18/02/2024

Em Defesa de Tomás de Aquino

Ao sr. Matheus Benites,

Saudações Cordiais.

 

Capítulo I: Considerações Iniciais.

 

1. Escrevo-lhe, porque no sábado, na parte da manhã, vi um vídeo que o senhor fizera sobre o tomismo, sobre uma crítica a Tomás de Aquino e ao tomismo; e, algo na fala do senhor me chamou a atenção; pois, em vossa invectiva, um pouco estranha, o senhor afirma que vai “refutar Tomás de Aquino”; é algo ou de uma arrogância continental ou de uma imbecilidade calcificada; pois, em se tratando do pensamento racional, em relação a filosofia, não se refuta nada antes de se ter pelo menos ter dado contribuições tão grandes ao pensamento teorético quanto o autor que supostamente deve ser refutado; e, em relação a Tomás de Aquino, não existe nenhum filósofo na modernidade que possa arrolar para si a invectiva de uma suposta “refutação” contra o doctor angelicus; nem mesmo Husserl poderia arrolar para si algo desta natureza.

2. Aliás, deve-se falar, que embora se respeite Tomás de Aquino como filósofo, ele é na verdade um teólogo; Tomás recebe a honraria de ser também reconhecido como filósofo pela substância filosófica em suas obras e comentários a textos filosóficos, bem como recebe a alcunha de “Expositor”, pela precisão e rigor em seus comentários a Aristóteles; portanto, qualquer “crítica” ou mesmo estudo sobre a obra do aquinate requer um cuidadoso exame de sua obra filosófica, antes de propriamente se adentrar em sua obra teológica; pois, como dissera Chesterton, a filosofia de Tomás de Aquino é uma introdução à sua teologia; e, tanto a filosofia quanto a teologia de Tomás de Aquino, são de uma profundeza de tal extensão, que é difícil se ter alguém que possa criticá-las com honestidade e sinceridade de propósito.

 

Capítulo II: Princípios para se estudar o tomismo.

 

3. Por isso, antes de propriamente adentrar numa análise geral sobre vossas expressões, gostaria de tecer um breve panorama sobre o pensamento do aquinate, e assim, estabelecer de antemão, alguns princípios para que se possa adentrar no estudo do tomismo; evidentemente, o tomismo é um sistema, filosófico e teológico, a partir do pensamento de Tomás de Aquino; todavia, o tomismo não é um sistema como a filosofia de Hegel ou como a filosofia de Comte, ou de Marx, ou dos teóricos comunistas; o tomismo é um sistema de síntese; e toda síntese, é algo difícil de se analisar e estudar; pois, reúne em seu bojo uma série de conhecimentos diversos e de múltiplas escolas de pensamento.

Por isso, para se compreender o tomismo, não somente é preciso ler as inúmeras obras de Tomás e dos inúmeros livros dos tomistas; mas, como diz um dos melhores expositores do tomismo: “é preciso assistir sua escola, conhecer suas obras como o guarda conhece o bosque, ver retornar, sempre variados em suas aplicações, os princípios reitores pouco numerosos, mas de uma fecundidade surpreendente, familiarizar-se com eles e com a ordem que preside sua realização[1]. Este é, em linhas gerais, o plano de estudo para se compreender o pensamento de Tomás de Aquino; e, nisso já se observa a dificuldade de se compreender o pensamento do aquinate.

Portanto, o tomismo, para ser estudado, requer certos princípios, como estes acima descritos, e que, na análise que o senhor fizera sobre o tomismo, sequer são demonstrados, nem mesmo como de pano de fundo da argumentação; certamente, compreender e explicar o tomismo, mesmo de forma geral, requer o cuidado de assistir toda a escola de pensamento que o tomismo representa, o que, per se, torna-se algo de extrema dificuldade, mas de uma fecundidade flórea; com isso, se aperceber destes princípios, é ponto preponderante para se adentrar no estudo sobre o tomismo.

4. Além disso, é necessário compreender que como o tomismo é um sistema, uma doutrina, de mais de 700 anos atrás, existem certas barreiras que devem ser ultrapassadas para se compreendê-lo; e, em relação aos sistemas de pensamento, sempre há algo que caduca, porque cada doutrina é doutrina de acordo com seu tempo; e passado este tempo, sempre há algo que caduca; com Aristóteles foi assim, após mais de dois milênios, foram feitas novas descobertas científicas e algumas pressuposições científicas de Aristóteles, feitas de acordo com sua época, caducaram; o mesmo se dá com qualquer doutrina e sistema de pensamento humano em relação as coisas humanas e racionais; pois, “todo elevado sistema filosófico tem como duas vidas: uma vida eterna e imutável e uma vida temporal, variável, à mercê das vicissitudes doutrinais[2].

