24/10/2025

Resposta sobre a Questão da Autoridade em Teologia na Ortodoxia

Prólogo

Infelizmente se tornou costumeiro uma série de críticas, vindas de ortodoxos, a respeito da questão da autoridade em teologia no âmbito da própria Ortodoxia; na verdade, estas críticas parecem demonstrar uma preocupação contra a loucura que em relação a esta questão dominou a cristandade latina; no entanto, apenas parece, pois estas críticas são permeadas pelo mesmo erro o qual tanto criticam; são os dois lados da mesma moeda: muda-se o lado da moeda, mas mantém-se o mesmo valor; logo, etc.

Entendamos a questão por parte.

I

[A questão da autoridade teológica na Santa Igreja]

Antes de tudo, é bom que se saiba, que tudo o que os santos produziram de ensinamentos é útil para todos os fiéis em todas épocas; o testemunho dos santos continua a ecoar por toda a história; e em relação aos que alguns santos produziram quanto ao saber humano, em ciência, filosofia, direito, etc., se deve tomar tais textos em predileção a de autores não-cristãos, principalmente os textos dos santos que também foram intelectuais. E isso é o que ensina o bom senso comum quanto a questão da autoridade, seja nos assuntos teológicos seja nos assuntos filosóficos.

No entanto, a costumeira preocupação com que indivíduos ditos “isolados” arrolem para si tais epítetos, não é tanto quanto a uma suposta tentativa de colocar a Santa Igreja sujeita a autoridade de um homem sozinho; pois, a autoridade teológica plena é algo raríssimo; geralmente, é algo reconhecido só após morte, ainda que possa ter grande influência na Santa Igreja em vida (isto é, o reconhecimento em vida).

Entretanto, do mesmo modo, a autoridade teológica também não é preterida e/ou desmerecida por alguém em vida; ao criticarem os que arrolam para si tais epítetos - o que nem ocorre de facto, pois os “tais” que arrolam isso nem sequer possuem os qualificativos necessários para arrolar para si tal epíteto -, acabam por cometer o mesmo erro; aliás, a Sagrada Tradição é que decide isso; e o excesso de preocupação quanto a isso demonstra orgulho e arrogância.  

Por isso, o demérito para com alguém em relação a isso também não é algo que deva ser feito; se criticam os que supostamente “buscam” isso como orgulho, o que não se dirá dos que ao criticarem estes cometem um erro moral ainda pior; então, que se deixe isso para a Sagrada Tradição; a crítica excessiva quanto a isso demonstra o mesmo que tanto se crítica, pois é expressão de inveja.

Além disso, é bom que se reafirme que a rejeição quanto a autoridade em teologia tem um outro aspecto; pois, não é a simples rejeição a quem supostamente arrola isso ou busca isso, etc.; mas, é fruto da ideologização; sempre que a Santa Igreja é ideologizada, a primeira coisa é a rejeição para com as autoridades teológicas, seja as do passado, os Padres da Igreja e os santos, seja as que possam se formar no presente e/ou no futuro; além disso, segundo a Sagrada Escritura, a rejeição para com autoridade, seja ela de qual tipo for, é evidência de apostasia (cf. Jd 1.8).

Assim sendo, o ato de preterir ou supostamente rejeitar a autoridade em teologia, não é parte do que concerne a verdadeira piedade cristã; aliás, nem a preocupação excessiva com isso faz parte da verdadeira fé ortodoxa; e, que se saiba, uma verdadeira autoridade no âmbito da teologia, não necessariamente precisa se arrolar isso, mas o próprio Espírito Santo dá testemunho de quando surge alguém assim para edificação da Igreja; assim foi com São João o Teólogo, assim foi com São Gregório o Teólogo e assim foi com São Simeão o Novo Teólogo; e assim continuará a ser sempre que o Espirito quiser suscitar verdadeiramente um Teólogo para a edificação da Santa Igreja.

