13/05/2025

Elogio Fúnebre a um Diletíssimo Pastor

Ao evocar este elogio, quase em forma de prédica, a um diletíssimo pastor dado o seu passamento, se nos surge a indagação: se será o evangelho que nos será pregado ou se o evangelho se há de se pregar a nós; no entanto, diante deste momento, e sob a mui grande honra do diletíssimo pastor, o caminho é outro do que o costume estabelecera, o qual sempre está imbuído nestes dois sentidos; por isso, nem o evangelho nos será pregado e nem o evangelho se há de se pregar a nós, mas algo além: a vida, o exemplo e o testemunho do diletíssimo pastor é que se nos há de pregar.

A Escritura nos ensina: “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18); querido irmão, tu chegaste ao seu dia perfeito, tu chegaste ao encontro do Senhor; e isso, a uma, nos traz dois sentimentos: primeiro, a profunda tristeza, pela perda de um querido amigo e servo de Deus; segundo, o consolo esperançoso, pois estás nas mãos benditas e benfazejas de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

A vossa vida, querido irmão, longe dos muitos holofotes, mas foi um grande holofote para espargir a luz de Cristo; sua vida, prezado pastor, fora confirmada pelo Senhor; e sobre ti se evoca, de maneira justa e honrada, o dito do salmista: “Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor, e ele deleita-se no seu caminho. Ainda que caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão” (Sl 37.23-24).

E este é o texto sagrado que certamente melhor nos exemplifica sua vida; sua vida foi um pregão que confirma este texto e o dignifica para a glória de Deus.

Querido irmão, vós fostes um “homem bom”; a bondade, a misericórdia e a verdade foram características marcantes de sua vida e obra; foram os pilares de seu ministério; e sua carreira pastoral, desde ainda como diácono, pois mesmo sendo um diácono com o coração já era um exímio pastor, é um testemunho da bondade de Deus. Poucos foram tão bons, poucos foram bons, mas entre estes poucos se pode colocar o vosso testemunho: tu foste tão bom, ao mesmo tempo em que permaneceste bom. A bondade de Deus transpareceu de forma límpida e grandiosa em vossa vida.

Além disso, querido pastor, vós fostes “confirmado pelo Senhor”; sua vida foi um exemplo da confirmação de Deus; seu ministério foi aprovado pelo Senhor, e sobre vós repousa a bendita esperança que o Senhor Jesus nos ensinara: “Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mt 25.21); vós fostes confirmado pelo Senhor, ao pregar o evangelho e ao evangelho ser pregado a partir de sua vida, e quantas almas foram alcançadas, quantos fiéis foram consolados, quantas vidas abençoadas; e as Igrejas de Deus foram por suas palavras e exemplo, consoladas e fortificadas na fé. A confirmação de Deus foi o selo de seu ministério pastoral.

Ademais, querido pastor, vós fostes “sustentado pela mão de Deus”; sua provação, suas dores, sua doença, não somente foram para ti uma vicissitude, mas espargiram, a partir de ti, o bom perfume de Cristo; o que poderia ser dito de sua provação? Ah! Tantas palavras; mas, nos revolve a mente as palavras do Apóstolo: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm 8.28); estas palavras se confirmaram em vossa vida; e sabemos que todas as coisas, mesmo as lutas renhidas, contribuíram para a glória de Deus; em meio a vossa provação querido pastor, fizeste coisas grandiosas sob a mão de Deus; fostes sustentado e guardado por Deus; sua vida foi uma prova visível que Deus cuida e protege os seus; sua vida foi uma confirmação, a nós, da sentença do evangelho: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las das mãos de meu Pai” (Jo 10.27-29).

Estas são, querido pastor, apenas algumas palavras que são pronunciadas em vossa memória; ainda muitas outras poderiam ser ditas; mas, a vossa vida e o vosso testemunho, nos falam mais que os mais belos discursos; pois, onde as palavras não podem ir, o exemplo sempre alcança; onde as palavras faltam, o exemplo fala mais alto e com mais impressionantes palavras do que o discurso; como o Dr. Albert Schweitzer afirmara: “Dar exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única”.

