25/03/2024

Prospectos da Teologia do Terceiro Artigo

I

 

A elucubração sobre a teologia do terceiro artigo se inicia, evidentemente, pela compreensão do que concerne a ideia da teologia do terceiro artigo; e, nisto, está delineado a teologia em sua natureza e propósito; pois, a teologia só se desenvolve pela obra do Espírito Santo; e a teologia só atinge seu propósito pela obra do Espírito Santo; portanto, a existência teológica é pneumática em sua essência e natureza; a teologia, como reflexão sobre Deus e das coisas enquanto em relação com Ele, só “vinga”, para utilizar um esquecido termo da ortodoxia luterana, sob a obra soberana do Espírito Santo; como Barth afirma, o ar fresco e movimentado do Espírito do Senhor é o único ambiente em que a teologia poderá vingar[1].

Com isso, a teologia, sendo reflexão sobre Deus, é guiada pelo Espírito Santo na reflexão sobre o próprio Deus; e a revelação, é o meio pelo qual o Espírito Santo guia os homens na reflexão teológica e na compreensão sobre Deus; logo, a lógica da revelação, é o que deve permear os preceitos fundamentais da reflexão teológica; pois, necessariamente, a existência teológica só se efetiva desta maneira; portanto, a ideia da teologia do terceiro artigo tem imbuída em si a existência teológica, fato esse que as mais das vezes passa desapercebido dos próprios teólogos; todavia, a teologia, em sua natureza e propósito, só “vinga”, só se estabelece e se desenvolve sob a orientação soberana do Espírito Santo.

Assim sendo, os principais aspectos na reflexão sobre Deus, a doutrina de Deus, são elucubrados sob a Orientação do Espírito Santo; e a reflexão sobre Deus, geralmente é feita sob dois aspectos: o Deus Uno e o Deus Trino; é assim, por exemplo, que Tomás de Aquino estabelece na Summa Theologiae, primeiro a análise sobre o Deus Uno, depois a análise sobre o Deus Trino. 

A reflexão sobre o Deus Uno mostra a perfeição de Deus, Sua natureza e caráter santíssimo, a partir da descrição bíblica: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR” (Dt 6.4); portanto, a reflexão sobre o Deus Uno é o primeiro aspecto, a partir do entendimento revelacional, sobre o qual, se reflete e elucubra sobre Deus - aspecto este estabelecido pelo Espírito Santo; a unidade de Deus é um mistério glorioso com o qual a reflexão teológica tem de lidar, o qual, por sua vez, é orientado pelo Espírito Santo para designar todo o esplendor das verdades que são imbuídas no estudo sobre o Deus Único e Verdadeiro; pois, o Espírito Santo, em sua obra como cultor da revelação, tem por função tornar conhecidas as verdades gloriosas sobre Deus.

E, em relação a reflexão sobre o Deus Trino, o Espírito Santo, revela a Deus Pai, revela a Deus Filho, e anuncia tudo quanto tiver ouvido (cf. Jo 16.13), no altissonante mistério da comunhão da Trindade; a unidade e a trindade de Deus, a unidade na trindade e a trindade na unidade, são um mistério que o Espírito Santo explica, mas que os homens não podem compreender em sua inteireza; por isso, o Espírito Santo é o “vinculum amoris”, entre o Pai e o Filho, é um vínculo que permite aos homens, através da fé, compreenderem o bendito mistério da Santíssima Trindade; somente através deste “vinculum amoris” é que os que creem podem compreender o mistério da Santíssima Trindade; e é o Espírito Santo quem conduz o entendimento sobre a Trindade, através do qual, tanto o Pai quanto o Filho quanto o Espírito Santo são adorados, pois, são co-iguais em poder, glória e majestade. 

A trindade é o mistério pneumático por excelência; o qual, ao ser estudado com esmero e reverência, é guiado em seus mais íntimos recônditos pelo Espírito Santo, que revela as profundezas de Deus (cf. 1Co 2.10). Os Mistérios concernentes ao Deus Trino são conduzidos no temor e na reverência sob a orientação do Espírito Santo, que impede que os homens adentrem a estes mistérios de maneira dissoluta bem como impede aqueles que reverentemente estudam sobre este assunto de caírem em erros e heresias.

Deste modo, o Espírito Santo, ao guiar a reflexão teológica, a ilumina diante dos três principais aspectos da fé, naquilo que a partir dos símbolos de fé, são conhecidos como os três artigos da fé; o primeiro artigo, sobre Deus Pai; o segundo artigo, sobre Deus Filho; o terceiro artigo, sobre Deus Espírito Santo: o primeiro artigo sobre a criação, o segundo sobre a salvação e o terceiro sobre a santificação; logo, a reflexão teológica se estabelece nesta tríplice perspectiva, que permeia todos os outros aspectos doutrinários; pois, a compreensão sobre a Trindade, é o aspecto principal da fé; como Tomás de Aquino afirma: “a fé cristã consiste principalmente na confissão da Santíssima Trindade[2].

E é o aspecto que encerra o intelecto em admiração, que se prosterna em adoração, e que a medida desta adoração cresce em compreensão e entendimento, no mais sublime aspecto da fé que busca compreensão.

Logo, a ideia da teologia do terceiro artigo tem permeada em si as estruturas dos dois outros artigos de fé, tanto para melhor explicá-los, quanto para melhor entender o próprio terceiro artigo; logo, a teologia do terceiro artigo procura iluminar a compreensão sobre o primeiro artigo e sobre o segundo artigo, de modo que, a partir desta compreensão, se possa obter um entendimento mais apurado e burilado sobre o terceiro artigo; na verdade, na ordem da Revelação, o Espírito Santo revelou ao Pai e ao Filho, para depois conduzir os fiéis a uma comunhão mais profunda consigo mesmo.

A teologia do terceiro artigo, reconfigura o entendimento sobre o primeiro artigo e sobre o segundo artigo, de maneira tal que, ao se estudar especificamente o terceiro artigo, se terá uma riqueza de percepção e de insights ainda mais aprofundada, pois, o próprio Espírito Santo é o “Sugeridor” (esta sentença é evocada pelo teólogo italiano Raniero Cantalamessa!); com isso, pode-se afirma que o Espírito Santo, ao guiar e orientar o estudo sobre o primeiro e o segundo artigo, é o Sugeridor dos insights teológicos, bem como nestes insights, outorga o entendimento sobre Sua Pessoa, como Sugeridor dos insights pneumáticos. E os insights pneumáticos açambarcam a ampla gama de insights teológicos, e os coloca de maneira mais precisa e mais adequada a cada área do saber teológico. Ora, o Espírito Santo é o Doctor Ecclesiae, o Professor da Igreja; então, é Ele quem ilumina os insights teológicos e os aplica de maneira mais adequada no desenvolvimento da própria reflexão teológica; donde, a necessidade dos insights pneumáticos e sua aplicabilidade significativa para o todo das reflexões teológicas.

Assim sendo, tendo em mente a compreensão e a centralidade da perspectiva trinitária, se observa que tudo na existência teológica é sob tríplice perspectiva; a vida cristã, a existência eclesial, a liturgia, a existência teológica, é sob tríplice perspectiva; e a tríplice perspectiva sempre é evocada a partir da Santíssima Trindade.

Pois, tudo em relação as coisas espirituais e em relação as coisas naturais, é em tríplice perspectiva; pois, toda a obra da Criação é permeada pela obra do Deus Trino; e, só existe a compreensão sobre a tríplice perspectiva, sob o triperspectivismo, a partir do Sugeridor; é o Espírito Santo quem orienta a compreensão sob a tríplice perspectiva, a qual Ele mesmo é o cultor.

