16/12/2024

Sobre as Esferas da Natureza

Prólogo. 

1. “Como são desejáveis todas as suas obras, até a menor centelha do que se possa contemplar!” (Eclo. 42.23); ora, esta sentença de Sirach demonstra duas coisas: primeiro, a maravilha da contemplação da criação; pois, das criaturas, se chega a ver, por analogia, o seu Criador (cf. Sb 13.5). Segundo, a grandeza da criação, pois o Criador dignara suas obras em grandes e pequenas, em visíveis e invisíveis, donde afirmar: “todas as suas obras”.

2. Deste modo, em todas as obras da criação, desde as maiores, as maiores estrelas, até a menor centelha, tudo, absolutamente, são desejáveis, isto é, são belas e boas para serem contempladas e estudadas, tal como diz o salmista: “Grandes são as obras do Senhor, procuradas por todos os que nelas tomam prazer” (Sl 111.2).

Portanto, a criação, ou para se utilizar um termo filosófico, a natureza, na própria sentença sapencial de Sirach, possui duas esferas gerais: a primeira, das coisas visíveis, a das operações visíveis da natureza; a segunda, das coisas invisíveis, a das operações ocultas da natureza.

Logo, tudo quanto concerne a criação está imbuído nestas duas esferas, já delineadas no preceito de Sirach.

Capítulo I: As esferas da natureza.

3. E, a respeito das esferas da natureza, duas coisas são afirmadas: primeiro, a respeito da distinção entre estas esferas; segundo, a respeito da relação entre as esferas.

3. Ora, quanto ao primeiro, se afirma que são distinguidas duas esferas da natureza, porque os entes naturais possuem causas ocultas de efeitos naturais em suas próprias essências; e isto se dá com todos os entes naturais, principalmente com relação aos corpos físicos, onde a presença de elementos ocultos se tornam mais facilmente perceptíveis; logo, se afirma duas esferas gerais na natureza (além é claro, das várias esferas modais).

4. E, quanto ao segundo, se observa que há uma inter-relação entre as operações visíveis e as operações ocultas da natureza; e, embora pouco tenha sido descoberto a respeito dos modos desta inter-relação, se pode afirmar com absoluta certeza, que muitas das causas das operações visíveis se dá no âmbito das operações ocultas, como, por exemplo, no princípio movente que move os corpos físicos, pois se sabe que são movidos, mas não se vê o que os move; etc.

5. Deste modo, se compreende que estas duas esferas gerais são facilmente percebidas como existentes; assim, se pode afirmar que existem operações que concernem as manifestações visíveis, e existem operações que concernem as manifestações ocultas; mas, estas operações funcionam de modo tão perfeito, que é quase impossível se elucubrar sobre as mesmas de modo a distinguir na realidade um aspecto de outro. Mas, é justamente isso que demonstra a amalgama destas operações.

6. Assim, se compreende que se percebe três coisas quanto a estas operações: primeiro, os modos destas operações; segundo, os meios destas operações; terceiro, os efeitos destas operações.

7. Quanto ao primeiro, se compreende que toda operação natural é imbuída de um modo, tal como as peças de um motor; por isso, os antigos falavam da “maquina mundi”, a máquina do mundo; logo, as operações da natureza se dão tal modo que se concatenam tal como peças de um motor, tanto no modo da operação como na forma que as mesmas tem nestas operações. E as operações da natureza demonstra a ordem e o preceito ordenacional na natureza, que sempre é o mesmo nas mais diversas operações visíveis, tal como Sirach afirmara: “determinou para sempre suas tarefas” (Eclo. 16.27a).

8. Quanto ao segundo, se compreende que tendo as operações um modo estabelecido, as mesmas são permeadas por vários meios naturais para alcançar o fim natural para o qual foram designadas; logo, os meios das operações da natureza, são naturais e comportam a maleabilidade necessária para comportar tudo quando concerne a determinada operação natural ou operações naturais; pois, tudo que diz respeito as operações naturais são operadas por algum meio, o que se exemplifica através do movimento: existe o movimento, o que é movido, e aquele que move ou aquilo pelo qual algo é movido; o mesmo se dá em todas as operações da natureza, numa concatenação precisa e matemática.

