14/08/2025

Explicação do aforismo de Goethe sobre o ato de tatuar o corpo

1. Vossa dileção, ao ler meu escrito “Breve Apologia Contra o Ato de Tatuar o Corpo”, dissera que não foi suficientemente explicado o aforismo de Goethe que fora utilizado; na verdade, para o propósito do escrito em si, a utilização do aforismo por si se explica, o que mostra a não-necessidade de tê-lo explicado de maneira mais detalhada.

Aliás, nem se precisa explicá-lo demasiado, posto ser uma sentença plenamente aforística, a qual explica-se a si mesma; além do que, explicar este aforismo em detalhes, demonstra de maneira ainda mais abrupta a irracionalidade do ato de tatuar o corpo.

Todavia, como vossa dileção me pedira para explicar em mais detalhes, atenderei o vosso pedido, fornecendo uma explicação ou nótula mais detalhada do aforismo de Goethe sobre o ato de tatuar o corpo.

2. Ora, quando Goethe afirma que “tatuar o corpo é um retorno ao animalismo”, ele o faz naqueles aforismos que dizem respeito a vida e ao caráter; ora, se tal aforismo, sendo uma exortação, está inserido neste contexto, então, pressupõe-se que aqueles que praticam o ato de tatuar o corpo, estão errados na vida e não possuem caráter; e isso é algo fortíssimo, vindo da pena de um homem que não era um moralista, o que faz tal asseveração se revestir de maior gravidade.

Por isso, aqueles que tatuam o corpo, não somente retornam ao animalismo, mas possuem defeitos no caráter, ou mais propriamente, se se tomar a linguagem prosaica, não possuem caráter; portanto, ao Goethe evocar ensinamentos e pressuposições racionais sobre a vida e o caráter, em função de explicar o que concerne sobre a vida e o que concerne sobre o caráter, com maestria pode evocar o que concerne ao caráter e o que concerne a falta de caráter.

Com isso, a gravidade do aforismo de Goethe, embasado na reta razão e um preceito de sabedoria extraído da luz interior, se mostra mais evidente, e as pressuposições evocadas no referido escrito se tornam ainda mais evidentes a partir desta explicação; o contexto onde Goethe expressa este aforismo, e tendo o feito a partir da experiência real, torna ainda mais preocupante e alarmante que se tenha instaurado a moda de tatuar o corpo.

E isso é ainda mais terrível, quando se observa que muitos que se dizem “cristãos” também estejam adentrando nesta prática, que sob a perspectiva da fé, se for feita por um “cristão” é evidência de apostasia, já que é rejeição deliberada e obstinada da própria fé.

3. Além disso, ao ter sido demonstrado (e provado) que o ato de tatuar o corpo é totalmente irracional, se comprova que tal ato está ligado ao caráter; pois, a formação do caráter se dá em ordem ao que é racional, ao passo que o que é irracional é evidência de falta de caráter.

Portanto, o entendimento de Goethe está corretíssimo a esse respeito, pois, sendo o ato de tatuar o corpo algo irracional, então não provém de um caráter bem formado, o que em si implica que o ato de tatuar o corpo é evidência de falta de caráter.

E isso, por sua vez, está em plena concórdia com o entendimento de como o caráter é formado, o que conduz ao entendimento do que concerne ao que é ter caráter e do que não é ter caráter.

Por isso, se constata que tudo o que é irracional perverte o caráter; ou mais propriamente, tudo o que é irracional, seja em doutrinas seja em ações, demonstra falta de caráter. Logo, como o ato de tatuar o corpo é algo irracional, então é demonstração de falta de caráter.

4. Deste modo, se estabelecem algumas sentenças básicas já que a irracionalidade calcifica a imoralidade no coração; pois, se se pratica algo irracional, e isto por si atesta falta de caráter, então, o coração não está formado para a moral, ou seja, está subserviente a imoralidade, e pior, será dominado pela imoralidade; por isso, todo ato irracional, além de demonstrar falta de caráter, demonstra a imoralidade que domina o coração, pois o intelecto só tende ao que é irracional porque o coração está dominado pelos tentáculos da imoralidade.

Aliás, coração dominado por imoralidade (imoralidade real, não imoralidade imaginária), na verdade é coração dominado pela luxúria; por isso, todo ato de imoralidade é um ato luxurioso. Ora, se um ato irracional é imoralidade, então, obviamente, um ato irracional é um ato luxurioso, isto é, é um ato que evidencia luxuria.

Portanto, tendo sido provado que o ato de tatuar o corpo é irracional, e por isso, é falta de caráter e imoralidade, também se constata que em primeira instância o ato de tatuar o corpo é luxuria; etc.

5. Assim sendo, e tendo feito esta breve explicação, se consegue entender o contexto do aforismo de Goethe, bem como se fornece uma nótula a mais ao que fora explicado na parte 1 desta breve apologia. Espero que esta nótula responda satisfatoriamente ao questionamento que vossa dileção houvera feito a respeito de uma explicação mais “específica” do aforismo de Goethe. 

