29/11/2025

Glosas sobre o Conceito de Divertimento em Pascal

Nota Inicial

 

As glosas ou nótulas feitas ao conceito de divertimento tal como disposto nos “Pensées” de Pascal seguem a numeração da edição de Brunschvicg.

 

Prólogo

 

O conceito de divertimento (divertissement) é uma cirúrgica definição para descrever o que os homens fazem para velar de si mesmos o estado de miséria no qual se encontram; e esta significativa definição provém de Pascal; e mesmo que a definição pascalina tenha ficado incompleta e fragmentária, da mesma se extrai uma ampla gama de ensinamentos, através dos quais se compreende as causas e as consequências dos divertimentos.

E se põe a explicação deste conceito pascalino, pois o que a partir das proposições evagrianas se diz das manifestações da luxuria, foi o que Pascal pelo lume da luz interior chamou de divertimento; o demônio da luxuria é o que põe aos homens os divertimentos, para que através destes se aposse, de modo direito ou indireto, das consciências.

Por isso, compreender esta definição pascalina é compreender, de modo racional, alguns dos estratagemas que Satanás se utiliza (cf. 2Ts 2.9-10), seja para gerar o impedimento da razão e/ou para cristalizá-lo, seja para induzir a vontade.

Assim, os seguintes fragmentos (Frag.) dos “Pensées” trazem reflexão sobre o divertimento, e respectivamente se tem as glosas explicativas aos mesmos (identificadas pelo §): 

Frag. 11 (§ 1-5)

Frag. 164 (§ 36-38)

Frag. 170 (§ 45-46)

Frag. 137 (§ 6-8)

Frag. 166 (§ 39-40)

Frag. 171 (§ 47-49)

Frag. 139 (§ 9-28)

Frag. 167 (§ 41)

Frag. 200 (§ 50-52)

Frag. 142 (§ 29-31)

Frag. 168 (§ 42)

Frag. 324 (§ 53-56)

Frag. 143 (§ 32-35)

Frag. 169 (§ 43-44)

Frag. 469 (§ 57-58)

Eis, portanto, as glosas feitas ao conceito de divertimento tal como desenvolvido por Pascal.

 

§ 1

 

Os divertimentos e a vida cristã são auto-excludentes; onde há divertimento não se tem vida cristã, e onde se tem vida cristã não há divertimento; pois, o divertimento é, em si mesmo, totalmente contrário ao preceito fundamental da piedade cristã, a humildade.

 

§ 2

 

A comédia é o divertimento mais perigoso à fé cristã; não tanto a comédia enquanto gênero poético, mas os efeitos da comédia além da poética; por isso, é o divertimento que mais deve ser temido; pois, as representações da comédia atinam de modo delicado as paixões, o que as faz parecer corretas; a delicadeza com que se atina as paixões através das representações da comédia, tira a filtragem crítica ou o autoexame de consciência, a fim de não se aperceber se estas paixões são salutares ou não - e as mais das vezes não são salutares, antes terrivelmente perigosas.

 

§ 3

 

As representações da comédia trazem desequilíbrios quanto a falsas aparências; pois, ao se aparentar inocência, as almas são seduzidas pela aparência de inocência, o que não somente traz engano, mas também destrói o temor das almas, já que a aparência falsa é um engodo que retira o temor da consciência. Por isso, como diz a Escritura: “Ter respeito à aparência de pessoas não é bom, porque até por um bocado de pão o homem prevaricará” (Pv 28.21); portanto, o respeito a falsas aparências retira o coração do caminho do bem.

 

§ 4

 

Os efeitos da comédia são tão terríveis que fazem o coração se sujeitar a própria comédia; e assim o coração se torna subserviente as impressões da comédia, gravando no próprio coração o real propósito da comédia não-poética, a saber, induzir aos divertimentos; isto, por sua vez, atina o coração para os prazeres, ou seja, torna o coração sujeito aos tentáculos das concupiscências (cf. 1Jo 2.16); pois, tais impressões gravam no coração a necessidade voraz de receber e ter os mesmos prazeres que foi visto e assentido inconscientemente nas representações da comédia.

 

§ 5

 

A vida cristã e a comédia são auto-excludentes, porque a comédia atina o coração para coisas que são contrárias a piedade e que matam o ímpeto da piedade; as representações que atinam a busca pelos prazeres corroem o coração à verdadeira piedade, bem como torna a vida cristã não mais expressão de temor e tremor para desenvolver a salvação, mas sim em expressão de destemor e irreverência diante de Deus, ou seja, em expressão dos divertimentos.

 

§ 6

 

A maior parte das ocupações particulares, aquelas que não dignas de serem ocupações, são tão diversas e se entranham tão ferrenhamente na vida de um indivíduo, que é impossível examiná-las adequadamente; todavia, existe um critério para compreender se uma ocupação é errônea ou não, a saber, basta analisá-las sob o divertimento; ora, se uma ocupação, seja ela qual for, é um divertimento, então é fruto da ociosidade.