9. Quanto ao terceiro, se compreende que toda operação da natureza, produz efeitos; pois, não são operações isoladas, mas operações que são açambarcadas num conjunto muito maior, o que se explica na proposição sobre a máquina do mundo; assim, as operações da natureza são causadas em ordem a ordenação natural; pois, na natureza, causa, causado e aquilo que causa, estão inter-ligados de modo a que os efeitos de cada um contribuam no todo da operação natural que concerne a cada coisa ou a cada ser.

10. Portanto, os efeitos das operações da natureza, serão de dois tipos: primeiro, efeitos operantes; segundo, efeitos operadores. Ou seja, serão tanto efeitos que são operantes e operam, quanto efeitos que causam alguma coisa na operação. Logo, são efeitos que são operados, operam em si mesmos e em conjunto com outra coisa operante, bem como que operacionam o que concerne a natureza no que lhes compete; donde, se constatar que a natureza não falha nas coisas necessárias (cf. De An. 432b20; Eclo. 16.27b).

11. Assim, ao se elucubrar sobre as esferas das operações da natureza, se compreende estes aspectos, que também podem ser compreendidos a partir dos adjuntos da natureza; pois, do mesmo modo como a natureza como um todo possui alguns adjuntos naturais - os quais, segundo o Filósofo são cinco: matéria, forma, lugar, tempo, movimento; e estes adjuntos, por sua vez, são contributos para os modos, os meios e os efeitos das operações da natureza; assim sendo, concerne a tudo quanto diz respeito as operações da natureza o estar açambarcadas por estes adjuntos e com estes adjuntos. E isto também abaliza que as coisas da natureza, muitas das quais coisas incomplexas, se defrontam com os predicamentos ao de modo de serem predicadas e compreendidas, pois, todos os entes da natureza se defrontam com estes aspectos: substância, quantidade, relação, qualidade, lugar, etc.

Capítulo II: A combinação das esferas da natureza.

12. Assim sendo, compete elucubrar se é possível combinar as esferas da natureza; pois, se estas esferas se inter-relacionam, cumpre investigar sobre esta combinação, já que há uma inter-relação numa espécie emaranhado perfeito; conquanto isso seja verdade, e esta combinação exista na realidade, ainda não se conseguiu explicar a relação entre as duas esferas da natureza, dada a inconstância das leis concernentes as operações ocultas da natureza, as quais ainda não foram corretamente entendidas; no entanto, antes de propriamente se poder formular com mais exatidão as leis das operações ocultas da natureza, cumpre investigar o modo desta inter-relação a partir do que é perceptível e conhecível das operações visíveis da natureza. Pois, quanto a natureza, se conhece algo das operações ocultas a partir das operações visíveis.

13. E, quanto a isso, se afirmam três coisas: primeiro, que há uma inter-relação em ordem dos atributos próprios dos elementos naturais; segundo, que há uma inter-relação em ordem a comunicabilidade dos elementos naturais; terceiro, há uma inter-relação em ordem a princípios mais elevados.

14. Deste modo, se constata que a combinação entre as esferas da natureza há de levar em conta estes três aspectos; pois, estão amalgamados, e são inter-relacionados de modo subsequente, complementar e cíclico; com isso, as inter-relações na natureza, estão em ordem aos atributos próprios dos elementos naturais, na comunicabilidade destes elementos, e de acordo com a compreensão sobre os movimentos ocultos da natureza; e, com isto se constata que estão em ordem a princípios mais elevados, como afirmara Tomás no De Operationibus Occultis Naturae.

15. Assim, se compreende que uma coisa é a combinação destas esferas que funcionam naturalmente; outra é o entendimento preciso sobre esta combinação; e outra ainda, é a unificação teórica em campo único desta inter-relação; logo, a combinação das esferas da natureza permanece um mistério a ser elucubrado e a ser investigado, pois, tal como Sirach afirmara até mesmo a menor centelha da criação é algo desejável (cf. Eclo. 42.23).

Capítulo III: O método da resolução e da composição.

16. Ora, um modo de se compreender ou pelo menos se elucubrar sobre a combinação das esferas da natureza, é através do que Roberto Grosseteste afirmara sobre o método da resolução e da composição; pois, Grosseteste afirma que existem dois modos para o pensamento científico, respectivamente um modo para cada esfera da natureza, a saber: primeiro, a observação e experimentação das leis universais; segundo, a aplicação das leis universais a situações particulares.

17. Quanto ao primeiro, se chama método da resolução; quanto ao segundo, se chama método da composição. E os dispôs em inter-relação subsequente e complementar; logo, em primeiro lugar se estabelece o método da resolução, e, depois, se estabelece o método da composição; e, a partir disso, se compreender melhor o que concerne a compreensão das operações ocultas da natureza.

