22/02/2022

Resenha do Livro “The Theology of Schleiermacher” de Karl Barth

Resenha do livro de Karl Barth “The Theology of Schleiermacher” (Eugene, OR: Wipf and Stock, 2020).

A teologia de Schleiermacher, conforme apresentada pelo jovem professor Karl Barth, no semestre de inverno dos anos 1923-1924, constituem um precioso relato que o próprio Barth faz, após a mudança em seu pensamento, depois da publicação de Romanos em 1919 (a segunda edição em 1922), a respeito do caminho com a teologia liberal; após essa virada em seu pensamento, Barth, ao iniciar suas tarefas como professor em Göttingen, e seguindo de uma apresentação a teologia de Calvino feita em 1922, e de uma apresentação da teologia de Zwinglio feita em 1922-1923, e uma análise da teologia das confissões reformadas em 1923, Barth então volta “a estrela guia dominante de sua juventude teológica”, a saber, Schleiermacher, para apresentá-lo não de uma forma sistemática, mas a partir do pensamento orgânico do próprio Schleiermacher; Schleiermacher, é pai da teologia moderna, mas fora um homem controverso; foi um homem que viveu no limite da ciência, da filosofia e da teologia; Barth, em suas preleções sobre Schleiermacher procurou apresentar este aspecto tríplice do pensamento do pai da teologia moderna.

Aliás, é muito importante este testemunho das palestras de Barth sobre Schleiermacher editadas em 1978 pelo saudoso Dietrich Ritschl (1929-2018) - neto de Albrecht Ritschl -, pois servem-nos de exemplo a respeito do que o maior teólogo do século XX, refletiu sobre o pai da teologia moderna; na verdade é um alerta, já que, Schleiermacher pode até não ser considerado ortodoxo no sentido pleno, mas nenhum teólogo após ele, pode se dar ao luxo de esquecer-se dele. Isto faz do livro, como bem diz o tradutor e o editor, “uma leitura eminentemente cativante”.

O livro está disposto em duas partes, em sete parágrafos; a primeira parte apresenta Schleiermacher como pregador-pastor em Berlim, nos parágrafos 1 a 3; assim, tem-se um relato sobre a atividade do poderoso orador, que fora sem dúvida, um dos maiores pregadores da modernidade; este aspecto de Schleiermacher é geralmente ignorado por muitos que interpretam e falam sobre o os aspectos controversos do pensamento de Schleiermacher; mas o fato é que, no século XIX, Schleiermacher, como pregador fica abaixo apenas de Charles Spurgeon, fato surpreendentemente para muitos e certamente, duvidoso para outros; todavia, é uma verdade incontestável, ainda que Schleiermacher não possa se igualar a Spurgeon no tocante a fidelidade absoluta ao legado teológico da reforma, todavia, Schleiermacher tinha domínio pleno da homilética sagrada e da apresentação do sermão à Igreja nas mais diversas ocasiões, principalmente nas datas mais significativas como a pascoa e o natal.

A segunda parte do livro, apresenta Schleiermacher como estudioso (scholar), nos parágrafos 4 a 7; assim, tem-se um relato da atividade de Schleiermacher como teólogo, como filósofo, como pai da hermenêutica; aliás, a atividade de Schleiermacher como filósofo, se marca tanto quanto por contribuições originais, e também das notas de aulas e escritos que foram publicados postumamente sobre áreas da filosofia, bem como pela incomparável contribuição a literatura alemã pela tradução e introdução das obras de Platão; a atividade de Schleiermacher como estudioso, dir-se-ia, como polímata, certamente, demonstram-no como um dos maiores gênios da modernidade; apesar de pontos controversos e da mistura entre teologia e filosofia, certamente, Schleiermacher sobrelevou-se a muitos na modernidade, podendo estar lado a lado com Hegel, no tocante a domínio da técnica filosófica.

