1. A inviolabilidade da vida, é
princípio primeiro da existência humana, pois açambarca a esfera religiosa, a
esfera biótica, a esfera jurídica, a esfera social e a esfera cultural da vida
humana; a inviolabilidade da vida é signo que estabelece um pressuposto
fundamental para a vida humana, a saber, que a vida em seu todo é inviolável, é
inalterável, é irrevogável, é intocável; mas este signo não é somente
pressuposto por fundamentos religiosos e/ou culturais, mas estabelecido e
talhado nas rochas inexpugnáveis do direito, e pelos luminosos caracteres da
ciência.
2. As constituições dos países
desenvolvidos, sem exceção, apregoam a inviolabilidade da vida; por exemplo, na
Declaração da Independência dos EUA, Thomas Jefferson afirma: “Consideramos
essas verdades auto-evidentes, que os homens são criados iguais, que são
dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão
a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade. Que para garantir esses direitos,
os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do
consentimento dos governados. Que sempre que qualquer forma de governo se torne
destrutiva desses fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la e instituir um
novo governo, baseando-se em tais princípios e organizando seus poderes da
forma que lhes for mais conveniente, para realizar sua segurança e felicidade”[1];
ou a própria Constituição dos EUA, em que se afirma: “Ninguém será...
privado da vida”[2].
A maior democracia do mundo, estabelece como base de sua existência os direitos
inalienáveis, os quais são a vida, a liberdade e a busca da felicidade; por
isso, estes direitos são tidos como invioláveis.
3. Outro exemplo, é o que a
constituição alemã afirma: “Todos têm o direito à vida e à integridade
física”[3]. A
proposição da constituição alemã, reafirma um pressuposto da reta razão, pois,
evidentemente, todos têm direito a vida, pois, a vida é um direito de todos, já
que para se falar em direito ou em direitos, é necessário a própria vida; sem
vida não há direito; e a defesa da vida é base para a própria existência do
direito.
4. Além disso, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos afirma: “Todo indivíduo tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal”[4].
Na declaração dos direitos humanos, se consuma toda a base jurídica dos
direitos básicos e fundamentais da vida humana; todo indivíduo tem direito a
vida, pois, a vida é direito do indivíduo desde que o mesmo é concebido; logo,
é princípio da própria dignidade humana o respeito pela vida, o que é atestado
e confirmado por aquilo que se afirma como Direitos Humanos; a universalidade dos
direitos humanos, é preservada e dignificada pelo respeito e o direito à vida,
que conjuntamente com a liberdade, são direitos invioláveis e inalienáveis.
5. Deste modo, a vida é princípio
jurídico fundamental, sobre o qual está estabelecido a Constituição Federal do
Brasil; os direitos fundamentais precedem e se estabelecem antes de qualquer
forma de “direitos” sociais e/ou individuais; os direitos sociais e/ou
individuais para serem “supostamente” aceitos e/ou ab-rogados não podem ser
contra os direitos fundamentais; a inviolabilidade de algum dos direitos
fundamentais, como a inviolabilidade da vida, precede e antecede qualquer forma
de “direitos”; por isso, qualquer atentado contra a vida, ainda que velado sob
a forma de supostos “direitos individuais” não é válida pela nossa
Constituição; a afirmação categórica da inviolabilidade da vida, prescreve que
a vida é inalterável e intocável desde sua concepção até a morte; não há nenhum
suposto “direito individual” que fira e interfira no direito fundamental
estabelecido pela Constituição; o direito à vida é talhado de maneira
imorredoura na Constituição Federal como direito inviolável.
6. E estas afirmações são
apresentadas contra a recente atitude do Conselho Nacional de Saúde e os órgãos
governamentais que tratam da Saúde em quererem colocar o aborto em pauta; o
aborto é contra a inviolabilidade da vida, e por isso, o aborto é inconstitucional;
logo, o aborto não é permitido pela carta magna do Estado brasileiro; a recente
resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde afirma que os senhores querem
implementar o aborto, e até mesmo a ADPF 442 voltou a julgamento no Supremo
Tribunal Federal; e não sei se fortuita coincidência, ou manipulação
programada; como não acredito em coincidências, a manipulação programa do
comunismo integrou como pauta a legalização do aborto, tanto no âmbito da saúde
como no âmbito do poder judiciário. Com isso, decidi me pronunciar diante de
vós, para afirmar categoricamente que o aborto é contra a estrutura
constitucional do Estado brasileiro, bem como o aborto é contra os Direitos
Humanos; portanto, a simples evocação da possibilidade do aborto constitui um
atentado contra a democracia e um atentado contra os direitos humanos.
