Prólogo.
1. “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais
outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31); ora, a
vida cristã consiste em fundamentalmente fazer tudo para a glória de Deus;
portanto, o fiel em tudo o que faz, seja nas mínimas coisas, busca agradar a
seu Senhor; pois, desde as coisas básicas, como comer e beber, etc., tudo deve
ser feito tendo em vista a glória do Senhor, a fim de agradá-lo em tudo, já que
isso é a antessala da beatitude eterna, e este é o caminho em função da
verdadeira divinização (cf. 2Pe 1.4).
Ora, a vida na fé tem preceitos constituintes; embora,
a fé surgir no coração seja obra do Espírito Santo (cf. Jo 16.8), o fiel
responde a este chamado da graça, de modo a confessar a Jesus Cristo como único
e suficiente Salvador (cf. Rm 10.9); entretanto, a resposta à revelação é
demonstrada no fiel através da aquiescência e na obediência a todos os
preceitos da Sagrada Escritura; não há fé cristã onde há rejeição a alguns
preceitos bíblicos em detrimentos de outros, ou na rejeição de uns e na
aceitação de outros; o que cumpre ao fiel é obedecer tudo quanto é transmitido
na Sagrada Escritura e ponto.
2. No entanto, em tempos hodiernos, aqueles que se
dizem “cristãos” estão vituperando preceitos bíblicos pela obstinação do
próprio coração, posto que não experimentaram verdadeiramente a graça de Deus;
na verdade, a obstinação contra os preceitos sagrados da fé é evidência de
iniquidade no coração; e, entre tantas práticas errôneas que foram acopladas
por uma geração que se diz cristã, mas que são ímpios e obstinados, está o ato
de tatuar o corpo; as desculpas vis, e as razões inócuas, propagada por muitos
que se dizem “cristãos” para apoiar tal prática, além de ser vituperação da fé
é também um atentado contra a reta razão.
Por isso, em função da defesa da fé, e em busca da
explicação e exposição da correta moral bíblica, se vai fazer uma análise do
ato de tatuar o corpo de acordo com os parâmetros teológicos; portanto, se vai
proceder de dois modos: tanto de acordo com a Sagrada Escritura, quanto de
acordo com a reta razão; pois, se sabe que em relação aos assuntos da fé se tem
dois modos de proceder[1]: por
autoridade e pela razão.
Ora, quanto a autoridade, se vai a Sagrada Escritura e aos Santos Padres, o que é preceito indiscutível da teologia sacra; quanto a razão, através de argumentos racionais, pois o que é racional é da fé. E, tendo esta compreensão em mente, que permeia tudo quanto diz respeito a análise e elucubração das coisas concernentes a fé, se vai prosseguir nesta breve apologia contra o ato de tatuar o corpo.
Parte 1: O Ato de Tatuar o Corpo sob o Escrutínio da Reta Razão.
3. E o procedimento, neste caso, será primeiro
elucubrar sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com a reta razão, e, depois,
se elucubrar sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com a Sagrada Escritura;
na verdade, o ato de tatuar o corpo é tão errôneo que o simples procedimento de
colocá-lo sob o escrutínio da reta razão é suficiente para compreender o quão
errado é este ato.
Ora, o que concerne ao escrutínio da reta razão, e
isto em qualquer análise racional, pode ser evidenciado de dois modos: (i)
primeiro, a partir de argumentos racionais; (ii) segundo, a partir dos
costumes.
4. [i] Primeiro, a partir de argumentos racionais;
ora, a argumentação racional, em suma, procede-se de acordo com a ordem dos
argumentos; e em tal ordem, muitos são as possibilidades de argumentos; em
relação ao tema proposto, se nos utilizaremos do argumento mais fraco e do
argumento mais simples, dado a vileza do assunto; o argumento mais fraco é o
argumento de autoridade; e o argumento mais simples é o argumento das leis
gerais da lógica.
Assim, examinemos, portanto, o ato de tatuar o corpo de
acordo com estes dois argumentos, os mais fáceis e simplórios entre todos os
argumentos racionais; se uma prática pelo menos ultrapassa a barreira destes
dois argumentos, então tal prática pode ser tomada como algo possivelmente racional;
no entanto, se uma prática não ultrapassa a barreira destes dois argumentos,
então, tal prática é totalmente antirracional.
Na verdade, estes argumentos são tão simplórios em
relação ao escrutínio da reta razão, que por si são suficientes para demonstrar
a validade racional ou não de alguma prática e/ou doutrina.
5. Ora, primeiro, o argumento mais fraco, o argumento
de autoridade; em questões racionais ou filosóficas, o argumento de autoridade
é o argumento mais fraco[2];
portanto, analisemos o ato de tatuar o corpo de acordo com este argumento.
E, quanto a isso, tomemos como autoridade ninguém
menos do que Goethe, polímata e mestre da literatura alemã, de quem Einstein
afirmara: “um poeta sem igual e um dos homens mais inteligentes e sábios de
todos os tempos”; entre tantos outros elogios que demonstram isso como
corolário, já que a própria obra de Goethe atesta isso de maneira apodítica;
etc.
Ora, Goethe afirmara categoricamente: “tatuar o
corpo é um retorno ao animalismo”[3];
portanto, de acordo com a autoridade de Goethe, um dos escritores mais
influentes e sábios de todos os tempos, o ato de tatuar o corpo é um retorno ao
animalismo; e que quer dizer Goethe com animalismo? Simples, uma amalgama de
xamanismo e irracionalidade.
Logo, quando Goethe se refere o ato de tatuar o corpo como
um retorno ao animalismo, ele está ao mesmo tempo afirmando que tal prática é
também um retorno ao xamanismo, no sentido religioso, e uma calcificação da
irracionalidade, no sentido intelectual.