θεῷ χάρις


11/08/2025

Breve Explicação sobre a Utilidade da Polêmica

1. A polêmica, isto é, o instrumento teorético para debates, diatribes e/ou disputas, tem grande utilidade; embora, não a polêmica pela polêmica; pois, a disputa pela verdade não pode ser feita com espírito de chicana; no entanto, em épocas onde a degeneração cultural atinge graus terríveis, se faz necessário reaver o espírito polêmico, a fim de testemunhar da verdade, contra todas as doutrinas e práticas que estão contra a verdade; e o espírito polêmico, neste sentido, vem imbuído com uma série de proposições, que para muitos que estão desapercebidos chega a parecer pedantismo.

Todavia, quando a verdade é solapada e vituperada, o espírito polêmico em prol da verdade deve ser evidente, ainda que isso gere críticas e acusações de pedância e arrogância; pois, o silêncio diante da vituperação da verdade é negar a própria verdade. Por isso, a polêmica em função da verdade e pela verdade sempre é correta, ainda que para isso se tenha que enfrentar uma hoste de soberbos mesmo que estes estejam mascarados sob os véus da religião.

2. Assim, a polêmica tem três utilidades: primeiro, repreender e redarguir; segundo, instruir na reta razão; terceiro, ensinar a verdade.

Primeiro, repreender e redarguir; ora, a polêmica é útil para repreender, isto é, corrigir do erro e mostrar o caminho da verdade, tanto no sentido moral quanto no sentido intelectual; além do que, a repreensão sincera de acordo com a verdade, se for exercida em quem a recebe, produz fruto de justiça, mesmo que no momento gere alguma tristeza (cf. Hb 12.11); além disso, a polêmica é útil para redarguir, isto é, para corrigir os desvios do caminho da verdade, seja na vontade seja no intelecto.

Segundo, instruir na reta razão; a polêmica também é útil para instruir na reta razão; pois, um dos maiores males que atingem o homem hodierno é o impedimento da razão, isto é, a falta de instrução na reta razão e a criação de práticas e/ou “hábitos” irracionais; a polêmica é útil para corrigir este mal que assola a vida humana, e ao corrigir este mal, instruir no caminho e nos preceitos da reta razão. 

Terceiro, ensinar a verdade; a polêmica é útil, ao repreender, redarguir e instruir, para ensinar a verdade, seja na própria repreensão seja em alguma forma de instrução; pois, sempre o ensino da verdade é útil e proveitoso; todavia, nem sempre o ensino da verdade advém com apenas lições ou algo similar, mas muitas vezes advém com a polêmica e pela polêmica, através da refutação dos erros contrários a verdade. Por isso, a polêmica é útil em todos os sentidos para ensinar a verdade e o que concerne a verdade.

3. Deste modo, a polêmica tem uma tríplice utilidade; todavia, se deve sempre ter o cuidado para que a polêmica não engendre o orgulho e a soberba; não é porque se defende a verdade, e que se deva fazê-lo com certa veemência em momentos da degeneração cultural, que isso coloca quem defende a verdade em estágios avançados da divinização; o caminho da piedade é a humildade, não o das polêmicas; no entanto, a piedade não impugna as polêmicas, embora se desenvolva melhor e de forma mais sóbria sem as polêmicas; no entanto, algumas vezes se faz necessário que homens piedosos tenham que palmilhar os penhascos escorregadios das polêmicas.

Pois, em certos contextos e em certas situações, mesmo os que palmilham o caminho da piedade, tenham de se defrontar com a polêmica, principalmente pela falta de homens preparados para defender a verdade no sentido racional; quando isto ocorre, o que se deve fazer é cada vez mais buscar o caminho da piedade, e crescer ainda mais em humildade através da Oração, para que que o excesso das polêmicas não torne o solo do coração um depósito de pedras que sufocam o agir da graça de Deus.

Por isso, a polêmica tem seu lugar; e, em épocas de graus terríveis degeneração cultural, se torna ainda mais necessária; mas, o espírito da polêmica jamais deve ser um espírito de chicana, conquanto deva ser sempre um espírito de alerta e vigilância, posto que os demônios atuam onde não há verdade, seja em relação a reta razão seja em relação a doutrina revelada; pois, onde não há verdade não há racionalidade; mais propriamente, onde não há verdade se tem o impedimento da razão; e Satanás é o artífice de tudo aquilo que gera o impedimento da razão. 

4. Portanto, para defender e ensinar a verdade, a polêmica tem grande utilidade; e o preceito aos fiéis é que defendam a fé que de uma vez por todas lhes foi outorgada (cf. Jd 1.3); em muitos aspectos, defender a fé também é defender a verdade, é defender a racionalidade; pois, a fé, em muitos casos, não é atacada propriamente em seu conteúdo revelacional, mas através de doutrinas e práticas irracionais.

A fé cristã, em tempos hodiernos, tem sofrido ataques, em sua maior parte, não por conta da doutrina revelada em si mesma, mas pela aceitação de práticas irracionais que são expressão inconcussa de obra demoníaca; os demônios, posto que não podem corromper a fé verdadeira, buscam incentivar práticas irracionais para impedirem que haja fé verdadeira; por isso, onde há prática irracional não há fé.