 

§ 7

 

O divertimento é o elemento aferidor de medida para compreender se uma ocupação, seja ela qual for, é boa ou ruim; se for ruim, são causadas por estas coisas: primeiro, ociosidade; segundo, luxuria; terceiro, imbecilidade e/ou jactância.

 

§ 8

 

O divertimento afere se uma ocupação é fruto ou da personalidade bem integrada, ou então se é fruto ou da ociosidade, ou da luxuria ou da imbecilidade/jactância, ou em alguns casos destas em concórdia. E, as mais das vezes, as muitas ocupações, são expressão inegável de coração que busca insaciavelmente o divertimento.

 

§ 9

 

A infelicidade advém da falta de inquietude interior; as diversas agitações do homem são expressão apenas desta inquietude, que no fundo é falta de paz; os perigos inerentes ao poder, donde segundo o próprio Pascal, nascem as desavenças, paixões, etc., provém justamente da falta de quietude, ou mais propriamente da falta de humildade diante da própria miséria, causada pela falta de autoconsciência desta miséria. Na verdade, esta inquietude, em grande parte, é falta do prazer de ficar em casa, ou mais propriamente falta do prazer no próprio lar; as viagens desnecessárias, as conversações inúteis, os divertimentos dos jogos, etc., em suma, é a falta de prazer na quietude do lar.

 

§ 10

 

A inquietude, a causa de todos os infortúnios dos homens, é inconsolável; pois, a condição natural dos homens é fraca e mortal, isto é, é miserável; mesmo o mais rico dos homens não escapa a esta condição; na verdade, quanto maior o poder, a riqueza e o prestígio, mais evidente se torna este infortúnio ao ser realmente considerado. Portanto, em relação a isso, os homens tomam como o único bem que lhes compete o ato de se divertir, seja por alguma ocupação, seja por alguma paixão “agradável”, seja por alguma paixão nova, ou o jogo, etc., enfim qualquer coisa que se enquadre no que se chama de divertimento.

 

§ 11

 

Assim, os seres humanos procuram o jogo, a garranhice com as mulheres, a galinhice com os homens, a guerra, as grandes posições, etc.; não porque nestes se tenha algum tipo de felicidade, pois tais coisas são tão fáceis e tão voláteis que por si jamais poderiam consistir na verdadeira felicidade; se busca tais coisas porque a partir das mesmas se desvia o pensamento da miséria pessoal através do ato de se divertir; por isso, se gosta mais dos prazeres que estas coisas atinam do que destas próprias coisas. Pois, nestes casos, o ato do prazer pelo prazer é tido em voga sem sequer se aperceber do que de facto é praticado para obter este prazer.

 

§ 12

 

Por esta razão, os seres humanos passam a ser viciados no barulho e no movimento; tudo que busca excesso de barulho e excesso de movimento, é expressão de alma viciada no divertimento; também por isso, que a solitude parece são incompreensível e tão anormal, não porque não exista prazer na mesma, na verdade o verdadeiro e salutar prazer, mas pelo fato de que alma viciada em divertimentos se tornará uma alma que necessitará cada vez mais de doses maiores e mais abruptas de barulho e de movimento. O barulho e o movimento são tão viciantes quanto as drogas ou as bebidas alcóolicas; enquanto estes causam vícios físicos e atingem a alma, aqueles causam vício na parte irascível da alma e acabam por atingir a consciência.

 

§ 13

 

Aliás, sempre que alguém põe alguma forma de divertimento para outrem, é a fim de que esta pessoa não pense em si mesma, a fim de que não se autoexamine; mesmo os grandes e poderosos, estão cercados de gente para diverti-los, a fim de que não pensem em si mesmos, já que se isso fizessem lhes traria a infelicidade; e o que não se dirá das grandes massas, instrumentalizadas através dos divertimentos.

 

§ 14

 

Os homens inventam de tudo para os tornar felizes, mas ao fazê-lo, demonstram que não conhecem nada da natureza humana; ou elevam o homem demais, ou o rebaixam demais; isso se exemplifica através de uma simples analogia: caçar uma lebre durante o dia para se alimentar gera algum desgaste, principalmente quando se poderia ter comprado esta lebre sem dificuldade; assim os homens o fazem, não porque precisam, mas pelo prazer do divertimento na caça, não tanto pelo prêmio desta caça - e aqui se distingue da caça por lazer da caça por divertimento.

Do mesmo modo é com o autoexame; pois, assim como a lebre não garante nenhuma nada contra a consequências de nossas misérias, a caça sim nos obnubila disso ao nos divertir; e o mesmo se diz de qualquer espécie de divertimento. O ato de caçar, ou qualquer algo do tipo, em si mesmo não é errado, desde que praticado como lazer; mas se é praticado como divertimento, então é uma forma que o indivíduo arrolou para velar de si a própria miséria.

