1. “Mas o que se gloriar
glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR, que faço
beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o
SENHOR” (Jr 9.24); a verdadeira glória do ser humano é conhecer a Deus;
pois, como Tomás de Aquino afirma, “o fim último do homem é o conhecimento
de Deus”[1].
Portanto, esta é a maior glória
que pode ser alcançada por um ser humano, o conhecimento de Deus, ao ponto de a
alma experenciar a mesma certeza da do salmista: “Far-me-ás ver a vereda da
vida; na tua presença há abundância de alegrias; à tua mão direita há delícias
perpetuamente” (Sl 16.11).
E este é o objetivo do
conhecimento de Deus, produzir na alma do fiel três coisas: primeiro, a visão
da vereda da vida: “Far-me-ás ver a vereda da vida”; segundo,
experienciar abundância de alegrias: “na tua presença há abundância de
alegrias”; terceiro, experimentar delícias espirituais: “à tua mão
direta há delícias perpetuamente”. Nisto, consiste a verdadeira glória do
ser humano, na qual, pode verdadeiramente se gloriar: “Mas o que se gloriar
glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR”.
2. Por isso, conhecer aquilo que
melhor abaliza o conhecimento a respeito das coisas concernentes a Deus, é
preponderante na ordem do conhecimento; e, entre os muitos escritos além das
Escrituras que concernem ao conhecimento de Deus, sobressaem os escritos de
Pseudo-Dionísio, o Areopagita; portanto, em vista desta glória ora mencionada,
os escritos de Pseudo-Dionísio estão em ordem a ajudar no conhecimento de Deus,
e, por esta razão, revestem-se de importância.
Por isso, entre os escritos
secundários, os além da Escritura, que ajudam na compreensão sobre o
conhecimento das coisas que concernem a Deus, se tem os escritos de
Pseudo-Dionísio, os quais, perfazem a tríplice estrutura do que a compreensão
humana se refere ao alcance deste fim último.
3. E, sobre isso, evidentemente,
três aspectos são salientados: primeiro, a investigação sobre o conhecimento a
respeito de Deus; segundo, a investigação sobre o que se pode conhecer a
respeito de Deus; terceiro, através da ordem hierárquica das coisas sagradas
estabelecida pelo Criador.
Quanto ao primeiro, se
estabelecem dois aspectos: primeiro, a compreensão da incapacidade humana de
conhecer as coisas concernentes a Deus, o que Pseudo-Dionísio faz na obra “De
Mystica Theologia”; segundo, a compreensão dos elementos simbólicos pelos
quais se pode conhecer algo das coisas concernentes a Deus, o que
Pseudo-Dionísio faz na obra “De Symbolica Theologia”.
Quanto ao segundo, se estabelecem
dois aspectos: primeiro, através dos atributos divinos, o que Pseudo-Dionísio
faz na obra “De Divinis Hypotyposibus”; segundo, através dos nomes
divinos, o que Pseudo-Dionísio faz na obra “De Divinis Nominibus”.
Quanto ao terceiro, que se dá
tanto em relação as criaturas quanto em relação ao modo de se cultuá-lo, se
estabelecem dois aspectos: primeiro, através da hierarquia celeste, as quais
revelam mistérios escondidos a este mundo, o que Pseudo-Dionísio faz na obra “De
Caelesti Hierarchia”; segundo, através da hierarquia eclesiástica, a qual
demonstra o modo correto de cultuar a Deus bem como o modo certo de servi-lo
através das ordens eclesiásticas, o que Pseudo-Dionísio faz na obra “De
Ecclesiastica Hierarchia”.
4. Nestes três aspectos,
concretiza-se todo o Corpus Dionysiacum; e, como se pode observar,
algumas destas obras estão ou foram completamente perdidas, tais como “De
Symbolica Theologia” e “De Divinis Hypotyposibus”; o que não tolhe a
unidade dos preceitos estabelecidos por Pseudo-Dionísio, mas estabelece uma
lacuna a respeito destas tríades de preceitos, estabelecidas em díades de
pressuposições.
