Prólogo
Infelizmente se tornou costumeiro uma série de críticas,
vindas de ortodoxos, a respeito da questão da autoridade em teologia no âmbito
da própria Ortodoxia; na verdade, estas críticas parecem demonstrar uma
preocupação contra a loucura que em relação a esta questão dominou a
cristandade latina; no entanto, apenas parece, pois estas críticas são
permeadas pelo mesmo erro o qual tanto criticam; são os dois lados da mesma
moeda: muda-se o lado da moeda, mas mantém-se o mesmo valor; logo, etc.
Entendamos a questão por parte.
I
[A questão da autoridade teológica na Santa Igreja]
Antes de tudo, é bom que se saiba, que tudo o que os
santos produziram de ensinamentos é útil para todos os fiéis em todas épocas; o
testemunho dos santos continua a ecoar por toda a história; e em relação aos
que alguns santos produziram quanto ao saber humano, em ciência, filosofia,
direito, etc., se deve tomar tais textos em predileção a de autores
não-cristãos, principalmente os textos dos santos que também foram
intelectuais. E isso é o que ensina o bom senso comum quanto a questão da
autoridade, seja nos assuntos teológicos seja nos assuntos filosóficos.
No entanto, a costumeira preocupação com que indivíduos
ditos “isolados” arrolem para si tais epítetos, não é tanto quanto a uma
suposta tentativa de colocar a Santa Igreja sujeita a autoridade de um homem
sozinho; pois, a autoridade teológica plena é algo raríssimo; geralmente, é
algo reconhecido só após morte, ainda que possa ter grande influência na Santa
Igreja em vida (isto é, o reconhecimento em vida).
Entretanto, do mesmo modo, a autoridade teológica também
não é preterida e/ou desmerecida por alguém em vida; ao criticarem os que
arrolam para si tais epítetos - o que nem ocorre de facto, pois os “tais”
que arrolam isso nem sequer possuem os qualificativos necessários para arrolar para si tal epíteto -,
acabam por cometer o mesmo erro; aliás, a Sagrada Tradição é que decide isso; e
o excesso de preocupação quanto a isso demonstra orgulho e arrogância.
Por isso, o demérito para com alguém em relação a isso
também não é algo que deva ser feito; se criticam os que supostamente “buscam”
isso como orgulho, o que não se dirá dos que ao criticarem estes cometem um
erro moral ainda pior; então, que se deixe isso para a Sagrada Tradição; a
crítica excessiva quanto a isso demonstra o mesmo que tanto se crítica, pois é
expressão de inveja.
Além disso, é bom que se reafirme que a rejeição quanto a
autoridade em teologia tem um outro aspecto; pois, não é a simples rejeição a
quem supostamente arrola isso ou busca isso, etc.; mas, é fruto da
ideologização; sempre que a Santa Igreja é ideologizada, a primeira coisa é a
rejeição para com as autoridades teológicas, seja as do passado, os Padres da
Igreja e os santos, seja as que possam se formar no presente e/ou no futuro;
além disso, segundo a Sagrada Escritura, a rejeição para com autoridade, seja
ela de qual tipo for, é evidência de apostasia (cf. Jd 1.8).
Assim sendo, o ato de preterir ou supostamente rejeitar a
autoridade em teologia, não é parte do que concerne a verdadeira piedade
cristã; aliás, nem a preocupação excessiva com isso faz parte da verdadeira fé
ortodoxa; e, que se saiba, uma verdadeira autoridade no âmbito da teologia, não
necessariamente precisa se arrolar isso, mas o próprio Espírito Santo dá
testemunho de quando surge alguém assim para edificação da Igreja; assim foi
com São João o Teólogo, assim foi com São Gregório o Teólogo e assim foi com
São Simeão o Novo Teólogo; e assim continuará a ser sempre que o Espirito
quiser suscitar verdadeiramente um Teólogo para a edificação da Santa Igreja.