E, por fim, gostaria de tecer-lhe um elogio pessoal; quem diria querido pastor, que as vossas aulas dominicais, serviriam para ensinar e conduzir pelo exemplo uma criança, a qual, cerca de uma década depois, estaria ensinando a Palavra de Deus; e, de acordo com o vosso exemplo, pude fazer uma série de exposições, em estilo diverso, no estilo do lendário aquinate; entretanto, posso afirmar, com certeza absoluta, que só fiz estas preleções, conduzido pelo Espírito Santo, dado o vosso exemplo; por isto, e por tantas outras coisas, rendo graças a Deus pela vossa vida e pelo vosso ministério.

Deste modo, ao concluir este breve elogio, podemos, ainda que com poucas palavras, contemplar que vossa vida e exemplo, se nos pregam mais do que as palavras de qualquer pregador, mesmo se fossem as do maior dos pregadores; querido irmão, querido pastor Marcos, sua vida, neste momento lúgubre, se nos prega ainda mais; a memória de um servo fiel sempre é um eloquentíssimo sermão.

Com isso, sob a morte, diante da qual não há sabedoria, nem ciência, nem discurso (cf. Ec 9.10), temos a bendita esperança do céu, da vida eterna, e cremos que do mesmo modo como morremos, uma dia haveremos de ressuscitar; que isto que é corruptível, um dia se há de revestir da incorruptibilidade (cf. 1Co 15.53); e felizes são aqueles que morrem no Senhor, como diz a voz do céu: “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam” (Ap 14.13).

Certos destas palavras, rogo que Deus conforte a família enlutada, que console os amigos entristecidos, e que dê ânimo à Igreja que perde seu pastor, e que o Senhor da Glória suscite homens e mulheres fiéis a Ele como fora este diletíssimo pastor. 

Requiem aeternam dona eis, 

Domine, et luz perpetua luceat eis


10/05/2025

Os Dois Princípios Gerais do Desenvolvimento Teológico

O desenvolvimento da teologia inicia-se logo após a morte dos apóstolos, mais propriamente após a morte do apóstolo João, principalmente através do testemunho e dos escritos dos discípulos dos apóstolos, tais como Policarpo, Inácio, Clemente, entre outros.

E, neste desenvolvimento, logo no início, acoplam-se dois princípios, que permeiam toda a história da cristandade posterior, e que continuarão a permeá-la até o fim dos tempos.

Ora, o primeiro destes princípios é o que pode ser chamado de princípio grego, na cristandade que surge no mundo grego; e o outro, é o que pode ser chamado de princípio latino, na cristandade que surge no mundo latino.

O princípio grego surge em um mundo refinado; a Igreja que surge, se desenvolve e se estabelece no mundo grego, é a cristandade que se defronta com um mundo culturalmente refinado; enquanto que o princípio latino surge em mundo que emerge da barbárie; e a Igreja que surge, se desenvolve e se estabelece no mundo latino, é a cristandade que se defronta com um mundo culturalmente bárbaro.

E, isto, obviamente, influencia plenamente o desenvolvimento da cristandade, a partir do que se tem tanto a cristandade latina ou ocidental e a cristandade grega ou oriental; e, respectivamente, teologia latina e teologia grega.

Outrossim, é que a teologia grega permanece sendo uma teologia que tem diante de si a dialógica de uma cultura refinada, enquanto que a teologia latina permanece sendo uma teologia que tem diante de si a tensão de uma cultura bárbara; e isto também se comprova pelos pressupostos constituintes destes dois princípios; pois, a teologia grega se estabelece a partir da obra de vários teólogos (cf. PG 1-2, 5-6, etc.), enquanto que a teologia latina se estabelece e confirma a partir da obra de Tertuliano (cf. PL 1-2), que fundamentalmente é uma obra que é talhada em resposta a barbárie que assola os fiéis (os tópicos comuns da teologia de Tertuliano, e as resoluções que ele estabelece, demonstram isso).

Deste modo, se compreende que a teologia grega surge e se estabelece com preocupações e pressuposições distintas das da teologia latina, tanto devido ao contexto quanto devido aos princípios intelectuais da cultura da qual emergem e na qual se desenvolverão.