18. Vejamos, pois, estes dois aspectos. Em relação ao primeiro, o método da resolução, se afirmam duas coisas: primeiro, que a natureza possui uma ordem; pois, a natureza como um todo, está em perfeita ordem quanto ao funcionamento das coisas naturais; logo, esta ordem demonstra que na natureza tudo tem um propósito e tudo segue uma lei para o que foi designado (cf. Eclo. 16.26-29).

19. Segundo, que desta ordem emanam leis gerais ou universais; ora, a ordem da natureza está prescrita em leis naturais; destas leis, se constata a existência de algumas leis gerais ou universais da natureza; e o conhecimento destas leis constitui-se da base e do fundamento da ciência; logo, as leis gerais referem-se a ordem das coisas visíveis da natureza, que governa de maneira geral as operações ocultas da natureza; por isso, o conhecimento e entendimento sobre as leis universais da natureza, abaliza a busca pela compreensão das leis particulares da natureza, isto é, das leis inerentes as operações ocultas da natureza.

20. Em relação ao segundo, o método da composição, se afirmam três coisas: primeiro, que das leis universais da natureza se chega a compreensão das leis quânticas da natureza; ora, se se tem leis universais, que governam toda a natureza, no âmbito destas leis, se tem outras leis, que governam a esfera das operações ocultas da natureza, as leis quânticas; logo, das leis universais se pode haurir algo que abalize o conhecimento sobre as leis quânticas; por isso, daquilo que fora haurido em resolução das leis universais da natureza, pode ser composto, de vários modos e formas, quanto a esfera das operações ocultas da natureza.

21. Segundo, que as leis das operações ocultas da natureza são diferentes quanto ao modo de operação; pois, as leis universais são tidas como universais pois estão em todos os âmbitos da natureza e em todas as operações naturais; no entanto, as leis das operações ocultas não são universais neste sentido; pois, em se tratando das operações ocultas da natureza se tem dois aspectos: primeiro, as leis quânticas gerais, que concernem as operações quânticas mais gerais e mais facilmente em composição com as operações visíveis; segundo, as leis quânticas específicas, que concernem as operações quânticas mais específicas e mais difíceis de serem entendidas pois versam sobre inúmeros aspectos que não são facilmente entendíveis, mesmo aqueles em que se compreende alguma coisa quanto a sua forma e modo.

22. Terceiro, que as leis das operações ocultas da natureza estão em ordem aos princípios primeiros das operações naturais; pois, as operações ocultas da natureza não se dão simplesmente ao acaso; as mesmas são governadas em sabedoria e foram estabelecidas em sabedoria; e, no estado atual de conhecimento, se pode afirmar que as operações ocultas da natureza estão em ordem aos princípios primeiros das operações naturais, os quais são: luz, matéria, movimento, tempo; e estes princípios são suficientes para se entender que todas as operações ocultas da natureza estão em ordem aos mesmos, isto é, em relação subsequente, complementar e circular de geração, participação e processão com os mesmos ou a partir dos mesmos.

Portanto, as operações ocultas da natureza estão em relação com a luz, quanto a forma; em relação com a matéria, quanto a composição das coisas visíveis; em relação com o movimento, quanto ao modo das operações tal como na resolução; e em relação ao tempo, quanto a velocidade concernente aos efeitos das operações, as mais das vezes em relação com um ou mais dos outros três aspectos.

23. Deste modo, se constata que a partir dos dois preceitos metodológicos formulados por Grosseteste na primeira metade do séc. XIII, se pode pensar e elucubrar a respeito dos modos da combinação das esferas da natureza, quanto a explicação e formulação teórica desta combinação.

Portanto, a partir dos preceitos evocados se consegue melhor pensar este assunto, principalmente em sua aplicabilidade na ideia da teoria de campo unificado em relação as duas físicas, a clássica e a quântica; especialmente, a partir da ideia da teoria das cordas, que embora incompleta, sua aplicabilidade serve para compreender esta inter-relação; ou então, na ideia de dupla hélice aplicada a inter-relação entre as duas físicas; etc.

No entanto, o que fora dito basta por ora quanto a explicação sobre o que concerne as esferas gerais da natureza.

24. E termina aqui esta explicação a respeito das esferas da natureza. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 


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