Agora, uma coisa é surgir um Teólogo neste sentido, que é
algo especialíssimo e raríssimo; outra coisa é autoridade teológica no quesito
de conhecimento; o reconhecimento como Teólogo, se for ocorrer em vida, só é
outorgado pelo Santo Sínodo e em concórdia com toda a comunhão ortodoxa; e,
após a morte, pela Sagrada Tradição, do mesmo como ocorre com a canonização. E
em relação a isso, como fora dito, é algo raríssimo, tanto que somente três
santos receberam este título da Sagrada Tradição, um dos quais um autor sacro.
No entanto, quanto a autoridade teológica no quesito de
conhecimento, se tem de dois aspectos a serem refletidos: primeiro, de maneira
plena, naqueles que movidos pelo Espírito Santo escreverem assuntos teológicos
com plenitude de conhecimento e grande piedade; e esses são os santos, a maior
parte composta dos que são vocacionados por Deus ao sacerdócio (diáconos,
padres e bispos).
Segundo, de maneira derivada, em alguém que pode produzir
algo de valor quanto a tópicos teológicos, mesmo que isso não venha a ser
utilizado plenamente, mas pode ser útil quanto a conhecimento; e o conhecimento
é de suma importância, porque os que rejeitam o conhecimento, mesmo o
teológico, seja ele proveniente donde for, são rejeitados por Deus (cf. Os
4.6).
Deste modo, se deve distinguir o que provém da pura
autoridade no conhecimento humano, ainda que seja em assuntos teológicos, o que
quem vive uma vida santa e em comunhão com a Santa Igreja e tenha conhecimento
pode produzir; outra coisa é o que provém de uma autoridade plena neste
quesito, o que como fora dito é mais raro e somente o Santo Sínodo e a Sagrada
Tradição é quem possuem autoridade para reconhecer, e tal reconhecimento não
vem somente assim, as vezes advém até mesmo de elementos fora da fé, ou de
assuntos além da fé, como no caso de alguma autoridade em teologia que também é
reconhecido por filósofos, intelectuais, e por outras partes da verdadeira
cristandade.
Por isso, se deve evitar essas críticas sem sentido,
porque isso cheira a inveja e a jactância; a falta de conhecimento faz com se
tenha críticas excessivas e sem sentido aos que possuem conhecimento; aliás, a
falta de conhecimento conduz a críticas imbecis quanto a autoridades no
conhecimento, bem como a falta de conhecimento induz aos tentáculos jactantes
do não-conhecimento.
Por isso, a não-aceitação de autoridades no conhecimento,
seja ela em qual esfera for, mesmo em teologia, também evidência a
ideologização que busca tirar a Santa Igreja do testemunho dos santos e
colocá-la sujeita a poderes de mando.
Aliás, desde o séc. VI, sempre que se critica ou se
rejeita uma autoridade em teologia sem razão concreta para isso, se tem por
detrás alguma forma de ideologização ou de assenhoramento político da Santa
Igreja.
II
[Uma análise de caso: Orígenes]
E para se explicar este problema, se evoca o caso mais
emblemático de rejeição a autoridade em teologia, a saber: a infâmia cometida
contra a obra e a autoridade de Orígenes, o maior dos teólogos.
Se sabe pelo testemunho de toda a Igreja Antiga, de todos
os Padres da Igreja, e das antigas sedes apostólicas orientais, as que
atualmente se chamam Igrejas Ortodoxas Orientais, o berço do cristianismo, que
Orígenes é santo e é o maior dos teólogos; todos os Padres da Igreja basearam
suas reflexões teológicas a partir de Orígenes, seja os padres capadócios, seja
São Jerônimo, seja Santo Agostinho, etc.; a patrística é toda ela muito
devedora a Orígenes, em qualquer área da teologia; na verdade, toda a patrística
é, em suma, origenista, seja na teologia seja na filosofia.
Orígenes é a maior autoridade teológica em qualquer
âmbito da ciência sagrada, e esse é o testemunho que ecoa das sedes apostólicas
e dos Padres da Igreja; bem como Orígenes fora um dos maiores filósofos
neoplatônicos, sendo um dos maiores platônicos de todos os tempos, maior até
mesmo do que Santo Agostinho.
