Prólogo.
1. “Como são desejáveis todas as suas obras, até a
menor centelha do que se possa contemplar!” (Eclo. 42.23); ora, esta
sentença de Sirach demonstra duas coisas: primeiro, a maravilha da contemplação
da criação; pois, das criaturas, se chega a ver, por analogia, o seu Criador
(cf. Sb 13.5). Segundo, a grandeza da criação, pois o Criador dignara suas
obras em grandes e pequenas, em visíveis e invisíveis, donde afirmar: “todas
as suas obras”.
2. Deste modo, em todas as obras da criação, desde as
maiores, as maiores estrelas, até a menor centelha, tudo, absolutamente, são
desejáveis, isto é, são belas e boas para serem contempladas e estudadas, tal
como diz o salmista: “Grandes são as obras do Senhor, procuradas por todos
os que nelas tomam prazer” (Sl 111.2).
Portanto, a criação, ou para se utilizar um termo
filosófico, a natureza, na própria sentença sapencial de Sirach, possui duas
esferas gerais: a primeira, das coisas visíveis, a das operações visíveis da
natureza; a segunda, das coisas invisíveis, a das operações ocultas da
natureza.
Logo, tudo quanto concerne a criação está imbuído nestas duas esferas, já delineadas no preceito de Sirach.
Capítulo I: As esferas da natureza.
3. E, a respeito das esferas da natureza, duas coisas
são afirmadas: primeiro, a respeito da distinção entre estas esferas; segundo,
a respeito da relação entre as esferas.
3. Ora, quanto ao primeiro, se afirma que são
distinguidas duas esferas da natureza, porque os entes naturais possuem causas
ocultas de efeitos naturais em suas próprias essências; e isto se dá com todos
os entes naturais, principalmente com relação aos corpos físicos, onde a
presença de elementos ocultos se tornam mais facilmente perceptíveis; logo, se
afirma duas esferas gerais na natureza (além é claro, das várias esferas
modais).
4. E, quanto ao segundo, se observa que há uma
inter-relação entre as operações visíveis e as operações ocultas da natureza;
e, embora pouco tenha sido descoberto a respeito dos modos desta inter-relação,
se pode afirmar com absoluta certeza, que muitas das causas das operações
visíveis se dá no âmbito das operações ocultas, como, por exemplo, no princípio
movente que move os corpos físicos, pois se sabe que são movidos, mas não se vê
o que os move; etc.
5. Deste modo, se compreende que estas duas esferas
gerais são facilmente percebidas como existentes; assim, se pode afirmar que
existem operações que concernem as manifestações visíveis, e existem operações
que concernem as manifestações ocultas; mas, estas operações funcionam de modo
tão perfeito, que é quase impossível se elucubrar sobre as mesmas de modo a
distinguir na realidade um aspecto de outro. Mas, é justamente isso que
demonstra a amalgama destas operações.
6. Assim, se compreende que se percebe três coisas
quanto a estas operações: primeiro, os modos destas operações; segundo, os
meios destas operações; terceiro, os efeitos destas operações.
7. Quanto ao primeiro, se compreende que toda operação
natural é imbuída de um modo, tal como as peças de um motor; por isso, os
antigos falavam da “maquina mundi”, a máquina do mundo; logo, as
operações da natureza se dão tal modo que se concatenam tal como peças de um
motor, tanto no modo da operação como na forma que as mesmas tem nestas
operações. E as operações da natureza demonstra a ordem e o preceito
ordenacional na natureza, que sempre é o mesmo nas mais diversas operações
visíveis, tal como Sirach afirmara: “determinou para sempre suas tarefas”
(Eclo. 16.27a).
8. Quanto ao segundo, se compreende que tendo as
operações um modo estabelecido, as mesmas são permeadas por vários meios
naturais para alcançar o fim natural para o qual foram designadas; logo, os
meios das operações da natureza, são naturais e comportam a maleabilidade
necessária para comportar tudo quando concerne a determinada operação natural
ou operações naturais; pois, tudo que diz respeito as operações naturais são
operadas por algum meio, o que se exemplifica através do movimento: existe o
movimento, o que é movido, e aquele que move ou aquilo pelo qual algo é movido;
o mesmo se dá em todas as operações da natureza, numa concatenação precisa e
matemática.
