O desenvolvimento da teologia inicia-se logo após a
morte dos apóstolos, mais propriamente após a morte do apóstolo João,
principalmente através do testemunho e dos escritos dos discípulos dos
apóstolos, tais como Policarpo, Inácio, Clemente, entre outros.
E, neste desenvolvimento, logo no início, acoplam-se
dois princípios, que permeiam toda a história da cristandade posterior, e que
continuarão a permeá-la até o fim dos tempos.
Ora, o primeiro destes princípios é o que pode ser
chamado de princípio grego, na cristandade que surge no mundo grego; e o outro,
é o que pode ser chamado de princípio latino, na cristandade que surge no mundo
latino.
O princípio grego surge em um mundo refinado; a Igreja
que surge, se desenvolve e se estabelece no mundo grego, é a cristandade que se
defronta com um mundo culturalmente refinado; enquanto que o princípio latino
surge em mundo que emerge da barbárie; e a Igreja que surge, se desenvolve e se
estabelece no mundo latino, é a cristandade que se defronta com um mundo
culturalmente bárbaro.
E, isto, obviamente, influencia plenamente o
desenvolvimento da cristandade, a partir do que se tem tanto a cristandade
latina ou ocidental e a cristandade grega ou oriental; e, respectivamente,
teologia latina e teologia grega.
Outrossim, é que a teologia grega permanece sendo uma
teologia que tem diante de si a dialógica de uma cultura refinada, enquanto que
a teologia latina permanece sendo uma teologia que tem diante de si a tensão de
uma cultura bárbara; e isto também se comprova pelos pressupostos constituintes
destes dois princípios; pois, a teologia grega se estabelece a partir da obra
de vários teólogos (cf. PG 1-2, 5-6, etc.), enquanto que a teologia latina se
estabelece e confirma a partir da obra de Tertuliano (cf. PL 1-2), que
fundamentalmente é uma obra que é talhada em resposta a barbárie que assola os fiéis
(os tópicos comuns da teologia de Tertuliano, e as resoluções que ele estabelece,
demonstram isso).
Deste modo, se compreende que a teologia grega surge e
se estabelece com preocupações e pressuposições distintas das da teologia
latina, tanto devido ao contexto quanto devido aos princípios intelectuais da
cultura da qual emergem e na qual se desenvolverão.
Ora, a teologia grega, por ter surgido em um mundo
refinado, não terá preocupação quanto a precisão, não terá preocupação quanto a
uma maior influência na cultura e não terá problemas com ambiguidades; no
entanto, a teologia latina, por ter surgido em mundo que emerge da barbárie,
terá preocupação com a precisão, com uma maior influência na cultura e terá
problemas com as ambiguidades. Por exemplo, na teologia grega a cultura não é
enxergada como “campo de batalha”, mas como lugar natural de desenvolvimento
intelectual; entretanto, na teologia latina a cultura é tida como um “campo de
batalha” na qual os cristãos tem de lutar; etc.
Ademais, a teologia grega é permeada por ambiguidades,
mas não é por estas dominada; enquanto que a teologia latina não aceita
ambiguidades, embora em vários casos seja por estas dominada. Por exemplo, na
teologia grega se tem várias ambiguidades quanto a mariologia, mas nenhuma
domina plenamente a teologia grega; já na teologia latina se tem estas mesmas
ambiguidades, que não fazem parte do princípio latino, mas que dominam
plenamente a teologia latina.
Isto, por sua vez, demonstra que a busca da teologia
latina se defronta com o problema da cultura; enquanto que a busca da teologia
grega se defronta com o problema de como lidar com a resposta humana ante a
revelação; a tensão da teologia latina é dialética, enquanto que a tensão da
teologia grega é dialógica.
Por isso, na teologia latina, se tem sempre crises e
problemas de acordo com o estado da cultura; na verdade, o estado de cultura é
elemento aferidor de medida para se compreender o grau e a espécie de crise que
assola a cristandade latina no decorrer das épocas. Na teologia grega, se tem
crises e problemas a partir do modo como se deve responder as ambiguidades,
embora sem dissolvê-las plenamente, para não se tirar a tensão dialógica (a
qual se estabelece primariamente na compreensão sobre a relação entre a
soberania divina e a liberdade humana).
Assim, quando se tem crise na cristandade latina, se
deve observar o estado da cultura; pois, as crises na cristandade latina não
cessam enquanto a cultura não for edificada e/ou restaurada ao ser estado de sobriedade;
portanto, não se adianta somente falar em heresias, práticas pecaminosas, etc.,
embora se deva fazê-lo; mas, primordialmente e principalmente, se deve
restaurar a cultura ao seu estado constitutivo, para então, se solucionar a
crise na cristandade latina; o caminho inverso não é possível, posto que a
teologia latina surge, se desenvolve e se estabelece deste modo, de forma que
permanecerá assim até o fim dos tempos.
Por isso, se pode falar que a obra que melhor dá a
entender este aspecto da teologia latina, ao que concerne a mesma, suas tarefas
primordiais e fundamentais, é o Apologético de Tertuliano (e outras
obras de Tertuliano), enquanto que a obra que melhor dá a entender o aspecto
primordial da teologia grega é o Pedagogo de Clemente de Alexandria e a Mistagogia
de São Máximo o Confessor. Ora, compreendendo isso, se dá para entender, de
acordo com a literatura teológica posterior, a distinção fundamental entre o
princípio da teologia latina e o princípio da teologia grega.
Portanto, nenhuma discussão ou diatribe, ou coisa similar, ajuda a cristandade quando esta está em crise, quando são feitas sem se compreender a real causa desta crise, que na cristandade latina sempre tem a ver com o estado da cultura; por isso, especificamente, as discussões quanto as crises da cristandade latina devem ser feitas de dois modos: primeiro, para preservar a doutrina e a moral, a fim de que estas crises não desfigurem a vida interna da Igreja; segundo, para identificar a causa desta crise e procurar um modo de solucionar esta crise, numa “batalha” a fim de reedificar a cultura.
Ora, isto basta quanto para a compreensão dos dois princípios gerais do desenvolvimento da teologia ao longo da história da cristandade.
θεῷ χάρις!
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