 

§ 15

 

A vida feliz é encontrada através do repouso, da ausência de movimento desnecessário; ou mais propriamente, na quietude; ora, a consideração sobre si, o autoexame, se é feito com sinceridade, demonstrará esta sinceridade na busca ou na falta de repouso; se se satisfaz com a quietude, mesmo tendo feito um autoexame, então se encontrou a felicidade; agora, se ao se fazer um autoexame, os homens evitam de maneira abrupta a quietude, então os tais vivem na total infelicidade. O maior e mais terrível dos obstáculos a vida feliz é a insinceridade para consigo mesmo, demonstrado na busca excessiva por agitação.

 

§ 16

 

O sentimento da própria condição é o que demonstra se alguém é feliz ou não; pois, ao sentir a própria condição duas coisas ocorrem: ou a busca e valoração da quietude, pelos que são verdadeiramente felizes; ou a busca e a valoração da agitação, pelos que tem falta da verdadeira felicidade.

 

§ 17

 

A busca por agitação em si mesma não é errada, desde que não seja buscada como divertimento; mas, os homens buscam a agitação como divertimento, como se o ato de possuírem algo material fosse a verdadeira felicidade; e isso é o que os faz totalmente infelizes.

 

§ 18

 

As ocupações violentas e impetuosas são buscadas a fim de que sejam um impedimento para os homens pensarem em si mesmos; pois, ao se buscarem tal coisas, acabam por se enganar que assim podem continuar em erros terríveis sem que ninguém os repreenda. Na verdade, a isso também se atina a vaidade; pois, ao buscarem tais coisas, preocupam-se excessivamente em mostrar as tais, como se as mesmas fossem realmente algo virtuoso. E isto vicia a alma na agitação, atinando cada vez mais a natureza insaciável da cupidez, ou seja, pensam estar buscando algo que os faça repousar, enquanto na verdade estão buscando a largos passos todo tipo de agitação que engendra volúpia; na verdade, isto é causado por um instinto secreto que se estabelece a medida que não pensam em si mesmos.

 

§ 19

 

A natureza humana, quanto a vida diária, tem dois instintos básicos: um que busca o divertimento para velar de si a própria miséria; o outro que sabe que a verdadeira felicidade está no repouso; ora, estes dois instintos acabam por entrar em confronto, dando a alma um ímpeto dialético; e este ímpeto dialético, os fará confundir o que concerne a cada um destes instintos, terminando por cristalizar na alma o sofisma que os faz tender ao repouso através da agitação; a verdade seria o contrário, tender a agitação através do correto repouso. Mas, em suma, a confusão na relação entre estes dois instintos já demonstra a corrupção da imaginação quanto a verdadeira concepção da vida feliz.

 

§ 20

 

A vida se escoa, se esvai sem sentido, principalmente àqueles que tendem ao repouso através da agitação; para estes, as mais das vezes, a vida se encontra sem sentido; pois, estes procuram o falso repouso, já que ao encontrarem-no decaem no tédio.

 

§ 21

 

O tédio faz com que os homens busquem sair a todo custo da quietude e se tornem mendigos existenciais buscando de maneira veroz agitações e tumultos.

 

§ 22

 

O divertimento transmuta o autoexame de si, a contemplação das próprias misérias, para a contemplação das misérias que o ameaça; e nenhum miséria que possa ameaçar é vencida se primeiro não se vencer as próprias misérias; mas os homens procuram vencer as misérias que os ameaça, ou que supostamente os ameaça, para não pensar nas próprias misérias; uma mudança sutil, mas que demonstra que aqueles que buscam vencer misérias que trazem ou podem trazer alguma ameaça, na verdade são aqueles que mais possuem misérias na vida pessoal, e o fazem para não pensam nas próprias misérias. Deste modo, não conseguem resolver nem as próprias misérias nem as misérias que os ameaça.

 

§ 23

 

A autoridade do tédio, que assoma nos homens o horror e o assombro para com a quietude, sai do mais profundo do coração, para envenenar toda a alma com os tentáculos deste horror e deste assombro. O veneno do tédio cristaliza a anti-quietude na consciência.

 

§ 24

 

O tédio é causado não somente por aquilo que supostamente tem alguns motivos; mas a própria compleição da não-contemplação das próprias misérias, atina a alma para o divertimento mais mínimo possível; é como se um pavio que fumega de-repente virasse uma grande fogueira: assim se atina o tédio na alma leviana.

 

§ 25

 

O objetivo do divertimento é mostrar-se aos outros através do divertimento; ou seja, mostrar-se melhor do que outrem através do divertimento praticado, mesmo em que coisas que exigem algum conhecimento; por isso, muitos buscam o saber não para se tornar sábios, mas para mostrar-se à outrem; o mesmo se diz de quem é viciado em jogos de azar: o divertimento não está no jogo em si, mas em gastar dinheiro desmesuradamente para talvez ganhar algum dinheiro; por isso, se se tirar o gasto do jogo, perde-se o interesse no jogo; é a busca desenfreada por uma diversão animada e apaixonada; se se tirar a agitação e a paixão da diversão, então se decairá no tédio.