O Espírito Santo é o Cultor da tríplice perspectiva na ordem da realidade e é o Orientador para a compreensão sobre as coisas de Deus. E o entendimento sobre estes aspectos, delineiam a compreensão sobre a ideia que permeia a noção da teologia do terceiro artigo.

 

II

 

Com isso, se pode evocar os principais aspectos da teologia do terceiro artigo; a teologia do terceiro artigo possui princípios bem estabelecidos, os quais, por sua vez, são dispostos de maneira distinta dos da teologia do primeiro artigo e dos da teologia do segundo artigo; logo, do mesmo modo como o estudo racional tem princípios, causas ou elementos (cf. Phys., 184a10), a reflexão teológica também o tem; e, a teologia do terceiro artigo também o tem; portanto, para um mais eficaz entendimento sobre a teologia do terceiro artigo é necessário compreender os princípios que permeiam a teologia do terceiro artigo.

Deste modo, estabelecem-se os princípios da teologia do terceiro artigo; estes princípios são a base primordial, através da qual se evoca a ideia da teologia do terceiro artigo; nestes princípios estão descritos o pressuposto básico da possibilidade e necessidade da teologia do terceiro artigo; e os princípios da teologia do terceiro artigo se subdividem em dois aspectos: primeiro, as definições; e, segundo, os axiomas.

Em primeiro lugar, as definições.

Ora, as definições são os conceitos básicos e fundamentais que permeiam a ideia da teologia do terceiro artigo, que se estabelecem em dez teses fundamentais, subdivididas em dois grupos: as cinco primeiras, os pressupostos dogmáticos (da dogmática como ética), e, as cinco restantes, os pressupostos éticos (da ética como dogmática); estas teses são:

A. Pressupostos Dogmáticos.

§ 1. [Da teologia]. A teologia é uma ciência, e uma ciência que versa sobre Deus e as coisas enquanto em relação com Ele (cf. STh Ia, q. 1, a. 7, co.); logo, a teologia, em sua natureza e propósito estuda e reflete sobre Deus; e, como todo estudo sobre Deus é feito a partir da revelação, então, todo estudo sobre Deus, isto é, a teologia, é guiada e orientada pelo Espírito Santo, pois, é o Espírito quem perscruta as profundezas de Deus (cf. 1Co 2.10), e que as torna conhecidas através da Revelação.

§ 2. [Da natureza da teologia]. A teologia, em sua natureza, sendo uma ciência fundamentada na revelação, lida com o conhecimento das coisas divinas; portanto, em sua natureza, é uma ciência espiritual; por isso, deve ser estudada com a piedade guiada pelo Espírito, a piedade da comunhão com Deus através da oração e da leitura de Sua Palavra, e da piedade que depende da iluminação pneumática para a compreensão dos assuntos da revelação.

§ 3. [Do propósito da teologia]. A teologia tem um propósito muito bem definido, a saber, ensinar sobre Deus; e, se ensina sobre Deus de dois modos: primeiro, de modo doutrinário; segundo, de modo prático. No primeiro modo, reflete-se sobre a doutrina, e o que a doutrina ensina sobre Deus, abalizando o entendimento sobre no que se deve crê. No segundo modo, reflete-se sobre a prática, a ética, que ensina sobre a vida correta diante de Deus, abalizando o entendimento sobre como se deve viver. Nestes dois modos, o propósito da teologia fica sumariado, respectivamente, da seguinte maneira: ensinamento racional e ensinamento prático, crença correta e vida correta, doutrina e ética, ortodoxia e ortopraxia. O propósito da teologia, é conduzir a um entendimento correto sobre Deus, de modo a levar a um culto correto a Deus. E este propósito só se alcança com o Espírito Santo; o propósito da teologia é um propósito pneumático.

§ 4. [Da existência teológica]. A existência teológica, é a existência de fidelidade e vigilância, sob o mandamento de Deus, axioma fundamental da teologia; logo, a existência teológica, se confirma e se desenvolve a partir do entendimento e do encargo da natureza da teologia e a medida do cumprimento do propósito da teologia na existência eclesial e através da vida daqueles que, de maneira mais específica, se dedicam a teologia (os teólogos).

§ 5. [Do desenvolvimento teológico]. A teologia só se desenvolve sob a orientação do Espírito; a teologia é uma ciência que cresce, se desenvolve e frutifica sob a atuação soberana do Espírito; donde, o desenvolvimento teológico, depender totalmente deste Atuar soberano. Por isso, é correto afirmar que o desenvolvimento teológico só “vinga” sob o poder do Espírito.

B. Pressupostos Éticos.

§ 6. [Da vida que agrada a Deus]. A teologia tem por propósito também ensinar sobre a vida que agrada a Deus; sobre a maneira correta de viver diante de Deus, de acordo com a Revelação de Deus; logo, a teologia, como ética, tem por princípio a vida que agrada a Deus, chamada pelo Apóstolo de vida digna do evangelho (cf. Fp 1.27).

§ 7. [Das virtudes]. A vida que agrada a Deus, é a vida nas virtudes; é o Espírito quem conduz aqueles que creem no caminho da virtude; tanto no aperfeiçoamento das virtudes naturais, quanto no infundir das virtudes teologais; a vida que agrada a Deus é uma vida vivida na fé, na esperança e no amor (cf. 1Co 13.13). E o Espírito é quem conduz aqueles creem no caminho das virtudes teologais. A vida virtuosa é fruto da obra soberana do Espírito, como Consolador e como Aplicador da obra da reconciliação.

§ 8. [Sobre glorificar ao Senhor em doutrinas]. A vida que agrada a Deus, a vida virtuosa, é princípio da existência teológica; logo, aqueles que participam na existência teológica, sempre terão por propósito, na própria existência teológica, de glorificar ao Senhor em doutrinas; e a teologia consiste exatamente nisso, em glorificar ao Senhor em doutrinas; e, é o Espírito que ilumina o caminho daqueles que, ao dedicarem a existência teológica, buscam glorificar ao Senhor através da elucubração sobre as doutrinas.

§ 9. [Do poder do Espírito]. A vida que agrada a Deus, sendo uma vida virtuosa, é uma vida que é vivida sob o poder do Espírito; a vida que agrada a Deus é uma vida no poder do Espírito, que santifica, ilumina, concede dons, e conduz a Igreja pelos pastos verdejantes do Bom Pastor.

§ 10. [Do Espírito como Sugeridor dos insights teológicos]. A teologia, como ciência, tem por função refletir sobre Deus de acordo com a Revelação de Deus; por isso, as Escrituras, a revelação dada de forma permanente, são a fonte donde brotam os insights teológicos, que em consonância com a reta razão, proporcionam um mais eficaz entendimento sobre as coisas concernentes a Deus; portanto, se os insights teológicos são provenientes das Escrituras, então, o cultor da Revelação, o Espírito, é quem ilumina e concede estes insights; como cultor da Revelação, e como o Hermeneuta da Revelação, o Espírito é quem ilumina os insights teológicos; por isso, o Espírito Santo é o Sugeridor dos insights teológicos.

 

III

 

E, em segundo lugar, os axiomas.

Ora, os axiomas são as proposições básicas que permeiam a teologia do terceiro artigo, tanto em sua natureza, quanto em sua aplicabilidade; e são evocados três grandes axiomas, subdivididos em três proposições cada; os axiomas são embasados a partir da sentença do Apóstolo: “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17b). Portanto, deste texto paulino são extraídos três axiomas:

Primeiro axioma: O Espírito é Senhor.

