uma lei
da verdade, então, se tem a própria verdade na lei.
III. [Solução].
1. A lei, enquanto arte do bem e
do equitativo, por ser uma arte, e por ser do bem e do equitativo, participa da
verdade e é prescrita pela verdade; ora, uma arte só pode ser arte se participa
da verdade, sendo a arte imitação de um aspecto da verdade evidenciada através
de formas e figuras; e o bem, só é bem porque é participe da verdade; e o mesmo
se dá com o equitativo, que só existe porque participa na verdade; então, a
lei, sendo uma arte, e sendo a arte do bem e do equitativo, participa da
verdade enquanto arte, e é prescrita pela verdade enquanto em sua arte se
orienta para ser uma forma da própria verdade na prescrição das ações que
figuram sobre o bem e sobre a equidade.
2. Por isso, a lei é prescrita
pela verdade e participa na verdade; na prescrição da verdade, a lei demonstra
sua prescrição essencial, demonstrada na lei natural, a qual é prescrita e
prescreve com a verdade e a partir da verdade; na participação na verdade, a
lei demonstra sua prescrição acidental, demonstrada na lei positiva, onde a
lei, por ser positiva, só participa na verdade a medida da adequação com a lei
natural; portanto, em seus modos e em suas partes, a lei é prescrita pela
verdade, seja de modo essencial, seja de modo acidental; diferindo apenas no
modo da prescrição: se essencial, chama-se prescrição propriamente dita, se
acidental, chama-se participação. Logo, se constata que a lei é prescrita
necessariamente pela verdade.
3. Além disso, se a lei é
prescrita pela verdade, então, tal prescrição, demonstra a orientação básica da
própria lei; ora, a orientação da verdade é em vista às coisas verdadeiras;
então, a lei, sendo prescrita pela verdade, é orientada em vista às coisas
verdadeiras; logo, a lei, ao prescrever a partir da verdade, prescreve em vista
das coisas verdadeiras; e ao participar da verdade, acidentalmente demonstra
que fora prescrita pela verdade de modo derivado; donde se afirmar que a medida
da participação da verdade na lei positiva é a medida da adequação desta com a
lei natural. Portanto, a prescrição da verdade, açambarca os modos e as partes
da lei, ao mesmo tempo que faz com que a própria lei seja testemunha da
verdade. Ora, aquilo que testemunha de algo, ou é porque é prescrito a partir
deste algo, ou é porque prescreve a partir deste algo; e está na natureza da
lei o ser prescrita e o prescrever; e como a lei testemunha da verdade, então,
a lei é prescrita pela verdade e prescreve a partir da própria verdade.
IV. [Respostas
aos Argumentos].
1. Quanto ao primeiro argumento
se responde que as ações humanas são evidência da existência da verdade; logo,
na axiologia, na investigação sobre as ações humanas, se pode aferir que a
verdade está presente nas várias esferas da realidade; e, por isso, estas
ações, ao serem experienciadas, e se tornarem hábitos, constituem a formação
dos costumes; ora, a lei, é em vista dos costumes; então, a lei, é oriunda de
aspectos das ações humanas, não porque as ações humanas encerram a verdade em
si mesmas, mas porque são provenientes da verdade, e a lei, sendo instituída em
função do bem comum, testemunha da formação do hábito que gera a cultura; logo,
a lei, sendo formada a partir dos costumes, é prescrita a partir da fonte de
que provêm os costumes, a saber, as ações humanas, as quais, testemunham de
aspectos da verdade; portanto, das ações humanas, e dos costumes, se pode
conhecer que a lei é prescrita fundamentalmente pela verdade nas coisas
naturalmente necessárias. Por isso, não são nem as ações humanas e nem os
costumes o que dita a verdade, mas a verdade é que permeia as ações humanas e
os costumes, e por isso, o que provêm tanto das ações humanas quanto dos
costumes demonstra algo da própria verdade.