 

§ 26

 

A busca por um divertimento animado e apaixonado, na verdade é a busca por criar um engodo para si mesmo; por isso, este tipo de divertimento atina a imaginação para um caminho onde a substância de algo é transmogrifada no seu símbolo; isto é, quer-se o jogo pelo que ele simboliza no geral, a saber, poder, dinheiro, diversão animada e apaixonada; agora tira-se o azar do jogo, então não se vai mais querer o jogo.

Este engodo criado, em suma, é a formação e/ou gestação de uma paixão para excitar o desejo; e este desejo uma vez excitado, atinará a parte irascível da alma, gerando ira, cólera, excesso de sensualidade, etc., bem como gerando temor por um objeto gerado através da enganação da imaginação, ou seja, gera-se um temor absoluto por um objeto temporal; e isso é idolatria. Por esta razão na Sagrada Escritura se chama a avareza de idolatria (cf. Cl 3.5), etc.

 

§ 27

 

A tristeza é velada através da busca pelo divertimento; e o divertimento é o que impede o tédio de se expandir; logo, se não tiver divertimento, se terá infelicidade; por isso, os homens buscam o divertimento, a fim de obterem uma falsa alegria, e a fim de não terem tristeza; é isso que em grande medida compõe o que a maioria das pessoas chama de felicidade. Todavia, onde há divertimento não há vida feliz, porque o divertimento impede a pessoa de pensar em si mesma, de contemplar as próprias misérias; e sem isso não há como alcançar a verdadeira felicidade.

 

§ 28

 

A vida social, quando se torna totalmente permeada por divertimentos, gerará uma sociedade de seres viciados nos divertimentos; isto, por sua vez, gerará líderes subservientes ao divertimento. Os líderes civis, ou políticos, que ascendem a funções públicas de liderança, ou porque buscam tais posições ou porque são elevados a elas por um séquito, acabam por ter tantas pessoas envolta de si e do que fazem, que não podem pensar em si mesmos, e se tornam líderes cegos que conduzem uma massa cega. E assim toda sociedade acaba por cair no buraco existencial dos divertimentos. Uma sociedade de divertimentos terá por políticos os sofistas mestres na arte dos divertimentos, bem como terá por líderes religiosos os sofistas mestres na arte dos divertimentos religiosos.

 

§ 29

 

A verdadeira dignidade da consciência está em se reconhecer tal como se é, sem diminuir-se e sem elevar-se; aliás, nisto está o cerne da verdadeira humildade; o divertimento é buscado justamente para evitar se reconhecer tal como se é; por isso, os homens buscam velar suas misérias através dos divertimentos, para não serem sinceros sobre si mesmos e/ou sobre outrem; e a insinceridade sobre si impede de que haja o reconhecimento de outrem.

E sobre isso se tem o exemplo da arte de dançar; embora o ato de dançar em si não seja pecado (conquanto possa conduzir ao pecado), os homens buscam tal arte não pelo lazer, mas por divertimento; por isso, geralmente os homens buscam a arte de dançar como forma de divertimento; e do mesmo modo é com qualquer outra arte, pois a preocupação excessiva com exercer uma arte bem em detrimento de se buscar o autoconhecimento, é evidência de que esta arte é praticada como divertimento.

 

§ 30

 

A falta de pensar em si mesmo, de contemplar as próprias misérias, põe o foco da mente nos divertimentos, como se o ato de divertir-se fosse realmente o caminho da felicidade; se observa isso através de um simples aspecto, e isso é observado até mesmos nos grandes e poderosos deste mundo, a saber: ficar só, sem satisfação dos sentidos, sem preocupação no espírito, sem companhias e sem divertimentos, a fim de que se possa pensar em si mesmo; se se faz isso ai o indivíduo, mesmo o mais poderoso dos homens, conhecerá sua própria miséria, e então aperceber-se-á que é um homem cheio de misérias.

 

§ 31

 

As misérias se assomam aos homens a medida que estes não conseguem reconhecê-las em si mesmos, e ao não reconhecê-las em sinceridade, não conseguem lidar com elas. Pois, o excesso dos cuidados desta vida impede o indivíduo de pensar em si; e esta, por sua vez, na maior parte dos casos, é a semente da ansiedade. A falta da quietude conduz aos tentáculos da ansiedade existencial (ou tédio), que rapidamente se torna em ansiedade psíquica. E uma sociedade que propaga e produz divertimentos será uma sociedade de seres ansiosos. Pois, o divertimento ou a diversão, sem exceção, produz ansiedade.

 

§ 32

 

A sobrecarga com os cuidados excessivos desta vida, com muitas ocupações, ensinada aos homens desde a tenra infância os vicia numa agitação que vela a consciência das belezas da quietude; por isso, se um homem tem muitos cuidados e muitas ocupações, dificilmente será alguém que conhece a si mesmo, porque não pratica o autoexame; aliás, se se retirar estes cuidados e estas ocupações, que os vela da verdadeira felicidade, aí sim se os verá totalmente infelizes, porque não terão o que fazer para velar de si a própria miséria.