O tomismo, da mesma maneira, possui uma vida eterna e imutável, e uma vida temporal, sujeita as vicissitudes doutrinais, e as mudanças epocais; com isso, se sabe que uma doutrina filosófica como o tomismo, é feita em uma época, em meados do séc. XIII, e foi estudada em todos os séculos seguintes, adquirindo formas e nuances, a par do pensamento original, em diversas perspectivas de acordo com vários intérpretes e comentaristas; o que não muda a essência do tomismo, mas dá-lhe novas formas e novas nuances de acordo com cada época e com as necessidades de cada época.

Por isso, o tomismo é a doutrina de uma época específica, mas que ultrapassou sua época e contexto, e permaneceu ao longo da história. Compreender estas duas vidas de todo elevado sistema filosófico é princípio propedêutico para se estudar e analisar qualquer sistema filosófico.

Ora, para compreender esta dialógica de todo sistema filosófico elevado, há de se conhecer profundamente o autor que dá origem a este sistema, e todos os intérpretes posteriores; em relação ao tomismo, conhecer Tomás de Aquino de maneira aprofundada, e da mesma maneira, conhecer os intérpretes do tomismo.

5. Ademais, o pensamento do aquinate, como é fruto de uma época da filosofia, a escolástica, tem o caractere inerente de ser um pensamento escolástico; um pensamento com o rigor e a precisão da teologia da escola, de reflexões escolares, no sentido mais sublime do termo; por isso, o pensamento do aquinate é formalíssimo; e, sempre, o próprio Tomás aborda os problemas filosóficos e teológicos, a partir do lado mais formal; tal como assevera o Pe. Sertillanges: “o costume de abordar os problemas por seu lado mais ‘formal’ - formalissime loquitur divus Thomas - confunde visivelmente os espíritos acostumados a proceder por desdobramentos e aproximações sucessivos[3]; logo, para o pensamento coevo, ou para os estudos e as reflexões filosóficas acostumados com as sucessivas aproximações, ou mais propriamente, com as divagações características do mundo contemporâneo, adentrar no estudo de um pensamento talhado de maneira formalíssima como o de Tomás de Aquino, é de ínvia dificuldade.

Deste modo, o tomismo, enquanto sistema filosófico e teológico, é de uma profundidade que nenhum sistema filosófico da modernidade consegue se igualar, e, novamente, lembra-se o fato de que Tomás de Aquino era teólogo; nem Hegel e seu sistema da ciência, que embora domine todo o pensamento teórico dos últimos duzentos anos, não possui a profundidade e a agudeza do tomismo, conquanto o pensamento de Hegel seja um dos mais difíceis de se entender, em contrapartida ao tomismo, que é mais difícil de se assimilar na totalidade; e aqui se elenca um fato curioso: pois, um caipira não pode ser um hegeliano, mas pode ser um tomista; todavia, o caipira não consegue haurir toda a substância filosófica do tomismo, embora aquele que se diz hegeliano tenha de conhecer todo o sistema de Hegel.

E elenca-se outro exemplo; pois, nem Heidegger e sua catedral filosófica, que embora tenha produzido de maneira assombrosa e com qualidade magistral, também não se iguala ao tomismo; portanto, os filósofos modernos, conquanto possam criticar Tomás de Aquino, nenhum destes conseguira ultrapassar o pensamento tomista em se tratando de profundidade de substância filosófica e totalidade sistêmica. Logo, se nem Hegel, o mais difícil filósofo da modernidade, e nem Heidegger, teórico do partido nazista e o mais prolífico filósofo da modernidade, podem se arrolar o mote de ter “refutado” Tomás de Aquino, certamente, nenhum filósofo coevo pode arrolar para si sequer a hipótese de ter “refutado” a Tomás.

 

Capítulo III: As obras de Tomás de Aquino.

 

6. Com isso, e, reconhecendo a necessidade de um estudo aprofundado sobre o pensamento tomasiano, se deve, em consonância ao que fora dito, se ter um conhecimento aprofundado sobre as obras de Tomás de Aquino; obras essas que não são poucas; portanto, para uma correta explicação do tomismo, e por consequência, para se poder fazer uma “crítica” ao tomismo, se deve, conhecer estas obras e adentrar a mina de ouro que são estas obras em relação a substância de argumentação teológica e filosófica; por isso, compreender sobre as obras de Tomás e compreender as obras de Tomás, são fato preponderante, sem o qual - o que, per se, é lógico -, não se consegue compreender o pensamento do aquinate.