6. Portanto, de acordo com o argumento de autoridade, o
ato de tatuar o corpo é completamente errôneo; ora, se o ato de tatuar o corpo
sequer passa pelo argumento mais fraco, então, tal prática é tida, de modo
apodítico, como totalmente irracional; e isto, por si, é suficiente para
demonstrar que o ato de tatuar o corpo é totalmente anti-cristão, pois o que é
irracional jamais é algo da fé cristã; a fé não se coaduna com irracionalidade;
onde há irracionalidade deliberada não há fé, pois como afirmara São Gregório
Nazianzeno, a fé é a conclusão de nossa razão[4].
Ora, isto, particularmente se prova de acordo com a
autoridade: primeiro, da Sagrada Escritura; pois, a Sagrada Escritura afirma: “Oh! Quão fortes são as palavras da
boa razão!” (Jó
6.25a), bem como o dito do Apóstolo que a vida diante de Deus é um culto
racional (cf. Rm 12.1); etc.
Segundo, dos Padres da Igreja; ora, São Justino Mártir
afirma que tudo o que foi expresso de positivo (de bom, de racional), e isto
seja na filosofia ou em qualquer outro aspecto, por quem quer que seja,
pertence a nós cristãos[5]; e
também o dito de Tomás de Aquino, que toda verdade dita provém do Espírito
Santo (cf. STh IaIIae, q. 109, a. 1, ad. 1); etc.
7. Então, se prova pela autoridade da Sagrada
Escritura e pela autoridade dos Padres da Igreja, e dos sábios, que o que é
irracional não é da fé; pois, a vida na fé é uma vida racional e uma vida
litúrgica, cultica, e é de um culto lógico, racional, de acordo com a reta
razão; portanto, uma prática e/ou doutrina que é irracional, logicamente, é
contrária a fé; e tudo o que não é da fé é pecado (cf. Rm 14.23). Logo, como o
ato de tatuar o corpo é algo irracional, então obviamente não provém da fé; por
isso, o ato de tatuar o corpo é pecado.
8. No entanto, a questão é ainda mais complexa; pois,
o retorno ao animalismo, que Goethe corretamente afirmara, no ato de tatuar o
corpo, ainda aponta para outra proposição; pois, o que é irracional pode ser
aferido de dois modos: primeiro, pela ignorância ou falta de conhecimento; e a
falta de conhecimento ocasiona a destruição e a perversão (cf. Os 4.6, 14).
Segundo, pelo impedimento da razão; ora, segundo Tomás de Aquino onde há
impedimento da razão há obra de Satanás[6].
9. Assim, se o ato de tatuar o corpo é um retorno a
irracionalidade, então tal prática está imbuída de influência maligna, posto
atentar deliberadamente contra a reta razão ao mesmo tempo em que é impedimento
da própria razão. Ou seja, além do ato de tatuar o corpo ser completamente
irracional, é evidência de obra demoníaca.
Ora, estes aspectos são evocados simplesmente a partir
do argumento mais fraco, e nem se extraiu todos os corolários racionais e
teológicos possíveis deste argumento, e isso utilizando apenas uma sentença de
uma autoridade em todo o amplo escopo de todo o saber humano.
Logo, é mais do que evidente que o ato de tatuar o
corpo é completamente errado, e é pecaminoso; e poder-se-ia, além da máxima de
Goethe, evocar algumas outras sentenças e declarações de outros autores; mas,
certamente apenas pela proposição de Goethe fica suficiente e indiscutivelmente
demonstrado que o ato de tatuar o corpo é anti-racional; portanto, o ato de
tatuar o corpo também é totalmente anti-cristão.
10. Ademais, além do argumento de autoridade, o
argumento mais fraco, ponderemos sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com o
argumento mais simples, posto que estes dois argumentos foram os evocados para
esta análise; o argumento mais simples é aquele que tem por parâmetro as leis
gerais da lógica; ora, três são as leis gerais da lógica, a saber: lei da
identidade, lei da não-contradição e lei do terceiro excluído.
11. A lei da identidade é a que afirma que algo é
idêntico a si mesmo, tal como a proposição “X é X”, ou “Y é Y”; portanto, se
uma proposição é verdadeira ela permanece verdadeira, e se uma proposição é
falsa ela permanece falsa; logo, se algo é racional permanece racional, e se
algo é irracional permanece irracional.
Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é racional ou é
irracional; e, como fora atestado pelo argumento de autoridade, o ato de tatuar
o corpo é irracional, mesmo diante de qualquer sofisma que se possa arrolar para
a permissividade do mesmo; logo, permanece sendo irracional; a identidade do
ato de tatuar o corpo é a irracionalidade, e isso não muda porque a prática se
tornou moda ou porque se há muitas permissões em prol tal prática, ou em
supostos sofismas que arrolam que os preceitos sagrados não condenam tal
prática; etc.
12. E a lei da não-contradição é a que afirma que algo
não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo, tal como a proposição “X é Y”,
ou “Y é X”; portanto, uma proposição verdadeira e sua negação, ou vice-versa,
não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, ou falsa e verdadeira ao mesmo
tempo; ou a proposição é verdadeira ou é falsa; logo, se algo é verdadeiro é
verdadeiro e não falso, e se algo é falso é falso e não verdadeiro.
Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é algo verdadeiro
ou é algo falso; ora, como foi provado pelo argumento de autoridade e acima, através
da lei da identidade, o ato de tatuar o corpo é irracional; e como o que é
irracional não provém da verdade, então, o ato de tatuar o corpo não é algo que
provém da verdade; e tudo que não provém da verdade não é parte da fé cristã; portanto,
a prática de tatuar o corpo é algo falso e não verdadeiro, bem como não condiz
com a verdade; com isso, se compreende que se algo é falso não pode ser
verdadeiro, e o ato de tatuar o corpo não deixa de ser irracional e
imbecilidade porque se tornou corriqueiro e/ou porque se tornara moda.