 

§ 33

 

As ocupações e cuidados excessivos impedem os homens de pensarem nas perguntas fundamentais da razão humana: de onde vim? o que sou? para onde vou? Logo, se se tira todas as ocupações e cuidados excessivos, então os mesmos terão de pensar nestas perguntas; pois, a quietude conduz a estas perguntas; ao passo que a agitação vela a mente de pensar nas mesmas; portanto, os homens caem em desespero ao terem de pensar em si mesmos e ter de contemplar as próprias misérias.

 

§ 34

 

A falta de elucubração sobre as perguntas fundamentais da razão humana conduz os homens a uma vida sem reflexão; e esta é a razão do porque se cria tantos divertimentos, para manter os homens sempre ocupados, a fim de que não tenham tempo livre para pensar em si mesmos. Os homens são ensinados a terem muitas ocupações em detrimento de deixarem de pensar em si mesmos; assim, as ocupações se tornam o substituto para que não pensem nas próprias misérias.

 

§ 35

 

As ocupações que são buscadas para impedir de pensar em si mesmo, demonstram mente vazia, personalidade mal-formada, caráter com falta de retidão, etc.; pois, isto tudo é fruto de coração oco, isto é, coração que não pulsa pela própria vida, coração que é guiado pelos divertimentos; por esta razão, o coração humano se torna um lixão espiritual; se o coração é oco, então tal coração está cheio de lixo; ou para se utilizar das descrições da sabedoria salomônica, coração oco é coração calcinado no caminho do inferno. O lixo espiritual que se assoma ao coração por este estar oco é tão grande, que se manifesta numa variedade enorme de doenças existenciais. Por isso, os divertimentos são criados com o propósito último de deixar oco o coração dos homens.

 

§ 36

 

A visão da vaidade do mundo só se dá em quem vê a própria vaidade; quem não conhece as próprias misérias se assusta com as misérias do mundo ou não as entende; por isso, o caminho para solucionar as misérias do mundo é compreender as próprias misérias e entender donde elas provêm; e todas as misérias provêm do coração humano (cf. Mt 15.19).

 

§ 37

 

A visão da vaidade do mundo, em quem não compreende a própria miséria, se direcionará à visão da vaidade naqueles em que elas são mais perceptíveis, a saber, nos jovens; os que não veem a própria miséria acusarão de maneira desmedida a miséria nos jovens, pois nestes a miséria é mais visível posto ser na juventude que se busca mais barulho, mais diversão e mais pensamentos de futuro; entretanto, a miséria é a mesma para todos, embora nos jovens tenha mais incisão dado a força da juventude; quanto mais divertimento, mais barulho e mais agitação, mais os jovens estão destruindo a própria força.

 

§ 38

 

A secura do coração se manifesta a partir de quando se retira a diversão dos homens; se se retira a diversão dos jovens, os mesmos secam de tédio; o mesmo se diz de todos os homens; pois, se se retira a diversão, então contemplam a si mesmos, e acabam por ver, ainda que embaçadamente, o próprio nada em que vivem; e isto, por sua vez, lhes traz uma invencível infelicidade a ponto de estarem numa tristeza insuportável, pois se reduzem a própria contemplação de si; e quem não suporta a própria tristeza não tem caráter bem formado, pois a insuportabilidade da tristeza é propriedade inegável da personalidade prostituída. Isso é mais perceptível nos jovens, mas é uma característica comum a todos aqueles que não possuem o autoconhecimento, ou seja, em todos aqueles que buscam divertimentos.

Por esta razão, os homens, ao verem as próprias misérias, passam a se divertir disto, pensando que com isto que se livram das próprias misérias; mas os divertimentos evocados a partir da própria miséria, na verdade são a pior e mais abrupta forma de negação das próprias misérias (analogamente, é o avestruz que enfia a cabeça no chão). Em sentido anamnésico, esta é uma das sementes da recusa em se aperceber da realidade, que em suma é a negação abrupta da própria realidade.

 

§ 39

 

O mais terrível e aterrador pensamento àqueles que não contemplam as próprias misérias é o pensamento sobre a morte. Os homens que se divertem têm horror a pensar e a meditar sobre a morte. Aliás, este é um critério infalível para se conhecer quem busca diversão, a saber, quem não suporta pensar e/ou meditar sobre a morte.

 

§ 40

 

O pensamento da morte é suportável àqueles que buscam divertimento apenas se se pensar na morte sem seus perigos; não os perigos que podem levar a morte, mas os chamados perigos da própria morte; estes são tidos pelos homens como as consequências da morte; na teologia são chamadas de últimas coisas: céu, inferno, julgamento final, etc. Aqueles que buscam divertimentos até suportam pensar na morte se o pensamento da morte não vier acoplado com o pensamento do destino eterno; para aqueles que se divertem não há céu ou inferno, pois para estes não há certo ou errado. Por isso, a não-compreensão e/ou a não-aceitação de um destino eterno (céu ou inferno) é consequência direta de não se pensar sobre as próprias misérias.

