Resenha do
livro de Karl Barth “The Theology of Schleiermacher” (Eugene, OR: Wipf
and Stock, 2020).
A teologia de Schleiermacher,
conforme apresentada pelo jovem professor Karl Barth, no semestre de inverno
dos anos 1923-1924, constituem um precioso relato que o próprio Barth faz, após
a mudança em seu pensamento, depois da publicação de Romanos em 1919 (a segunda
edição em 1922), a respeito do caminho com a teologia liberal; após essa virada
em seu pensamento, Barth, ao iniciar suas tarefas como professor em Göttingen,
e seguindo de uma apresentação a teologia de Calvino feita em 1922, e de uma
apresentação da teologia de Zwinglio
feita em 1922-1923, e uma análise da teologia das confissões reformadas em
1923, Barth então volta “a estrela guia dominante de sua juventude teológica”,
a saber, Schleiermacher, para apresentá-lo não de uma forma sistemática, mas a
partir do pensamento orgânico do próprio Schleiermacher; Schleiermacher, é pai
da teologia moderna, mas fora um homem controverso; foi um homem que viveu no
limite da ciência, da filosofia e da teologia; Barth, em suas preleções sobre
Schleiermacher procurou apresentar este aspecto tríplice do pensamento do pai
da teologia moderna.
Aliás, é muito importante este
testemunho das palestras de Barth sobre Schleiermacher editadas em 1978 pelo
saudoso Dietrich Ritschl (1929-2018) - neto de Albrecht Ritschl -, pois
servem-nos de exemplo a respeito do que o maior teólogo do século XX, refletiu
sobre o pai da teologia moderna; na verdade é um alerta, já que, Schleiermacher
pode até não ser considerado ortodoxo no sentido pleno, mas nenhum teólogo após
ele, pode se dar ao luxo de esquecer-se dele. Isto faz do livro, como bem diz o
tradutor e o editor, “uma leitura eminentemente cativante”.
O livro está disposto em duas
partes, em sete parágrafos; a primeira parte apresenta Schleiermacher como
pregador-pastor em Berlim, nos parágrafos 1 a 3; assim, tem-se um relato sobre
a atividade do poderoso orador, que fora sem dúvida, um dos maiores pregadores
da modernidade; este aspecto de Schleiermacher é geralmente ignorado por muitos
que interpretam e falam sobre o os aspectos controversos do pensamento de
Schleiermacher; mas o fato é que, no século XIX, Schleiermacher, como pregador
fica abaixo apenas de Charles Spurgeon, fato surpreendentemente para muitos e
certamente, duvidoso para outros; todavia, é uma verdade incontestável, ainda
que Schleiermacher não possa se igualar a Spurgeon no tocante a fidelidade
absoluta ao legado teológico da reforma, todavia, Schleiermacher tinha domínio
pleno da homilética sagrada e da apresentação do sermão à Igreja nas mais
diversas ocasiões, principalmente nas datas mais significativas como a pascoa e
o natal.
A segunda parte do livro, apresenta
Schleiermacher como estudioso (scholar), nos parágrafos 4 a 7; assim, tem-se um
relato da atividade de Schleiermacher como teólogo, como filósofo, como pai da
hermenêutica; aliás, a atividade de Schleiermacher como filósofo, se marca
tanto quanto por contribuições originais, e também das notas de aulas e
escritos que foram publicados postumamente sobre áreas da filosofia, bem como
pela incomparável contribuição a literatura alemã pela tradução e introdução
das obras de Platão; a atividade de Schleiermacher como estudioso, dir-se-ia,
como polímata, certamente, demonstram-no como um dos maiores gênios da
modernidade; apesar de pontos controversos e da mistura entre teologia e
filosofia, certamente, Schleiermacher sobrelevou-se a muitos na modernidade,
podendo estar lado a lado com Hegel, no tocante a domínio da técnica
filosófica.