Assim, a defesa da fé começa pela defesa da reta razão e pela defesa da verdade; na verdade, a defesa da reta razão e a defesa da verdade é o mesmo que a defesa da fé; neste sentido, a polêmica é um instrumento assaz eficaz e sumamente necessário.

5. Com isso, se constata que a todos quantos o bondoso Deus outorgar sabedoria e entendimento para defender o Santo Evangelho (cf. Fp 1.16), estão imbuídos, com a mesma responsabilidade, de também defenderem a verdade, sempre com piedade e mansidão (cf. 1Pe 3.15), mas também, quando necessário, confrontando e argumentando contra os soberbos, já que é parte da fé não respeitar os soberbos (cf. Sl 40.4); por isso, contra os soberbos a polêmica é extremamente necessária.

Além disso, é necessário que também se afirme que aqueles que enveredam pelos caminhos da polêmica não podem ser soberbos ou insolentes; já que a insolência é evidência de vida sem virtude e de vida contra a verdade; e em tempos hodiernos se assomou tantos seres incautos para “defender a verdade”, que a própria verdade é por estes solapada; a verdade polêmica é feita por aqueles que vivem em virtude e na verdade, não por seres sem caráter, pedantes e luxuriosos que estão imbuídos do espírito de chicana.

Ora, se estes aspectos forem observados, certamente a polêmica verdadeira será valorada e os polemistas virtuosos e piedosos serão reconhecidos e melhor valorizados para a glória de Deus, pois, os que ensinam a justiça, seja de que forma for, resplandecerão como o fulgor do firmamento (cf. Dn 12.3); e isto é o que concerne aos verdadeiros polemistas. 

E estas breves palavras parecem ser suficientes por ora para evocar em que sentido a polêmica é útil à fé cristã. 

θεῷ χάρις


08/08/2025

Outras respostas sobre o ato de tatuar o corpo

1. Fiquei imensamente feliz ao saber que o exmo. senhor leu o texto que escrevi, “Breve Apologia Contra o Ato de Tatuar o Corpo”; e também fiquei satisfeito ao saber que o indicara a uma senhora e que ela também lera este texto; foi um texto escrito rápido dado a ter novamente visto muitos líderes religiosos insolentes declarando permissível um ato pecaminoso, e também posto que já havia uma grande necessidade de um escrito contra o ato de tatuar o corpo; e, agora que pude, responderei as indagações que o senhor, essa senhora e outros fizeram sobre as proposições evocadas.

2. No entanto, antes de evocar estas indagações, considero por bem apresentar um discreto juízo sobre este escrito, já que tal juízo é evidentíssimo; pois, ao que parece alguns leitores não sabem sequer ler e/ou entender o que concerne a um texto escrito; pois, como o senhor deve ter percebido é um texto simples, mas apodítico, e as proposições apresentadas são em si mesmas irrefutáveis, posto estarem em ordem a reta razão; e isso sequer precisa de resposta e/ou argumentação além das proposições estabelecidas na parte 1 desta breve apologia; portanto, as indagações que surgiram além das que estão na parte 3, são expressão daqueles que tendo a inteligência destruída “raciocinam” através da vontade de poder da ideologia dominante (comunismo); e isso em si mesmo não é raciocínio, mas emburrecimento programado.

3. Além disso, alguns dos “ilustres” leitores, esbravejaram e falaram que esta breve apologia é uma porcaria, é lixo, que não vale nada e coisas semelhantes; e é estranho tal juízo de valor sobre este escrito; pois, se não conseguiram contradizer nenhuma das premissas que foram escritas, como é que querem falar que esta breve apologia é uma porcaria, etc.; ora, se falam que este texto é uma porcaria, é lixo, que não vale nada, etc., sem terem refutado as proposições nele evocadas, então, quem é porcaria, lixo e não vale nada, etc., são os que assim definiram esta breve apologia.

Aliás, a rejeição a condenação (através desta apologia) de uma prática que obviamente é pecaminosa, causou revolta tanto nos luxuriosos que passaram a permitir tal prática e que levaram milhares (senão milhões!) a pecarem soberbamente contra o corpo, quanto causou ebulição nos soberbos que praticam tal ato e ainda escarnecem quando são repreendidos; e lembrando o que diz o Apóstolo em 1Co 3.16-17, certamente, os “cristãos” e os líderes religiosos apoiadores do ato de tatuar o corpo e/ou que praticam tal ato, são na verdade artífices da destruição do templo de Deus.

4. Ora, tendo dito isso, posso evocar as indagações que foram feitas:

(1) O texto bíblico não diz que é proibido o ato de tatuar o corpo, pois o texto bíblico não utiliza o termo tatuagem ou correlatos.

(2) A fé é o que está na Bíblia; e, como a Bíblia não proíbe o ato de tatuar o corpo, então não é pecado.

(3) Alguém não deixa de ser cristão porque tatuou o corpo; por isso, falar que isso é pecado é religiosidade.

(4) A contrariedade o ato de tatuar o corpo é somente elucubração racional; prefiro ficar somente com a Bíblia; por isso, entendo não ser proibido o ato de tatuar o corpo.

Portanto, sendo essas as indagações, respondê-las-ei uma a uma.