Deste modo, se estabelece algumas das principais obras para se conhecer o pensamento de Tomás; pois, em vossa crítica, falta o conhecimento destas obras, e afirmo isso de maneira resoluta, muito devido aos erros que vossa exposição demonstra; portanto, estabeleço duas breves listas: a primeira, introdutória, que se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento filosófico e outro em relação ao pensamento teológico; a segunda, o pensamento maduro, que também se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento filosófico maduro e outro em relação ao pensamento teológico maduro; portanto, se consegue, a partir destas duas breves listas, se compreender o pensamento do aquinate, embora não se consiga esgotar o pensamento de Tomás somente nestes escritos, pois, existem inúmeros outros, que não menciono, como os comentários bíblicos, alguns opúsculos, os escritos litúrgicos, os sermões, etc.

7. A primeira lista, a introdutória, se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento filosófico, e o outro em relação ao pensamento filosófico.

Primeiro, em relação ao pensamento filosófico; para se compreender o pensamento filosófico de Tomás de Aquino, é necessário compreender muitas de suas obras filosóficas; e, a maneira mais correta é iniciar pelo conhecimento sobre os opúsculos filosóficos, os principais destes opúsculos, os quais são sumariados da seguinte maneira: “De principiis naturae” (Sobre os princípios da natureza), “De substantiis separatis” (Sobre as substâncias separadas), “Contra errores graecorum” (Contra os erros dos gregos), “De Ente et Essentia” (Sobre o Ente e a Essência), “De unitate intellectus” (Sobre a unidade do intelecto), “De aeternitate mundi” (Sobre a eternidade do mundo); estes são apenas alguns opúsculos filosóficos, mas, mesmo alguns sendo obras de juventude, são obras magistrais, os quais, dão um panorama geral sobre o pensamento filosófico inicial do aquinate, que per se, já maior do que muitos dos filósofos contemporâneos. O pensamento filosófico do jovem Tomás é muito mais profundo e brilhante do que a maior parte dos filósofos contemporâneos, fato que esse que se comprova por seus opúsculos filosóficos da juventude.

Segundo, em relação ao pensamento teológico; para se compreender o pensamento teológico de Tomás de Aquino, é necessário também compreender muitas de suas obras teológicas; e de igual modo com as obras filosóficas, é necessário iniciar pelo conhecimento sobre os opúsculos teológicos, os quais são sumariados da seguinte maneira: “De rationibus fidei” (Sobre a razão da fé), “De perfectione vitae spiritualis” (Sobre a perfeição da vida espiritual), “De articulis fidei et sacramentis Ecclesiae” (Sobre os artigos da fé e os sacramentos da Igreja), “Compendium theologiae” (Compêndio de Teologia); estes são apenas alguns dos opúsculos, mas também textos essenciais para se compreender o pensamento do aquinate, os quais, também são obras magistrais, e que dão um panorama geral sobre o pensamento teológico do aquinate; ler e compreender estes escritos são o caminho para se adentrar na compreensão sobre a teologia de Tomás de Aquino.

8. A segunda lista, a do pensamento maduro, também se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento filosófico maduro, e o outro em relação ao pensamento teológico maduro.

Primeiro, em relação ao pensamento filosófico maduro; para se aprofundar no pensamento filosófico de Tomás de Aquino, é necessário compreender muitas de suas obras mais maduras, principalmente os comentários filosóficos; os quais, menciona-se os seguintes: comentário ao De Hebdomadibus de Boécio, comentário ao De Interpretatione de Aristóteles, comentário aos Analíticos Posteriores, comentário a Física, comentário ao De Caelo, comentário ao De Generatione, comentário ao Metheororum, comentário ao De Anima, comentário ao de Sensu et Sensato, comentário ao De memoria et reminiscentia, comentário ao De Causis, comentário a Metafísica, comentário a Ética a Nicômaco, comentário a Política; estes comentários, que valeram a Tomás o título honorífico de “Expositor”, são de uma profundidade de substância filosófica, os quais, são de fundamental importância para se compreender o pensamento filosófico de Tomás. Sem se compreender de maneira profunda estes comentários, não se pode explicar o pensamento filosófico do aquinate.