Logo, não é possível que o ato de tatuar o corpo seja
ao mesmo tempo certo e errado, como muitos de seus partidários, inclusive por
parte daqueles que se dizem “cristãos”, tentam arrolar; o ato de tatuar o corpo
é errado de acordo com a reta razão; e por ser contrário a razão, também é
contrário a fé; e por ser contrário a fé é pecado.
13. E, por último, a lei do terceiro excluído é a que
afirma que uma proposição ou é verdadeira ou é falsa, e não existe uma terceira
possibilidade; por isso, uma proposição deve ser verdadeira ou falsa, e quanto
a isso não há meio termo.
Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é verdadeiro ou é
falso, não existe meio termo; e aqueles tatuam o corpo ou estão certos ou estão
errados, não existe meio termo; logo, como se provou no argumento de autoridade
e nas duas leis da lógica acima, a da identidade e a da não-contradição, o ato
de tatuar o corpo é irracional; assim, o ato de tatuar o corpo é irracional, e
não há meio termo, ao mesmo tempo em que aqueles que fazem tatuagem estão
errados e pecam, e quanto a isso também não há meio termo.
14. Com isso, se conclui pelas leis gerais da lógica
que o ato de tatuar o corpo é evidência de irracionalidade, bem como negação da
própria racionalidade, já que tudo aquilo que está contra as leis da lógica
também está contra o raciocínio; e onde não se tem o raciocínio bem
estabelecido, se tem impedimento da razão; logo, etc. (vd. n. 8-9)
E, certamente, este aspecto evocado a partir dos
argumentos racionais, embora tenham sido utilizados apenas dois destes
argumentos, o mais fraco e o mais simples, já é por si só suficiente para
demonstrar que o ato de tatuar o corpo é errôneo do ponto de vista da
racionalidade humana.
Pois, o que não provém da razão, ou dito em outros
termos, o que é irracional, jamais deve ser tido em voga por seres racionais e
desenvolvidos, menos ainda tido em voga pelos fiéis; certamente, por esta razão
que Goethe, magistralmente, afirma que o ato de tatuar o corpo é um retorno a
animalidade; etc.
15. [ii] Segundo, a partir dos costumes; ora, o
primeiro aspecto do escrutínio da reta razão são os argumentos racionais;
depois, são os costumes; pois, os costumes são parte preponderante da simples
intelecção, a primeira das operações do intelecto; logo, o que está de acordo
com os costumes é algo racional; e tudo que está contra os bons costumes é algo
irracional; além do que, sem os costumes não há desenvolvimento da intelecção;
portanto, para se aferir se algo é correto ou não, é só colocar este algo sob a
razão dos costumes, isto é, o que está em conformidade com os bons costumes é
racional e o que não está em conformidade com os bons costumes ou busca
destruir os bons costumes é algo irracional (cf. 1Co 15.33).
Ora, o que está em conformidade com os bons costumes
está em consonância com o que é correto em todas as épocas e em todos os
locais; e isto é atestado e confirmado pelos sábios de todas as épocas; logo, o
que os sábios estabeleceram, a partir da reta razão, como o que é correto, deve
ser tido em conta ao se aferir se algo é ou não correto; e, neste sentido, o
escrutínio dos bons costumes se coaduna com o argumento de autoridade; pois, o
que foi declarado pelos sábios, as mais das vezes, tem validade imorredoura
quanto as coisas humanas; portanto, o que os sábios declaram tem validade em
ordem aos bons costumes, porque, geralmente, haurem o saber imbuído nos bons
costumes, o que é inerente a experiência concernente a apreensão dos
indivisíveis e que está presente em muitos aspectos da revelação natural.
16. Deste modo, cumpre evocar quais são os bons
costumes que são manifestos desde tempos imemoriais; ora, certamente, em
relação a isso, se pode evocar um aspecto indiscutível, a saber, quanto ao
cuidado de si. E justamente este aspecto é o que concerne ao se analisar o ato
de tatuar o corpo de acordo com o segundo aspecto do escrutínio da reta razão.
Ora, o costume mais imemorial, presente desde o início
do mundo, é o cuidado que o ser humano tem de si; e no cuidado de si está tanto
o cuidado com as necessidades básicas, tais como alimentação, descanso,
trabalho, etc., quanto o cuidado com as necessidades emocionais-espirituais,
tais como a racionalidade, a sociabilidade, a religiosidade, etc.
17. Portanto, no cuidado de si, tal como o costume
estabelece, se tem os preceitos do que é bom e do que não é bom ao ser humano;
ora, o que é bom está de acordo com a reta razão, e o que não é bom não está de
acordo com a reta razão, ou seja, é irracionalidade.
Com isso, se se consegue aclarar que se uma prática é
irracional, então esta prática não está de acordo com os costumes; por isso, se
uma prática é irracional, então, não concerne ao cuidado de si; e, como fora
provado pelo argumento de autoridade, o ato de tatuar o corpo é algo
irracional, então, é uma prática contra os bons costumes e contra o costume
mais fundamental da vida, a saber, o cuidado de si.
Portanto, é evidente que o ato de tatuar o corpo é
algo que atenta contra o cuidado de si; ora, se isto é evidente, então é ainda
mais clarividente que o ato de tatuar o corpo é contra os bons costumes; assim,
esta prática também não passa pelo escrutínio dos bons costumes; e tudo que é
contra os bons costumes deve ser rejeitado como anti-racional e como
anti-humano.