No entanto, ocorrera uma desdita inominável com a obra de
Orígenes; veja-se bem, Orígenes escreveu mais de 6.000 livros, alguns dos quais
muitos extensos; se sabe que Orígenes durante mais de 40 anos escreveu centenas
de páginas por dia; foi Orígenes que abriu os caminhos em todos as áreas da
ciência teológica, da exegese a espiritualidade, etc.; absolutamente tudo na
teologia tem a influência de Orígenes.
Todavia, alguns homens movidos pela inveja e pelo
despeito de não conseguirem galgar tamanha autoridade - diga-se aqui, que a
autoridade de Orígenes foi outorgada por Deus -, começaram a tentar encontrar
erros na obra de Orígenes para desmerecê-lo e desautorizá-lo; como não
conseguiram atacar o homem, atacaram sua obra; e como Orígenes escreveu muito e
foi um abridor de caminhos, algumas de suas pressuposições não foram abalizadas
plenamente, pois algumas delas ele apenas descreveu e demonstrou possibilidades;
justamente em relação a estas pressuposições deixadas em aberto que foram
procurar erros, não por conta de supostas heresias, mas para vituperar a
autoridade de Orígenes.
E assim, em meio a um Concílio Ecumênico, o Segundo
Concílio de Constantinopla, se condenou algumas pressuposições origenistas, não
por conta de erro, mas por inveja e ideologização; tanto o é, que após o
Sagrado Concílio que nem sequer mencionou Orígenes diretamente, as acusações
foram inseridas nas atas do Concílio, pois em relação a isso fora movido pela
vontade de poder de um líder político; e depois o próprio líder político, o
imperador Justiniano, ordenou a queima e o desparecimento sistemático de toda a
obra de Orígenes.
E observe-se bem, as pressuposições origenistas
condenadas estavam em cerca de uma dezena de obras de Orígenes, mas o imperador
Justiniano ordenou a destruição de toda a extensa obra de Orígenes; ora, se
fossem apenas erros, e se fosse o caso de isso ser correto, se destruiria
apenas de dez a quinze obras, mas o imperador mandou destruir as milhares de
obras de Orígenes, o que também foi seguido pelo papa Gelásio I. Infelizmente,
neste quesito, a cristandade grega e a cristandade latina lutaram em conjunto
contra a maior autoridade na teologia.
Então, com isso já se consegue compreender que o que
motivou tal atitude fora a inveja e não heresias; aliás, como que se acusa
alguém de heresia se toda a Santa Igreja reconhecia plenamente sua ortodoxia,
seja em relação a doutrina seja em relação a moral, pois Orígenes fora mestre
intelectual e fora mestre espiritual.
Ora, Justiniano após fazer isso, galgou a si uma grande
honra e foi muitíssimo estimado; o que também evidência que tal atitude foi uma
tentativa de usurpar a autoridade de Orígenes; todo usurpador no ato de
usurpação sempre é valorado, mas posteriormente as consequências são terríveis,
como de fato neste quesito foram assaz terríveis.
Assim, ao se evocar o exemplo de Orígenes, se consegue
compreender no que realmente consiste a rejeição a autoridade em teologia; se
uma autoridade teológica, a maior das autoridades na teologia, sofreu esta
infâmia, o que não se dirá de alguma autoridade teológica que possa surgir em
meio as confusões inomináveis dos tempos modernos.
Todavia, ao se observar toda esta bagunça infame quanto a
crítica e/ou aceitação de autoridade em teologia, se deve levar em conta o caso
de Orígenes, pois os erros continuam a ser mesmos, apenas não se ordena mais a
queima de livros, a tortura ou algo similar; mas a inveja e a maledicência
contra autoridade em teologia tende a ser mesma, principalmente no âmbito de
uma cristandade tão ideologizada; e, pasme-se, inveja até mesmo contra
autoridades intelectuais, o que por si já demonstra total imbecilidade (e
imbecilidade é evidência de soberba [cf. Sl 10.4]).