7. Estas afirmações podem parecer um
tanto quanto dogmáticas e/ou fundamentalistas; mas não o são; conquanto seja um
humilde teólogo que as escreva, tais afirmações baseiam-se nos aspectos
supracitados (n. 1), e cobrem uma gama variada de núcleos de sentido que
transcendem o aspecto religioso e a doutrina cristã; todavia, como a Igreja
cristã é coluna e firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.15), nós cristãos temos de nos
posicionar diante da inominável abominação que é o aborto, não somente em
defesa de uma doutrina religiosa, mas em defesa de um fundamento inalienável da
vida humana, fundamento esse que transcende qualquer credo religioso, porque é
comprovado não somente pela verdade revelada (Bíblia), mas atestado e
comprovado pela reta razão, comum a todos os seres humanos, e imbuída de forma intrínseca
pelo Criador em todos os seres vivos e em toda a ordem da realidade. Por isso,
o aborto é contra todas as esferas da vida humana; portanto, apresento-lhes uma
defesa da vida, da inviolabilidade da vida, a partir de três destas esferas;
uma defesa da inviolabilidade da vida em três prismas: (i) primeiro, a
inviolabilidade da vida na esfera religiosa; (ii) segundo, a inviolabilidade da
vida na esfera biótica; (iii) terceiro, a inviolabilidade da vida na esfera
jurídica.
8. [i] Primeiro, a inviolabilidade
da vida na esfera religiosa. A vida é inviolável é dogma da religião;
particularmente é dogma do cristianismo; um cristão verdadeiro afirma a verdade
da inviolabilidade da vida, desde sua concepção até a morte; a defesa da vida,
é doutrina e fundamento do cristianismo; e os textos confessionais e os
escritos teológicos são uma confirmação deste fato, presente no cristianismo
desde seus primórdios; de Tertuliano até o Concílio Vaticano II, passando por
Tomás de Aquino, por Lutero, por Calvino, e outros, sejam católicos,
protestantes ou ortodoxos, a afirmação da inviolabilidade da vida é pressuposto
categórico de todo o cristianismo. A identidade dos cristãos, também é descrita
no respeito a vida e na afirmação impoluta da inviolabilidade da vida.
9. O Didaquê, primeiro catecismo
cristão (séc. I d.C.), um resumo da doutrina dos Apóstolos, afirma: “Não
mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido”[5].
Em outro documento cristão antigo, a Epístola a Diogneto (séc. II d.C.), se
assevera: “Eles procriam filhos, mas não eliminam nunca os fetos”[6].
Portanto, os primeiros documentos confessionais dos cristãos, asseveram e
atestam a verdade de que a vida é inviolável; a ordenação do Didaquê para não
se matar as crianças no ventre da mãe, isto é, para não se cometer aborto, é
parte da doutrina cristã; os cristãos não cometem aborto, bem como se colocam
contra o aborto; e a afirmação da Epístola a Diogneto confirma esta fato, ao
afirmar que os cristãos procriam filhos, e nunca, NUNCA eliminam os fetos, isto
é, os cristãos nunca cometem abortos ou apoiam a prática do aborto; quem
pratica o aborto ou quem apoia o aborto não é cristão; quem pratica o aborto e
apoia o aborto é pagão.
10. Tertuliano, por exemplo, afirma
de maneira indiscutível: “É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer”[7].
A afirmação de Tertuliano, no séc. II. d.C., já comprova o que o aborto é homicídio;
a lei moral de Deus, os Dez Mandamentos, prescreve o mandamento: “Não matarás”
(Êx 20.13). E como o aborto é um homicídio, aprovar e/ou aceitar o aborto é
incorrer em aprovação do homicídio ou do assassinato de uma criança inocente,
e, portanto, apoiar o aborto é tornar-se participante de homicídios; pois, o
aborto não somente é homicídio, mas é uma forma de holocausto; é um holocausto
silencioso, onde as vidas concebidas no ventre são assassinadas como um ato
infame e ignóbil. Portanto, aborto é contra a lei de Deus, e por isso, o aborto
é rejeitado veementemente pelos cristãos.