Agora, uma coisa é surgir um Teólogo neste sentido, que é algo especialíssimo e raríssimo; outra coisa é autoridade teológica no quesito de conhecimento; o reconhecimento como Teólogo, se for ocorrer em vida, só é outorgado pelo Santo Sínodo e em concórdia com toda a comunhão ortodoxa; e, após a morte, pela Sagrada Tradição, do mesmo como ocorre com a canonização. E em relação a isso, como fora dito, é algo raríssimo, tanto que somente três santos receberam este título da Sagrada Tradição, um dos quais um autor sacro.

No entanto, quanto a autoridade teológica no quesito de conhecimento, se tem de dois aspectos a serem refletidos: primeiro, de maneira plena, naqueles que movidos pelo Espírito Santo escreverem assuntos teológicos com plenitude de conhecimento e grande piedade; e esses são os santos, a maior parte composta dos que são vocacionados por Deus ao sacerdócio (diáconos, padres e bispos).

Segundo, de maneira derivada, em alguém que pode produzir algo de valor quanto a tópicos teológicos, mesmo que isso não venha a ser utilizado plenamente, mas pode ser útil quanto a conhecimento; e o conhecimento é de suma importância, porque os que rejeitam o conhecimento, mesmo o teológico, seja ele proveniente donde for, são rejeitados por Deus (cf. Os 4.6).

Deste modo, se deve distinguir o que provém da pura autoridade no conhecimento humano, ainda que seja em assuntos teológicos, o que quem vive uma vida santa e em comunhão com a Santa Igreja e tenha conhecimento pode produzir; outra coisa é o que provém de uma autoridade plena neste quesito, o que como fora dito é mais raro e somente o Santo Sínodo e a Sagrada Tradição é quem possuem autoridade para reconhecer, e tal reconhecimento não vem somente assim, as vezes advém até mesmo de elementos fora da fé, ou de assuntos além da fé, como no caso de alguma autoridade em teologia que também é reconhecido por filósofos, intelectuais, e por outras partes da verdadeira cristandade.

Por isso, se deve evitar essas críticas sem sentido, porque isso cheira a inveja e a jactância; a falta de conhecimento faz com se tenha críticas excessivas e sem sentido aos que possuem conhecimento; aliás, a falta de conhecimento conduz a críticas imbecis quanto a autoridades no conhecimento, bem como a falta de conhecimento induz aos tentáculos jactantes do não-conhecimento.

Por isso, a não-aceitação de autoridades no conhecimento, seja ela em qual esfera for, mesmo em teologia, também evidência a ideologização que busca tirar a Santa Igreja do testemunho dos santos e colocá-la sujeita a poderes de mando.

Aliás, desde o séc. VI, sempre que se critica ou se rejeita uma autoridade em teologia sem razão concreta para isso, se tem por detrás alguma forma de ideologização ou de assenhoramento político da Santa Igreja.

II

[Uma análise de caso: Orígenes]

E para se explicar este problema, se evoca o caso mais emblemático de rejeição a autoridade em teologia, a saber: a infâmia cometida contra a obra e a autoridade de Orígenes, o maior dos teólogos.

Se sabe pelo testemunho de toda a Igreja Antiga, de todos os Padres da Igreja, e das antigas sedes apostólicas orientais, as que atualmente se chamam Igrejas Ortodoxas Orientais, o berço do cristianismo, que Orígenes é santo e é o maior dos teólogos; todos os Padres da Igreja basearam suas reflexões teológicas a partir de Orígenes, seja os padres capadócios, seja São Jerônimo, seja Santo Agostinho, etc.; a patrística é toda ela muito devedora a Orígenes, em qualquer área da teologia; na verdade, toda a patrística é, em suma, origenista, seja na teologia seja na filosofia.

Orígenes é a maior autoridade teológica em qualquer âmbito da ciência sagrada, e esse é o testemunho que ecoa das sedes apostólicas e dos Padres da Igreja; bem como Orígenes fora um dos maiores filósofos neoplatônicos, sendo um dos maiores platônicos de todos os tempos, maior até mesmo do que Santo Agostinho.