Proposição n. 1: O senhorio do Espírito demonstra sua deidade e sua atuação de maneira poderosa em todo o cosmos (cf. Sl 139.7), em conformidade com os mistérios da Trindade econômica (cf. Mt 3.16-17; 2Co 13.13; Rm 1.1-4). 

Proposição n. 2: O senhorio do Espírito, demonstra sua atuação soberana como Vivificador; se o Espírito é Senhor, então, Ele também é Vivificador. A obra do Espírito em vivificar se estende em todo o cosmos, e é efetuada de maneira gloriosa naqueles que creem, com o derramar copioso do Espírito (cf. Is 44.3). 

Proposição n. 3: O senhorio do Espírito, demonstrado através de seus títulos e nomes, são uma demonstração de Sua Obra no plano da redenção.

Segundo Axioma: Onde o Espírito está, é lugar onde Ele efetua Sua Obra e Seu Agir Soberano.

Proposição n. 1: E na acepção de lugar, dois são os lugares onde o Espírito age de maneira soberana: primeiro, no mundo, de maneira geral; segundo, na Igreja, de maneira especial.

Proposição n. 2: O Espírito age no mundo de maneira soberana preservando e conservando a criação da corrupção total do Pecado (cf. Sl 104.30), bem como atuando para conceder aos homens dons para o desenvolvimento da vida humana (cf. Ef 4.8); por exemplo, é o Espírito quem guia o caminho da ciência (cf. Is 40.14). Logo, da ação do Espírito Santo no mundo, nasce o pressuposto da teologia da cultura. 

Proposição n. 3: O Espírito age na Igreja de maneira soberana e santificadora, como Senhor, Vivificador, Inspirador, Orientador e Iluminador das práticas eclesiais; a Igreja existe sob o poder do Espírito, e é edificada e guiada por Sua Direção Soberana. A Igreja é a comunidade pneumática. Logo, da ação do Espírito na Igreja, nasce o pressuposto da eclesiologia pneumática, onde todos os aspectos da existência eclesial são guiados pelo Espírito através da Revelação. 

Terceiro Axioma: A liberdade é pressuposto apodítico do atuar e do agir soberano do Espírito.

Proposição n. 1: Onde o Espírito do Senhor está, aí há liberdade, como diz o Apóstolo; logo, onde o Espírito está, no mundo (atuando de forma geral) e na Igreja (atuando de forma especial), aí há liberdade. 

Proposição n. 2: A liberdade é pressuposto irrevogável para a vida no mundo, e por isso, fora estabelecida na lei humana como direito fundamental inviolável, bem como se estabelece como um dos transcendentais dos direitos humanos.

Proposição n. 3: A liberdade como pressuposto da existência eclesial, chamada na Igreja de lei da liberdade (cf. Tg 1.25, 2.12). Portanto, em relação a Igreja, a liberdade é uma doutrina, um dogma fundamental da fé.

Com isso, se evocou, a partir dos princípios da teologia do terceiro artigo, em suas definições e axiomas fundamentais, aquilo que a que se refere a teologia do terceiro artigo; isto é, a possibilidade (e necessidade) da teologia do terceiro artigo, fundamentada em pressupostos bíblicos, que constituem-se a base dos insights teológicos que devem guiar a reflexão teológica; logo, se tem, na ideia da teologia do terceiro artigo, o encargo da reflexão teológica, a proposição da existência teológica, fundamentados e orientados de acordo com a edificação da teologia pneumática, a partir da Obra e da Pessoa do Espírito Santo, o Sugeridor dos insights teológicos.

***

Assim, conclui-se a explicação sobre os prospectos concernentes a teologia do terceiro artigo; um escrito inicial e ainda parcial, mas que fornece os princípios fundamentais do que deve guiar e permear a análise da teologia do terceiro artigo. “Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e para sempre. Amém”. 



[1] cf. Karl Barth, Introdução à Teologia Evangélica [11ª ed. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2016], pág. 39.

[2] Tomás de Aquino, De Rationibus Fidei, cap. I. 


03/03/2024

Sobre a Teologia de Schleiermacher

Prefácio.

           

A compreensão sobre a teologia de Schleiermacher constitui um desafio assaz dificultoso para a teologia hodierna; pois, além da teologia da Schleiermacher está envolta em tantas mentiras e imbecilidades propagadas pelos seus invejosos adversários, se tem a grande dificuldade de se entender o programa teológico de Schleiermacher e os aspectos de sua teologia, tanto pelas ínvias e obscuras categorias racionais utilizadas por Schleiermacher, quanto pela profundidade e agudeza de argumentação; para começar a sanar estas dificuldades, alguns breves escritos vem sido apresentados, e aos poucos se consegue adentrar ao estudo e a compreensão de Schleiermacher; e eis mais um escrito neste mesmo propósito, a saber, apresentar aspectos sobre a teologia de Schleiermacher.

Este escrito procura apresentar uma reflexão geral sobre a teologia de Schleiermacher a partir da consideração e da apresentação de suas principais obras acadêmicas; pois, mesmo que não seja o aspecto central da teologia de Schleiermacher, é a melhor forma de se adentrar ao pensamento de Schleiermacher; embora tenha mais dificuldade neste quesito, é a metodologia mais eficaz, pois assim sana-se as dificuldades de compreensão sobre o propósito e a tarefa da teologia de Schleiermacher, e, com isso, se consegue adentrar com mais segurança ao aspecto central da teologia de Schleiermacher, e assim também se consegue adentrar a compreensão sobre a filosofia de Schleiermacher[1]. Portanto, iniciar pela apresentação (neste escrito), e em seguida, a análise mais específica, das obras acadêmicas de Schleiermacher (em outros escritos), e depois sobre suas preleções na Universidade, é a maneira mais adequada de se compreender a teologia de Schleiermacher.

Por isso, ao se apresentar este escrito, se procura compreender Schleiermacher da melhor maneira possível, indo além dos antigos intérpretes, e sublimando as sempre significativas perspectivas de Barth, sem o qual não seria possível interpretar Schleiermacher de maneira adequada; a partir do velho Barth, se pode começar a entender Schleiermacher de maneira correta; amparado nos ombros de Barth, podemos ver além e conhecer Schleiermacher como ele realmente é, e não a partir de seus invejosos críticos e das empulhas filosóficas que provêm de Hegel e do hegelianismo, que sempre atrapalharam e vituperaram o pensamento de Schleiermacher. 

Assim sendo, se apresenta a teologia de Schleiermacher, de um modo geral, demonstrando os principais aspectos a serem compreendidos para o entendimento da teologia de Schleiermacher, bem como analisando um destes aspectos, o de Schleiermacher como teólogo acadêmico a partir de suas publicações mais importantes; com isso, se estabelece um parâmetro básico para o entendimento da teologia de Schleiermacher, a saber, o da teologia de Schleiermacher como pregador e pastor (que será apresentado e analisado em outros escritos) e o da teologia de Schleiermacher como teólogo acadêmico em suas publicações e preleções na Universidade (que será apresentado neste escrito de forma geral, e analisado de maneira mais específica em outros escritos). 

Portanto, por ser uma apresentação, é um escrito sintético, mas assaz necessário para a compreensão dos temas e das proposições referentes a estas obras, que através desta simples apresentação já se consegue obter vários insights e perspectivas, as quais são imprescindíveis para o entendimento da teologia de Schleiermacher.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

02 de março de 2024.