5. [ad 1] Ora, apesar da Sagrada Escritura não utilizar diretamente o termo tatuagem, tatuar, ou correlatos direitos, a mesma fala sobre o assunto; não utiliza deste termo, pois este termo é mais moderno; assim, se a Sagrada Escritura não utiliza determinado termo, não significa necessariamente que não trate do assunto que este termo se refere, especialmente se forem palavras mais modernas; e isso não tolhe a inerrância da Sagrada Escritura. Portanto, como o texto bíblico proíbe o ato de tatuar o corpo, apesar de não utilizar do termo tatuagem, então, o ato de tatuar o corpo é pecado.

Além disso, incorre em sofisma de princípio quem arrola que a Sagrada Escritura não fala de algo apenas pelo fato de na Sagrada Escritura não se utilizar o termo que está na moda para designar este algo. Aliás, querer dizer o que a Sagrada Escritura diz ou não de acordo com os princípios do que está na moda ou não é querer colocar a fé de acordo com a vontade pecaminosa de cada um; e isto é luxuria e soberba.

6. [ad 2] A fé verdadeira é a que está embasada na Sagrada Escritura, pois quem segue o que a Escritura ensina não erra (cf. Sl 119.1-3, 9, 11); no entanto, a Sagrada Escritura é ao mesmo tempo um livro antigo e novo; antigo, porque foi escrito desde tempos antigos, e novo porque é um texto vivo, inerrante e infalível, e por isso é sempre atualíssimo; entretanto, existem termos mais modernos que não eram comuns nos tempos bíblicos; todavia, que se saiba que o texto bíblico trata de todos os assuntos humanos, embora com linguagem diferente dos linguajares dos tempos hodiernos; por isso, se um termo não está deliberadamente na Escritura, não significa que a Escritura permita ou proíba o que este termo significa e se refere.

Por exemplo, a Escritura não se utiliza originalmente o termo casamento em muitos dos textos mais antigos – tal como o do Gênesis -, entretanto incentiva e valora o casamento de maneira perfeita, apenas com termos que eram comuns na cultura antiga (na cultura antiga era costume falar se tornar os dois uma só carne para significar o casamento [cf. Gn 2.24]); e outro exemplo, a Escritura não se utiliza originalmente do termo tatuagem, mas o texto sagrado proíbe o ato de tatuar o corpo (que na cultura antiga era descrito como fazer marcas ou pinturas permanentes em si [cf. Lv 19.28]); etc.

Portanto, é parte da fé obedecer o que a Sagrada Escritura ordena que se pratique, bem como é parte da fé não praticar o que a Sagrada proíbe que se pratique. Por isso, quem não segue este parâmetro, estabelecido na própria Escritura, não está em conformidade com a fé verdadeira; e quem não está nesta conformidade não participa da fé verdadeira.

7. [ad 3] Ora, sendo a fé verdadeira a que está em conformidade com o que é transmitido na Sagrada Escritura, então quem peca deliberadamente contra os ensinamentos bíblicos não é da fé, isto é, não é cristão; por isso, alguém deixa de ser cristão se peca deliberadamente contra a fé, seja agindo contra a moral revelada seja agindo contra a reta razão; portanto, falar que alguém que se diz “cristão”, mas que tatua o corpo não é cristão, não é religiosidade, mas apenas testemunhar da verdade, o que convém a todo aquele que diz que tem fé, pois a fé verdadeira deve ser demonstrada com as boas obras, isto é, na prática da verdade e na fé vivida integralmente, já que do contrário tal fé é pior do que a fé dos demônios (cf. Tg 2.18-19).

8. [ad 4] Ora, mesmo que a contrariedade ao ato de tatuar o corpo tenha sido evocada, nesta breve apologia, primordialmente a partir de uma elucubração racional, ao se mostrar que tal ato é irracional, se consegue compreender que tal ato é contra a fé; e aceitar o juízo da razão naquilo que a reta razão pode conhecer da verdade não impugna a fé, antes a dignifica; pois, sendo Cristo o Logos (cf. Jo 1.1), então tudo o que é racional convém a fé, e tudo o que é irracional é contrário a fé.

Portanto, querer arrolar a autoridade da Escritura onde se tem a comprovação e a demonstração de irracionalidade é vituperar a própria autoridade da Escritura; aliás, quem pratica um ato irracional não tem moral e nem virtude para querer evocar a autoridade da Sagrada Escritura seja em qual assunto for.

Pois, sendo o ato de tatuar o corpo algo irracional, então é parte da fé a rejeição deste ato, já que a autoridade da Sagrada Escritura não é contra o que é racional, ao mesmo tempo em que é contra o que é irracional; portanto, ser racional também é ser bíblico e ser bíblico é ser racional, ao passo que ser irracional é ser anti-bíblico.

9. Deste modo, estas breves respostas são suficientes para responder vossas indagações, as quais em parte já estavam respondidas e explicadas na breve apologia que vós lestes; assim, espero que tais respostas os encontrem bem, e oro ao bondoso Deus que a verdade transpareça em vossas mentes e corações a fim de que não sejam confundidos por doutrinas de demônios, muitas das quais advém com aparência de piedade e com a permissividade de práticas luxuriosas (cf. 2Tm 3.5).