No entanto, ocorrera uma desdita inominável com a obra de Orígenes; veja-se bem, Orígenes escreveu mais de 6.000 livros, alguns dos quais muitos extensos; se sabe que Orígenes durante mais de 40 anos escreveu centenas de páginas por dia; foi Orígenes que abriu os caminhos em todos as áreas da ciência teológica, da exegese a espiritualidade, etc.; absolutamente tudo na teologia tem a influência de Orígenes.

Todavia, alguns homens movidos pela inveja e pelo despeito de não conseguirem galgar tamanha autoridade - diga-se aqui, que a autoridade de Orígenes foi outorgada por Deus -, começaram a tentar encontrar erros na obra de Orígenes para desmerecê-lo e desautorizá-lo; como não conseguiram atacar o homem, atacaram sua obra; e como Orígenes escreveu muito e foi um abridor de caminhos, algumas de suas pressuposições não foram abalizadas plenamente, pois algumas delas ele apenas descreveu e demonstrou possibilidades; justamente em relação a estas pressuposições deixadas em aberto que foram procurar erros, não por conta de supostas heresias, mas para vituperar a autoridade de Orígenes.

E assim, em meio a um Concílio Ecumênico, o Segundo Concílio de Constantinopla, se condenou algumas pressuposições origenistas, não por conta de erro, mas por inveja e ideologização; tanto o é, que após o Sagrado Concílio que nem sequer mencionou Orígenes diretamente, as acusações foram inseridas nas atas do Concílio, pois em relação a isso fora movido pela vontade de poder de um líder político; e depois o próprio líder político, o imperador Justiniano, ordenou a queima e o desparecimento sistemático de toda a obra de Orígenes.

E observe-se bem, as pressuposições origenistas condenadas estavam em cerca de uma dezena de obras de Orígenes, mas o imperador Justiniano ordenou a destruição de toda a extensa obra de Orígenes; ora, se fossem apenas erros, e se fosse o caso de isso ser correto, se destruiria apenas de dez a quinze obras, mas o imperador mandou destruir as milhares de obras de Orígenes, o que também foi seguido pelo papa Gelásio I. Infelizmente, neste quesito, a cristandade grega e a cristandade latina lutaram em conjunto contra a maior autoridade na teologia.

Então, com isso já se consegue compreender que o que motivou tal atitude fora a inveja e não heresias; aliás, como que se acusa alguém de heresia se toda a Santa Igreja reconhecia plenamente sua ortodoxia, seja em relação a doutrina seja em relação a moral, pois Orígenes fora mestre intelectual e fora mestre espiritual.

Ora, Justiniano após fazer isso, galgou a si uma grande honra e foi muitíssimo estimado; o que também evidência que tal atitude foi uma tentativa de usurpar a autoridade de Orígenes; todo usurpador no ato de usurpação sempre é valorado, mas posteriormente as consequências são terríveis, como de fato neste quesito foram assaz terríveis.

Assim, ao se evocar o exemplo de Orígenes, se consegue compreender no que realmente consiste a rejeição a autoridade em teologia; se uma autoridade teológica, a maior das autoridades na teologia, sofreu esta infâmia, o que não se dirá de alguma autoridade teológica que possa surgir em meio as confusões inomináveis dos tempos modernos.

Todavia, ao se observar toda esta bagunça infame quanto a crítica e/ou aceitação de autoridade em teologia, se deve levar em conta o caso de Orígenes, pois os erros continuam a ser mesmos, apenas não se ordena mais a queima de livros, a tortura ou algo similar; mas a inveja e a maledicência contra autoridade em teologia tende a ser mesma, principalmente no âmbito de uma cristandade tão ideologizada; e, pasme-se, inveja até mesmo contra autoridades intelectuais, o que por si já demonstra total imbecilidade (e imbecilidade é evidência de soberba [cf. Sl 10.4]).