 

§ 41

 

As misérias dos homens são o fundamento das misérias do mundo; além disso, as misérias dos homens são o que os impede de pensar na morte; e sem o pensamento da morte, não há desenvolvimento da personalidade, não há desenvolvimento do saber, etc. Pois, é da consciência da morte, e da imortalidade, que provém a seiva da vida virtuosa; e em contrapartida, é da falta do pensamento sobre a morte que advém aos homens a necessidade insaciável de assumir para si divertimentos. Quia pulvis es, é o terror daqueles que buscam divertimentos; memento moris, é o mais terrível insulto a quem não contempla as próprias misérias.

 

§ 42

 

Apesar das misérias, os homens anseiam por ser felizes; pois, o anseio pela vida feliz emana do mais profundo recôndito do coração humano; na verdade, este anseio é inescapável: os homens não conseguem não querer a felicidade; no entanto, o caminho da vida feliz se estabelece a partir da contemplação das próprias misérias; e como os homens não querem contemplar as próprias misérias, se cauteriza na consciência a falsa percepção de que a felicidade está nos divertimentos. E o atinar da percepção de que a felicidade está nos divertimentos é uma manifestação da recusa em se aperceber da realidade.

 

§ 43

 

O coração humano, em relação a vida feliz, tem dois anseios: um é curar as misérias, o outro, a partir disso viver feliz; e como os homens não pensam nas próprias misérias, não podem entender como curá-las; assim, não podendo curar as próprias misérias, atinam a resolução sofística de não pensar mais nas mesmas; e como o pensamento das misérias é inescapável, criam os divertimentos; assim, o anseio de curar as misérias é velado pelo não-pensamento das próprias misérias, e o meio pelo qual evocaram para não-pensar nas misérias se torna a expressão do que tomam do como felicidade, a saber, os divertimentos.

 

§ 44

 

O ato de não-pensar, por si, é impossível, pois onde há vida há pensamento; todavia, ao decidirem não-pensar, os homens na verdade não deixaram de pensar, mas passaram a se recusar em se aperceber da realidade. Portanto, o não-pensamento nas próprias misérias é recusa em se aperceber da realidade, e a recusa em se aperceber da realidade tem inserida em si o não-pensamento nas próprias misérias.

 

§ 45

 

O critério para se averiguar a felicidade é o divertimento: se alguém realmente é feliz, menos se divertirá; entretanto, quanto mais alguém é infeliz tanto mais se divertirá. Pois, o divertimento não provém do coração, antes é algo externo que busca se tornar uma realidade interna; todavia, o que vem de fora não alegra o coração, antes o contamina. O divertimento acutila o coração, pois não provém do coração; e tudo que não provém do coração não pode trazer a verdadeira alegria.

 

§ 46

 

A vida interior é assolada pelos divertimentos, tal qual cidade sitiada a ponto de ser conquistada; pois, os divertimentos tornam o coração dependente dos vícios exteriores, dos vícios inerentes aos próprios divertimentos; além do que, os divertimentos trazem tantas perturbações, que fazem o coração ser acutilado por milhares de acidentes que trazem consigo muitas aflições desnecessárias; não acidentes físicos, mas acidentes psíquicos e espirituais, que trazem perturbações muito mais densas do que os acidentes físicos. A substância da alma não mantém sua sobriedade quando é assolada pelos acidentes que provêm dos divertimentos.

 

§ 47

 

O divertimento é o substituto da verdadeira consolação das misérias; enquanto que os homens que contemplam as próprias misérias, e se entristecem profundamente por elas, chegam ao caminho das consolações, aqueles que não contemplam as próprias misérias evocam para si divertimentos; a diversão é o consolo infernoso de quem não contempla as próprias misérias.

 

§ 48

 

A diversão é a maior e a mais abrupta das misérias que atingem aqueles que não contemplam as próprias misérias; na verdade, a diversão é uma muralha que se ergue na consciência para impedir o “eu” de olhar para si verdadeiramente, para que não contemple as próprias misérias; a diversão faz com que o indivíduo se perca de si mesmo de maneira insensível, sem sequer se aperceber das reais consequências de se perder de si (a despersonalização e a despessoalização).

 

§ 49

 

A diversão vicia tanto a alma, que os homens ao ficarem sem os divertimentos, acabam por desembocar em tédio; a diversão é o entretenimento da alma que a conduz à perdição, e que coloca a própria alma em estado de total insensibilidade para o pensamento sobre a morte; e esta insensibilidade se torna mais evidente a medida que se rejeita as virtudes e as virtuoses como se fossem algo ruim e depreciativo, e se aceita de bom grado e de modo elogioso os vícios e os pecados como se fossem algo bom e apreciativo; portanto, os divertimentos cristalizam na mente o modo dialético de pensar.