θεῷ χάρις


01/08/2025

Breve Comentário a Isagoge de Porfírio

Prefácio.

A Isagoge de Porfírio é uma obra clássica da filosofia; usada por muitos como introdução a lógica, como introdução as Categorias, como aporte a reflexão sobre os universais, etc.; comentou-se e elucubrou-se sobre os preceitos de Porfírio nesta epístola que ele escreveu a seu aluno Crisoário; todavia, também não foram poucos os problemas que emergiram desta obra, principalmente pela falta de compreensão sobre a distinção entre o que concerne ao lógico e o que concerne ao metafísico na elucubração sobre os universais.

Por isso, após se ter feito um breve comentário as Categorias de Aristóteles, se deve, necessariamente, prosseguir para um comentário menor a Isagoge; pois, a Isagoge emerge de um problema em relação as coisas predicamentais, isto é, a partir do cap. II das Categorias; assim, se faz um breve comentário a fim de apresentar este texto de Porfírio, seguindo o exemplo do Comentador que também fizera um comentário menor a este livro.

Com isso, ao se apresentar este comentário menor a Isagoge se procurará aclarar que ainda que as coisas predicamentais tenham imbuído nas entrelinhas preceitos ontológicos, versa sobre lógica e não sobre metafísica; Porfírio apresenta a reflexão sobre os universais neste escrito como um lógico e não como um metafísico; e que isso fique bem claro a todos os que buscam estudar e compreender a Isagoge; esta icônica introdução as cinco vozes é uma obra de lógica e não uma obra de ontologia; nesta obra, sobressai o Porfírio aristotélico e não o Porfírio neoplatônico; em lógica, Porfírio é aristotélico, no restante é neoplatônico.

Portanto, tendo isto em mente se pode adentrar ao estudo e a análise desta obra de Porfírio, certos de que a profundidade e a maestria deste que, no dizer de Santo Agostinho, é o mais erudito dos filósofos, não deixará de surpreender; pois, o estudo sobre a Isagoge, mesmo após 17 séculos de ter sido escrita, nunca deixa de ser salutar e benéfico àqueles que, movidos pela estudiosidade, buscam se colocar na senda da sabedoria. Pois, o estudo da Isagoge é parte do que concerne ao preâmbulo do estudo da sabedoria.

Assim, eis este breve comentário a Isagoge de Porfírio, a fim de apresentar este texto com o propósito de torná-lo mais acessível e mais bem aproveitável a todos aqueles que buscam compreender as ínvias possibilidades que emergem da ciência dos predicamentos. Pois, a Isagoge, especificamente, é um complemento necessário a um problema predicamental, e, por esta razão, deve ser sempre tomada em conjunto com a leitura e o estudo do livro das Categorias e seus complementos.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

Julho de 2025.

 

Prólogo.

1. A Isagoge de Porfírio, segundo Alfarábi, tem por propósito enumerar aquelas coisas de que se compõem e em que se dividem as proposições[1]; ora, as proposições, isto é, as coisas ditas com significado, ou são coisas complexas ou são incomplexas; no caso analisado por Porfírio na Isagoge, refere-se as coisas incomplexas.

Por isso, as coisas não-combinadas, se compõem e se dividem de acordo com o modo como as proposições estão, isto é, de acordo com o que as proposições evidenciam do ato predicatório: se está ou não em um sujeito, ou se foi dito ou não de um sujeito.

2. Portanto, a partir do ato predicatório, ao se demonstrar a percepção da predicação, se extraem as cinco vozes do segundo dos anti-predicamentos; ora, as vozes do primeiro dos anti-predicamentos, dizem respeito ao ato predicatório; e as vozes do segundo dos anti-predicamentos, dizem respeito a demonstração da percepção da predicação.

Assim sendo, ao Porfírio analisar a diferença entre categorias e categoremas, ou entre os predicamentos e os predicáveis, evoca as cinco vozes para designar esta diferença, já que a mesma se estabelece a partir da existencialidade do sujeito (e esta distinção também se estabelece a partir do sujeito).

Com isso, as cinco vozes são um aporte não só para o entendimento das coisas predicamentais, mas também para o entendimento sobre “o que é” do algo que fora predicamentado.

§ 1. A Natureza da Isagoge.

3. Deste modo, na Isagoge se tem a análise dos categoremas ou predicáveis; por isso, são cinco vozes, dado que as categorias ou predicamentos são dez; ora, os categoremas, são tomados a partir dos conceitos tidos como supremos; no entanto, Porfírio os evoca de modo distinto do que o Filósofo; pois, o Filósofo, no livro I dos Tópicos, evoca quatro predicáveis: definição, próprio, gênero e acidente (cf. Top. 101b11-36); mas, por sua vez, Porfírio evoca os predicáveis quanto a ciência dos predicamentos e não quanto a ciência do silogismo, e assim evoca cinco predicáveis: gênero, espécie, diferença, próprio e acidente.

Ora, esta simples distinção demonstra que os predicáveis da Isagoge estão em ordem quanto aos aspectos da primeira operação do intelecto, enquanto que os predicáveis dos Tópicos estão em ordem quanto aos aspectos da terceira operação do intelecto. E esta distinção é fundamental, dado que nos Tópicos os predicáveis são tomados como “sistemas” de predicação[2], enquanto que na Isagoge são puramente tidos como predicáveis dado as coisas predicamentais.