           

I. A Análise da Teologia de Schleiermacher.

 

1. A vida e obra de Schleiermacher exerce um fascínio; evidentemente, àqueles que não estão encharcados com as críticas invejosas e maledicentes que rondam seu nome de maneira assombrosa nos últimos duzentos anos; geralmente, se atribui a Schleiermacher ser o pai da teologia liberal, arauto da teologia romântica e outros epítetos errôneos, que continuam a ser propagados por muitos imbecis, e pasme-se mesmo por muitos teólogos com boa formação acadêmica; no entanto, estes muitos críticos e estas muitas críticas que continuam a ser propagadas são totalmente errôneas; pois, certamente, aquele que melhor compreendeu Schleiermacher fora Karl Barth, muito embora, tenha sido Barth um dos que mais tenha tentado ridicularizar a Schleiermacher; atitude controversa, mas que demonstra uma coisa: se Barth, o maior teólogo do séc. XX, e um dos maiores de todos os tempos, teve a dificuldade de lutar a vida toda com a teologia de Schleiermacher, e em muitos aspectos tentou ridicularizar a Schleiermacher, mas também foi justo e sincero com a obra de Schleiermacher, isso é sinal da grandeza e da genialidade de Schleiermacher. Pois, ninguém tenta ridicularizar sem motivos e provas quem é imbecil, mas, pelo contrário, os imbecis, sem motivos e provas, tentam ridicularizar aqueles que possuem alguma grandeza. 

Portanto, elucubrar e procurar entender Schleiermacher sem as críticas invejosas e sem se deixar levar pelos críticos imbecis que o rondaram nestes últimos duzentos anos, é tarefa preponderante e assaz necessária; na verdade, uma tarefa que se constitui de imperativo para a teologia contemporânea.

2. Na verdade, o verdadeiro progresso e desenvolvimento para a teologia pós Schleiermacher ainda não veio de maneira adequada, porque o encargo da reflexão teológica ainda não teve o verdadeiro respeito pelo pai da teologia moderna; enquanto imbecilidades sobre Schleiermacher continuarem a ser propagadas, tais como: Schleiermacher é o pai da teologia liberal, Schleiermacher é a primeira teóloga (a expressão é de Barth!), Schleiermacher é um herege, além das interpretações desvairadas e distorcidas sobre o pensamento de Schleiermacher tanto sobre sua teologia quanto sobre sua filosofia, etc., a teologia moderna não crescerá e não se desenvolverá; por isso, é necessário empreender uma análise mais justa e mais precisa sobre a teologia de Schleiermacher; algo que não é fácil de se fazer; pois, adentrar em todo o amplo aspecto do pensamento de Schleiermacher, é algo de ínvia dificuldade, já que para se compreendê-lo é necessário ter um amplo conhecimento sobre a filosofia de sua época e as razões do porquê Schleiermacher talhou certas proposições, que ao se olhá-las e tentar compreendê-las com as lentes teoréticas do séc. XXI, chegam a desconcertar; mas, para compreender Schleiermacher é necessário entender seu contexto e suas lutas, bem como o propósito de suas atividades e de seus labores.

3. Assim sendo, se estabelece alguns pressupostos para compreender Schleiermacher[2]; no passado, Barth, em seus cursos e preleções na Universidade, estabeleceu alguns axiomas para compreender Schleiermacher; e, alguns destes são bem justos e interessantes; e, elenca-se os três primeiros destes pressupostos que Barth apresenta: “[1] Toda pessoa que pensa tem um objetivo. [2] Exigimos de uma pessoa que pensa muito: (a) que o objetivo do seu pensamento possa ser claramente formulado; (b) que o caminho para atingir este objetivo é tão bem pensado que continua a cativar-nos mesmo quando consideramos o objetivo absurdo; (c) que o caminho bem pensado tenha sido trilhado de forma tão consistente que nos arranca a admiração, ou melhor, a iluminação intelectual que só um caminho bem percorrido nos pode arrancar. [3] Schleiermacher, em todos os sentidos, foi um grande pensador; e o maior pensador de todos os tempos (ao lado de Hegel) na teologia dos últimos quatro séculos[3]. E, estes princípios elencados por Barth, estes axiomas, são sempre necessários, pois, são justos, honestos e sinceros; realmente Schleiermacher se enquadra nestas descrições; ainda que, ao se conhecer Schleiermacher, se percebe que estes três pressupostos elencados por Barth estão incompletos e são fragmentários, mas para a época em que Barth os apresentou foram um avanço imenso na interpretação de Schleiermacher. E Barth procurou honrar Schleiermacher de acordo com seus labores e feitos; e nisso, Barth procurou ser justo com Schleiermacher, ao identificá-lo como um grande pensador.

 Pois, Schleiermacher, em todos os sentidos, na filosofia, na teologia, nas disciplinas a que se dedicou e refletiu em suas magistrais preleções, foi um grande pensador; isso Barth acertadamente declarou; embora se possa considerar, do ponto de vista da contemporaneidade alguns pressupostos de Schleiermacher um absurdo, ao se compreender seu contexto e sua época, se percebe que eram pressupostos corretíssimos e extremamente eficazes para demonstrar o cristianismo como religião, e como a religião verdadeira, que influencia a cultura e a vida humana de maneira salutar e frutífera. Portanto, como Barth dissera em sua época, Schleiermacher é o maior pensador dos tempos modernos (ao lado de Hegel), e o maior nome da teologia nos últimos quatro séculos.

4. Deste modo, Schleiermacher, que fora pastor, pregador, professor, capelão, teólogo, filósofo, etc., tem seu pensamento como uma das obras máximas que o gênio humano já produziu; Schleiermacher podia, em sua obra e pensamento, conversar de igual para igual com Goethe, Hegel, Schelling, e outros; todavia, compreender este pensamento é uma tarefa de extrema dificuldade; pois, Schleiermacher foi pastor, teólogo, filósofo; e ao mesmo tempo os três, embora em cada atividade que exerceu, soubera adequar o que era necessário ao ambiente e ao seu público; todavia, são indissolúveis em Schleiermacher, o pastor, o pregador, o pastor-teólogo, o teólogo-pastor, e o filósofo; com isso, para se compreender Schleiermacher é necessário fazer algumas distinções, conquanto estas distinções possam “desfigurar” um pouco o pensamento de Schleiermacher, é a maneira mais simples de se fazer uma aproximação, uma apresentação do pensamento de Schleiermacher, para compreendê-lo e entender sua obra e pensamento.

5. A primeira destas distinções, é sobre o Schleiermacher como teólogo e o Schleiermacher como filósofo; evidentemente, não se vai analisar aqui o Schleiermacher como filósofo; mas, aproveita-se o ensejo para afirmar que as preleções filosóficas de Schleiermacher são um conjunto magistral de observações filosóficas que resolvem inúmeros problemas filosóficos de sua época, e que são muito mais salutares do que o sistema da ciência de Hegel, e da mesma grandeza que as reflexões de Schelling na mesma época; em suas preleções filosóficas, Schleiermacher pode ser reconhecido, de maneira justa e honrada, como um dos maiores filósofos da história; e é uma tarefa de extrema necessidade se compreender a filosofia de Schleiermacher. Todavia, o que interessa nesta invectiva é a teologia de Schleiermacher; e, para a compreensão da teologia de Schleiermacher algumas outras distinções são necessárias.