 

§ 50

 

As consequências dos divertimentos são como sentenças condenatórias; se um homem soubesse que foi sentenciado, e não tivesse muito tempo para averiguar isso, uma hora no máximo, ao passo que se soubesse da sentença ele poderia revogá-la.

Analogamente, isto é o que ocorre com quem busca divertimentos; ao buscar os divertimentos não consegue vencer as sentenças condenatórias das próprias misérias, ao passo que se buscasse compreendê-las, poderia pelo menos revogar as consequências das mesmas sobre si.

Ora, o que é o mais adequado: o homem procurar saber se foi sentenciado ou não, sabendo que pode revogar a sentença, ou não buscar se informar da sentença. O que convém a natureza, é o homem procurar saber se foi sentenciado ou não, ao passo que aquele que não busca saber a sentenças, mas antes procura algum divertimento, está totalmente contrário a natureza.

 

§ 51

 

A vida nos divertimentos é algo contra a natureza; por isso, se diz que os homens não procurarem revogar as consequências das próprias misérias de si mesmos, é algo “sobrenatural[1]; ora, tudo o que está contra a natureza é obra de demônios; portanto, aqueles que não buscam compreender as próprias misérias, podendo revogar as consequências das mesmas em relação a si mesmos, são induzidos a buscarem divertimentos pela ação dos demônios. Por isso, os demônios agindo de modo “além da natureza”, buscam colocar os homens em práticas contra a natureza. Portanto, em sentido espiritual, os divertimentos são práticas contra a natureza.

 

§ 52

 

As ações contra a natureza reclamam o juízo de Deus, e tornam o juízo de Deus mais pesado; e não somente contra aqueles que tornam suas misérias mais visíveis em pecados e mais pecados, até mesmo naqueles que vivem a religião com zelo sem entendimento; portanto, o juízo de Deus contra as ações contra a natureza, contra os divertimentos, se estabelece não somente contra os homens miseráveis, mas também contra os “fiéis” que tem zelo sem entendimento, já que zelo sem entendimento também é divertimento.

Com isso, tanto o zelo sem entendimento daqueles que buscam provar Deus, acabando por tentar a Deus, já que inoculam divertimentos nas coisas espirituais, quanto a cegueira dos que não buscam a Deus, são expressão direta que reclamam o juízo de Deus.

Ou seja, não somente o divertimento dos cegos espirituais, mas também o divertimento daqueles que se dizem “cristãos”; e quão grande juízo será manifesto contra aqueles que dizendo buscar a Deus evocam para si divertimentos como se fossem coisas espirituais (cf. 1Pe 4.17).

Pois, a total cegueira espiritual é o que conduz aqueles que se dizem “cristãos” a evocarem para si divertimentos como se fossem manifestações genuínas de piedade, quanto na verdade são práticas apostasiosas. E, diga-se de passagem, este é o retratado da cristandade hodierna.

 

§ 53

 

A sanidade de uma sociedade é manifesta através da verdade das opiniões do povo em geral; se estas opiniões se coadunam com a verdade, ainda que sejam simplórias, então a sociedade é sóbria; todavia, se estas opiniões não se coadunam com a verdade, então a sociedade é doente.

Ora, as opiniões do povo em favor dos divertimentos é o atestado de sociedade doente; são o atestado de óbito da inteligência de um povo, de uma nação. A eleição do divertimento é prova incontestável que uma sociedade teve sua inteligência destruída paulatinamente.

E uma sociedade que age em função dos divertimentos sempre será permeada por três classes de indivíduos: os tolos e imbecis, que serão a maior parte; as fraudes, que buscarão estar sobre os imbecis (políticos e lideranças públicas num geral); e os meio-sábios, ou demagogos, aqueles que dizem se aperceber destas loucuras, mas tanto não se apercebem das próprias misérias quanto não conseguem compreender as causas destas loucuras.

Os tolos e imbecis são as massas de manobra; as fraudes são aqueles que buscam utilizar-se das massas para algum fim nefasto; e os meio-sábios ou demagogos são aqueles que receitam remédios sem conhecerem as causas das doenças. Em suma, este é o retrato de uma sociedade que é dominada pelos divertimentos.

 

§ 54

 

A propriedade mais visível de uma sociedade que é dominada pelos divertimentos, é que nesta sociedade se estabelece a regra indissolvível do respeito absoluto pelas aparências (vd. § 3); então, passa a se distinguir os homens pela cor da pele, pelas vestimentas, pela quantidade de dinheiro, pelos bens materiais, pelo sucesso momentâneo, etc.

O respeito pelas aparências é uma característica implacável de uma sociedade dominada pelos divertimentos, o que conduz a transmutação dos princípios e a supressão dos valores, ou seja, o certo passa a ser errado e o errado passa a ser certo, a virtude passa a ser vício e o vício passa a ser virtude, o sorriso para a ser errado e o riso passa a ser certo; etc.

Além disso, uma sociedade calcinada no respeito pelas aparências terá o canibalismo moral; os homens que se divertem através do respeito pelas aparências são canibais morais e canibais espirituais, isto é, devoram sem misericórdia o que há de moralidade e buscam a todo custo destruir o que há de piedoso e o desfigurar o que convém a piedade.