18. Outrossim, é que em relação ao cuidado de si vem
amalgamado a necessidade de religar (religare); e ao se evocar a questão
da necessidade de religar, se pode compreender realmente o que concerne sobre o
ato de tatuar o corpo; pois, foi em busca da necessidade de religar que os
povos pagãos criaram o costume de fazer, como se chamava antigamente, marcas em
suas carnes ou peles; os povos xamânicos e politeístas tinham o costume de se
tatuar em função de algum ritual religioso.
Ora, como é evidente as práticas xamânicas são
anti-racionais, pois são anti-natureza ao se manifestarem através de psiquismo
e por grimórios, etc.; portanto, como os povos pagãos foram os que primeiro
evocaram o ato de tatuar o corpo, não como parte de racionalidade, mas como
algo imbuído de religiosidade, então o tatuar o corpo tem em si algo de
paganismo e xamanismo.
19. E, os homens, dado a limitação do intelecto para
compreender as coisas divinas, ao não adorarem a Deus como Deus (cf. Rm
1.18-32), foram bestializados e passaram a adorar animais e a si mesmos como “deuses”,
donde surgiu o ato de tatuar o corpo como modo de se auto-deificarem, tal como
os antigos pagãos faziam como parte de seus rituais religiosos mais pessoais; os
egípcios, por exemplo, tinham tal prática como parte de suas festas litúrgicas
e como parte de identificação religiosa.
No entanto, em tempos hodiernos, em grande parte a
auto-deificação do xamanismo antigo se transmutara como uma falsa
auto-satisfação para velar a compreensão sobre a volúpia e a luxuria que domina
os corações; ora, os antigos povos pagãos tinham o costume de se tatuar a fim
de aplacarem a ira divina ou a fim de obterem algum favor de suas divindades.
Além disso, tomando essa prática de acordo com termos
pascalinos, se pode afirmar que o ato de tatuar o corpo é um divertimento. Ora,
segundo Pascal, os homens evocam para si divertimentos para velarem de si
mesmos a própria miséria[7]; e
isso se coaduna plenamente com a descrição acima, pois as práticas xamânicas,
em suma, são um tipo de ópio para os homens velarem de si a própria miséria.
20. Assim sendo, de acordo com os costumes se pode
extrair dois corolários básicos, a saber, que o ato de tatuar o corpo é contra
o cuidado de si, costume indiscutível dos seres dotados de alma racional, bem
como tatuar o corpo é ato de ritual religioso no que concerne as religiões anímicas
ou xamânicas (mais atualmente, estas práticas são mais comuns em religiões de
matrizes africanas, no que popularmente no Brasil se chama de “macumba”);
com isso, tatuar o corpo não somente infere contra a racionalidade, mas também
contra o cuidado de si, bem como é evidência de sujeição do coração ao
motivo-base do xamanismo, que é uma amalgama de luxuria e soberba.
21. Deste modo, aqueles que praticam e/ou fazem
práticas xamânicas, seja elas quais forem - entre as quais o ato de tatuar o
corpo -, demonstram que estão imbuídos de luxuria e soberba. Ora, a soberba
precede a ruína (cf. Pv 16.18), bem como é o vício inerente a Satanás (cf. Ez
28.14-17); e a luxuria é a insaciedade da alma em práticas de escárnio contra
Deus, e é permeada pela aura da perdição e do inferno, pois a propriedade
inerente do inferno e da perdição é nunca se fartar (cf. Pv 27.20), isto é, ser
imbuído absolutamente de luxuria.
Portanto, aqueles que praticam atos soberbos, tal como
o ato de tatuar o corpo, estão calcinados para a ruína, bem como possuem em si
o vício de Satanás; além do que, aqueles que praticam atos luxuriosos, tal como
o ato de tatuar o corpo, estão permeados pelo inferno no coração, pois se
sujeitaram aos grimórios da perdição.
22. E, quanto ao que concerne ao escrutínio da reta razão, com a mais absoluta certeza, o escrutínio por argumentos racionais e o escrutínio pelos bons costumes são mais do que suficientes para demonstrar a completa irracionalidade do ato de tatuar o corpo. Portanto, de acordo com escrutínio da reta razão, se tem razões mais do que suficientes para apologizar contra o ato de tatuar o corpo, e para declarar em alto e bom tom que o ato de tatuar o corpo por ser contra a razão também é contra a fé; e por isso é um ato pecaminoso.
Parte 2: O Ato de Tatuar o Corpo sob o Escrutínio da Sagrada Escritura.
23. Ora, tudo o que de mais simplório existe para
escrutinar uma prática e/ou doutrina de acordo com a reta razão fora evocado na
primeira parte, o que por si foi mais do que suficiente para aclarar o que fora
proposto; não de acordo apenas com preceitos teológicos, mas pura e
simplesmente de acordo com o juízo da reta razão; e, como ficara clarividente, o
ato de tatuar o corpo, sem sequer se ter adentrado aos principais argumentos,
mas simplesmente a partir do argumento mais fraco e do argumento mais simples,
é totalmente anti-racional.
24. Todavia, como é necessário não somente analisar
certas práticas de acordo com a fé não apenas pela razão, mas também por
autoridade, como concerne em tudo na teologia sacra, então, concerne analisar o
ato de tatuar o corpo sobre o escrutínio da Sagrada Escritura.
E, como se já não somente fosse suficiente a análise
pela razão, que é suficientíssima, convém ainda analisar por autoridade, sob a
autoridade normativa da Sagrada Escritura, a fim de que os soberbos, luxuriosos
e insolentes que atentam contra a Sagrada Escritura na permissividade com a
prática de tatuar o corpo possam se converter desta prática infame contra a
moral revelada.