6. A obra e as atividades de Schleiermacher como teólogo, é o que o fazem ser o maior teólogo dos últimos quatrocentos anos, e o que o faz estar em pé de igualdade com Lutero e Calvino; como Barth assevera: “podemos apenas acreditar que Schleiermacher também foi um teólogo cristão; isso, repito, é algo que ele tem em comum com Lutero e Calvino (para que não seja esquecido!), e, no plano inferior, com todos nós[4]. Portanto, Schleiermacher, em primeiro lugar, em relação ao protestantismo, pode e deve ser comparado com Lutero e Calvino; e, em segundo lugar, num plano mais inferior, segundo Barth, com “todos nós”, os outros teólogos; isso é sinal da grandeza de Schleiermacher; pois, o próprio Barth, que não tinha a modéstia como uma de suas maiores virtudes - algo que o próprio Barth assevera -, se coloca num plano inferior em relação a Schleiermacher. E isso, também é evidência da grandeza de Schleiermacher. 

7. Assim sendo, a teologia de Schleiermacher pode ser entendida de dois modos: primeiro, em sua atividade como pastor e pregador, o verdadeiro encargo da teologia de Schleiermacher, e onde verdadeiramente está toda a grandeza e a fulgor de sua teologia; segundo, em sua atividade acadêmica, que se subdivide em dois aspectos: nas obras acadêmicas publicadas e que foram extremamente importantes em sua época, e nas preleções teológicas na Universidade. 

O primeiro modo, requer uma análise muito maior, muito mais extensa, devido as centenas e centenas de sermões pregados por Schleiermacher (mais de 3.000 sermões), tarefa essa que ele desempenhou semanalmente, por anos a fio, década após década, de maneira fervorosa e bíblica - e, lembre-se aqui, que Schleiermacher era moraviano, e seus sermões e orações nos cultos, refletem totalmente este aspecto. E, este modo, requereria um tratado muito mais extenso; no entanto, um princípio estabelecido por Barth pode contribuir para uma análise introdutória da teologia de Schleiermacher como pastor-teólogo, a saber, os sermões festivos, os sermões de Páscoa, de Natal, etc.; mesmo assim, a análise requeria um substancioso livro, que não é o propósito desta invectiva. Aliás, em relação a isso, indica-se o livro de Karl Barth, “Die Theologie Schleiermacher’s” (The Theology de Schleiermacher), principalmente a primeira parte (cap. 1, § 1 e § 2), que trabalha a obra de Schleiermacher como pregador a partir dos sermões festivos de maneira magistral.

8. Portanto, resta-nos analisar o segundo modo da teologia de Schleiermacher, a saber, sua teologia a partir de sua atividade acadêmica, tanto em suas obras publicadas, quanto em suas preleções; primeiro, evidentemente, a partir de suas obras publicadas; depois, a partir de suas preleções teológicas; estes aspectos aos poucos vão sendo elencados em outras obras (livros e ensaios); no entanto, é necessário se considerar alguns aspectos sobre as obras acadêmicas de Schleiermacher; pois, as obras acadêmicas de Schleiermacher, pelo menos as obras que exerceram uma influência significativa ao serem publicadas, e que se tornaram clássicos na época, são poucas; na verdade, são cinco grandes obras. Logo, se deve, em primeiro lugar, compreender a teologia de Schleiermacher a partir de sua atividade acadêmica, em suas publicações mais importantes, depois, em suas preleções[5].

9. E a teologia de Schleiermacher como teólogo acadêmico se desenvolve em suas publicações e preleções; e afirme-se de maneira contundente, que é uma atividade que não pode ser dissociada de sua obra como pastor e pregador, e nem podem ser analisadas em se conhecer sua piedade fervorosa; todavia, em sua obra acadêmica, Schleiermacher utiliza-se do rigor científico, e vai além da simples e fervorosa piedade moraviana, para subir aos cumes do pensamento científico e teológico, em erudição, profundidade de análise e agudeza de pensamento; pois, estas cinco obras a serem analisadas demonstram um aspecto interessante, que pouco fora comentado, e que passara despercebido pelos estudiosos, a saber, estas obras são complementares, uma complementa a outra, para formar um todo de uma teologia acadêmica a ser utilizada nas Universidades e que visavam liberar a teologia como ciência da neologia; logo, há uma complementariedade nestas obras, que se consuma no propósito da teologia acadêmica a ser utilizada nas universidades, que somada as preleções, perfazem o aspecto central das disciplinas teológicas a serem dispostas num “curriculum” da ciência teológica.


II. As Obras Acadêmicas de Schleiermacher.

 

10. Deste modo, em relação a Schleiermacher como teólogo acadêmico, se deve analisar suas cinco principais e mais importantes publicações, as quais são: primeiro, os “Reden” (1799), os discursos sobre a religião; segundo, os “Monologen” (1800), os monólogos; terceiro, “Die Weihnachtsfeier” (1806), a festa de natal, um diálogo sobre a encarnação; quarto, a “Kurze Darstellung des theologischen Studiums” (1811; 2ª ed.: 1830), a breve introdução ao estudo da teologia; quinto, o “Glaubenslehre” (1821; 2ª ed.: 1831), a doutrina da fé, a exposição da fé cristã.

Estes escritos se complementam, num todo sistêmico, cada qual com seu propósito específico, mas também como um propósito mais englobante no programa teológico de Schleiermacher; não são o aspecto mais importante da teologia de Schleiermacher, mas são significativos complementos ao verdadeiro encargo da teologia de Schleiermacher, a saber, os sermões; além disso, as publicações acadêmicas são um programa teológico significativo de apologia da religião e da fé cristã de acordo com o contexto de sua época, bem como de estruturação da enciclopédia teológica a partir de princípios racionais e com o rigor científico das disciplinas acadêmicas. Portanto, se faz necessário analisar estas obras, para se compreender parte da atividade e dos labores de Schleiermacher como teólogo acadêmico.

11. A primeira obra de Schleiermacher como teólogo acadêmico, fora os “Reden”, os discursos sobre a religião, publicado em 1799; é a obra que inicia a teologia moderna (e que também é um marco na passagem da filosofia moderna para a filosofia contemporânea); esta obra, quase que um “misto” de filosofia e teologia, mas que pode ser descrita de maneira acertada como uma obra de filosofia com o propósito teológico; os discursos sobre a religião são uma magistral combinação de retórica, filosofia e profundidade de análise, com vista a um propósito teológico; e isto, Schleiermacher fizera de forma magistral; embora, se tenha inúmeras críticas teológicas aos “Reden”, estas são forjadas justamente porque não se entende o formato e os princípios metodológicos do que realmente são os “Reden”; ao se entender que é uma obra filosófica, com o intuito evocar novamente a importância da religião diante da alta-cultura, se percebe que é uma obra magistral, e se compreende o propósito teológico de tal evocação, como depois se mostrará mais evidente em outras obras de Schleiermacher.

Pois, há uma estreita conexão entre o propósito estabelecido nos “Reden” e os princípios delineados na introdução do “Glaubenslehre”; o que Schleiermacher faz de forma geral nos “Reden” e em outras obras, ele faz de maneira mais específica, sob os princípios da teologia dogmática, na introdução do “Glaubenslehre”; Barth assevera: “Os parágrafos 1-31 da Doutrina da Fé são escritos precisamente no mesmo sentido do trabalho teológico de sua juventude, o Discurso sobre a Religião[6]; portanto, o que Schleiermacher estabelece como uma resposta ao iluminismo e uma resposta geral ao princípio da crítica da religião da neologia, através dos “Reden”, é reformulado com mais precisão teológica e dogmática, com a virtuose do mestre da estrutura dogmática, na introdução do “Glaubenslehre”. O princípio geral e filosófico na defesa da religião nos “Reden”, é burilado como um princípio teológico mais específico na introdução da dogmática de Schleiermacher. Por isso, os “Reden”, são ao mesmo tempo uma obra filosófica e teológica: uma obra filosófica e retórica como um propósito teológico.