Além disso, que se reafirme novamente que essas críticas quanto a autoridade teológica são expressão inconcussa de ideologização. Orígenes sofreu tanto com isso, que ao se iniciar uma perseguição por parte de autoridades políticas, ele foi torturado até quase a morte, deixando-o com a saúde debilitada e bem fragilizado; e morreu poucos anos depois de sofrer estas torturas.

Então, que sempre se relembre que a rejeição a autoridade em teologia provém de ideologização e de tentativa de “poderes de mando” de galgaram autoridade e aceitação no âmbito da Santa Igreja, que as mais das vezes para alcançarem isso tratam de promover, de várias maneiras, a rejeição para com os santos e as autoridades teológicas, principalmente porque os santos e as autoridades teológicas são um baluarte contra os propósitos nefastos das ideologias.

Por isso, sempre que alguém rejeitar as autoridades em teologia, principalmente se for um político, mesmo se for um político que se diz “cristão”, o que está por detrás é inveja e a tentativa de instaurar um poder de mando sobre a Santa Igreja. Justiniano fora canonizado, mas seu erro neste quesito trouxe consequências terríveis para a cristandade grega, que são manifestas até os tempos atuais.

Assim, se constata algo terrível, já que a usurpação que quase definhou a ortodoxia no segundo milênio é consequência direta da atitude hedionda do imperador Justiniano contra a obra e a autoridade de Orígenes.

III

[Como reconhecer uma autoridade na sagrada teologia?]

Assim, surge a indagação: como reconhecer uma autoridade na sagrada teologia?

Quanto a isso, se estabelecem dois princípios: primeiro, da autoridade teológica de todos os fiéis; segundo, da autoridade teológica de um teólogo.

1. Em relação ao primeiro, se constata biblicamente que todos os fiéis, isto é, toda a Santa Igreja, participa nos mistérios teológicos, já que a vida eclesial é uma vida sacramental (cf. 2Pe 1.4); os sacerdotes e os leigos, neste sentido, participam da mesma vida eclesial, na qual todos os fiéis, sacerdotes e leigos, estão inseridos nos mesmos mistérios; a diferença é que os sacerdotes são vocacionados por Deus para servirem o povo de Deus em nome de Cristo, para administrarem a vida interna da Igreja, conduzir a liturgia, preservar a sacramentalidade da Igreja, proclamar o Santo Evangelho, etc.

Por isso, neste sentido, sejam sacerdotes sejam leigos, possuem alguma autoridade para lidar com questões teológicas, desde que se tenha conhecimento para isso; assim, se constrói uma ampla gama de ensinamentos teológicos que se desenvolvem a medida do estudo e da busca por conhecimento; neste quesito está muito próximo da concepção de autoridade no saber filosófico.

Pois, há de se ter o conhecimento intelectual para desenvolver a inteligência e o raciocínio para a compreensão racional; pois, sem raciocínio sem compreensão, seja em que assunto for; então a leitura de obras ditas intelectuais é de fundamental importância para ajudar no desenvolvimento do ato de raciocinar, principalmente em questões teológicas.

Portanto, todos os fiéis que vivem uma vida santa podem contribuir com algo neste sentido, desde que conheçam o que falam e vivam corretamente a fé; isso é a partilha da fé inerente a vida cristã; quanto a isso, todos os fiéis tem autoridade teológica para partilhar a fé com outras pessoas, mesmo se isso for feito por escrito, em livros, publicações, etc.

Todavia, nem todos os fiéis possuem autoridade de ensino (cf. Tg 3.1); na verdade, na Santa Igreja pouquíssimos são o que possuem autoridade de ensino em teologia, só os que são vocacionados por Deus para o ensino das coisas sagradas (cf. 2Tm 4.2), dos quais, quase todos são parte da hierarquia (raros são os leigos que alcançam autoridade para isso); mas todos os fiéis são exortados a partilhar a fé toda vez que isto se fizer necessário (cf. 1Pe 3.15).