Segundo, em relação ao pensamento teológico maduro; e, para se aprofundar no pensamento teológico de Tomás de Aquino, é necessário compreender muitas de suas obras maduras; não se vai mencionar os inúmeros comentários bíblicos; mas, apenas os seguintes escritos: “Commentaria in IV libros Sententiarum” (comentário aos quatro livros das Sentenças de Pedro Lombardo), “Summae contra Gentiles” (Suma contra os Gentios)[4], “Summae Theologiae” (Suma Teológica)[5]; estes três grandes escritos teológicos, são, em si mesmos, verdadeiras catedrais góticas da teologia; são escritos profundíssimos, principalmente as Summaes; e, para compreender a teologia madura de Tomás de Aquino é necessário adentrar a estes textos.

E, faço uma breve observação, pois, ao analisar a vossa crítica, percebi que o desconhecimento destes textos são mais do que clarividentes; e querer explicar a teologia de Tomás de Aquino, ou o tomismo, sem um profundo conhecimento destes textos, é, na verdade, uma vileza intelectual e falta de sinceridade, pois, para se explicar algo, e posteriormente, se criticar algo, é necessário o conhecimento sobre este algo.

E, em vossa explicação e em vossa crítica a Tomás e ao tomismo, não foi mencionado e nem explicado nenhum dos opúsculos de maneira adequada, e mesmo a menção ao De Ente et Essentia também não foi explicado e citado de maneira adequada; portanto, o senhor não mencionou nem as obras da primeira lista que apresentei, muito menos as obras da segunda lista, as quais, para se fazer uma explicação e uma exposição ao pensamento do aquinate, são imprescindíveis; e como não foram citadas e nem explicadas, então, não fora feito nem uma explicação sobre o tomismo, muito menos uma “refutação” ao tomismo.

9. Além destas listas, acrescenta-se, após a lista em relação ao pensamento maduro do aquinate, o estudo e o conhecimento aprofundado das inigualáveis “Quaestiones Disputatae” (Questões Disputadas), que menciona-se apenas quatro: a “Quaestiones Disputatae De Veritate”, as questões disputadas sobre a verdade; a “Quaestiones Disputatae De Potentia Dei”, as questões disputadas sobre o poder de Deus; a “Quaestiones Disputatae De Virtutibus”, as questões disputadas sobre as virtudes; e a “Quaestiones Disputatae De Anima”, as questões disputadas sobre a alma. Estas obras magistrais são humanamente irrefutáveis, e goste-se ou não, aceite-se ou não, seja cristão, mulçumano, ou de outra religião, seja ateu, agnóstico, ou qualquer outra coisa, a profundidade e a agudeza destas questões beiram a perfeição, e por isso, ninguém consegue refutar o pensamento do aquinate. Nem se se colocasse Kant, Hegel e Heidegger diante destas questões, estes iriam conseguir refutá-las.

Aliás, justamente nas questões disputadas, que se demonstra a genialidade de Tomás, e sua profundidade filosófica na análise de problemas filosóficos e teológicos; pois, através das questões disputadas, Tomás de Aquino, resolve tantos problemas filosóficos e teológicos, que ultrapassa qualquer possibilidade de refutação; pois, veja-se bem, se se somar os argumentos, os “em contrário”, as soluções, e as respostas aos argumentos, se tem tanta substância teorética, que se torna quase que impossível se haurir a profundidade destes textos; e, num geral, ao se somar as possibilidades evocadas pela estrutura de cada uma das quaestio das questões disputadas, por si só, são as mais pungentes contribuições filosóficas e teológicas sobre os assuntos sobre os quais versam.

Ora, pense-se o seguinte: quem melhor compreendeu a verdade, quem melhor estabeleceu e refletiu sobre a verdade, em seus mais variados aspectos de acordo com o todo da vida humana, quem conseguira abalizar a reflexão racional sobre a verdade? Além disso: quem melhor compreendeu os aspectos referentes ao poder de Deus, que dizem respeito aos modos como Deus age no mundo? E ainda: quem melhor compreendeu a alma humana, quem melhor desvelou os mistérios da alma, e que melhor compreendeu o funcionamento das partes da alma? São perguntas difíceis, mas que respondê-las é fácil: basta-se ler e compreender as questões disputadas sobre a verdade, as questões disputadas sobre o poder de Deus, e as questões disputadas sobre a alma, que, respectivamente, se conseguirá compreender que Tomás de Aquino fora quem melhor explicou racionalmente a verdade, fora quem melhor explicara o poder de Deus e fora quem melhor entendera a alma humana; etc.