12. A segunda obra de Schleiermacher como teólogo acadêmico, fora os “Monologen”, os monólogos, publicado em 1800; enquanto nos “Reden” Schleiermacher trabalha os princípios tal de uma defesa da religião, nos “Monologen”, Schleiermacher trabalha os princípios da compreensão da autoconsciência da liberdade que o indivíduo deve  ter diante de Deus, de si mesmo e da sociedade; nos monólogos, Schleiermacher deixa a retórica dos discursos, para evocar uma reflexão e uma meditação sobre a condição humana, a partir dos princípios idealistas, do homem como ser pensante e capaz de conduzir-se neste mundo; todavia, Schleiermacher apresenta uma modificação em relação ao pensamento idealista reinante, a partir da proposição da liberdade do indivíduo; pois, o ser humano só encontra auto-determinação para viver a partir da consciência da liberdade. 

Assim sendo, os monólogos, complementam a proposição inicial estabelecida nos “Reden”, da apologia da religião a fim de se evitar duas coisas, como o próprio Schleiermacher assevera[7]: a pedantice (a soberba em querer que se colocar como “deus” ou como um demiurgo) e a uniteralidade (a tentativa de subjugar ou colocar sob si todo o pensamento teórico ou de ser o ponto arquimédico da realidade [que diga-se de passagem, é o que Hegel procurara fazer]); pois, somente com a consciência que o indivíduo tem da liberdade, a partir da apologia da religião, é que se pode verdadeiramente evitar a pedantice e a uniteralidade, pois, como afirma Schleiermacher a religião é a inimiga jurada de toda pedantice e de toda uniteralidade; pois, tanto a pedantice quanto a uniteralidade acabam por aprisionar a liberdade do indivíduo e castrar o desenvolvimento humano racional e sóbrio; e, somente a evocação da religião, como elemento imprescindível e inegável da vida humana, é que se pode evitar tanto a pedantice quanto a uniteralidade, bem como pela consciência consciente do indivíduo da liberdade que lhe é inerente e que o exercício pleno desta liberdade é parte preponderante de sua dignidade como ser humano.

13. A terceira obra de Schleiermacher como teólogo acadêmico fora o “Die Weihnachtsfeier”, um diálogo sobre a festa de natal, um diálogo sobre a encarnação, publicado em 1806; este escrito, sob o fulgor da filosofia platônica, tal como os grandes diálogos de Platão, estabelece uma reflexão sob um ponto teológico fundamental, a encarnação; enquanto em outras obras anteriores, Schleiermacher faz uma defesa da religião (Reden) e da liberdade do indivíduo (Monologen), neste diálogo Schleiermacher traça os princípios básicos do porque a religião deve ser valorada a partir dos princípios que estabeleceu (totalmente corretos), e do porque a liberdade do indivíduo também deve ser valorada, a saber, por causa do verdadeiro humanismo; goste-se ou não, no diálogo sobre a encarnação, Schleiermacher estabelece o encargo do humanismo, a saber, pelo fato de que Deus se tornou homem. É isto que reflete o natal, em seu principal aspecto, a saber, que o Verbo se fez carne (cf. Jo 1.14).

Portanto, no diálogo sobre o natal Schleiermacher complementa e completa a invectiva que trabalhara nos “Reden” e nos “Monologen”; e com isso se estabelece um tríplice aspecto, a saber: primeiro, a teologia religiosa, a apologia da religião; segundo, a reflexão sobre a liberdade, a apologia da liberdade do indivíduo, pela autoconsciência desta liberdade; terceiro, a reflexão sobre a encarnação, o fundamento cristão para se falar da religião e da liberdade. Por isso, afirme-se de maneira contundente, que o diálogo sobre o natal é uma obra genial de Schleiermacher, porque adentra aos terrenos de um tópico teológico fundamental, e o faz sob os princípios metodológicos da mais bela e efusiva forma literária já feita pelos homens, o diálogo, e diálogo sob o princípio do conteúdo e da forma platônica. E isto, faz com esta obra se revista de beleza literária e de fulgor de conteúdo, bem como fazem uma obra simples de ser lida, difícil de ser compreendida em sua inteireza e uma obra profundíssima pelo tema que reflete e em relação a sua interpretação como um todo. Por isso, diga-se de passagem, uma obra notadamente schleiermachiana.

14. A quarta obra de Schleiermacher como teólogo acadêmico, fora a “Kurze Darstellung des theologischen Studiums”, a breve introdução ao estudo teológico, publicado em 1811 (2ª ed.: 1830); nesta obra, uma espécie de manual sobre o estudo teológico a ser utilizado na Universidade, Schleiermacher apresenta as linhas gerais do estudo teológico a partir de três grandes princípios; estes princípios acoplam toda a ampla gama das disciplinas teológicas fundamentais; o primeiro aspecto, é a teologia filosófica; o segundo aspecto é a teologia histórica; o terceiro aspecto é a teologia prática. Nestes três aspectos, e a partir destes três aspectos, Schleiermacher reestabelece toda a ampla gama de princípios para o estudo teológico a serem empregados em todas as faculdades de teologia de sua época[8].

Esta obra, embora tenha ficado esquecida, foi um marco em relação aos estudos teológicos em sua época; pois, Schleiermacher abalizara o estudo teológico, e o estabelecera a partir do rigor das disciplinas acadêmicas; por isso, esta obra se tornou o manual básico a ser comentado no âmbito do ensino das disciplinas teológicas na Universidade, e que funciona como o “curriculum” básico de todo o estudo teológico; tanto que, após a morte de Schleiermacher, os grandes teólogos posteriores, mesmo os que seguiram nos “liberalismos teológicos” subsequentes, estabeleceram-se como grandes mestres de uma destas três linhas do estudo teológico elaborado por Schleiermacher; certamente, o único grande teólogo a se estabelecer nestas três grandes áreas fora Ritschl, que refletiu sob aspectos da teologia prática, e que fora mestre da teologia histórica e mestre da teologia filosófica; já Harnack fora o mestre da teologia histórica, e diga-se, o mestre por excelência da teologia histórica; e Tillich fora o mestre da teologia filosófica; etc. Portanto, Schleiermacher estabeleceu os parâmetros básicos do estudo teológico, do estudo da teologia como ciência, e isso influenciou todas as gerações de teólogos posteriores, e ainda continua a imperar, de maneira diversa, sob a alta-cultura teológica.

15. A quinta obra de Schleiermacher como teólogo acadêmico, fora “Der Christliche Glaube”, a doutrina da fé, a exposição da fé cristã de acordo com os princípios da Igreja Evangélica, publicado em 1821 (2ª ed.: 1831), ou como é popularmente chamado, “Glaubenslehre”; este escrito, a dogmática de Schleiermacher, foi o tratado sistemático mais influente e que mais causou debates deste o “Institutio Christianae Religionis” (1536) de Calvino; é a summae de Schleiermacher; e uma obra densa, difícil, e afirme-se que é obra de gênio; nesta dogmática, Schleiermacher consegue, ao mesmo tempo edificar a análise dogmática sob quatro pilares, estabelecer a estrutura da dogmática, e ainda fazer uma apologia da fé cristã frente aos ataques de seu tempo e de acordo com as necessidades de sua época. Mas, tenha-se em mente, que não é um tratado sistemático comum, como o “Institutio” de Calvino ou como o “Loci” de Melanchthon, ou ainda, uma grande dogmática como a “Kirchliche Dogmatik” de Barth; o “Glaubenslehre”, é uma summae apologética; é uma obra dogmática para a apresentação e a defesa da fé. 