11. Agostinho, constatara que o
aborto é parte de uma libidinagem cruel que procura tornar as pessoas estéreis
e/ou procura extinguir a vida no ventre da mãe[8].
Esta libidinagem, é expressão daquilo que Eric Voegelin chamara de “libido
dominandi”, a qual é expressão da tentativa de eliminar o significado
expresso na história pelo simbolismo cristão[9],
onde na tentativa de dominação total, alguma ideologia se utiliza da
sexualização excessiva, tanto no sentido puramente sexual, na revolução sexual,
quanto no sentido da obnubilação da percepção pela sensualização da vontade. A
constatação de Agostinho, em sua época, a época das ebulições do fim do império
romano, demonstrara um problema que se tornara novamente levantado pelo
comunismo, a saber, da libidinagem cruel que procura matar crianças no ventre
de suas mães; é parte da “lidido dominandi” do comunismo incentivar a
prática do aborto, para a partir disso, corromper a ordem moral da sociedade e
poder implementar a cultura de morte preconizada nos escritos dos doutrinadores
do comunismo. Santo Agostinho já alertara sobre os princípios oriundos desta libidinagem
cruel em sua época; e seu alerta serve-nos de alerta ainda maior, devido à
época de confusões em que vivemos.
12. Ainda, Tomás de Aquino afirma
que o aborto, é “sempre um pecado mortal, porque a prole não pode seguir,
daí a intenção da natureza ser completamente frustrada”[10].
Logo, na proposição tomista, o aborto é contra a lei natural, contra a intenção
da natureza; o aborto é algo não somente contra a lei revelada, mas contra a
própria lei natural; e a lei natural é a mesma para todos os homens, em todas
as épocas; portanto, o aborto é sempre um pecado mortal, bem como é sempre
contra a lei natural; o aborto é contra a revelação e contra a razão; por isso,
o aborto ser rejeitado pela doutrina religiosa e pela reta razão. Não é
necessariamente necessário ser religioso para ser contra o aborto, basta apenas
ter um pingo de bom senso e de juízo para poder ter a percepção de que o aborto
é uma prática vil e ignominiosa. Os que apoiam o aborto incorrem na fanfarra da
bazófia, incentivada e propagada pelo comunismo.
13. E mais recentemente, no séc. XX,
o Concílio Vaticano II afirmara: “são infames as seguintes coisas: tudo
quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio,
aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da
pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as
tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a
dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões
arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de
mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os
operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas
livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes;
ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que
assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a
honra devida ao Criador”[11].
Deste modo, o respeito a pessoa humana, o respeito a inviolabilidade da vida, o
respeito pleno para com a dignidade humana, é fundamento para que a vida humana
se desenvolva; por isso, o Concílio afirma que o aborto é infame, infamante, corruptor,
desonrado e ofensivo.
14. O aborto é infame porque é
marcado pela infâmia do homicídio, pela baixeza do assassinato, pela vileza da
morte de um ser humano; o aborto é infamante porque é marcado pelo avilte para
com a dignidade humana, pela injúria do homicídio de um ser humano, pela
insolência do desrespeito a vida, pelo opróbrio do holocausto silencioso; o
aborto é corruptor porque é marcado pela corrupção do bem natural, pela
desvirtuação da natureza, pela instituição programada de um mal que corrói; o
aborto é desonrado porque é marcado pelo atentado contra a honra da vida, pela
desonra para com a inviolabilidade da vida, pela destruição da dignidade
humana; e o aborto é ofensivo porque é marcado pela agressão a vida, pela
degradação da lei moral natural, pelo prejuízo a ordem social, pela derrocada
da justiça e da paz. O aborto é a encarnação da carranca de Satanás através de
um homicídio velado sob o mote de “suposto” direito individual.