10. Logo, para se explicar Tomás, além de compreender as obras filosóficas e teológicas, há de se estudar com profundidade as “Quaestiones Disputatae”; e, para se apreender e haurir toda a substância das questões disputadas, mesmo as mais simples, é necessário uma compreensão aprofundada não somente sobre a filosofia, o aristotelismo, o platonismo, o neo-platonismo, a filosofia islâmica, a filosofia judaica, etc., mas também sobre a teologia, conhecimento ainda mais exaustivo e extenso do que o conhecimento filosófico necessário para se compreender estas questões; portanto, indico que procura ler e estudar estas questões, para que então, se possa pelo menos explicar de maneira correta e com sinceridade filosófica o pensamento do aquinate.

 

Capítulo IV: O problema de se querer refutar Tomás de Aquino.

 

11. Após estas breves palavras sobre o que é necessário entender de antemão para se compreender o tomismo, e sobre as obras de Tomás, se pode prosseguir para analisar as expressões que o senhor elenca para analisar o tomismo. A primeira destas expressões, é a invectiva do senhor em querer explicar o tomismo; para explicar o tomismo, são necessárias, ao menos, estas pressuposições acima descritas, além de um conhecimento profundo e exaustivo sobre o corpus thomisticum, um conhecimento, diga-se de passagem, quase que enciclopédico por si mesmo.

Portanto, a invectiva do senhor em querer explicar o tomismo, falha em todos os modos, muito embora apresente aspectos do pensamento do aquinate; logo, a pressuposição silogística inicial que o senhor estabelece é “explicar o tomismo, para depois refutá-lo”, o que tem sua premissa inicial como um sofisma e um erro filosófico; por isso, se não se explica o tomismo de maneira adequada, pois, sequer cita-se os grandes intérpretes do tomismo, e nem se cita e nem se explica as grandes obras de Tomás, então, não se pode refutá-lo; e isso, é um princípio elementar da lógica: se a premissa inicial é falsa, então, necessariamente, a conclusão também será falsa.

12. Ademais, a invectiva de se querer refutar o pensamento de Tomás de Aquino, é algo que assusta e preocupa; pois, a confutação de algo, requer a plena compreensão sobre este algo, e feitos teoréticos tão importantes quanto deste algo que se quer confutar; não se pode confutar algo que se desconhece, ou confutar algo que em sua grandeza se sobreleva de maneira gigantesca ao que propõem a confutação; e isto, é princípio básico da racionalidade humana no que tange a análise e a confutação de um sistema filosófico.

Com isso, se observa que qualquer tentativa de se querer confutar Tomás de Aquino, além de beirar a “loucura” intelectual, e se calcificar na falta de sinceridade intelectual, se demonstra como a continuação de um dos pressupostos mais caros da filosofia moderna, de Hegel, Heidegger, e outros, de querer se colocar como o desvelador de uma nova verdade, como aquele que abre o véu; como dizia Hegel, como aquele que por sua própria majestade, instaura um novo mote do pensamento teórico.

Dito isso, é importante se lembrar, que goste-se ou não, Tomás de Aquino deve ser respeitado; e para se querer refutá-lo, é necessário, no mínimo, ter tão grandes contribuições teoréticas quanto o aquinate; e, sobre isso, se tem um exemplo do próprio Tomás de Aquino, que confutou Averróis; como se sabe, Averróis, fora um dos maiores gênios da filosofia islâmica, profundo conhecedor de Aristóteles, comentarista das obras aristotélicas, fato esse que, na alta cultura, fora lhe atribuída a alcunha de “Comentador”; Tomás de Aquino, para confutá-lo filosoficamente, teve de ultrapassá-lo em profundidade de análise filosófica; e realmente Tomás de Aquino ultrapassara Averróis, não somente como comentador de Aristóteles, mas principalmente, como o mais preciso comentarista aristotélico, o que, em superação a Averróis, lhe valeu a alcunha de “Expositor”, pela precisão e rigor de seus comentários a Aristóteles; na verdade, Tomás de Aquino confutara Averróis o Comentador, tornando-se o Expositor.