2. Em relação ao segundo, a situação é mais complicada; pois, não é qualquer um que é vocacionado por Deus para ser teólogo; na verdade, pouquíssimos são os que são vocacionados por Deus para a teologia; talvez, um a cada milênio, ou um a cada 700-800 anos, pelos critérios da Sagrada Tradição; além do que, aqueles que são vocacionados por Deus para a teologia, além das qualificações espirituais, também hão de ter as mais excelentes qualificações intelectuais; e isso se comprova tanto através da Sagrada Escritura quanto através da Sagrada Tradição.

Por isso, aqueles que são qualificados para a sagrada teologia, em sentido intelectual, hão de ter dominado o saber e discernido plenamente o amplo escopo da filosofia, seja em relação ao platonismo seja em relação ao aristotelismo, e tenha se desenvolvido capacidades intelectuais para ajuizar o que concerne o saber filosófico, mesmo em se tratando da reflexão teológica; além disso, há de ter desenvolvimento ou de antemão, ou em consonância, ou em conjunto com a obra teológica, um ampla análise filosófica-intelectual, que comprove capacidade racional para discernir as revelações divinas.

Ora, isso é o que ocorrera por exemplo com São Gregório o Teólogo e com São Simeão o Novo Teólogo; ambos dominaram plenamente o saber, e discerniram o que concerne a filosofia e desenvolveram excelentes reflexões intelectuais nas próprias obras teológicas que escreveram; mais propriamente, ambos eram mais platônicos, e desenvolveram insights e perspectivas sobre o platonismo em meio as análises teológicas que evidenciam a mais aguda capacidade intelectual.

E para se entender esta questão, se evoca o exemplo de Tomás de Aquino; pois, São Genádio Escolário houvera afirmado que naquilo em que Tomás não é expressor da latinidade, ele está totalmente correto; e São Genádio Escolário tem total razão; Tomás embora seja latino, sua obra não é expressão apenas da latinidade; e no que é latinidade se deve ponderar e no que é herético se deve rejeitar, mas no que não é se deve aproveitar, pois como o próprio São Genádio Escolário afirmara, Tomás é um sábio inspirado por Deus.

Por isso, se compara por exemplo o que São Simeão o Novo Teólogo fizera com o que Tomás de Aquino fizera; a primeira diferença está no método, um era escolástico e o outro não; a segunda no principium filosófico, um era platônico e o outro aristotélico; a terceira diferença é que Tomás desenvolvera uma obra intelectual com textos filosóficos e São Simeão não o fizera, embora em suas obras contenha inúmeros insights filosóficos de inestimável valor; etc.

Então, se observa a diferença maior está no método e na produção de obras filosóficas a par da obra teológica; e evoca este exemplo com Tomás pois é o maior teólogo latino, e porque serve de base para aclarar uma confusão terrível que assola a compreensão sobre a função do teólogo na Ortodoxia; a função do teólogo não é propriamente desenvolver uma obra intelectual a parte, embora o possa fazer, mas propriamente comunicar de maneira entendível e da forma mais límpida possível a experiência de Deus, adquirida pela Oração, pelo estudo da Sagrada Escritura e pela gloriosa iluminação do Espírito Santo.

Outrossim, é que mesmo que por exemplo São Simeão o Novo Teólogo não tenha desenvolvido especificamente uma obra filosófica-intelectual, ele demonstrara total capacidade para fazê-lo; o mesmo se diz de São Gregório o Teólogo; portanto, é sumamente necessário, e isso deve ser totalmente reconhecível e visível, que aquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo tenha esta capacidade em seu lume mais excelente nas questões filosóficas, manifesto na pré-disposição a erudição desde a mais tenra juventude.