15. [ii] Segundo, a inviolabilidade
da vida na esfera biótica. A vida é inviolável, é algo afirmado não somente
pela religião, mas pela própria esfera biótica da vida humana; a ciência
comprova a vida desde sua concepção; desde o momento onde o espermatozoide
fecunda o óvulo, se tem uma vida, se tem um ser humano; a Bíblia e a ciência
confirmam tal asseveração; nas Sagradas Escrituras, o salmista afirma: “Tu
viste quando os meus ossos estavam sendo feitos, quando eu estava sendo formado
na barriga da minha mãe, crescendo ali em segredo, tu me viste antes de eu ter
nascido. Os dias que me deste para viver foram todos escritos no teu livro
quando ainda nenhum deles existia” (Sl 139.15-16 NTLH). Além disso, o
profeta Jeremias também afirma: “Antes que eu te formasse no ventre, eu te
conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei e às nações te dei por
profeta” (Jr 1.5). Portanto, na Bíblia a vida é confirmada desde sua
concepção.
16. Mas a ciência também confirma a
vida desde sua concepção; a fecundação ocorre no momento em que há a fusão do
óvulo com o espermatozoide, o que forma a realidade do zigoto ou célula-ovo; e
neste ato de fecundação, há a união cromossômica das células germinais
masculina e feminina, o que ocorre num período de 24 horas; e assim, na
formação do zigoto, se observa que este é uma vida, pois, no zigoto estão todas
as informações genéticas fundamentais da pessoa que se desenvolverá, sendo
gestadas a medida do desenvolvimento do feto até seu nascimento; e estas
características fazem deste zigoto um ser humano, fazem deste ser vivo, um ser
único e irrepetível; portanto, cientificamente desde a concepção já se tem um
ser humano, um ser vivo; e qualquer atentado contra este ser humano, é homicídio
e assassinato.
17. Além disso, a confirmação da
ciência contra o aborto é evidenciada pelo fato de que os maiores cientistas da
humanidade foram cristãos; e estes sempre foram a favor da vida, e
principalmente aqueles que se dedicaram as ciências da vida, sempre foram a
favor da vida e contra o aborto. Louis Pasteur, o grande cientista francês,
afirmara a conhecida lei da biogênese, que vida somente provêm de vida, ao
comprovar o desvario e os erros da geração espontânea. Pasteur afirma que a
geração espontânea é uma quimera, pois é desmentida pela simples observação de
um germe, e por isso, a geração espontânea é contrária a vida; e a vida, é a
afirmação básica, o princípio primeiro, daquilo que Pasteur chama de “economia
geral da criação”[12],
isto é, da estrutura básica a qual toda a natureza está imbuída, naquilo que
fora designado pelas leis gerais da ciência. E a evocação do exemplo de
Pasteur, principalmente no que tange a geração espontânea, é justamente porque
a geração espontânea é a raiz, na modernidade, donde provêm a ideia da
aceitação do aborto; por isso, aceitar e propugnar o aborto é o mesmo que
incorrer no erro científico da geração espontânea; se a geração espontânea é
quimera, então, o aborto é a carranca da quimera; ou melhor, o aborto também é
uma quimera. Deste modo, o aborto é contra a economia geral da criação, da
natureza, a qual existe indelevelmente como parte da esfera biótica da vida,
atestada e confirmada pelas ciências naturais.
18. Com isso, a partir desta lei
universal da ciência, a lei da biogênese, se estabelece que só pode haver vida
onde há vida; e onde há vida, esta, por ser vida, é inviolável; e, evidentemente,
a vida, desde sua concepção, é inviolável; Pasteur comprova isso através da lei
da biogênese, pois, se somente vida pode gerar vida, então, entre o que deve
ser defendido de maneira impoluta, está a vida; a vida deve ser defendida
porque só pode haver vida onde há vida, e isto, tanto no sentido biótico,
quanto no sentido cultural, quanto no sentido social; e, como a vida é de suma
importância para o desenvolvimento da civilização, então, no processo natural
da existência humana, o ponto fulcral, o aspecto fundamental e indissolúvel, é
a vida; quem valora a vida valora o progresso intrínseco a existência humana, e
quem apoia o aborto destrói o desenvolvimento da existência humana, que só se
desenvolve com a vida e com a defesa da vida. Então, a dignidade e a
valorização da vida, é pressuposto básico de uma das mais importantes leis da
ciência; a própria ciência é sublimada e desenvolvida pelo respeito a
inviolabilidade da vida. Logo, não há base científica para a defesa do aborto.
19. Além da proposição de Pasteur,
tem-se a proposição do geneticista francês Jérôme Lejeune, pai da genética
moderna, que foi um cientista anti-aborto; e sendo geneticista, e um dos
maiores de todos os tempos, seu testemunho constitui uma preciosa lição a
respeito desta questão; Lejeune defende de maneira veemente a dignidade da vida
desde sua concepção, isto é, desde a formação do zigoto[13].