9. Quanto ao terceiro, se compreende que toda operação
da natureza, produz efeitos; pois, não são operações isoladas, mas operações
que são açambarcadas num conjunto muito maior, o que se explica na proposição
sobre a máquina do mundo; assim, as operações da natureza são causadas em ordem
a ordenação natural; pois, na natureza, causa, causado e aquilo que causa,
estão inter-ligados de modo a que os efeitos de cada um contribuam no todo da
operação natural que concerne a cada coisa ou a cada ser.
10. Portanto, os efeitos das operações da natureza,
serão de dois tipos: primeiro, efeitos operantes; segundo, efeitos operadores.
Ou seja, serão tanto efeitos que são operantes e operam, quanto efeitos que
causam alguma coisa na operação. Logo, são efeitos que são operados, operam em
si mesmos e em conjunto com outra coisa operante, bem como que operacionam o
que concerne a natureza no que lhes compete; donde, se constatar que a natureza
não falha nas coisas necessárias (cf. De An. 432b20; Eclo. 16.27b).
11. Assim, ao se elucubrar sobre as esferas das operações da natureza, se compreende estes aspectos, que também podem ser compreendidos a partir dos adjuntos da natureza; pois, do mesmo modo como a natureza como um todo possui alguns adjuntos naturais - os quais, segundo o Filósofo são cinco: matéria, forma, lugar, tempo, movimento; e estes adjuntos, por sua vez, são contributos para os modos, os meios e os efeitos das operações da natureza; assim sendo, concerne a tudo quanto diz respeito as operações da natureza o estar açambarcadas por estes adjuntos e com estes adjuntos. E isto também abaliza que as coisas da natureza, muitas das quais coisas incomplexas, se defrontam com os predicamentos ao de modo de serem predicadas e compreendidas, pois, todos os entes da natureza se defrontam com estes aspectos: substância, quantidade, relação, qualidade, lugar, etc.
Capítulo II: A combinação das esferas da natureza.
12. Assim sendo, compete elucubrar se é possível
combinar as esferas da natureza; pois, se estas esferas se inter-relacionam,
cumpre investigar sobre esta combinação, já que há uma inter-relação numa
espécie emaranhado perfeito; conquanto isso seja verdade, e esta combinação
exista na realidade, ainda não se conseguiu explicar a relação entre as duas
esferas da natureza, dada a inconstância das leis concernentes as operações
ocultas da natureza, as quais ainda não foram corretamente entendidas; no
entanto, antes de propriamente se poder formular com mais exatidão as leis das
operações ocultas da natureza, cumpre investigar o modo desta inter-relação a
partir do que é perceptível e conhecível das operações visíveis da natureza.
Pois, quanto a natureza, se conhece algo das operações ocultas a partir das
operações visíveis.
13. E, quanto a isso, se afirmam três coisas:
primeiro, que há uma inter-relação em ordem dos atributos próprios dos
elementos naturais; segundo, que há uma inter-relação em ordem a
comunicabilidade dos elementos naturais; terceiro, há uma inter-relação em
ordem a princípios mais elevados.
14. Deste modo, se constata que a combinação entre as
esferas da natureza há de levar em conta estes três aspectos; pois, estão
amalgamados, e são inter-relacionados de modo subsequente, complementar e
cíclico; com isso, as inter-relações na natureza, estão em ordem aos atributos
próprios dos elementos naturais, na comunicabilidade destes elementos, e de
acordo com a compreensão sobre os movimentos ocultos da natureza; e, com isto
se constata que estão em ordem a princípios mais elevados, como afirmara Tomás
no De Operationibus Occultis Naturae.
15. Assim, se compreende que uma coisa é a combinação destas esferas que funcionam naturalmente; outra é o entendimento preciso sobre esta combinação; e outra ainda, é a unificação teórica em campo único desta inter-relação; logo, a combinação das esferas da natureza permanece um mistério a ser elucubrado e a ser investigado, pois, tal como Sirach afirmara até mesmo a menor centelha da criação é algo desejável (cf. Eclo. 42.23).
Capítulo III: O método da resolução e da composição.
16. Ora, um modo de se compreender ou pelo menos se
elucubrar sobre a combinação das esferas da natureza, é através do que Roberto
Grosseteste afirmara sobre o método da resolução e da composição; pois,
Grosseteste afirma que existem dois modos para o pensamento científico,
respectivamente um modo para cada esfera da natureza, a saber: primeiro, a
observação e experimentação das leis universais; segundo, a aplicação das leis
universais a situações particulares.
17. Quanto ao primeiro, se chama método da resolução;
quanto ao segundo, se chama método da composição. E os dispôs em inter-relação
subsequente e complementar; logo, em primeiro lugar se estabelece o método da
resolução, e, depois, se estabelece o método da composição; e, a partir disso,
se compreender melhor o que concerne a compreensão das operações ocultas da
natureza.