Deste modo, o “Glaubenslehre”, é um tratado sistemático como propósito quadrilátero, tal como o próprio Schleiermacher delineia na introdução; a dogmática de Schleiermacher se estabelece, portanto, a partir de quatro grande princípios metodológicos, os quais são: (i) a concepção de Igreja (ética); (ii) as diversidades das comunhões religiosas (filosofia da religião); (iii) a apresentação do cristianismo em sua essência em particular (apologética); (iv) a relação da teologia dogmática com a piedade (os princípios subjetivos na análise dogmática)[9]. Estes quatro grande princípios se inter-relacionam em todo o “Glaubenslehre” de maneira concêntrica, na explicação da doutrina cristã de acordo os princípios subjetivos da análise dogmática (da análise da piedade cristã para a expressão objetiva da doutrina, enquanto que os princípios objetivos da análise dogmática parte da expressão objetiva da doutrina para a expressão da piedade cristã, como Calvino faz no “Institutio”), donde, Schleiermacher, nesta mudança metodológica, ainda a realizar de maneira genial, acoplando e relacionando ética, filosofia da religião, apologética e a piedade como expressão da doutrina cristã, e isto tudo, em algumas proposições de maneira conjunta numa síntese precisa e cirúrgica.

Esta invectiva de Schleiermacher resolveu, em sua época, os problemas centrais que estavam assolando a Igreja, desde o distanciamento da vida que agrada a Deus (por isso, Schleiermacher apresenta as proposições tomadas da ética), aos ataques filosóficos de Hegel, dos hegelianos e de outros idealistas (por isso, Schleiermacher apresenta as proposições tomadas da filosofia da religião), aos ataques dos desprezadores e escarnecedores da religião tanto em relação aos descrentes quanto em relação aos “cristãos” influenciados pela neologia (por isso, Schleiermacher apresenta as proposições tomadas da apologética), e ao distanciamento da verdadeira piedade (por isso, Schleiermacher apresenta as proposições da teologia dogmática a partir da piedade).

16. A compreensão sobre estas cinco obras são parte de um dos aspectos para compreender a teologia de Schleiermacher; particularmente, sua obra como teólogo acadêmico; o outro aspecto, são suas preleções; mas, estas obras elencadas acima dão um norte, e podem servir como uma espécie de introdução à teologia de Schleiermacher; evidentemente, estas obras, ao serem olhadas com as lentes do séc. XXI, parecem heréticas e chegam a desconcertar; todavia, ao se compreender o contexto em que foram escritas e o propósito para que foram escritas, e compreender as categorias romântico-idealistas pelas quais são escritas, se pode compreender a profundidade, fidelidade, importância e genialidade destas obras.

E justamente estas obras servem como uma introdução à teologia de Schleiermacher, em relação a sua atividade como teólogo acadêmico; pois, o centro da teologia de Schleiermacher, o aspecto mais importante da teologia de Schleiermacher, como fora afirmado e reafirmado, são os sermões, e a atividade acadêmica, nas publicações e nas preleções, são uma forma de apresentar, no âmbito acadêmico e sob o rigor das disciplinas acadêmicas, e com o contexto da época, aquilo que Schleiermacher fizera através dos sermões; evidentemente, um tratado acadêmico não é um sermão; mas, a partir de sua atividade querigmática, Schleiermacher conseguira desenvolver os princípios que também aplicou de maneira singular em seus labores como teólogo acadêmico, e também como filósofo. Portanto, compreender estas obras, como uma espécie de apêndice à teologia de Schleiermacher, é um modo de se introduzir à sua teologia; todavia, isto requer um cuidado para que não se deixe enveredar pelo mesmo caminho das críticas invejosas que rondaram sua obra no decorrer dos tempos.

17. Com isso, ao se afirmar a proposição de que estas obras servem de introdução à teologia de Schleiermacher, se afirma de maneira contundente os aspectos centrais do pensamento de Schleiermacher; pois, tanto em sua filosofia quanto em sua teologia, Schleiermacher procurou honrar e servir a Palavra, a Cristo[10]; logo, em seus labores, pelos instrumentos que possuía, pode honrar a Cristo em todas as esferas do pensamento teórico, e nas disciplinas acadêmicas a que se dedicou; no entanto, a distinção da teologia de Schleiermacher em dois aspectos, primeiro, em sua atividade como pastor e pregador, e segundo, em seus labores acadêmicos, demonstram também uma dupla distinção em relação aos princípios teológicos fundamentais que definem a teologia de Schleiermacher; enquanto em sua teologia como pastor e pregador, Schleiermacher tenha sido um teólogo do terceiro artigo, e sua teologia uma teologia do Espírito Santo, que pode ser sumariada pela sentença da teologia como pneumatologia, enquanto teólogo acadêmico, a teologia de Schleiermacher também reflete este aspecto, mas como uma teologia da cultura e uma teologia religiosa.

Portanto, a teologia de Schleiermacher é ao mesmo tempo e fundamentalmente uma teologia pneumática e uma teologia da cultura (e teologia religiosa); Schleiermacher é o teólogo do terceiro artigo e também é o teólogo da religião; é o teólogo que movido pelo amor a Cristo procura edificar a fé dos fiéis, mas também é o teólogo preocupado com a situação da cultura, e que procura demonstrar que tudo de bom que surge entre os homens é obra da graça de Deus. A teologia pneumática de Schleiermacher na Igreja e entre a comunidade dos fiéis, na vida eclesial, se torna em teologia da cultura e em teologia religiosa na esfera acadêmica e entre as disciplinas acadêmicas, na vida extra-eclesial. E, no “Glaubenslehre”, isso se conflui de maneira mais adequada, onde tanto o teólogo do terceiro artigo quanto o teólogo da cultura, se fundem numa magistral apologia da fé e da doutrina cristã, de acordo com os princípios da Igreja Evangélica, e afirme-se isso de maneira sempre constante, de acordo com as necessidades de sua época.

18. Deste modo, a teologia de Schleiermacher, a partir da dupla distinção acima evocada, entre a atividade como pastor e pregador e a atividade como teólogo acadêmico, se confluem com um mesmo propósito, a saber, honrar a Cristo; conquanto, para levar a cabo este propósito, ele delineara suas preocupações e intuições mais incisivas de acordo com seus labores; pois, Schleiermacher instituiu diante de si tão grandes atividades e tantas possibilidades, as quais exerceu com maestria e genialidade, que Schleiermacher, nestas muitas atividades, defrontou-se com inúmeros problemas, aos quais deu uma resposta bíblica, teológica e filosófica de maneira contundente, e sempre com a aguçada percepção da necessidade de sua época, que em grande parte, é também a necessidade de todas as épocas.

Portanto, quando Schleiermacher está pregando, ali está o pastor preocupado com o povo de Deus a fim de transmitir-lhes a mensagem do Evangelho de tal forma que incentive nestes a piedade e o fervor evangélico; ou quando está nas preleções acadêmicas, onde existe algum problema instituído pela neologia, Schleiermacher procura solucionar este problema e novamente “liberar” a teologia enquanto ciência dos ditames da neologia; ou, como filósofo, ele procura solucionar os problemas filosóficos de sua época, a partir da pura reflexão racional, com o propósito de abalizar o saber e a filosofia a partir da realidade, da consciência e da natureza; entre outras coisas.