2. Quanto ao segundo argumento se
responde que os costumes são a identidade de um povo; logo, verdadeiramente,
são a base e o fundamento da veracidade deste povo; pois, a identidade de um
povo, é o que constitui sua existencialidade histórica; ora, a existência
histórica, constitui-se de um amalgama da verdade demonstrada nas ações humanas
e da preceituação cultural oriunda dos costumes; donde, aos povos se
organizarem e se desenvolverem, procuram formar para si, a partir dos costumes,
um direito por escrito, um direito que orienta as relações humanas com base nos
costumes e nos ditames racionais, isto é, um direito a partir do direito
natural; por isso, a lei humana nasce deste direito formado a partir dos
costumes; logo, sendo a lei formada a partir dos costumes, a mesma é oriunda da
verdade, e é prescrita a partir da verdade imbuída nos costumes; portanto, o
fio comum em todos os povos donde provêm a lei, não são os costumes, mas a
própria verdade; pois, os bons costumes são provenientes da verdade; donde, a
verdade, a qual está inerentemente nas ações humanas e que se constitui pelas
coisas verdadeiras, formam os costumes. Logo, a lei, em primeira e em última
instância, é prescrita pela verdade.
3. Quanto ao terceiro argumento
se responde que a descrição de Platão, é em vista a concepção que o mundo grego
tinha sobre as leis; pois, estes, creditavam o ordenamento jurídico a alguma
divindade, já que tinham a lei em tão grande conta que a consideram obra dos
deuses; conquanto haja algo de verdade nestas descrições, a lei, sendo
proveniente da verdade, não pode provir de vários deuses, pois, a prescrição de
variedade de deuses promulga a descrição de variedade de verdades; e, como a
verdade é una, a verdade provêm de uma única divindade; pois, sendo a lei a
arte do bem e do equitativo, provêm de algo que seja a base de tudo o que é bem
e de tudo o que equitativo; ora, esta base tem de ser perfeita; e, sendo
perfeita, só pode provir de Deus; e o Filósofo confirma isso no livro XII da Metafísica,
quando assevera que “Deus é um ser vivo, eterno, maximamente bom” (Met.
1072b30); portanto, a lei, provêm de uma base perfeita, a saber, de Deus; ora,
se a lei provêm de Deus, então, a verdade também; logo, existe uma única
verdade da qual a lei provêm; donde, existir, necessariamente, uma unidade da
lei; portanto, a lei é prescrita pela verdade, pois, sendo a verdade una, as
coisas que são prescritas pela verdade, mantém esta unidade da verdade, ao
passo que mantém a própria unidade em prescrever a partir da verdade e em
participar da própria verdade.
4. Quanto ao quarto argumento se
responde que a asseveração do Filósofo em parte é verdadeira, pois, é parte da
descrição sobre a lei, a saber, da existência da parte negativa da lei, isto é,
da parte da lei que proíbe e castiga; logo, onde há injustiça, a lei proíbe o
que é errado e castiga a prática do erro contrário a lei; portanto, a lei,
mesmo diante da injustiça, prescreve pela verdade, para condenar e castigar a
injustiça, para assim fazer brilhar a justiça; ora, onde há injustiça, se deve
haver a punição da injustiça para que pela falta da justiça a mesma seja
conhecida; logo, a lei, mesmo em sua parte negativa, é prescrita pela verdade,
ao efetuar a proibição e o castigo da injustiça.
5. Quanto ao quinto argumento se
responde que, embora os costumes, em certo sentido, possam se referir a força e
ao poder, os costumes não se referem somente as ações, mas também as palavras;
pois, só se conhece os costumes por suas palavras, mesmo que os costumes sejam
instituídos a partir das ações; ora, não existe nenhuma ação que não seja
primeiro efetivada em palavras, mesmo nos atos; logo, se se conhece a força e o
poder da lei, então, é porque a lei possui palavras; portanto, a lei, é
prescrita pela verdade, pois, se conhece tanto sua força e poder, quanto suas
palavras; logo, as duas esferas da lei são prescritas pela verdade; as ações,
pela parte prática; as palavras, pela parte teórica.