4. Por isso, ao evocar as cinco vozes de acordo com a linha de raciocínio das Categorias, Porfírio proporciona uma excelente introdução a um problema lógico-filosófico fundamental, a saber, sobre os universais enquanto elucubrados pelo lógico; não como preceitos ontológicos, mas como realidades lógicas; ora, neste sentido, as cinco vozes formam uma ordenação fundamental para a ordem dos predicamentos, posto que, em sua inerência, as cinco vozes se concatenam e evidenciam aspectos sobre a essência dos entes, bem como demonstram o modo como os entes estão na ordem da realidade.

5. Assim, a compreensão sobre a Isagoge inere estes e outros aspectos; ora, a correta elucubração sobre os predicáveis é fundamental para as definições quanto a divisão e a demonstração, tal como o próprio Porfírio afirma: “e visto que tal conhecimento é igualmente necessário para fornecer definições em relação a tudo que diz respeito à divisão e à demonstração[3]; logo, tanto a divisão quanto a demonstração, dizem respeito aos predicamentos.

6. Por isso, o Expositor diz que a definição se refere a simples intelecção e a demonstração ao compor e ao dividir (cf. In De An., I, 8, n. 13); portanto, o conhecimento dos predicáveis abaliza o que concerne as definições, a simples intelecção, bem como abaliza o que advêm após, a saber, a demonstração, o compor e o dividir.

Logo, o conhecimento dos predicáveis abaliza o que concerne a primeira operação do intelecto, e pontifica o entendimento para o que concerne a segunda operação do intelecto; pois, pela divisão predicamental se chega ao conhecimento dos predicáveis e dos predicamentos, os quais, ao serem predicamentados são demonstrados num enunciado.

Portanto, a Isagoge se estabelece em conformidade com as definições, ao mesmo tempo em que abaliza vários aspectos do que concerne a demonstração.

§ 2. A Razão dos Universais.

7. Ora, o primeiro e mais fundamental aspecto que a Isagoge evoca é sobre a razão dos universais na lógica; e posto que os chamados cinco predicáveis se dão nas coisas predicamentais, então, os universais só são compreendidos de quando da demonstração da percepção da predicação; por isso, para Alfarábi, na Isagoge, universal é aquilo cuja natureza é tal que por ele dois ou mais se assemelham[4]; portanto, os universais estão presentes nos entes de quando estes são predicamentados, demonstrando algo sobre o modo como os entes estão na ordem da realidade, já que não se conhece um ente apenas por si mesmo, mas sempre em alguma relação.

E, com isso, os universais estão em ordem as definições, posto que, quando um ente é predicado, é predicado de um modo, e ao ser demonstrado, é demonstrado através do sujeito, donde se infere em qual dos predicáveis se encontra. Por isso, a predicação primeiro se orienta ao modo de predicar; depois ao modo de definir; depois ao modo de se dividir; e, por fim, ao modo de se distinguir.

Deste modo, é próprio dos universais o estarem em ordem aos dois últimos aspectos, dado que um universal, na lógica, só é aferido como universal a partir de quando é predicamentado.

8. E, na verdade, a razão de Porfírio ao escrever a Isagoge é justamente demonstrar isso; por isso, Porfírio, em suma, faz três coisas na Isagoge: primeiro, esclarece sua intenção no proêmio; segundo, dá uma definição geral de cada uma das cinco vozes (I-V); terceiro, evoca as características comuns e as diferenças entre cada uma das cinco vozes (VI-XXVI).

Ora, esta tríplice divisão da Isagoge é fundamental para se compreender a razão dos universais na lógica, posto que a divisão geral deste escrito de Porfírio é a divisão adequada à compreensão e para o estudo das cinco vozes.

Por isso, se deve primeiro analisar o que concerne a cada uma das cinco vozes, e depois, prosseguir para analisar aquilo que os comentaristas antigos intitularam sobre o que convém e o que desconvém as cinco vozes.

9. Ora, a razão dos universais na lógica está descrita por Porfírio no proêmio (n. 2), a qual, evidentemente, se demonstra de três modos: primeiro, na correta acepção da relação entre as realidades subsistentes em si mesmas e os conceitos mentais que as representam; pois, as realidades, aqui com significação de entes, se subdivide em dois grupos: aqueles que são subsistentes por si mesmos e aqueles que não são; ora, os que são subsistentes por si mesmos, geralmente são tidos como entes substanciais; e os que não são subsistentes por si mesmos, geralmente são tidos como entes acidentais.

Mas, em se tratando dos universais, a significação dos mesmos está nos entes que são subsistentes por si mesmos, bem como nos conceitos que representam estes entes, e ainda mesmo em gérmens nos entes acidentais a partir do no que estes participam nos entes substanciais; assim, os universais se demonstram tanto a partir do referente quanto a partir do significado dos entes, e são representados, em muitas das vezes, através do signo dos entes.