Logo, é princípio do pai da genética moderna a proposição de que a vida é
iniciada no momento da concepção, e por isso, inviolável desde sua concepção
até o momento da morte.
20. E o que dizer de tantos outros
exemplos de geneticistas e de cientistas que compreenderam esta verdade
fundamental; a própria existência da ciência demonstra a necessidade primordial
do respeito a vida; por isso, João Paulo II afirmara que, “todo o homem
sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto
influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf.
Rm 2.14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu
termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente
respeitado este seu bem primário”[14].
21. [iii] Terceiro, a
inviolabilidade da vida na esfera jurídica. A vida é inviolável, e atesta isso
não somente a esfera religiosa e a esfera biótica, mas também a esfera jurídica
da vida humana; na verdade, a esfera jurídica apenas confirma este fato primordial
que provêm da esfera religiosa e da esfera biótica, e o afirma em categóricas
palavras, ao constatar que a vida é inviolável; os códigos das leis, apresentam
e confirmam este fato, que todo homem aberto a verdade, e que iluminado pela
luz da reta razão pode chegar a conhecer, independente de condição social,
econômica e religiosa. E, sobre a reta razão, Cícero afirmara: “A razão
reta, conforme a natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja
voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus
mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem
fica impotente ante os maus”[15].
Pela reta razão, é que se funda e se estabelece a esfera jurídica da vida
humana, e é pela reta razão que se prescreve o bem, e se afasta do mal; e o
direito positivo, as instituições de leis humanas, deve ser abalizada pelo
direito natural, fundado na lei natural, na reta razão.
22. Por isso, a esfera jurídica
apregoa a inviolabilidade da vida; a reta razão assim o prescreve, a fim de
descrever o bem e afastar o mal; pois, a vida é o bem primeiro do ser humano, e
conjuntamente com a liberdade, é um dos bens maiores da existência humana; a
esfera jurídica da realidade, só existe e é preservada com a defesa da vida;
sem vida não há direito; sem a defesa da vida não há justiça; sem a preservação
da vida não há ordem constitucional; todo o aparato jurídico do Estado
brasileiro depende e subscreve a defesa a vida; não somente o atestam a
Constituição ao afirmar a inviolabilidade da vida[16],
e o Código Penal ao condenar o aborto[17],
mas porque o direito é fundado na reta razão, princípio fundamental sem o qual
a existência da democracia e do Estado se tornam obsoletas e esclerosadas; sem
a reta razão a democracia é enfraquecida e o Estado incorre nos descaminhos do
Estado Total. É pelo reconhecimento do direito a vida, da inviolabilidade da
vida, que se fundamenta a vida em sociedade e a própria política; João Paulo II
assevera: “Sobre o reconhecimento de tal direito [da inviolabilidade da
vida] é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política”[18]
[em colchetes: acréscimos meus].
23. Mas porque a esfera jurídica da
realidade atesta logicamente a inviolabilidade da vida? Esta é uma questão
assaz importante que se responde de dois modos: primeiro, pela natureza da
ordem jurídica da realidade; segundo, pela preservação da ordem jurídica da
realidade.
Primeiro, pela natureza da ordem
jurídica da realidade. A esfera jurídica da realidade, possui uma natureza; e
esta natureza é o que identifica a esfera jurídica como parte integrante da
ordem da realidade; e esta identidade, é o que demonstra a própria razão de ser
do direito; o direito só existe em consonância com a esfera jurídica da
realidade, pois, o direito nasce, se estabelece e se desenvolve a partir da
realidade; portanto, a natureza da ordem jurídica da realidade é abalizada pela
realidade, e a partir da realidade é que se tem o saber constitutivo do
direito; por isso, os mestres do direito romano estabeleceram que as leis
humanas deviam ser instituídas a partir da natureza: o direito natural deve
preceder, abalizar e dignificar o direito positivo. E a vida, é parte da
realidade; a vida é o que de mais precioso existe para os seres vivos,
particularmente para os seres humanos; sem vida não há realidade, e a própria
realidade se desintegra; logo, a inviolabilidade da vida é parte integrante e
indissolúvel da própria realidade. Assim sendo, a natureza da ordem jurídica da
realidade é testemunha deste apriorismo da existência humana, a saber,
testemunha da inviolabilidade da vida.