18. Vejamos, pois, estes dois aspectos. Em relação ao
primeiro, o método da resolução, se afirmam duas coisas: primeiro, que a
natureza possui uma ordem; pois, a natureza como um todo, está em perfeita
ordem quanto ao funcionamento das coisas naturais; logo, esta ordem demonstra
que na natureza tudo tem um propósito e tudo segue uma lei para o que foi
designado (cf. Eclo. 16.26-29).
19. Segundo, que desta ordem emanam leis gerais ou
universais; ora, a ordem da natureza está prescrita em leis naturais; destas
leis, se constata a existência de algumas leis gerais ou universais da
natureza; e o conhecimento destas leis constitui-se da base e do fundamento da
ciência; logo, as leis gerais referem-se a ordem das coisas visíveis da
natureza, que governa de maneira geral as operações ocultas da natureza; por
isso, o conhecimento e entendimento sobre as leis universais da natureza,
abaliza a busca pela compreensão das leis particulares da natureza, isto é, das
leis inerentes as operações ocultas da natureza.
20. Em relação ao segundo, o método da composição, se
afirmam três coisas: primeiro, que das leis universais da natureza se chega a
compreensão das leis quânticas da natureza; ora, se se tem leis universais, que
governam toda a natureza, no âmbito destas leis, se tem outras leis, que
governam a esfera das operações ocultas da natureza, as leis quânticas; logo,
das leis universais se pode haurir algo que abalize o conhecimento sobre as
leis quânticas; por isso, daquilo que fora haurido em resolução das leis universais
da natureza, pode ser composto, de vários modos e formas, quanto a esfera das
operações ocultas da natureza.
21. Segundo, que as leis das operações ocultas da
natureza são diferentes quanto ao modo de operação; pois, as leis universais
são tidas como universais pois estão em todos os âmbitos da natureza e em todas
as operações naturais; no entanto, as leis das operações ocultas não são
universais neste sentido; pois, em se tratando das operações ocultas da
natureza se tem dois aspectos: primeiro, as leis quânticas gerais, que
concernem as operações quânticas mais gerais e mais facilmente em composição
com as operações visíveis; segundo, as leis quânticas específicas, que
concernem as operações quânticas mais específicas e mais difíceis de serem
entendidas pois versam sobre inúmeros aspectos que não são facilmente
entendíveis, mesmo aqueles em que se compreende alguma coisa quanto a sua forma
e modo.
22. Terceiro, que as leis das operações ocultas da
natureza estão em ordem aos princípios primeiros das operações naturais; pois,
as operações ocultas da natureza não se dão simplesmente ao acaso; as mesmas
são governadas em sabedoria e foram estabelecidas em sabedoria; e, no estado
atual de conhecimento, se pode afirmar que as operações ocultas da natureza
estão em ordem aos princípios primeiros das operações naturais, os quais são:
luz, matéria, movimento, tempo; e estes princípios são suficientes para se
entender que todas as operações ocultas da natureza estão em ordem aos mesmos,
isto é, em relação subsequente, complementar e circular de geração,
participação e processão com os mesmos ou a partir dos mesmos.
Portanto, as operações ocultas da natureza estão em
relação com a luz, quanto a forma; em relação com a matéria, quanto a
composição das coisas visíveis; em relação com o movimento, quanto ao modo das
operações tal como na resolução; e em relação ao tempo, quanto a velocidade
concernente aos efeitos das operações, as mais das vezes em relação com um ou
mais dos outros três aspectos.
23. Deste modo, se constata que a partir dos dois
preceitos metodológicos formulados por Grosseteste na primeira metade do séc.
XIII, se pode pensar e elucubrar a respeito dos modos da combinação das esferas
da natureza, quanto a explicação e formulação teórica desta combinação.
Portanto, a partir dos preceitos evocados se consegue
melhor pensar este assunto, principalmente em sua aplicabilidade na ideia da
teoria de campo unificado em relação as duas físicas, a clássica e a quântica;
especialmente, a partir da ideia da teoria das cordas, que embora incompleta,
sua aplicabilidade serve para compreender esta inter-relação; ou então, na
ideia de dupla hélice aplicada a inter-relação entre as duas físicas; etc.
No entanto, o que fora dito basta por ora quanto a
explicação sobre o que concerne as esferas gerais da natureza.
24. E termina aqui esta explicação a respeito das
esferas da natureza. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
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