25. Deste modo, para se analisar uma prática de acordo
com o escrutínio da Sagrada Escritura, se deve ter em voga que os princípios
doutrinários bíblicos estão em concórdia com os princípios morais, e
vice-versa; então, o que a Escritura prescreve doutrinariamente, também
prescreve moralmente; ora, em relação ao tema em voga, que diz respeito ao
corpo, a Sagrada Escritura apresenta uma efusiva e singular teologia do corpo,
em tudo quanto diz respeito ao cuidado com o corpo, a fim de honrar a Deus no
cuidado com o corpo, quanto no que diz respeito aos pecados contra o corpo, os
quais desonram a Deus e vituperam a dignidade humana.
26. Portanto, como o ato de tatuar diz respeito ao
corpo, para compreender tal ato de acordo com o escrutínio da Sagrada Escritura
se deve entender o que a Palavra de Deus prescreve doutrinariamente sobre o
corpo; quanto a isso, são evocados três princípios: primeiro, é parte
inviolável da fé manter o corpo irrepreensível (cf. 1Ts 5.23), isto é, manter o
corpo intocado de pecados deliberados; a contrariedade a este princípio é
evidência da não-participação na fé, ou seja, impiedade e/ou apostasia;
portanto, manter o corpo irrepreensível sem pecados deliberados contra o mesmo
é parte inviolável e indiscutível da fé.
Assim, o ato de tatuar o corpo é pecado contra o
corpo, posto que ato anti-racional; logo, quem tatua o corpo, peca contra a
santidade e atenta contra o cuidado que a fé prescreve quanto ao corpo, pois é
pecado deliberado contra o corpo; logo, quem pratica tal ato não é cristão.
27. Ademais, a fé prescreve que ninguém pode aborrecer
o próprio corpo (cf. Ef 5.29), isto é, ninguém faz mal ao próprio corpo de
maneira deliberada; pois, aborrecer o próprio corpo, além de irracionalidade, é
desprezo a Deus; logo, se alguém tatua o corpo, aborrece o próprio corpo, ou
seja, faz mal a si mesmo; pois, aborrecer o corpo está imbuído na descrição
bíblica de querer destruir o corpo; portanto, como quem tatua o corpo aborrece
o corpo, então, ao mesmo tempo quem tatua o corpo também quer destruir o corpo,
ainda que inconscientemente; é um simples e apodítico raciocínio.
Aliás, o Apóstolo afirma que quem quer destruir o
templo de Deus, isto é, o corpo, Deus o destruirá (cf. 1Co 3.16-17); portanto,
como o corpo é templo do Espírito Santo (cf. 1Co 6.19), requer que os fiéis
cuidem do mesmo e velem pela santidade do mesmo sem pecados deliberados contra
o corpo, já que tais pecados são tanto contra a reta razão quanto contra a
vontade revelada de Deus.
Ora, estes dois preceitos gerais são suficientes para
aclarar alguns preceitos doutrinários quanto a teologia do corpo; embora, hajam
muitos outros preceitos bíblicos quanto ao corpo, estes dois evocados já
delineiam o que concerne ao cuidado do corpo em relação a não se ter pecados
deliberados contra o corpo tal como o ato de tatuá-lo.
28. Ademais, como o ato de tatuar o corpo é aquilo que
nos povos antigos está imbuído no ato de fazer marcas sobre si, então, tal ato
está contra as Escrituras; pois, a lei moral bíblica prescreve absolutamente
contra tal prática; então, de acordo com a moral bíblica é expressamente
proibido tatuar o corpo; pois, embora o termo tatuagem seja uma palavra mais
moderna, no entanto é uma prática antiquíssima, já que o que se descreve nas
práticas pagãs como o fazer marcas em si, tanto dizem respeito a golpes contra
o corpo ou auto-mutilação quanto dizem respeito a fazer pinturas permanentes em
si; e o fazer pinturas permanentes em si é o que passou a se chamar de
tatuagem.
29. Ora, um dos preceitos morais da Sagrada Escritura,
em Lv 19.28, adverte contra o fazer marcas em si, tanto contra a auto-mutilação
em favor dos mortos (que era parte dos atos culticos dos povos pagãos), quanto
contra o fazer pinturas permanentes em si (o ato de tatuar o corpo, que também
era parte dos atos culticos dos povos pagãos); então, na Sagrada Escritura tem
sim uma proibição categórica contra o ato de tatuar o corpo; a não-compreensão
deste versículo é falta de compreensão do contexto imediato desta passagem, que
continua plenamente válida na nova aliança assim como todos os preceitos morais
veterotesmentários (vd. apêndice).
30. E, tendo aclarado estes aspectos a respeito do ato de tatuar o corpo a partir do escrutínio da Sagrada Escritura, se consegue compreender que de acordo com os preceitos bíblicos, o ato de tatuar o corpo é pecado e vituperação da dignidade-santidade que convém ao fiel em relação ao corpo; pois, como diz a Escritura o corpo deve ser conservado irrepreensível, isto é, sem pecados deliberados, os quais atentam contra o propósito de Deus para o corpo, bem como são sempre imbuídos de prática religiosas pagãs que são totalmente contrárias a vontade revelada de Deus, a qual requer a plena santidade de vida nos fiéis (cf. 1Ts 4.3), isto é, no corpo, na alma e no espírito (cf. 1Ts 5.23); etc.
Parte 3: Respostas a Alguns Argumentos.
31. E, como se não fosse já suficiente o escrutínio da
reta razão e o da Sagrada Escritura, que são mais do que suficientes tal como
fora demonstrado, se deve ainda responder alguns argumentos comuns por parte
tanto dos que arrolam a permissividade com o ato de tatuar o corpo quanto dos que
ainda evitam condenar tal ato como pecaminoso, posto a insolência e obstinação
destes em favor de uma prática pecaminosa e vil.