6. Quanto ao sexto argumento se
responde que a adequação de algo com a verdade, demonstra que este algo é
prescrito pela verdade; logo, se a lei se adequa com a verdade, então, a lei é
prescrita pela verdade; pois, a adequação de algo com a verdade, demonstra
tanto a prescrição quanto participação; logo, como a lei se adequa com a
verdade, então, a própria lei é prescrita pela verdade e participa em algo da
verdade; mas, a prescrição e a participação são coisas distintas, o que, então,
não demonstra a prescrição da lei pela verdade; todavia, a lei, tanto é
prescrita quanto participa da verdade, embora em modos diferentes: pois, a lei
natural é prescrita pela verdade, enquanto que a lei positiva participa na
verdade. Portanto, a prescrição a partir da verdade demonstra adequação com a
verdade, enquanto que a participação na verdade demonstra algo prescrito a
partir da verdade; e, tanto a prescrição quanto a participação demonstram a
verdade e algo da verdade através das coisas verdadeiras, o que não a torna a própria
verdade, mas testemunha da verdade através da prescrição e da participação.
7. Quanto ao sétimo argumento se
responde que a prescrição indica dois modos: o ato da prescrição e o ato de
prescrever; ora, o ato da prescrição é o que é estabelecido sob a verdade, e o
ato de prescrever é o que é feito a partir da prescrição; logo, se a lei é
prescrita sob a verdade, então, a própria lei, em suas prescrições, prescreve a
partir da verdade; logo, se mostra verdadeiro o axioma de que o que é
prescrito, tem de normativamente prescrever a partir daquilo do qual é
prescrito; portanto, a lei, sendo prescritiva a partir dos costumes, e sendo
estes provenientes da verdade, então, a lei, é prescrita pela verdade, e, por
isso, prescreve a partir da própria verdade. Logo, a lei, sendo prescritiva a
partir dos costumes, tem de necessariamente ser prescrita sob a verdade e
prescrever a partir da própria verdade.
8. Quanto ao oitavo argumento se responde
que a descrição de Kant, da ética como teoria dos costumes, em parte está
correta; embora, nem sempre a ética seja aferida a partir de uma teoria dos
costumes, mas sempre a partir das ações humanas, que nem sempre são
evidenciadas a partir de costumes; e a lei, em certo aspecto, diz respeito a
ética, e por isso, aos costumes; pois, a lei, entre suas formas conhecíveis, é
conhecida por sua força e poder; logo, em relação a estes aspectos, o que diz
respeito aos costumes, evidentemente, diz respeito a ética; todavia, a lei, não
somente é ditada pelos costumes, através dos quais se observa a ação humana;
pois, a lei é prescrita pela verdade, prescreve a partir da verdade, e se torna
perceptível a partir das ações humanas, que cristalizadas sob hábito, são
evidenciadas nos costumes. Então, a lei, ao ser prescrita pela verdade, não
somente possui uma doutrina inerente, mas também possui uma ética, a qual, é
clarividente através dos costumes.
9. Quanto ao nono argumento se
responde que um objeto de investigação, segundo o Filósofo, tem de possuir
princípios; logo, é através destes princípios que o objeto de investigação é
conhecido e compreendido; ora, os princípios são dispostos de dois modos: um
teórico e outro prático; portanto, a lei, sendo conhecida em sua força e poder,
se conhece seus princípios práticos; ora, só existe princípios práticos, se
houveram princípios teóricos; portanto, ao se investigar a lei, se compreende
que a lei possui tanto princípios práticos quanto princípios teóricos; e é da
investigação sobre os princípios teóricos e os princípios práticos, que se
obtém um melhor entendimento sobre um objeto de investigação; portanto, a lei,
tanto em seus princípios práticos quanto em seus princípios teóricos, tem algo
da prescrição da verdade; ora, se a lei é conhecida tanto em seus princípios
práticos quanto em seus princípios teóricos, então, a lei é prescrita sob a
verdade; portanto, a lei é prescrita pela verdade de maneira plena em seus
princípios constituintes e em seus princípios axiológicos; os princípios
constituintes naquilo que a lei é; os princípios axiológicos naquilo que a lei
ordena.