Além disso, que se reafirme novamente que essas críticas
quanto a autoridade teológica são expressão inconcussa de ideologização.
Orígenes sofreu tanto com isso, que ao se iniciar uma perseguição por parte de
autoridades políticas, ele foi torturado até quase a morte, deixando-o com a
saúde debilitada e bem fragilizado; e morreu poucos anos depois de sofrer estas
torturas.
Então, que sempre se relembre que a rejeição a autoridade
em teologia provém de ideologização e de tentativa de “poderes de mando” de
galgaram autoridade e aceitação no âmbito da Santa Igreja, que as mais das
vezes para alcançarem isso tratam de promover, de várias maneiras, a rejeição
para com os santos e as autoridades teológicas, principalmente porque os santos
e as autoridades teológicas são um baluarte contra os propósitos nefastos das
ideologias.
Por isso, sempre que alguém rejeitar as autoridades em
teologia, principalmente se for um político, mesmo se for um político que se
diz “cristão”, o que está por detrás é inveja e a tentativa de instaurar um
poder de mando sobre a Santa Igreja. Justiniano fora canonizado, mas seu erro
neste quesito trouxe consequências terríveis para a cristandade grega, que são
manifestas até os tempos atuais.
Assim, se constata algo terrível, já que a usurpação que
quase definhou a ortodoxia no segundo milênio é consequência direta da atitude
hedionda do imperador Justiniano contra a obra e a autoridade de Orígenes.
III
[Como reconhecer uma autoridade na sagrada teologia?]
Assim, surge a indagação: como reconhecer uma autoridade
na sagrada teologia?
Quanto a isso, se estabelecem dois princípios: primeiro,
da autoridade teológica de todos os fiéis; segundo, da autoridade teológica de
um teólogo.
1. Em relação ao primeiro, se constata biblicamente que
todos os fiéis, isto é, toda a Santa Igreja, participa nos mistérios
teológicos, já que a vida eclesial é uma vida sacramental (cf. 2Pe 1.4); os
sacerdotes e os leigos, neste sentido, participam da mesma vida eclesial, na
qual todos os fiéis, sacerdotes e leigos, estão inseridos nos mesmos mistérios;
a diferença é que os sacerdotes são vocacionados por Deus para servirem o povo
de Deus em nome de Cristo, para administrarem a vida interna da Igreja, conduzir
a liturgia, preservar a sacramentalidade da Igreja, proclamar o Santo
Evangelho, etc.
Por isso, neste sentido, sejam sacerdotes sejam leigos,
possuem alguma autoridade para lidar com questões teológicas, desde que se
tenha conhecimento para isso; assim, se constrói uma ampla gama de ensinamentos
teológicos que se desenvolvem a medida do estudo e da busca por conhecimento;
neste quesito está muito próximo da concepção de autoridade no saber
filosófico.
Pois, há de se ter o conhecimento intelectual para
desenvolver a inteligência e o raciocínio para a compreensão racional; pois,
sem raciocínio sem compreensão, seja em que assunto for; então a leitura de
obras ditas intelectuais é de fundamental importância para ajudar no
desenvolvimento do ato de raciocinar, principalmente em questões teológicas.
Portanto, todos os fiéis que vivem uma vida santa podem
contribuir com algo neste sentido, desde que conheçam o que falam e vivam
corretamente a fé; isso é a partilha da fé inerente a vida cristã; quanto a
isso, todos os fiéis tem autoridade teológica para partilhar a fé com outras
pessoas, mesmo se isso for feito por escrito, em livros, publicações, etc.
Todavia, nem todos os fiéis possuem autoridade de ensino
(cf. Tg 3.1); na verdade, na Santa Igreja pouquíssimos são o que possuem
autoridade de ensino em teologia, só os que são vocacionados por Deus para o
ensino das coisas sagradas (cf. 2Tm 4.2), dos quais, quase todos são parte da
hierarquia (raros são os leigos que alcançam autoridade para isso); mas todos
os fiéis são exortados a partilhar a fé toda vez que isto se fizer necessário
(cf. 1Pe 3.15).