No entanto, em relação a isso, se afirma estas pressuposições quanto ao ato predicatório, posto que os entes subsistentes por si ao serem predicados evidenciam o modo como são subsistentes, isto é, em como participam no Ser, bem como evidenciam o modo como são entendidos, a saber, através das definições.

Ora, as definições competem a simples intelecção; deste modo, estão em ordem a elucubração que está imbuída nas coisas predicamentais, e, por esta razão, são uma forma de se compreender os universais; logo, os universais também são entendidos a partir das definições, embora não se resumam apenas as simples definições.

10. Segundo, na correta compreensão se estas realidades são corpóreas ou incorpóreas; ora, se se compreende adequadamente que os universais não apenas são entendidos a partir das realidades subsistentes, mas também a partir das definições destas realidades, então, a partir das mesmas, se pode adequar uma correta compreensão se estas realidades são corpóreas ou incorpóreas; e, com isso, se compreende a ordem de eminência dos entes na realidade; entretanto, ao se averiguar se estas realidades são corpóreas ou incorpóreas, se aclara o entendimento sobre a natureza dos universais; no caso aqui, tem mais a ver com o modo de se exprimir os universais do que com a própria natureza dos entes.

Por isso, a corporeidade ou a incorporeidade dos universais não diz respeito propriamente a matéria, embora em segunda instância se refira a matéria, mas diz respeito ao modo como se exprime os universais, ou naquilo que os estóicos chamavam de “conteúdo do pensamento”. Portanto, o “conteúdo do pensamento” deve ser entendido de acordo com as operações do intelecto, e não de acordo com ideia platônica; e, embora esta expressão também não esteja de acordo com o conceito mental aristotélico, se pode dissolver esta aporia estóica ao se compreender que verdadeiramente o “conteúdo do pensamento” deve ser tomado como conceito mental, dado que os entes predicados são expressos primeiro em conceitos mentais, depois em conceitos verbais.

Logo, é clarividente a razão da distinção a respeito dos entes subsistentes por si mesmos se são corpóreos ou incorpóreos, não somente em relação do modo da existência dos entes, mas também pelo modo como são exprimidos. Os universais, evidentemente, são abstraídos a partir dos entes, mas são conhecidos a partir do como os entes são exprimidos, embora nem sempre, pelas limitações do intelecto, seja possível entender um universal pela forma como o ente é exprimido.

Com isso, como alguns entes são corpóreos e outros são incorpóreos, se deve compreender a ordem de eminência dos entes na realidade, e se aperceber, de acordo ou com a corporeidade ou com a incorporeidade, se os universais estão nos entes substancialmente ou se apenas acidentalmente; pois, os entes existentes tem sempre algo dos universais, embora não na mesma ordem de participação.

Por isso, se estão substancialmente, então, necessariamente se pode afirmar sobre os universais; se estão acidentalmente, então, necessariamente se pode afirmar sobre os segundos princípios; etc.

11. Terceiro, na correta compreensão se estas realidades são separadas ou se existem nas coisas sensíveis e se destas dependem; ora, ao se compreender se estas realidades são corpóreas ou incorpóreas, então, obviamente, se deve prosseguir e compreender se estas realidades são separadas ou se existem nas coisas; se forem realidades separadas, se deve compreender se são substâncias separadas ou acidentes separados; e se existem na coisas sensíveis, então, se deve compreender se dependem destas coisas ou se não dependem destas coisas; pois, se são realidades separadas, então, obviamente, se deve distinguir se são realidades materiais ou imateriais, como por exemplo, a luz (realidade material, embora não materiada) e os anjos (realidades imateriais).

E ainda, se deve distinguir se essas realidades existem nas coisas sensíveis; pois, as coisas sensíveis, são as que estão mais próximas de serem captadas na simples intelecção, já que o conhecimento tem o ponto de partida através da experiência sensível; logo, se estão nas coisas sensíveis, destas dependem apenas em função da intelecção, e não na ordem de eminência; certamente, em algum grau da ordem de dependência; mas, em suma, se dependem das coisas sensíveis, como fora dito, é em função da intelecção, pois, na verdade, as coisas sensíveis existem para serem abstraídas, e só o são efetivamente aferidas na predicação primeira com os universais.

Pois, os universais só são expressos como universais posto que os entes participam nos transcendentais; na verdade, os universais estão em ordem aos transcendentais; enquanto os transcendentais atestam a natureza ontológica dos entes, os universais atestam esta natureza de acordo com a realidade natural; os transcendentais dado que as coisas participam no Sumo Bem, e os universais dado que as coisas existentes são algum bem já que participam no Primeiro Bem.

Por isso, a investigação inicial sobre os transcendentais está em ordem a metafísica, enquanto que a investigação inicial sobre os universais está em ordem a lógica; no entanto, a partir da investigação sobre os universais na lógica se abaliza a investigação sobre os transcendentais, e a elucubração sobre os transcendentais reclama a elucubração sobre os universais; etc.

12. Deste modo, a razão dos universais na lógica está em ordem a este tríplice preceito, o qual, por sua vez, é inerido a partir da própria proposição de Porfírio no proêmio da Isagoge; e estas, em suma, são as possibilidades evocadas neste proêmio, a qual não somente abaliza a explicação sobre as cinco vozes, e, por consequência, sobre o que convém e o que desconvém as cinco vozes, mas à própria elucubração sobre os universais.