Artigo 7.
Se a lei possui uma essência.
Em sétimo lugar, pergunta-se se a lei possui uma
essência.
E parece que não.
I. [Argumentos].
1. A lei não possui uma essência, pois, tudo o que
possui essência é ente; e a lei não é ente, porque é formulação humana, e
formado pela natureza através das relações humanas, tal como diz Cícero no
livro I do De Legibus; portanto, a lei não pode ser ente, porque é coisa
proveniente dos costumes e das ações humanas; e como o ente é apropriado à
essência, a lei não possui uma essência já que a lei não é ente.
2. Ademais, como diz o Cardeal Caetano o “o termo
essência toma sua origem do ente”[1]; logo,
se a lei não é ente, não tem essência, pois, a essência toma sua origem do
ente, e aquilo que não é ente não possui essência.
3. Ademais, aquilo que possui uma essência possui-a
porque ente é, e tudo o que é ente se adequada ao intelecto tal como diz o
Teólogo: o ente não pode ser entendido sem que concorde ou se adéque ao
intelecto (cf. De Ver., q. 1, a. 1, ad. 2); logo, a lei, como não é
ente, e por isso, não possui essência, não pode ser assentida pelo intelecto,
senão, apenas pelo sentir, tornando-se objetável somente no sentir e a partir
do sentir; portanto, a lei não possui uma essência, pois não concorda e não se
adequa ao intelecto.
4. Ademais, aquilo que possui uma essência é
demonstrativo, e pertence à ciência demonstrativa; o Filósofo diz no livro I
dos Analíticos Anteriores que o que pertence a ciência demonstrativa é
premissa (cf. Anal. Ant. 24a10); portanto, é clarividente que a lei não possui
uma essência, já que, o que possui essência é demonstrativo, e por isso, possui
premissa, e como a lei não possui premissa, logo não é ciência demonstrativa, e
assim, não possui uma essência.
5. Ademais, saber é conhecer, e conhecer é compreender
a essência, e compreender a essência é definir com significado expresso por
palavras; assim sendo, a lei não possui uma essência já que não se pode
conhecê-la; no livro I do Digestorum se diz: saber as leis não é
conhecer suas palavras, mas sua força e poder; logo, a lei não possui uma
essência, senão, apenas a ordenação com vista a uma ação, já que tudo o que
possui uma essência é conhecível e entendível pelas palavras que a expressam.
6. Ademais, como diz o Filósofo no livro I da Física,
não pensamos uma coisa até que estejamos familiarizados com seus princípios (Phys.
184a10), logo, é clarividente que a lei não possui uma essência, pois, como o
sobredito confirma (n. 4), conhecer as leis não é conhecer suas palavras (os
princípios), mas sua força e poder; e assim, não se pode pensar sobre algo que
não possui uma essência; donde, ser clarividente que a lei não possui uma
essência, pois, se só se pode conhecer sua força e poder, logo, não é possível
estar familiarizados com seus princípios, pois os mesmos só seriam conhecíveis
se a lei possuísse uma essência.
7. Ademais, diz o Apóstolo que sente em seus sentidos
uma outra lei (cf. Rm 7.23); donde, se em alguém existe uma lei, e em outro
também, e assim sucessivamente, é clarividente que a lei não possui uma
essência única, pois, o sentir é de um modo em cada um; logo, a lei não possui
uma essência, já que, se houvesse uma essência da lei, a mesma haveria de ser
una e objetiva, não múltipla e subjetiva. Logo, a realidade da multiplicidade e
subjetividade da lei, atesta que não existe uma essência da lei.
8. Ademais, Ulpiano, no livro I das Institutionum,
diz que tem vigor de lei aquilo que o príncipe promulga; logo, a lei não tem
uma essência, mas é promulgada de acordo com a vontade do príncipe, que sendo
vontade pessoal, não é ente e nem possui a essência de algo uno e objetivo;
donde, mudando-se o príncipe, muda-se a lei; e se a lei muda de acordo com a
vontade do príncipe, logo a lei não possui uma essência.