Pois, aqueles que foram reconhecidos pela Sagrada Tradição como Teólogo, tiveram esta capacidade totalmente reconhecida e plenamente manifesta. E o mesmo se diz da cristandade latina, embora na modernidade isso tenha se tornado algo infernoso na latinidade, especialmente em tempos hodiernos, e particularmente no protestantismo. A bagunça teológica do protestantismo é algo hediondo e terrível.

No entanto, não é só erudição fora do comum; por exemplo, São Genádio Escolário, São João de Kronstadt, entre outros, possuíam erudição fora do comum, e não foram reconhecidos como teólogos; pois, não é somente a erudição fora do comum, é erudição especial e extraordinária, manifesto no direcionar do Espírito Santo para os assuntos filosóficos; esta é a erudição especial que concerne a alguém que Deus vocaciona para ser Teólogo; portanto, não é só a grande capacidade intelectual e o conhecimento enciclopédico, mas a erudição intelectual guiada pelo Espírito Santo.

Assim, estas pressuposições são o mínimo que se espera, no sentido intelectual, daquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo; sem estas capacidades intelectuais, se pode ter a certeza que não se terá um teólogo no sentido correto do termo; além do que, raros são aqueles que ao adquirirem tamanho conhecimento não se perdem na arrogância ou na vaidade; por isso, nem todos são por Deus vocacionados para tal função, senão acabariam por se perder em meio aos penhascos nos quais se põe a inteligência e a consciência daquele que se põe na escola do saber filosófico.

No entanto, como é óbvio não é somente isso que faz de alguém um teólogo, mas fundamentalmente a verdadeira e gloriosa experiência de Deus e com Deus; e aqui se evoca as qualificações espirituais daquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo; e qualificações espirituais não somente nas disciplinas espirituais, e não somente em relação a manifestação dos dons espirituais, mas na experiência que Deus outorga e no direcionar divino específico e manifesto à quem o Espírito Santo conduz para ser um Teólogo (cf. Is 28.26, 48.17), através de iluminações especiais sobre os assuntos espirituais. E este último aspecto demonstra verdadeiramente quem é por Deus vocacionado para ser um teólogo.

Além disso, as qualificações espirituais se desenvolvem em concórdia com o desenvolvimento intelectual; pois, para quem é vocacionado para ser teólogo quanto mais profunda for a espiritualidade, mais aguda tem de ser a capacidade intelectual; e a mais aguda capacidade intelectual tem de ser demonstrada com a mais profunda vida espiritual.

Ademais, a quem o Espírito Santo vocaciona para ser Teólogo, desenvolverá maestria e sapiência extraordinárias no manejo da Sagrada Escritura; aquele a quem o Espírito vocaciona para ser Teólogo será reconhecido como um homem de “mente escruturística”, de “intelecto bíblico”, como alguém que tem o raciocínio totalmente dominado pelos preceitos bíblicos; na escolástica latina era chamado de “magister in sacra pagina”; etc.

Assim sendo, a quem o Espírito Santo vocaciona para tal propósito haverá uma sobre-excelência intelectual e espiritual, não no sentido de ser melhor do que outrem, ou de galgar honra mundana na Igreja ou de buscar posições hierárquicas, mas o Espírito assim o faz para tornar manifesto e conhecido quando esta rara vocação surge na Santa Igreja.

***

E, para concluir, certamente estas palavras devem ser suficientes para dar uma resposta, mesmo a alguns ortodoxos desajuizados, quanto a compreensão da autoridade em teologia no âmbito da Santa Igreja Ortodoxa; e que isso seja entendido corretamente, para que não se crie o espírito de perfídia inerente ao protestantismo causado justamente pela rejeição as autoridades teológicas e pela falta de critério para discernir quem é teólogo e quem não é; discernir quem não é teólogo é fácil; todavia, reconhecer quem é, certamente se tornará algo difícil, principalmente porque já não surge um Teólogo a mais de mil anos; entretanto, se surgir um Teólogo vocacionado por Deus, que a Santa Igreja saiba reconhecê-lo e valorizá-lo para a glória de Deus. 

θεῷ χάρις


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