Por isso, no que concerne aos universais se deve seguir estas diretivas, abalizadas a partir dos preceitos do proêmio da Isagoge, tanto no que concerne a elucubração sobre os universais na lógica, quanto no que concerne a própria significação das cinco vozes em relação aos predicamentos.

Portanto, o proêmio da Isagoge não somente abaliza o que concerne a própria significação das cinco vozes, mas prescreve a própria estrutura da investigação a respeito dos universais, seja propriamente na lógica, ou posteriormente na ontologia geral.

§ 3. As Propriedades dos Universais.

13. Ora, o que convém e o que desconvém as cinco vozes está em ordem as propriedades das operações do intelecto; pois, os universais são dispostos logicamente a partir das operações do intelecto, já que estas se coadunam com a própria ordem ontológica da realidade; por isso, ao intelecto abstrair algo da realidade, tal abstração encontra similitude com a ordem da realidade, não somente pelas definições conceituais (significado em nome de algo na realidade), mas por causa de que as definições conceituais são uma forma, parcial ou não, de se demonstrar as definições reais (a essência da coisa), embora, dado a limitação do intelecto, isso seja feito de modo fragmentário e parcial.

14. Portanto, as cinco vozes são entendidas nesta perspectiva, e assim o que convém e o que desconvém as mesmas também é delineado nesta perspectiva; todavia, ao se analisar as propriedades das cinco vozes, se deve distinguir entre as propriedades essenciais e as propriedades acidentais; as propriedades essenciais são aquelas que são delineadas na própria coisa independente se se a abstrai ou não, isto é, são intrínsecas a coisa; e as propriedades acidentais são aquelas que são delineadas na coisa não somente a partir de si, mas a partir dos acidentes que permeiam a própria coisa, isto é, não é intrínseca a coisa, mas por alguma razão passam a fazer parte da coisa a partir de seu modo de existência.

Por isso, a universalidade das cinco vozes é entendida a partir do fato de que as cinco vozes se predicam de muitas coisas (cf. Isag., VI, 1); portanto, a multiplicidade das coisas e dos seres atesta a universalidade das cinco vozes, tanto em relação a própria significação, quanto em relação a própria ordem de eminência e de dependência da estrutura ontológica da realidade; por esta razão, as cinco vozes são chamadas de universais; com isso, se entende que os universais são definidos assim, posto que constituem-se de algo que açambarca a compreensão de como os seres e as coisas são e estão na ordem da realidade, seja na ordem de eminência seja na ordem de dependência; etc.

15. Deste modo, há de se aclarar em ordem o que convém e o que desconvém as cinco vozes: primeiro, o que convém e o que desconvém ao gênero; segundo, o que convém e o que desconvém a espécie; terceiro, o que convém e o que desconvém a diferença; quarto, o que convém e o que desconvém ao próprio; quinto, o que convém e o que desconvém ao acidente.

Ora, no que convém tem algo de univocidade, e no que desconvém tem algo de equivocidade, seja dialeticamente em relação a univocidade, seja dialogicamente em relação a univocidade, podendo com isso dar origem a algo cognominado - e este, por sua vez, pode ser disposto no que convém e desconvém ao mesmo tempo a uma ou mais vozes.

16. Assim, se consegue ter um panorama geral das propriedades das cinco vozes, tanto no que convém quanto no que desconvém as cinco vozes; pois, as propriedades dos universais, em relação a lógica, estão dialogicamente ligadas ao próprio modo de abstração, não no que este tem de subjetivo, mas em sua objetividade inerente; portanto, as propriedades dos universais são lógicas por si mesmas, isto é, tem uma natureza universal e tem uma estrutura que atina ao próprio modo do intelecto funcionar, pois do contrário o intelecto não as conseguiria abstrair.

Por isso, as cinco vozes, universalmente, são dispostas deste modo e com estes princípios; e toda elucubração sobre os universais, em se tratando da lógica, deve ter por parâmetro as perspectivas que foram evocadas; e isso não livra a lógica do problema dos universais, mas abaliza esta elucubração dentro de princípios adequados para tal finalidade, adequalizando a elucubração sobre os universais na lógica, o que antecede a elucubração sobre os universais na ontologia geral.

Com isso, se for seguida esta adequalização, certamente se livrará a maior parte dos problemas que tem tomado conta desta elucubração desde a baixa escolástica. Este breve comentário não soluciona estes problemas, mas dispõe o que concerne para que este tema seja elucubrado com sobriedade e ordem no âmbito do instrumento das disciplinas filosóficas; em suma, este é o propósito deste breve comentário.

17. E termina aqui este breve comentário a Isagoge de Porfírio. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 



[1] cf. Alfarábi, Exposición de la Isagogé de Porfirio, prol.

[2] Sistemas no sentido de formas predicatórias abalizadas e abalizadoras em relação a um entendimento mais completo da ciência do raciocínio.

[3] Porfírio, Isagoge - Introdução às Categorias de Aristóteles [São Paulo: Attar, 2002], proem., n. 1, pág. 35.

[4] cf. Alfarábi, Op. Cit., prol. 


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