 

§ 55

 

A sociedade dos divertimentos será uma sociedade dominada pela desonra; os homens que buscam o divertimento ao buscarem-nos acabam por renunciar a própria honra; na verdade, uma sociedade de divertimentos, aceitará passar por todo tipo de situação contrária a natureza apenas para receber a glória do sucesso; além do que, na sociedade dos divertimentos aqueles que são colocados nos pedestais da glória do sucesso sempre são seres sem virtudes e sem moralidade para estarem em posição de expressão social e cultural.

Outrossim, é que as exigências da sociedade dos divertimentos sempre serão altas demais; pois, para colocar indivíduos nos pedestais da glória dos sucessos, a sociedade dos divertimentos os fará passar pelo “calvário” moral-espiritual, isto é, retirará dos mesmos a moral e a piedade, cumulando-os de injúrias e de necessidades, e ao consumar isso cabalmente, então os coloca nos pedestais da glória do sucesso.

Por isso, somente aqueles que passam por este “calvário” inserido nos divertimentos, ou pelo “calvário” de algum divertimento de categoria superior, é que obtém posições altas nos pedestais da glória do sucesso.

 

§ 56

 

Os três fados (anankés) que pesam sobre os homens dos divertimentos são: trabalhar pelas incertezas, ir pelo mar e caminhar sobre uma prancha (estes dois últimos em sentido análogo); trabalhar pelas incertezas a fim de tornar o certo em errado, a virtude em vício, a verdade em inverdade, o fato em mentira; ir pelo mar a fim de passar pelas vicissitudes das navegações e considerar que ao ver o mar se conhece cada gota do oceano; e caminhar sobre uma prancha, a fim de servir de “espetáculo” para aqueles que estão mais experimentados nos divertimentos.

Portanto, trabalhar pelas incertezas, ir pelo mar e caminhar sobre uma prancha, são as ações inerentes a quem é subjugado pelas castas da sociedade dos divertimentos; ou seja, quem se deixar dominar pelos divertimentos será alguém que trabalha pelas incertezas, será alguém que vai perambulando pelo mar sem ter destino certo, e será alguém que caminha sobre a prancha; etc.

 

§ 57

 

A contemplação das próprias misérias conduz ao entendimento de que o ser humano é finito, contingente e imperfeito; ou dito em outros termos, a contingência humana é tão grande que o próprio ato de um ente finito existir é algo contingente, já que o mesmo poderia não ter existido. Assim, os homens decaem em pensamentos depressivos já que ao contemplar com sinceridade as próprias misérias, acabam por chegar ao entendimento de que não são necessários.

Além disso, é também por esta razão que os homens não gostam de contemplar as próprias misérias, antes preferem se divertir, já que pela miséria inerente ao ser humano se constata uma verdade aterradora, a saber, o homem não é um ser necessário. E só não compreende isso quem busca os divertimentos, para através dos mesmos tentar se sobrelevar a esta verdade inescapável.

Aliás, também é por esta razão que os homens amam as risadas; as risadas atestam de maneira inconfundível que o indivíduo vive uma vida em tantas misérias que o tornam alguém sem importância.

 

§ 58

 

A contemplação das próprias misérias, ao condizerem o entendimento de que o ser humano é finito, contingente e imperfeito, conduz o entendimento para a compreensão de que há na natureza um ser que não partilha nenhuma destas características; pois, não se poderia compreender estas misérias se não existisse um ser acima de todas as misérias; portanto, a contemplação das misérias humanas, por sua vez, demonstra a existência de um ser necessário, eterno e infinito; e isto é um axioma impreterível da vida humana.

Portanto, a compreensão das misérias, a falta de bem, conduz ao entendimento de que há alguém que não tem falta de bem; ou seja, ao se contemplar as misérias humanas se compreende que é um ser inescapável, pois só enxerga a própria finitude quem compreende que existe um ser infinito, só enxerga a própria contingência quem compreende que existe um ser eterno, etc.; e este ser necessário é, em sentido axiológico, o Sumo Bem; em sentido axiomático, o Primeiro Princípio; em sentido metafísico, o ser vivo, eterno, maximamente bom (cf. Met. 1072b30). 


***


Ora, foi explicado brevemente e de maneira sintética tudo quanto concerne ao conceito de divertimento de acordo com as pressuposições pascalinas.

E termina aqui as glosas sobre o conceito de divertimento em Pascal. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.  



[1] O termo “sobrenatural” é um termo errado do ponto de vista físico quanto do ponto de vista espiritual (isto é, tanto filosoficamente quanto teologicamente); mas como Pascal se utiliza do mesmo, preferir mantê-lo deste modo; o mais adequado é utilizar-se do termo “além da natureza”, pois de fato nada existe sobre a natureza ou de “sobrenatural”: ou aquém/além da natureza ou na própria natureza. 


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