Pela estrutura que Barth emprega na
análise do pensamento de Schleiermacher, pode-se dizer acertadamente, que nas
duas partes do livro, Barth fixa a atenção em algumas obras de Schleiermacher,
que de certo modo demonstram o centro do pensamento do pai da teologia moderna;
assim, na primeira parte, como fora dito, Barth foca atenção nos sermões de
Schleiermacher (o total dos sermões de Schleiermacher são cerca de 10 volumes,
pelo menos na edição antiga, a edição crítica está em 11 volumes, e tem alguns
outros ainda para publicar), demonstrando a atividade de Schleiermacher como
catequista e como pastor a ensinar seu rebanho; na segunda parte, Barth
primeiro apresenta a compreensão de Schleiermacher sobre a teologia dividindo-a
em três partes: teologia filosófica, teologia histórica e teologia prática
(parágrafo 4); esta parte é expressão da obra de Schleiermacher “Brief
Outline of the Study of the Theology”, na qual Schleiermacher apresenta o
estudo da teologia através deste tríplice aspecto; posterior a isso, Barth
apresenta a hermenêutica de Schleiermacher (parágrafo 5), a partir dos escritos
sobre o mesmo assunto do próprio Schleiermacher; depois, Barth apresenta em
linhas gerais a “Glaubenslehre” (no parágrafo 6), a dogmática de
Schleiermacher; e por fim, Barth fala sobre os discursos sobre a religião (no
parágrafo 7).
Entendido isso, cumpre evidenciar
algumas contribuições singulares que a percepção de Barth sobre a teologia de
Schleiermacher tem a ensinar:
1. Primeiro, que a compreensão sobre
Schleiermacher, pelo menos quando parte da análise de um teólogo, tem de levar
em conta, e de analisar com cuidado o que Schleiermacher pregou; e
Schleiermacher não pregou pouco; foram décadas a fio, pregando e pregando; são
sermões belíssimos, que demonstram um domínio pleno da língua alemã; alguns não
concordam quanto ao conteúdo, mas pelo menos quanto a forma, não há o que se
discutir. Por isso, a função, o ofício de Schleiermacher como pregador é uma
parte central tanto para se entender a teologia quanto para se entender a
filosofia (não pasmem) de Schleiermacher; o pai da teologia moderna foi um
pregador que foi filósofo.
2. Segundo, o estudo do pensamento
de Schleiermacher como teólogo, é uma tarefa laboriosa; por isso, em meio as
dezenas de volumes de obras teológicas de Schleiermacher, o insight de
Barth de analisar a obra “Brief Outline of the Study of the Theology”, é
certeiro, já que a divisão de Schleiermacher de teologia como teologia
filosófica, teologia histórica e teologia prática, é o norte principal de toda
a obra teológica de Schleiermacher, e é a pressuposição que Barth emprega na
análise da teologia de Schleiermacher. É importante esta observação já que,
entre todas as obras que procuram analisar a teologia de Schleiermacher, a
análise de Barth é a que se demonstra significativa numa forma de introduzir o
leitor tanto em relação a Schleiermacher, quanto também na forma como se deve
estudá-lo.
3. Terceiro, a relação de Barth como
Schleiermacher pode ser definida como uma relação de amor e ódio; amor porque
Schleiermacher é um gênio e tentou dar a teologia um novo vigor; ódio, porque
Barth passou a vida toda combatendo o liberalismo teológico que é proveniente
de Schleiermacher; amor porque Schleiermacher foi o herói teológico da
juventude de Barth; ódio, porque Barth se viu em se ter que voltar contra o
herói e dar uma forma à teologia, diferente daquela dada por Schleiermacher.
Por fim, vale lembrar que a análise
da teologia de Schleiermacher por Barth, demonstra e evidencia que o pai da
teologia moderna, seja como pregador, seja como “scholar” ainda tem
muito a contribuir; assim, surge a questão: será que Schleiermacher ainda é
importante? Será que ele não deve ser esquecido? Será que Schleiermacher não
deve ser banido, como carniceiros e açougueiros querem? Será que o
protestantismo tem que criar um index de livros proibidos e colocar
Schleiermacher nesta lista? São estas e outras tantas perguntas, que colocam em
pauta a necessidade de se compreender o pai da teologia moderna; e que melhor
maneira de adentrar no estudo e na compreensão de Schleiermacher – o pai da
igreja no século XIX -, do que através de Barth, o pai da igreja no século XX;
deste modo, o livro “The Theology of Schleiermacher” de Barth além de
ser uma “leitura eminentemente cativante”, é uma leitura eminentemente
necessária, e uma leitura eminentemente cirúrgica a respeito da figura de
Schleiermacher.
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