24. Segundo, pela preservação da
ordem jurídica da realidade. Se a natureza da ordem jurídica da realidade
testemunha sobre a realidade da vida, não somente é por sua própria natureza,
mas principalmente pela preservação da ordem jurídica da realidade; pois, a
defesa da inviolabilidade da vida constitui-se não somente a defesa da
continuidade da raça humana, mas também constitui-se do próprio ato de
preservar a ordem jurídica da realidade de práticas que destroem a própria
realidade; a permissividade do aborto é algo que destrói a ordem jurídica da
realidade bem como mancha a existência da sociedade; pois, o aborto é homicídio
e um atentado contra a vida, e tudo o que é contra a vida, evidentemente, é
contra a ordem jurídica da realidade. Portanto, a inviolabilidade da vida é
pressuposto indiscutível e irrevogável para que a ordem jurídica da realidade
seja preservada.
25. E, somente tendo consciência
disto, é que se pode preservar a ordem jurídica da realidade, a qual é imbuída
como responsabilidade humana, naquilo que é essencialmente e naturalmente
humano; quando esta preservação é feita de maneira sóbria e eficaz, a própria
lei natural é novamente estabelecida como regra de conduta humana universal e
como normativa para o direito. Pio XII, em sábias palavras, afirmara: “Assim,
podemos esperar que a lei natural, gravada pelo Criador nos corações dos
homens, possa em breve, como deve em última análise, prevalecer como regra
universal da conduta humana sobre caprichos arbitrários e interesses sórdidos
que aqui e ali usurparam o seu lugar, e que, em consequência, a nova geração
possa ser salva do analfabetismo moral com que está ameaçada”[19].
26. A esfera jurídica da ordem da
realidade, é apresentada aos homens, a partir da lei natural, e cristalizada
através dos códigos de leis; por isso, as leis humanas, provenientes do direito
positivo, afirmam categoricamente aquilo que é proveniente do direito natural;
e o direito natural afirma categoricamente a vida; na verdade, o direito
natural é embasado pela vida, a própria vida é parte da dignidade inerente ao
direito natural; e as leis humanas, instituídas para o bem de todos, devem
respeitar os preceitos do direito natural; Tomás de Aquino afirma: “a
vontade humana, a partir de um consentimento comum, pode fazer algo justamente
naquelas que por si mesma não têm qualquer oposição à justiça natural”[20].
E o preceito primeiro, o preceito maior do direito natural, é a vida; por isso,
os códigos de leis afirmam categoricamente a proposição de que a vida é um
direito fundamental, e por isso, a vida é inviolável.
27. Entendido estes três breves
aspectos, pode-se prosseguir para defrontarmo-nos com a proposição advogada
quase que de maneira religiosa pelos propugnadores do aborto, a saber, que o
aborto é questão de saúde pública; realmente, o aborto é questão de saúde
pública: não a aceitação do aborto, mas a proibição de aborto; não existe saúde
pública onde há a permissividade para com o aborto; porque o aborto, sendo homicídio,
é contrário a saúde; e a lógica básica da estrutura da Constituição confirma
esta verdade, pois, os direitos fundamentais afirmam a vida, e a vida,
evidentemente é a base para a saúde; logicamente, o que é anti-vida é
anti-saúde; então, como querem propugnar o aborto com “unhas e dentes”
afirmando que o mesmo é questão de saúde pública? É um dos maiores sofismas que
já foi criado pela imbecilidade humana, pois, algo para ser favorável a saúde
tem de ser pró-vida; e o aborto nunca é favorável a saúde, pois, aborto é
homicídio, e por isso, o aborto é sempre anti-vida.