II. [Em Contrário].
1. Mas, em contrário, a lei possui uma essência, pois, a lei provém da virtude em geral, virtude essa que forma o direito, como bem assevera Francisco Suarez, no livro I de De Legibus, que o direito é “tudo quanto é equitativo e conforme a razão, que é - como alguém disse - o objeto comum da virtude em geral”. Logo, a lei possui uma essência, porque é racional e impulsiona os homens na prática do bem, ao passo que pune os que praticam o mal; portanto, a essência da lei, que provêm da virtude, é ordenar para o bem e coibir a prática do que é contrário ao bem. Portanto, como tudo aquilo que é objeto da virtude possui uma essência, logo, a lei possui uma essência.
III. [Solução].
1. A lei tem uma essência que tende aos homens,
enquanto na vida em sociedade, para o bem; e tudo o que procura ou incentiva,
seja de qual modo, a prática do bem, merece o nome de virtude, tal como diz o
Teólogo “que a virtude, conforme o sentido do nome, designa o complemento da
potência; por isso que também se chama força, enquanto alguma coisa pelo poder
completo que tem pode seguir o seu ímpeto ou movimento” (De Virt.,
q. 1, a. 1, co.). Donde a lei, pelo poder que tem, já que essencialmente ordena
ao bem e proíbe o contrário ao bem, é uma virtude, pois, pode pela força
conduzir ao ímpeto de sua essência ou, pelo seu movimento, induzir ao
ordenamento desta essência.
2. Além disso, a lei, ao possuir uma essência,
demonstra o qualificativo que tem na ordem ontológica da realidade; pois,
conquanto a lei não possa ser efetivamente chamada de ente, mesmo assim possui
uma essência, pois, é algo existente que prescreve a uma prática tendo em vista
esta mesma essência; e como diz o Filósofo no livro V da Metafísica,
ente pode ser dito de dois modos (cf. Met. 1017a7-1017b5), a respeito dos
quais, o segundo modo, confirma a afirmação de que a lei possui uma essência;
portanto, como diz o Teólogo no cap. I do De Ente et Essentia: “pode
ser dito ente tudo aquilo do qual pode ser formada uma proposição afirmativa”.
Logo, sendo a lei algo existente, e tendo por isso, aquiescência ao que é
verdadeiro, com isso é clarividente que a lei possui uma essência, porque é
participativa no ente e demonstra o ente, que a partir da lei, é entendido na
estrutura jurídica da ordem da realidade.
3. Deste modo, a lei sendo possuinte de uma essência,
se coaduna com o ente, pois, o ente enquanto existente, tem uma essência, e por
essa essência, está presente em tudo o que existe, e no modo em como estas
coisas são compreendidas pelo intelecto; por isso, a evidenciação de que a lei
possui uma essência tem uma demonstração tríplice, a qual, por sua vez,
confirma e atesta aquilo que se configura da lei possuir uma essência a partir
da própria existência do ente, pois, se a lei existe, então a lei possui uma
essência, já que, tudo o que existe possui uma essência, e tudo o que existe
tem algo do ente. E isto se demonstra de três maneiras:
4. Primeiro, pela razão; a essência da lei tem algo de
racional, pois tudo que é, essencialmente é racional; e a lei, sendo racional,
ordena para um fim, já que tudo o que é racional, é ordenativo para um fim,
como diz o Teólogo, “porque é próprio da razão ordenar para o fim, princípio
primeiro do agir” (STh Ia IIae, q. 90, a. 1, co.). A ordenação a um fim,
que é o princípio primeiro da ação, é o que faz da lei algo racional, porque,
se é próprio da razão ordenar a este fim, então, a partir da razão, tem de
haver algo que de algum modo demonstre esta ordenação.