Logo, a compreensão plena da
teologia dionísica, é fragmentária; mas, mesmo assim constitui-se de um efusivo
programa teológico, o qual influenciou toda a tradição teológica da
cristandade, tanto da teologia latina quanto na teologia grega; nos latinos, Pseudo-Dionísio
foi comentado e estudado com esmero e dedicação; nos gregos ainda mais, ao
ponto de São Gregório Palamas afirmar que Pseudo-Dionísio é “o mais eminente
de todos os teólogos que sucederam aos maravilhosos apóstolos”[2].
5. E, além destas obras, que
perfazem uma estrutura teológica precisa e bem pensada, existem também as epístolas
de Pseudo-Dionísio; são dez epístolas que trabalham temas teológicos, e
respostas a dúbias e a questões diversas; destas dez epístolas, as cinco
primeiras, trabalham temas diretamente ligados as obras de Pseudo-Dionísio,
enquanto que as cinco últimas versam sobre temas diversos; aliás, menciona-se
que a partir da Epístola IX, se pode ter uma ideia do que se constitui a obra “De
Symbolica Theologia” que está ou foi completamente perdida; logo, da
Epístola IX, se pode reconstruir alguns filosofemas da obra “De Symbolica
Theologia”.
No entanto, em relação ao
programa teológico, anteriormente mencionado, as cinco primeiras epístolas
estão em conexão mais direta, pois, tratam de temas intimamente e diretamente
ligados as obras “De Mystica Theologia” e “De Divinis Nominibus”,
que das obras restantes de Pseudo-Dionísio, constituem-se como as mais
importantes e as centrais no âmbito do programa teológico por ele desenvolvido.
6. Logo, antes de propriamente se
adentrar na análise das obras de Pseudo-Dionísio, convém, de antemão, analisar
estas epístolas e compreendê-las em si mesmas e em ordem aos preceitos do
programa teológico dionísico. Pois, o entendimento, segundo Tomás, se inicia
pelo mais fácil, para que o aprendizado se dê de maneira mais adequada[3].
E, embora as obras de
Pseudo-Dionísio tenham a mesma dificuldade, as epístolas são mais fáceis tendo
vista as obras; logo, iniciar pelas epístolas, é o caminho mais adequado para
que o aprendizado se dê de maneira mais adequada e a compreensão seja melhor
efetivada.
Pois, as próprias epístolas,
assim como as obras, são permeadas pela boa teologia, pela profundidade de
análise, pela límpida exegese bíblica e pela salutar influência da filosofia
grega na explicação dos mistérios da fé.
7. Assim, estas epístolas
constituem-se um adendo, um complemento, um grande excurso ou uma grande nota
de rodapé, ao programa teológico dionísico desenvolvido tal como consta em suas
peculiares obras, tanto nas que chegaram até nós, quanto naquelas que foram ou
estão completamente perdidas, mas que se sabe sobre o que versam por vários
testemunhos.
Portanto, analisar-se-á estas epístolas,
antes propriamente de prosseguir à análise das obras de Pseudo-Dionísio, tal
como na ordem delineada.
E, oremos para que o Senhor nos ilumine na compreensão dos benditos mistérios concernentes a fé, os quais, Pseudo-Dionísio conseguira refletir com agudeza de análise, limpidez de argumentos, fulgor de pensamento e vivacidade espiritual.
[1] Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios [2ª ed. Campinas, SP:
Ecclesiae, 2017], livro III, cap. XXV, n. 10, pág. 385.
[2] São Gregório Palamas, Capítulos Físicos,
Teológicos, Éticos e Práticos, cap. 85.
[3] cf. Tomás de Aquino, O Ente e a Essência [2ª ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014], proem., n. 2, pág. 17.
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