2. Em relação ao segundo, a situação é mais complicada;
pois, não é qualquer um que é vocacionado por Deus para ser teólogo; na
verdade, pouquíssimos são os que são vocacionados por Deus para a teologia;
talvez, um a cada milênio, ou um a cada 700-800 anos, pelos critérios da
Sagrada Tradição; além do que, aqueles que são vocacionados por Deus para a
teologia, além das qualificações espirituais, também hão de ter as mais
excelentes qualificações intelectuais; e isso se comprova tanto através da
Sagrada Escritura quanto através da Sagrada Tradição.
Por isso, aqueles que são qualificados para a sagrada
teologia, em sentido intelectual, hão de ter dominado o saber e discernido
plenamente o amplo escopo da filosofia, seja em relação ao platonismo seja em
relação ao aristotelismo, e tenha se desenvolvido capacidades intelectuais para
ajuizar o que concerne o saber filosófico, mesmo em se tratando da reflexão
teológica; além disso, há de ter desenvolvimento ou de antemão, ou em
consonância, ou em conjunto com a obra teológica, um ampla análise filosófica-intelectual,
que comprove capacidade racional para discernir as revelações divinas.
Ora, isso é o que ocorrera por exemplo com São Gregório o
Teólogo e com São Simeão o Novo Teólogo; ambos dominaram plenamente o saber, e
discerniram o que concerne a filosofia e desenvolveram excelentes reflexões
intelectuais nas próprias obras teológicas que escreveram; mais propriamente,
ambos eram mais platônicos, e desenvolveram insights e perspectivas sobre o
platonismo em meio as análises teológicas que evidenciam a mais aguda
capacidade intelectual.
E para se entender esta questão, se evoca o exemplo de
Tomás de Aquino; pois, São Genádio Escolário houvera afirmado que naquilo em
que Tomás não é expressor da latinidade, ele está totalmente correto; e São
Genádio Escolário tem total razão; Tomás embora seja latino, sua obra não é
expressão apenas da latinidade; e no que é latinidade se deve ponderar e no que
é herético se deve rejeitar, mas no que não é se deve aproveitar, pois como o
próprio São Genádio Escolário afirmara, Tomás é um sábio inspirado por Deus.
Por isso, se compara por exemplo o que São Simeão o Novo
Teólogo fizera com o que Tomás de Aquino fizera; a primeira diferença está no
método, um era escolástico e o outro não; a segunda no principium filosófico,
um era platônico e o outro aristotélico; a terceira diferença é que Tomás
desenvolvera uma obra intelectual com textos filosóficos e São Simeão não o
fizera, embora em suas obras contenha inúmeros insights filosóficos de
inestimável valor; etc.
Então, se observa a diferença maior está no método e na
produção de obras filosóficas a par da obra teológica; e evoca este exemplo com
Tomás pois é o maior teólogo latino, e porque serve de base para aclarar uma
confusão terrível que assola a compreensão sobre a função do teólogo na
Ortodoxia; a função do teólogo não é propriamente desenvolver uma obra
intelectual a parte, embora o possa fazer, mas propriamente comunicar de
maneira entendível e da forma mais límpida possível a experiência de Deus, adquirida
pela Oração, pelo estudo da Sagrada Escritura e pela gloriosa iluminação do
Espírito Santo.
Outrossim, é que mesmo que por exemplo São Simeão o Novo
Teólogo não tenha desenvolvido especificamente uma obra filosófica-intelectual,
ele demonstrara total capacidade para fazê-lo; o mesmo se diz de São Gregório o
Teólogo; portanto, é sumamente necessário, e isso deve ser totalmente
reconhecível e visível, que aquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo tenha
esta capacidade em seu lume mais excelente nas questões filosóficas, manifesto
na pré-disposição a erudição desde a mais tenra juventude.
Pois, aqueles que foram reconhecidos pela Sagrada
Tradição como Teólogo, tiveram esta capacidade totalmente reconhecida e
plenamente manifesta. E o mesmo se diz da cristandade latina, embora na
modernidade isso tenha se tornado algo infernoso na latinidade, especialmente
em tempos hodiernos, e particularmente no protestantismo. A bagunça teológica
do protestantismo é algo hediondo e terrível.