32. Ora, os argumentos mais comuns e os mais
utilizados em favor do ato de tatuar o corpo são os seguintes:
(1) O Apóstolo diz em 1Co 10.31 que tudo é lícito;
logo, o ato de tatuar o corpo é lícito.
(2) A Igreja como um todo não tem proibições absolutas
contra o ato de tatuar o corpo; então, não é algo pecaminoso.
(3) Os cristãos sírios e coptas têm, desde os tempos
antigos, o costume de fazer pequenas tatuagens da cruz.
(4) O ato de tatuar o corpo, se for feito com um
significado espiritual, não é proibido; pois, se a tatuagem tiver um
significado espiritual então é permissível.
(5) O ato de tatuar o corpo, assim como tudo na vida,
tem de ter modéstia e discernimento.
(6) Como não há proibições bíblicas e/ou
eclesiásticas, o ato de tatuar o corpo é permissível e deve ser feito com
reverência e não por vaidade; o problema da tatuagem está em ser feita com
vaidade.
(7) O reino de Deus é liberdade; por isso, a proibição
do ato de tatuar o corpo é religiosidade; logo, no reino de Deus é permitido ato
de tatuar o corpo.
Responder-se-á, portanto, a cada um destes argumentos,
a fim de demonstrar que são errados, sofísticos e anti-bíblicos.
33. [ad. 1] A sentença do Apóstolo diz respeito a
licitude de tudo que é da fé; pois, o que não é da fé, obviamente, é ilícito
segundo a própria fé; por isso, ao se discernir o que é da fé se compreende
também o que não é da fé; e em se tratando da reta razão, o que é racional é da
fé, e o que é irracional não é da fé; portanto, o que é racional é lícito e
convém, e o que é irracional é ilícito.
Ora, o ato de tatuar o corpo é irracional; portanto,
de acordo com a fé não é lícito; logo, a sentença do Apóstolo não é base para o
ato de tatuar o corpo; portanto, não se pode arrolar um argumento para o ato de
tatuar o corpo a partir de 1Co 10.31; na verdade, este versículo é um
testemunho escriturístico a respeito da pecaminosidade do ato de tatuar o corpo
posto, de maneira indireta, atestar e exortar contra atos ilícitos.
34. [ad. 2] O fato da Santa Igreja não possuir
declarações formais contra o ato de tatuar o corpo, não é base para a
permissividade para com o mesmo; pois, as declarações formais da Santa Igreja
são quanto a questões dogmáticas, através dos Concílios, etc.; no entanto, em
questões da lei moral natural, e naquilo que a Sagrada Escritura é mais do que
óbvia, não existe necessidade formal de tais declarações.
Além do que, no que a reta razão pode conhecer da
verdade, a Santa Igreja não precisa prescrever, apenas concordar; por isso,
sendo mais do que clarividente que o ato de tatuar o corpo é pecaminoso, tanto
de acordo com a Escritura quanto de acordo com a reta razão, não se faz
necessário uma condenação formal da Santa Igreja contra tal ato.
Pois, se é irracional não é da fé; e se não é da fé, a
Santa Igreja necessariamente está contra, mesmo que não tenha feito declarações
formais quanto a certas questões. Portanto, como o ato de tatuar o corpo é
irracional, e está contra a fé e por isso é pecado, então, ainda que não tenha
declarações formais contra tal ato, a Santa Igreja condena o ato de tatuar o
corpo como pecaminoso e totalmente errado.
35. [ad. 3] A atitude dos cristãos sírios e coptas em
tatuar o corpo, desde tempos antigos, é um erro que se perpetuou por gerações;
a antiguidade deste ato não o torna aceitável; pois, a cultura síria e a
cultura egípcia continuaram edificadas sobre a forma cultura do período da
religião primeira, onde era costume dos povos o ato de tatuar o corpo como
parte de práticas pagãs; os cristãos sírios e coptas que tatuam o corpo
continuam incorrendo em paganismo.
Pois, como os preceitos morais veterotestamentários
continuam válidos no Novo Testamento, e há uma proibição bíblica categórica
contra o ato de tatuar o corpo em Lv 19.28, então, se há aqueles que se dizem
cristãos e fazem tal ato, estão deliberadamente pecando; além do que, o ato de
tatuar o corpo mostra a sujeição de uma forma de inculturação que permaneceu em
certas tradições cristãs de práticas pagãs do Egito Antigo.
Portanto, o fato de que existem cristãos sírios e
coptas que fazem pequenas tatuagem de cruz em seus pulsos, não muda o fato de
que o ato de tatuar o corpo é pecado e totalmente errado tanto de acordo com a
reta razão quanto de acordo com a própria fé cristã.
Aliás, certamente, esta é uma das razões do porque os
cristãos sírios e coptas são tão perseguidos, pois permanecem em desobediência
contra a vontade revelada de Deus, praticando um ato pecaminoso, trazendo-se
sobre si mesmos o juízo de Deus (cf. Dt 28.15ss).
36. [ad. 4] O ato de tatuar o corpo sempre tem um
significado espiritual voltado ao paganismo; então, não existe nenhuma
justificativa, sob argumentos ditos espirituais, que permita com que os
cristãos façam tatuagem; pois, o próprio ato de tatuar o corpo mostra sujeição
e subserviência para com o motivo-base do paganismo.
Portanto, não existe nenhuma possibilidade de que o
ato de tatuar o corpo, seja de que forma for, tenha algum significado
espiritual em conformidade com a fé cristã; na verdade, o ato de tatuar o
corpo, seja de que forma for, tem um significado espiritual totalmente
contrário a fé, pois não há verdadeira espiritualidade onde há irracionalidade.