28. E tal proposição é confirmada
pela Constituição; como fora dito, existe uma lógica estrutural básica na
Constituição; e sendo tal estruturação lógica, significa que cumpre as leis do
pensamento correto, as leis da lógica, que são as leis gerais que guiam a
racionalidade humana; uma das leis das lógica estabelecidas por Aristóteles, e
confirmada por todos os grandes pensadores posteriores, é a lei do terceiro
excluído, isto é, é necessário ser X ou não-X; em relação ao pensamento
racional tal proposição está totalmente correta, já que ou uma coisa é aquilo
que a confirma racionalmente ou então é a negação desta coisa. E ao se aplicar
isso a proposição de que o aborto é questão de saúde pública, se observa quão
ilógica e irracional é tal proposição; pois, o aborto é morte, é homicídio;
portanto, como que a permissividade para com aborto é tida como questão de
saúde pública; é pressuposto irrevogável e intocável da existência da saúde a
proteção a vida, no encargo estabelecido pela Constituição a saúde, no velar
pela inviolabilidade da vida. O aborto é ilógico e irracional, mas o aborto
também é contra a estrutura lógico-jurídica prescrita na Constituição, o que
não precisa ser um constitucionalista erudito para se compreender.
29. A propugnação de que o aborto é
questão de saúde pública, além de ser contra as leis que regem o pensamento
correto, contra as leis da lógica, a própria permissividade para com o aborto
demonstra a esquizofrenia constitucional por parte do Estado brasileiro; pois,
se a Constituição prescreve a vida como direito fundamental, e a própria saúde
só é estabelecida pelo respeito a dignidade da vida, então, como é que se fala
de aborto como questão de saúde pública? A aprovação do aborto, seja por parte
do Conselho Nacional de Saúde, seja por parte do Poder Judiciário, demonstra
certa esquizofrenização do propósito estabelecido a estes pela Constituição;
pois, se a esfera jurídica da ordem da realidade é contra o aborto, então, tudo
aquilo que diz respeito a existência jurídica do Estado brasileiro também tem
de ser; e, se a esfera biótica da ordem da realidade é contra o aborto, então,
tudo aquilo que diz respeito a valoração da saúde também tem de ser; a
propugnação do aborto sobre o mote de que é questão de saúde pública é um
sofisma, porque o aborto é anti-vida, e por isso, é anti-saúde; logo, o aborto
é contra a saúde, e por isso, a aprovação do aborto é a derrocada da saúde. Não
existem argumentos racionais e/ou científicos para se aprovar o aborto do ponto
de vista jurídico e do ponto de vista da saúde.
30. Além disso, a Constituição
prescreve que entre os direitos sociais está a proteção a maternidade[21];
e, entre os aspectos fundamentais da proteção a maternidade, um dos direitos
sociais, está a proibição do aborto; portanto, como se protegerá a maternidade
onde se há permissão para o aborto; por isso, a permissividade para com o
aborto é contra os direitos sociais; então, como que o aborto, que é contrário
aos direitos fundamentais e contrário aos direitos sociais, pode ser aceito
como um “suposto” direito individual; aliás, entre os fundamentos que
constituem o Estado brasileiro está a “dignidade da pessoa humana”[22],
o que per se, evidencia que constitucionalmente a existência do Estado
brasileiro é contra tudo aquilo que viola a dignidade humana. O Brasil é
edificado e se desenvolve somente com o respeito pela dignidade da pessoa
humana; e não há nada mais ultrajante para a dignidade humana do que a
aprovação do aborto. Por isso, constitucionalmente, de acordo com os direitos
fundamentais e os direitos sociais, a vida é inviolável, e inviolável desde sua
concepção, pois, a concepção de vida provém da ciência, e a ciência atesta de
maneira irredutível a vida desde sua concepção.
31. Portanto, em consonância com
este quesito, a inviolabilidade da vida também adentra na esfera social, pois é
fundamento para a própria ordem social; a respeito disso, o exemplo da
Constituição alemã é contundente ao afirmar: “Todos têm o direito ao livre
desenvolvimento da sua personalidade, desde que não violem os direitos de
outros e não atentem contra a ordem constitucional ou a lei moral”[23].
Deste modo, no livre desenvolvimento de cada pessoa, para que haja o
desenvolvimento social, há de se ter o livre direito a tal desenvolvimento
pessoal, que a Constituição Federal apresenta sobre os encargos dos direitos
fundamentais e inalienáveis, desde que este não atente contra a ordem
constitucional ou contra a lei moral; o que a constituição alemã afirma de
forma incisiva é o que permeia a Constituição brasileira e o entendimento
natural sobre a ordem constitucional no Estado brasileiro; pois, o que nossa
ordem constitucional prescreve é aquilo que está em consonância com os direitos
fundamentais, os quais são atestados e confirmados pela lei moral natural,
igual para todos os homens e que independe de doutrina religiosa; portanto,
tudo aquilo que está contra estes direitos fundamentais está contra a lei moral
natural, e por isso, logicamente, é anticonstitucional; o aborto é contra os
direitos fundamentais, e por isso, a prática do aborto é a desfiguração da
ordem social, e a inoculação de um veneno mortífero na sociedade, que atenta
contra a ordem constitucional e que é uma vileza para com a lei moral natural.