Schleiermacher defrontou-se com ínvios e agudos problemas, e os enfrentou de maneira incisiva, de tal modo que forneceu a sua época e a todas as épocas o exemplo de um testemunho cristão e evangélico de tal maneira que o colocam como o maior teólogo após Lutero e Calvino, e em igualdade tanto com Lutero quanto com Calvino. 

19. A teologia de Schleiermacher, portanto, se estabelece dentro destes dois eixos; e, isto, contrapõem-se a todos os princípios evocados pelos críticos que dizem que Schleiermacher é o pai do liberalismo teológico ou o pai da teologia liberal; existe sim um liberalismo em Schleiermacher, mas não do liberalismo teológico que costumeiramente se apresenta e que se combate com tanta veemência; o liberalismo de Schleiermacher é o de liberar a teologia da influência nefasta da neologia, a qual é o verdadeiro liberalismo teológico; Schleiermacher, procurou, em sua vida e obra, honrar a Cristo, e restaurar a possibilidade e a necessidade da reflexão teológica sem os ditames da neologia, isto é, Schleiermacher laborou para livrar a teologia e a Igreja do verdadeiro liberalismo teológico.

E, afirme-se de maneira contundente que a neologia é a raiz de todos os “liberalismos teológicos”, e não a teologia de Schleiermacher; a teologia de Schleiermacher, no âmbito acadêmico, é uma resposta a neologia; evidentemente, sem se compreender profundamente a teologia de Schleiermacher enquanto pastor e pregador, pode-se considerar que sua teologia como teólogo acadêmico chega a desconcertar e a beirar algumas heresias; realmente, esta percepção ocorre, todavia, a teologia de Schleiermacher enquanto teólogo acadêmico, é justamente uma resposta às necessidades acadêmicas de seu tempo, e compreendendo isso, se compreende o porquê Schleiermacher talhou certos aspectos e evocou certas pressuposições em suas obras acadêmicas.

20. Por isso, ao se procurar entender e compreender Schleiermacher há de se ter em mente estes princípios e estas pressuposições; logicamente, são apenas alguns princípios em relação a sua atividade como teólogo acadêmico, em relação as suas principais obras, e alguns breves insights sobre sua atividade como pastor e pregador; são elucidações gerais, mais fundamentais para se compreender a teologia de Schleiermacher e o modo como se deve adentrar no estudo da mesma e em como se deve interpretá-la; com isso, pode-se prosseguir ao estudo e a compreensão da teologia de Schleiermacher; suas principais obras teológicas não estão traduzidas em língua portuguesa (apenas algumas filosóficas), salvo uma edição dos “Reden”, traduzido como “Sobre a Religião” (que não é uma tradução muito boa); todavia, as principais obras acadêmicas de Schleiermacher estão em língua inglesa em traduções e edições antigas, as quais, são fundamentais para o estudo e a compreensão sobre Schleiermacher, e que valem a pena de serem lidas; na verdade, são leitura imprescindível para se compreender os caminhos da teologia moderna.

Com isso, se percebe que, goste-se ou não, aceite-se ou não, compreenda-se ou não, Schleiermacher é verdadeira o pai da teologia moderna, e um dos pais da Igreja, o pai da Igreja no séc. XIX, e como dissera Barth, o pai da Igreja também no séc. XX; e, certamente o pai da Igreja também para o séc. XXI; mas não somente isso, pois, Schleiermacher também é um marco na filosofia moderna; os “Reden” podem ser tidos como um dos marcos do início da filosofia contemporânea, já que os problemas descritos neste escrito são alguns dos maiores problemas que ocuparão os grandes filósofos posteriores e que permeiam a existência na contemporaneidade.

Por isso, compreender Schleiermacher é compreender muitos dos problemas que tem assolado a vida moderna, tanto na teologia quanto na filosofia; e, Schleiermacher permanece um exemplo, tanto na filosofia quanto na teologia, da luta pela verdade; embora, Schleiermacher tenha sido um homem de seu tempo, suas posições e proposições teoréticas são fundamentais e imprescindíveis, tanto em suas tarefas como pastor e pregador, quanto em suas tarefas como teólogo acadêmico e em suas tarefas como filósofo. Schleiermacher é o teólogo que todas as gerações posteriores terão de lidar se realmente quiserem edificar e construir reflexões teológicas sóbrias e frutíferas.

21. E termina aqui a breve exposição sobre a teologia de Schleiermacher. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] A filosofia de Schleiermacher, que não será analisada neste escrito, é uma grande filosofia, até mesmo melhor e maior do que a Hegel; todavia, é uma filosofia de difícil acesso, tanto devido a dificuldade dos escritos quanto das linhas de argumentação de Schleiermacher; em outros escritos posteriores, se apresentará melhor a filosofia de Schleiermacher que não fora analisada neste breve escrito.

[2] Num escrito anterior, “Axiomas para a Interpretação de Schleiermacher”, o autor apresentou alguns axiomas e princípios para se compreender Schleiermacher; um escrito fundamental para se adentrar no estudo e na interpretação de Schleiermacher.

[3] Karl Barth, Karl Barth Gesamtausgabe Bd. 24: Vorträge und kleinere Arbeiten 1925–1930 [Zurique: TVZ Verlag, 1994], pág. 538.

[4] Karl Barth, Protestant Thought: From Rousseau to Ritschl [New York: Harper & Brothers Publishers, 1959], pág. 313.

[5] Sobre isso, se analisará em outro escrito, no qual se focará no legado de Schleiermacher enquanto professor universitário de teologia.

[6] Ibidem. Pág. 322.

[7] cf. Friedrich Schleiermacher, Sobre a Religião [São Paulo: Fonte Editorial, 2000], pág. 41-42.

[8] Sobre esta obra de Schleiermacher, consulte-se outra obra do autor, “Schleiermacher e o Estudo Teológico” (Ensaios de Teologia, n. 4), na qual o autor apresenta, de maneira geral, os princípios de Schleiermacher sobre o estudo teológico.

[9] Este princípio subjetivo que Schleiermacher propugna em sua análise, provêm, do princípio estabelecido por Calvino no início do “Institutio”; pois, Calvino apresenta que os dois modos de conhecer a Deus são: primeiro, através do conhecimento de Deus (princípio objetivo na análise teológica); segundo, através do conhecimento de nós mesmos (princípio subjetivo na análise teológica); embora o próprio Calvino não apresente uma regra específica, ele segue a partir do princípio objetivo, deixando assim espaço para o princípio subjetivo. O princípio subjetivo será elaborado de maneira magistral por Schleiermacher, em igualdade de grandeza com a análise de Calvino; todavia, com um problema, a obra de Schleiermacher é de difícil compreensão, devido aos ínvios caminhos de argumentação e as obscuras categorias romântico-idealistas que se utilizara. Por isso, existe uma dificuldade de compreensão da dogmática de Schleiermacher muito maior do que para compreender o “Institutio” de Calvino; Calvino é muito mais fácil de ser compreendido do que Schleiermacher, e o “Institutio” muito fácil de ser lido e entendido do que o “Glaubenslehre”; esta diferença de dificuldade também é elencada através de uma comparação, a qual, pode ser entendida, guardadas as devidas proporções, respectivamente, com a diferença de dificuldade entre compreender Tomás de Aquino e compreender Duns Scotus.

[10] cf. Friedrich Schleiermacher, Sämmtliche Werke II/4 [Berlin, 1835], pág. 838. 


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