No entanto, não é só erudição fora do comum; por exemplo,
São Genádio Escolário, São João de Kronstadt, entre outros, possuíam erudição
fora do comum, e não foram reconhecidos como teólogos; pois, não é somente a erudição
fora do comum, é erudição especial e extraordinária, manifesto no direcionar do
Espírito Santo para os assuntos filosóficos; esta é a erudição especial que
concerne a alguém que Deus vocaciona para ser Teólogo; portanto, não é só a
grande capacidade intelectual e o conhecimento enciclopédico, mas a erudição
intelectual guiada pelo Espírito Santo.
Assim, estas pressuposições são o mínimo que se espera,
no sentido intelectual, daquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo; sem
estas capacidades intelectuais, se pode ter a certeza que não se terá um
teólogo no sentido correto do termo; além do que, raros são aqueles que ao
adquirirem tamanho conhecimento não se perdem na arrogância ou na vaidade; por
isso, nem todos são por Deus vocacionados para tal função, senão acabariam por
se perder em meio aos penhascos nos quais se põe a inteligência e a consciência
daquele que se põe na escola do saber filosófico.
No entanto, como é óbvio não é somente isso que faz de
alguém um teólogo, mas fundamentalmente a verdadeira e gloriosa experiência de
Deus e com Deus; e aqui se evoca as qualificações espirituais daquele a quem
Deus vocaciona para ser teólogo; e qualificações espirituais não somente nas
disciplinas espirituais, e não somente em relação a manifestação dos dons
espirituais, mas na experiência que Deus outorga e no direcionar divino
específico e manifesto à quem o Espírito Santo conduz para ser um Teólogo (cf.
Is 28.26, 48.17), através de iluminações especiais sobre os assuntos espirituais.
E este último aspecto demonstra verdadeiramente quem é por Deus vocacionado
para ser um teólogo.
Além disso, as qualificações espirituais se desenvolvem
em concórdia com o desenvolvimento intelectual; pois, para quem é vocacionado
para ser teólogo quanto mais profunda for a espiritualidade, mais aguda tem de
ser a capacidade intelectual; e a mais aguda capacidade intelectual tem de ser
demonstrada com a mais profunda vida espiritual.
Ademais, a quem o Espírito Santo vocaciona para ser Teólogo,
desenvolverá maestria e sapiência extraordinárias no manejo da Sagrada
Escritura; aquele a quem o Espírito vocaciona para ser Teólogo será reconhecido
como um homem de “mente escruturística”, de “intelecto bíblico”, como alguém
que tem o raciocínio totalmente dominado pelos preceitos bíblicos; na escolástica
latina era chamado de “magister in sacra pagina”; etc.
Assim sendo, a quem o Espírito Santo vocaciona para tal
propósito haverá uma sobre-excelência intelectual e espiritual, não no sentido
de ser melhor do que outrem, ou de galgar honra mundana na Igreja ou de buscar
posições hierárquicas, mas o Espírito assim o faz para tornar manifesto e
conhecido quando esta rara vocação surge na Santa Igreja.
***
E, para concluir, certamente estas palavras devem ser suficientes para dar uma resposta, mesmo a alguns ortodoxos desajuizados, quanto a compreensão da autoridade em teologia no âmbito da Santa Igreja Ortodoxa; e que isso seja entendido corretamente, para que não se crie o espírito de perfídia inerente ao protestantismo causado justamente pela rejeição as autoridades teológicas e pela falta de critério para discernir quem é teólogo e quem não é; discernir quem não é teólogo é fácil; todavia, reconhecer quem é, certamente se tornará algo difícil, principalmente porque já não surge um Teólogo a mais de mil anos; entretanto, se surgir um Teólogo vocacionado por Deus, que a Santa Igreja saiba reconhecê-lo e valorizá-lo para a glória de Deus.
θεῷ χάρις!
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