Onde há aborto não há ordem social, e a própria esfera social da vida humana se
torna uma existência fixada em lixo moral e em perpetuação do erro e da
injustiça: onde há permissão ao aborto, ao homicídio, logo, passa a haver
permissividade para com qualquer tipo de crime; isto torna a sociedade em
assembleia de injustiça, em quadrilha de bazófios; e onde há injustiça a ordem
social torna-se vil e inócua. Portanto, a permissão do aborto destrói o húmus
do encargo social intrínseco a natureza humana.
32. Com isso, o respeito pela pessoa humana, a valoração da dignidade humana, afirmada em ecos cósmicos pela proclamação altissonante da inviolabilidade da vida, é fundamento da paz; sem vida não há paz; e onde há legalização do aborto, do homicídio, os fundamentos da paz são desfigurados e corrompidos; a paz, tão necessária à vida humana, só existe e é preservada com o respeito a dignidade humana e com o respeito pleno a vida; só existe paz sob os princípios cristãos fundamentais, nos quais, está imbuído a justiça e a verdade; por isso, esta paz, preservada no respeito pela pessoa humana, na valoração da dignidade humana, na proclamação da inviolabilidade da vida, se torna uma paz duradoura e em benefícios de todas as gentes. Nas incontestáveis palavras de Pio XII, esta paz, é “uma paz na qual prevemos com confiança que esses princípios cristãos fundamentais estão incorporados, cuja aplicação pode assegurar a vitória do amor sobre o ódio, do direito sobre o poder, da justiça sobre o egoísmo, e na qual a busca de valores eternos prevalecerá sobre a busca de bens meramente temporais”[24].
Que o bondoso Deus nos livre da infâmia e do vilipêndio do aborto, para prosseguirmos como nação e como sociedade nos brilhantes caminhos da vida, da justiça, da liberdade e da paz, o propósito para o qual existimos como nação e como povo brasileiro.
[1] Paul Leicester Ford (ed.), The
Works of Thomas Jefferson Vol. 2: 1771-1779 [New York and London: G. P. Putnam’s
Sons, 1904], pág. 200ss.
[2]
A Constituição dos Estados Unidos da América, e. c. V.
[3]
Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, art. 2, n. 2.
[4]
Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 3.
[5]
Didaquê, cap. II, n. 2.
[6]
Epístola a Diogneto, cap. V.
[7]
Tertuliano, Apologeticum, livro IX, cap. 8.
[8]
cf. Agostinho, De Nuptiis et Concupiscentiis, cap. XV, In: PL 44,
pág. 423-424.
[9]
cf. Eric Voegelin, Ensaios Publicados 1966-1985 [São Paulo: É
Realizações, 2019], pág. 269.
[10]
Tomás de Aquino, Commentaria in Librum Sententiarum, livro 4, d. 31, q.
2, a. 3, exp.
[11]
Gaudium et Spes, n. 27.
[12]
cf. Pasteur Vallery-Radot (ed.), Ouevres de Pasteur Vol. 2: Fermentations et
Générations dites Spontanées [Paris: Masson et Cie., 1922], pág. 346.
[13]
cf. Jérôme Lejeune, En el Comienzo, La Vida - Conferencias Inéditas
(1968-1992) [Madrid: BAC, 2019].
[14]
João Paulo II, Evangelium Vitae, n. 2.
[15]
Cicero, Da República, III, 17.
[16]
cf. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5.
[17]
cf. Código Penal, arts. 124-126.
[18]
João Paulo II, Evangelium Vitae, n. 2.
[19] Pio XII, Letter to the President
Franklin D. Roosevelt, 16 March 1940.
[20]
Tomás de Aquino, Summa Theologiae, IIa IIae q. 57, a. 2, ad. 2.
[21]
cf. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 6.
[22]
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 1, inciso III.
[23]
Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, art. 2, n. 1.
[24] Pio XII, Letter to the President
Franklin D. Roosevelt, 20 September 1941.
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