Aliás, onde há irracionalidade, como no ato de tatuar
o corpo, se tem evidência apodítica de obra de Satanás, isto é, de
espiritualidade demoníaca.
37. [ad. 5] Ora, como o ato de tatuar o corpo é uma
amalgama de paganismo e irracionalidade, então não tem como haver modéstia e
discernimento em tal ato; pois, a modéstia e o discernimento estão em concórdia
com a reta razão; por isso, o que é irracional, em si mesmo, tem falta de
modéstia e falta de discernimento; portanto, como o ato de tatuar o corpo é
irracional, então o ato de tatuar o corpo é evidência de completa falta de
modéstia e total falta de discernimento; por isso, o ato de tatuar o corpo não
condiz com a fé cristã.
38. [ad. 6] O ato de tatuar o corpo não possui
reverência; pois, a verdadeira reverência e temor está em seguir os
ensinamentos bíblicos e em estar de acordo com a reta razão; logo, onde há
irracionalidade se tem a vaidade, pois a perseverança e/ou a obstinação na
irracionalidade engendra a imbecilidade;
por isso, como o ato de tatuar o corpo é irracionalidade, então quem tatua o
corpo está totalmente imbuído de vaidade; portanto, não se tem possibilidade de
que o ato de tatuar o corpo seja feito com reverência, posto ser um ato de
completa vaidade e orgulho.
O problema do ato de tatuar o corpo está no próprio
ato de tatuar o corpo; um ato vaidoso não se torna menos vaidoso porque não se
sabe que tal ato é vaidoso. Portanto, o ato de tatuar o corpo, em si mesmo, é
evidência de vaidade e de soberba; logo, o ato de tatuar o corpo é contra toda
forma de reverência e temor; na verdade, o ato de tatuar o corpo também
demonstra um completo destemor e obstinação contra a verdade racional e contra
a verdade revelada.
39. [ad. 7] A liberdade que o reino de Deus propaga é
a liberdade na verdade (cf. Jo 8.32); liberdade sem conformidade com a verdade
ou é farisaísmo ou é libertinagem; ora, o que é racional está em concórdia com
a verdade, mas o que é irracional é contra a verdade; por isso, se constata que
não existe liberdade sem verdade; aliás, liberdade sem verdade é escravidão
velada sob as máscaras da libertinagem.
Portanto, como o ato de tatuar o corpo é irracional,
então está contra a verdade; logo, se está contra a verdade não há em tal ato a
liberdade; portanto, não existe liberdade no ato de tatuar o corpo; na verdade,
o ato de tatuar o corpo é evidência de libertinagem; pois, a liberdade cristã
está em conformidade com o que é racional e com todos os preceitos da Sagrada
Escritura.
Assim sendo, o ato de tatuar o corpo é contra todos os
preceitos e contra todos os valores do Reino de Deus; logo, é parte da
identidade dos cidadãos do reino de Deus, o fato de que não tatuam o corpo; por
isso, se constata que o reino de Deus não existe onde há libertinagem; logo,
como o ato de tatuar o corpo é uma prática libertina, então, o ato de tatuar o
corpo é completamente contrário aos valores do reino de Deus.
40. Assim, tendo dito estas palavras, tenho por certo
que esta breve apologia é mais do que suficiente para aclarar tudo quanto diz
respeito a irracionalidade e pecaminosidade do ato de tatuar o corpo; portanto,
a reta razão e a revelação estão em concórdia absoluta quanto a condenação do
ato de tatuar o corpo; que Deus nos auxilie a nos manter firmes e resolutos, a
fim de ensinar e exortar a todos quantos forem necessários a não pecarem contra
o corpo tatuando-o, pois isso é evidência de obra maligna e de luxuria no
coração; etc.
E se por acaso houver ainda algum outro “argumento”
sofístico em prol do ato de tatuar o corpo, que tal argumento seja apresentado para
que possa colocar por escrito tudo quanto o Pai da verdade me der para refutar
as falsas opiniões e as irracionalidades que tem se assomado em prol do ato de
tatuar o corpo, os quais tem levado muitos para o caminho da perdição.
Assim, se houver tal argumento, que se me apresente e
o responderei e confutarei o mais rápido que puder; se não, pois creio que não
haverá nem mesmo por parte dos insolentes e dos luxuriosos, posto que esta
breve apologia é mais do que suficiente para condenar e anematizar o ato de
tatuar o corpo; e que Deus seja louvado porque tem nos preservado
irrepreensíveis, com alegria, perante Sua presença e para testemunho de Sua
graça; a Ele seja glória e majestade para sempre (cf. Jd 1.24s).
41. E termina aqui esta breve apologia. Bendito seja
Deus por todas as coisas. Amém.
01 de julho de 2025.
Apêndice
Se o ato de tatuar o corpo é pecado?
(In: Questões a Trifena, q. 62)
Esta indagação é muito útil e diz respeito a uma questão
contemporânea que assola a fé cristã; pois, já faz alguns anos que muitos que
se dizem “cristãos” tem feito tatuagem, e muitos líderes tem apoiado esta
prática afirmando que a Bíblia, ou o Novo Testamento, não condena que se faça
tatuagem; no entanto, a Sagrada Escritura proíbe o ato de tatuar o corpo, tanto
quanto proíbe o ato de colocar piercing.
Pois, em relação a Escritura, se tem tanto o Antigo
Testamento quanto o Novo Testamento; ora, o que está no Antigo Testamento, mas
não foi abolido ou declarado que caducou no Novo Testamento continua válido;
por isso, em relação ao Velho Testamento se deve considerar três coisas: a lei
moral, a lei cerimonial e a lei judicial; ora, a lei cerimonial e a lei
judicial foram abolidas pelo Senhor Jesus Cristo no Novo Testamento; todavia, a
lei moral não fora abolida e continua válida, plenamente válida.