5. Segundo, pelos costumes; a essência da lei também é
evidenciado a partir dos costumes, pois, é dos costumes, que são hábitos comuns
que se tornam parâmetros simples de alguma cultura e de um povo, que se
estabelecem os pressupostos da lei e/ou das leis; pois, é dos costumes que
provêm a dignidade do direito; por isso, o jurisconsulto Paulo, no livro VII de
Ad Sabinum, afirma que “se reputa de tão grande autoridade este
direito, porque fora aprovado de bom grado, que foi necessário compreendê-lo
por escrito”; donde, se dos costumes advêm um direito, que por esta razão é
digno de tão grande estima, porque ratificado nos hábitos, logo, pelos costumes
se demonstra que a lei possui uma essência, bem como é a partir dos costumes
que se estabelece a essência da lei.
6. Outrossim, é que os costumes, ao demonstrarem que a
lei possui uma essência, são os próprios a base inicial para a interpretação da
própria lei; pois, só se interpreta aquilo que possui uma essência. O
jurisconsulto Paulo, no livro I das Quaestionum, assevera que o costume
é o melhor intérprete da lei; logo, os costumes constituem-se em fonte para a
formação da lei, tanto quanto tornam-se o pressuposto hermenêutico primeiro
para a interpretação da lei; portanto, os costumes são asseveração de que a
essência da lei tem algo de verdadeiro, e tudo o que tem algo de verdadeiro é
ente de algum modo (cf. De Ver., q. 1, a. 1, ad. 7).
7. Terceiro, pelas leis anteriores; as leis anteriores, formadas a partir dos costumes mais antigos, são uma base e uma forma de se entender que a lei possui uma essência, já delineada pelos costumes mais antigos; com isso, tais costumes além de abalizarem a lei, também demonstram que a partir das leis anteriores, as leis mais antigas, estão estabelecidos os pressupostos da interpretação também para as leis posteriores; portanto, nas leis anteriores, algo da essência da lei já é demonstrado, porque, somente assim, se estabeleceria tais leis como pressuposto de formação de leis posteriores, e até mesmo, à interpretação das leis posteriores; aquilo que é posterior, sendo algo com essência, só pode ser conhecido, se pelo algo anterior houver alguma essência em comum, e algo de verdadeiro nesta essência; por isso, as leis anteriores, demonstram a existência de uma essência básica da lei, que tanto é comum aos antigos e seus costumes, quanto aos contemporâneos e seus costumes, e ainda aos futuros e seus costumes; pois, a base dos costumes é a mesma, a saber, a ação humana, e a formação das leis, conquanto difira das épocas, o núcleo central das ações humanas não muda; logo, essencialmente, permanece o mesmo, mesmo em épocas e culturas diferentes. Com isso, é clarividente que a lei possui uma essência.
IV. [Resposta aos Argumentos].
1. A lei possui uma essência porque é verdadeira, e
como tudo o que é verdadeiro participa do ente, logo, a lei também participa do
ente; e mesmo que o direito, sustentáculo da lei, seja formado pela natureza e
em contato com as relações humanas, é porque nestas relações há algo de
verdadeiro que a lei possui uma essência; assim, mesmo que não se possa falar
da lei como um ente de maneira plena, como a lei tem algo de verdadeiro,
participa de algum modo do ente. E porque as leis são formadas dos costumes e das
ações humanas, as mesmas têm algo do ente, porque toda ação humana tem algo de
verdadeiro e todo costume humano provêm de algo verdadeiro; pois, a lei como
possui algo de verdadeiro, e por isso, possui uma essência, participa do ente.
Logo, a lei possui uma essência porque possui algo do ente.
2. Donde, a partir da solução, se fica claro a
resposta ao segundo argumento.
3. Conquanto fique estabelecido que a lei possui uma
essência porque tem algo de verdadeiro, logo, na lei tem de haver algo que
concorde e se adeque ao intelecto; e é clarividente que a lei possui uma
essência, pois, é fruto da adequação entre a coisa e o intelecto para forma a
verdade, e transposta a esfera jurídica da ordem da realidade como pressuposto
para o entendimento e a apreensão de algo; pois, só se pode apreender algo que
possui uma essência, e como toda essência tem algo em comum com a realidade e
com o que é verdadeiro, logo, é possível conhecer a lei em sua essência; tudo o
que é objetável o é para que possa ser conhecível; e tudo o que pode ser
conhecível só é porque possui uma essência; logo, a lei, por possuir uma
essência pode ser assentida pelo intelecto; portanto, etc.