Pela estrutura que Barth emprega na análise do pensamento de Schleiermacher, pode-se dizer acertadamente, que nas duas partes do livro, Barth fixa a atenção em algumas obras de Schleiermacher, que de certo modo demonstram o centro do pensamento do pai da teologia moderna; assim, na primeira parte, como fora dito, Barth foca atenção nos sermões de Schleiermacher (o total dos sermões de Schleiermacher são cerca de 10 volumes, pelo menos na edição antiga, a edição crítica está em 11 volumes, e tem alguns outros ainda para publicar), demonstrando a atividade de Schleiermacher como catequista e como pastor a ensinar seu rebanho; na segunda parte, Barth primeiro apresenta a compreensão de Schleiermacher sobre a teologia dividindo-a em três partes: teologia filosófica, teologia histórica e teologia prática (parágrafo 4); esta parte é expressão da obra de Schleiermacher “Brief Outline of the Study of the Theology”, na qual Schleiermacher apresenta o estudo da teologia através deste tríplice aspecto; posterior a isso, Barth apresenta a hermenêutica de Schleiermacher (parágrafo 5), a partir dos escritos sobre o mesmo assunto do próprio Schleiermacher; depois, Barth apresenta em linhas gerais a “Glaubenslehre” (no parágrafo 6), a dogmática de Schleiermacher; e por fim, Barth fala sobre os discursos sobre a religião (no parágrafo 7).

Entendido isso, cumpre evidenciar algumas contribuições singulares que a percepção de Barth sobre a teologia de Schleiermacher tem a ensinar:

1. Primeiro, que a compreensão sobre Schleiermacher, pelo menos quando parte da análise de um teólogo, tem de levar em conta, e de analisar com cuidado o que Schleiermacher pregou; e Schleiermacher não pregou pouco; foram décadas a fio, pregando e pregando; são sermões belíssimos, que demonstram um domínio pleno da língua alemã; alguns não concordam quanto ao conteúdo, mas pelo menos quanto a forma, não há o que se discutir. Por isso, a função, o ofício de Schleiermacher como pregador é uma parte central tanto para se entender a teologia quanto para se entender a filosofia (não pasmem) de Schleiermacher; o pai da teologia moderna foi um pregador que foi filósofo.

2. Segundo, o estudo do pensamento de Schleiermacher como teólogo, é uma tarefa laboriosa; por isso, em meio as dezenas de volumes de obras teológicas de Schleiermacher, o insight de Barth de analisar a obra “Brief Outline of the Study of the Theology”, é certeiro, já que a divisão de Schleiermacher de teologia como teologia filosófica, teologia histórica e teologia prática, é o norte principal de toda a obra teológica de Schleiermacher, e é a pressuposição que Barth emprega na análise da teologia de Schleiermacher. É importante esta observação já que, entre todas as obras que procuram analisar a teologia de Schleiermacher, a análise de Barth é a que se demonstra significativa numa forma de introduzir o leitor tanto em relação a Schleiermacher, quanto também na forma como se deve estudá-lo.

3. Terceiro, a relação de Barth como Schleiermacher pode ser definida como uma relação de amor e ódio; amor porque Schleiermacher é um gênio e tentou dar a teologia um novo vigor; ódio, porque Barth passou a vida toda combatendo o liberalismo teológico que é proveniente de Schleiermacher; amor porque Schleiermacher foi o herói teológico da juventude de Barth; ódio, porque Barth se viu em se ter que voltar contra o herói e dar uma forma à teologia, diferente daquela dada por Schleiermacher.

Por fim, vale lembrar que a análise da teologia de Schleiermacher por Barth, demonstra e evidencia que o pai da teologia moderna, seja como pregador, seja como “scholar” ainda tem muito a contribuir; assim, surge a questão: será que Schleiermacher ainda é importante? Será que ele não deve ser esquecido? Será que Schleiermacher não deve ser banido, como carniceiros e açougueiros querem? Será que o protestantismo tem que criar um index de livros proibidos e colocar Schleiermacher nesta lista? São estas e outras tantas perguntas, que colocam em pauta a necessidade de se compreender o pai da teologia moderna; e que melhor maneira de adentrar no estudo e na compreensão de Schleiermacher – o pai da igreja no século XIX -, do que através de Barth, o pai da igreja no século XX; deste modo, o livro “The Theology of Schleiermacher” de Barth além de ser uma “leitura eminentemente cativante”, é uma leitura eminentemente necessária, e uma leitura eminentemente cirúrgica a respeito da figura de Schleiermacher. 


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