E a lei moral se subdivide em dois aspectos: a lei moral
propriamente dita, ou os dez mandamentos; e os preceitos morais, nos quais se
tem várias prescrições quanto a santidade.
E a proibição do ato de tatuar o corpo se enquadra
justamente em relação aos preceitos morais; sobre isso, a Escritura diz: “Pelos
mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu
sou o Senhor” (Lv 19.28 ARC).
Ora, este texto elenca duas proibições: primeiro, quanto
a se automutilar pelos mortos, que era prática comum dos povos pagãos, o
cortarem-se ou o se auto-machucarem com golpes, como sinal de tristeza pelos
mortos; quem isso faz peca contra a santidade de Deus. E a segunda proibição,
quanto a fazer alguma marca física; e os povos pagãos tinha dois costumes
quanto a fazer marcas sobre si: primeiro, em relação a fazerem desenhos e
pinturas permanentes em si, o que atualmente se chama tatuagem; segundo, o colocarem
atavios de metais em suas carnes, o que atualmente se chama de piercing; e quem
isso faz também peca contra a santidade de Deus.
Então, num único texto sagrado se tem a proibição tanto
do ato de tatuar o corpo quanto do ato de colocar piercing. Numa tradução mais
atual, o texto sagrado diz: “Não façam cortes no corpo por causa dos mortos,
nem tatuagens em si mesmos. Eu sou o Senhor” (Lv 19.28 NVI).
E, se fosse feita uma tradução ainda mais dinamizada do
linguajar deste texto sagrado, o mesmo ficaria assim: “Não vos machucareis
ou ferireis pelos mortos; nem fareis tatuagem ou piercing. Eu sou o Senhor”
(Lv 19.28).
Portanto, é evidente que a Sagrada Escritura proíbe o ato
de tatuar o corpo bem como proíbe o ato de colocar piercing; e como quem se diz
cristão deve estar em conformidade com a Sagrada Escritura, como tudo que diz
respeito a fé, pois tudo que diz respeito a fé está na Sagrada Escritura, e com
isso, se entende que se algo é proibido na Sagrada Escritura então tal algo é
contrário a fé e o que não provém da fé é pecado (cf. Rm 14.23b); então, se
alguém sendo cristão tatua o corpo ou coloca piercing está pecando
deliberadamente contra aquilo que diz crer.
E que isso ressoe para os líderes e pastores
desorientados que tem ensinado e/ou declarado permissível que um cristão faça
tatuagem e/ou piercing, pois a Escritura, de maneira categórica, proíbe o ato
de tatuar o corpo e o ato de colocar piercing.
Outrossim, é que os preceitos morais são outorgados para
curar a alma; ora, Clemente de Alexandria, no livro I do Pedagogo, diz
que Deus outorga os seus preceitos a fim de curar a alma (cap. II); os
preceitos de Deus são aquilo que também se chama de preceitos morais revelados,
ou simplesmente preceitos morais; portanto, os preceitos morais foram
prescritos por Deus para que os fiéis pudessem ter suas almas curadas e assim,
paulatinamente, caminharem rumo a divinização (cf. 2Pe 1.4).
Além disso, isto também demonstra outro aspecto; pois, se
a observação e a obediência aos preceitos morais conduz à cura da alma, então a
não-observação e a desobediência aos preceitos morais evidencia o contrário, a
saber, a doença na alma, a morbidade na alma; portanto, se alguém desobedece o
preceito moral está com a alma mórbida; e se através de uma prática se adoece a
alma, então, tal prática pode ser definida como uma rejeição a razão; e a
rejeição a razão vem imbuída de uma série de sintomas, enumerados de acordo com
o escrutínio da reta razão por Cícero no livro IV das Discussões Tusculanas
(caps. 23-32).
E, segundo o próprio Clemente, no mesmo lugar
supramencionado, aquele que peca age contra a razão (e vice-versa, quem age
contra a razão peca); portanto, como o ato de tatuar o corpo é pecado, tal ato
está contra a razão e tal ato é evidência de morbidade na alma posto este ato
ser rejeição a razão; logo, etc.
Ora, aqueles que tatuam o corpo sempre estão sujeitos aos
vícios que advém da rejeição a razão; e se pode observar isto na prática, pois
o catálogo de sintomas evocado por Cícero é bem útil nesta descrição, pois
aqueles que tatuam o corpo, ao rejeitarem a razão na prática deste ato, suas
ações passam a ser expressão da rejeição a razão, e tais ações sempre estão
imbuídas de uma série de sintomas, tal como os que são evocados na descrição
ciceroniana, etc.; e quanto a isso não se tem exceção.
Deste modo, o ato de tatuar o corpo é pecado, bem como é expressão de rejeição a razão, ao mesmo tempo em que evidencia uma série de sintomas de uma alma mórbida por causa da obstinação e da luxuria no coração. Ora, o ato de tatuar o corpo por ser pecado é rejeição a razão; e por ser rejeição a razão é pecado.
[1] cf. Santo Agostinho, De Trinitate,
livro I, cap. 2, n. 4.
[2] cf. Boécio, Commentaria in
Topica Ciceronis, livro VI.
[3] Johann Wolfgang von Goethe, Maxims and Reflections On Life and
Character, seção II, § 79.
[4] São Gregório Nazianzeno, Oratio
XXIX, n. XXI.
[5] São Justino Mártir, II Apologia,
n. 13.
[6] cf. Tomás de Aquino, Comentário
a Tessalonicenses [Porto Alegre, RS: Concreta, 2015], 2ª Epist., cap. II,
lect. 2, n. 48, pág. 145.
[7] cf. Blaise Pascal, Pensamentos
[São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015], n. 136, pág. 76-77.
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