4. Como o que possui uma essência é demonstrativo e
pertence ao que o Filósofo chama de ciência demonstrativa, logo, a lei possui
uma essência, porque é demonstrativa e se adequa a ciência demonstrativa; donde
a lei possuir uma premissa, a qual, a torna objeto da ciência demonstrativa; e
a premissa da lei é estabelecida a partir de sua existência e de sua essência.
Portanto, a lei tem por premissa algo de sua essência, que tem algo de
verdadeiro, e que por isso participa do ente, e então, a lei é demonstrativa a
partir de sua essência, de modo que por isso torna-se parte da ciência
demonstrativa.
5. Como saber é conhecer, e conhecer é compreender a
essência, e compreender a essência é definir com significado expresso por
palavras, a lei em sua essência é definida com palavras; logo, conhecer as leis
é conhecer sua essência; pois, tudo o que é conhecível o é a partir de sua
essência; e como conhecer as palavras, a definição, que diz respeito a algo é
conhecer seu significado, logo, a lei, para tender para um fim, o bem, tem de
possuir uma essência conhecível; pois o que é praticável, só o pode ser, porque
é conhecível e definível; pois, tudo o que é definido teoricamente também o é
realmente. Logo, a lei é conhecível e entendível pelas palavras que a
expressam.
6. A lei tem seus princípios (palavras) bem
estabelecidos, pois, é certo que não se pode pensar sobre algo que não tem
princípios, ou que não se conhece seus princípios; donde, conhecer as leis é
conhecer as palavras que a expressam, pois, ao se conhecer algo se conhece
porque primeiro se familiarizou com os princípios deste algo; então, a lei
possui uma essência, porque só tem princípios conhecíveis o que tem essência; e
se a lei tem estes princípios, logo, a lei possui uma essência. Logo, é
possível conhecer a lei, estando de antemão, familiarizados com seus
princípios.
7. Conquanto os sentidos possam inferir uma lei
corpórea, e assim, em cada um há o "sentir" desta lei, tal como o diz
o Apóstolo, logo, é manifesto que, em todos os homens há este
"sentir"; todavia, em relação a lei em geral, se estabelece que a
essência da mesma é una, pois, é a mesma a todos os homens, independente do
sentir corpóreo; por isso, mesmo na multiplicidade de sentidos, existe uma lei
una e objetiva; e mesmo na subjetividade da lei corpórea e dos sentidos, há uma
lei que, sendo comum a todos, é objetiva. Portanto, a lei possui uma essência
una e objetiva, mesmo que diante de realidades múltiplas e subjetivas, pois, a
própria existência de uma multiplicidade e subjetividade, requer a existência
de uma lei comum a todos, que permanece igual a todos, mesmo diante da
multiplicidade e subjetividade.
8. Ainda que em algumas culturas o príncipe possa ter força em promulgar uma lei, só promulga aquelas leis que dizem respeito a vida e a acontecimento cotidianos; mesmo na atitude que tem vigor de lei aquilo que o príncipe promulga, existe uma lei que está antes e acima do príncipe, porque comum a todos, independente se príncipe ou não; logo, pela vontade pessoal do príncipe se estabelece aquilo o que ele quer ou o que tal época requer; e, conquanto a isso, nem tudo o que o príncipe promulga tem vigor absoluto de lei, porque, ao passo que os príncipes mudam, e as leis por estes promulgadas também, existe uma lei comum que perpassa as épocas e que serve de testemunho mesmo diante da subjetividade dos príncipes em aplicar a lei. Pois, a essência da lei é estabelecida a partir desta lei comum, e não a partir da vontade dos príncipes. Logo, a lei possui uma essência una, objetiva e atemporal. Portanto, a essência básica da lei não muda de acordo com o príncipe ou com as épocas.
[1] Cardeal
Caetano de Vio, Comentário ao Do Ente e da Essência de Santo Tomás de Aquino
[Brasília, DF: Contraerrores, 2022], pág. 115.
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