Ora, a teologia grega, por ter surgido em um mundo refinado, não terá preocupação quanto a precisão, não terá preocupação quanto a uma maior influência na cultura e não terá problemas com ambiguidades; no entanto, a teologia latina, por ter surgido em mundo que emerge da barbárie, terá preocupação com a precisão, com uma maior influência na cultura e terá problemas com as ambiguidades. Por exemplo, na teologia grega a cultura não é enxergada como “campo de batalha”, mas como lugar natural de desenvolvimento intelectual; entretanto, na teologia latina a cultura é tida como um “campo de batalha” na qual os cristãos tem de lutar; etc.

Ademais, a teologia grega é permeada por ambiguidades, mas não é por estas dominada; enquanto que a teologia latina não aceita ambiguidades, embora em vários casos seja por estas dominada. Por exemplo, na teologia grega se tem várias ambiguidades quanto a mariologia, mas nenhuma domina plenamente a teologia grega; já na teologia latina se tem estas mesmas ambiguidades, que não fazem parte do princípio latino, mas que dominam plenamente a teologia latina.

Isto, por sua vez, demonstra que a busca da teologia latina se defronta com o problema da cultura; enquanto que a busca da teologia grega se defronta com o problema de como lidar com a resposta humana ante a revelação; a tensão da teologia latina é dialética, enquanto que a tensão da teologia grega é dialógica.

Por isso, na teologia latina, se tem sempre crises e problemas de acordo com o estado da cultura; na verdade, o estado de cultura é elemento aferidor de medida para se compreender o grau e a espécie de crise que assola a cristandade latina no decorrer das épocas. Na teologia grega, se tem crises e problemas a partir do modo como se deve responder as ambiguidades, embora sem dissolvê-las plenamente, para não se tirar a tensão dialógica (a qual se estabelece primariamente na compreensão sobre a relação entre a soberania divina e a liberdade humana).

Assim, quando se tem crise na cristandade latina, se deve observar o estado da cultura; pois, as crises na cristandade latina não cessam enquanto a cultura não for edificada e/ou restaurada ao ser estado de sobriedade; portanto, não se adianta somente falar em heresias, práticas pecaminosas, etc., embora se deva fazê-lo; mas, primordialmente e principalmente, se deve restaurar a cultura ao seu estado constitutivo, para então, se solucionar a crise na cristandade latina; o caminho inverso não é possível, posto que a teologia latina surge, se desenvolve e se estabelece deste modo, de forma que permanecerá assim até o fim dos tempos.

Por isso, se pode falar que a obra que melhor dá a entender este aspecto da teologia latina, ao que concerne a mesma, suas tarefas primordiais e fundamentais, é o Apologético de Tertuliano (e outras obras de Tertuliano), enquanto que a obra que melhor dá a entender o aspecto primordial da teologia grega é o Pedagogo de Clemente de Alexandria e a Mistagogia de São Máximo o Confessor. Ora, compreendendo isso, se dá para entender, de acordo com a literatura teológica posterior, a distinção fundamental entre o princípio da teologia latina e o princípio da teologia grega. 

Portanto, nenhuma discussão ou diatribe, ou coisa similar, ajuda a cristandade quando esta está em crise, quando são feitas sem se compreender a real causa desta crise, que na cristandade latina sempre tem a ver com o estado da cultura; por isso, especificamente, as discussões quanto as crises da cristandade latina devem ser feitas de dois modos: primeiro, para preservar a doutrina e a moral, a fim de que estas crises não desfigurem a vida interna da Igreja; segundo, para identificar a causa desta crise e procurar um modo de solucionar esta crise, numa “batalha” a fim de reedificar a cultura. 

Ora, isto basta quanto para a compreensão dos dois princípios gerais do desenvolvimento da teologia ao longo da história da cristandade. 

θεῷ χάρις! 


Explicação do “Epigrama sobre Hegel” de Karl Marx

Proêmio   O “ Epigrama II ” ou “ Epigrama sobre Hegel ” (1837) [1] é um texto fundamental da filosofia marxiana, e é um dos textos mais...