13. Outrossim, é que querer refutar Tomás de Aquino é o mesmo que querer destruir uma muralha destruindo tijolo por tijolo e pedra por pedra; o tomismo, como sistema teológico e filosófico, na verdade, o pensamento do aquinate é uma imensa muralha, colocada pedra a pedra; para se refutar este pensamento, é necessário refutar ponto a ponto; e, diga-se de passagem, que fazer algo assim, é quase que impossível; pois, só a “Summae Theologiae” tem 512 questões, subdivididas em 2669 artigos (ou capítulos); portanto, para refutar o tomismo, somente com a “Summae Theologiae”, seria necessário 2669 confutações; e, aproveite-se o ensejo, para afirmar que em vossa crítica nem mesmo um destes artigos fora sequer bem explicado; portanto, tomando como parâmetro apenas a Suma Teológica, apenas uma obra de Tomás de Aquino, para refutá-lo é algo quase que impossível; e se colocar em voga todas as obras, se torna algo impossível; pois, sequer em 700 anos de história e de extensos estudos e comentários, se conseguiu haurir tudo aquilo que o tomismo é e representa como sistema filosófico e teológico, e como quadro ideal do saber.

 

Capítulo V: Sobre a crítica ao tomismo.

 

14. Assim sendo, pode-se adentrar na crítica que o senhor fizera sobre o pensamento de Tomás e sobre o tomismo; evidentemente, não vou analisar vossa "crítica" na integra, e nem mencionar alguns poucos aspectos salutares, pois, senão, me excederia muitíssimo no propósito de uma breve carta; conquanto a isso, serão elencados expressões que o senhor apresentou, as quais, serão avaliadas a partir da racionalidade e a partir do entendimento correto do assunto que o senhor se propôs a criticar; e, em relação as afirmações do senhor, existem inúmeras pressuposições sofísticas, que se fossem elencadas uma a uma, certamente, não seria mais uma carta, mas se tornaria em um tratado; portanto, se elenca alguns sofismas propugnados pelo senhor.

15. No início, o senhor afirma o vosso propósito, naquilo que talvez possa ser chamado de “proêmio” de vossa crítica; o senhor afirma: “primeiro vou explicar Tomás de Aquino, depois vou refutá-lo”; retomando algo que fora dito anteriormente, o propósito que o senhor estabelece é refutado ao se considerar vossa afirmação a partir da proposição silogística; pois, em primeiro lugar, o senhor não explica o pensamento do aquinate, nem o tomismo; logo, não há como refutá-lo; se se não explica algo de maneira correta, não se consegue refutá-lo de maneira correta; se a pressuposição inicial é falsa, então a conclusão também será; portanto, no propósito que o senhor estabelece, já se tem um sofisma; e como dissera Aristóteles, “um pequeno erro no princípio acaba por tornar-se grande no fim” (cf. De Cael. 271b8-10); pois, fazendo o caminho reverso, ao se analisar o propósito proposto pelo senhor, a partir do mesmo já efetuado, se observa o sofisma no fim; logo, desde o início se tem o sofisma, pela falta de sinceridade e pela falta de conhecimento com que o senhor analisa o assunto proposto.

16. O senhor afirma: “Tomás de Aquino força a barra”; ora, aqui está um dos grandes sofismas; pois, como que Tomás de Aquino “força a barra”? É mais fácil se afirmar que Kant, Hegel, Heidegger, e outros, “forçam a barra”, do que afirmar isso do aquinate; pois, o método da teologia da escola que Tomás de Aquino se utiliza, é o maior sinal de sinceridade e honestidade intelectual; pois, alguém que realmente não domine o conhecimento, a filosofia e a teologia, não consegue escrever uma quaestio, muito menos escrever extensas questões disputadas; na verdade, é a modernidade filosófica que “força a barra”, em querer criticar o momento áureo do pensamento humano.

Pois, goste-se ou não, aceite-se ou não, a Idade Média, em relação a produção filosófica não é a Idade das Trevas, na verdade, o Iluminismo, a época das luzes, é que é a verdadeira Idade das Trevas; pois, se observa que, como que homens ditos das “luzes” não conseguem ultrapassar em profundidade de análise e de substância de argumentação filosóficas aqueles que julgar estar sobre a Idade das Trevas? Como que os homens iluminados não conseguem sequer confutar apenas uma das quaestiones disputatae; ora, as quaestiones disputatae de Tomás de Aquino, são superiores a ampla gama de imbecilidades que são as obras de muitos dos iluministas, além de uma esmagadora superioridade de argumentação filosófica.

Portanto, quando o senhor afirma que “Tomás de Aquino força a barra”, está, na verdade, afirmando que os senhores ao criticarem-no, é que na verdade estão “forçando a barra”; pois, vossa crítica não explica e nem refuta nada do tomismo; portanto, é vossa crítica que “força a barra”. Tomás de Aquino, pelo contrário, como um teólogo, resplandece luminosamente também como um grande filósofo.

17. Depois, o senhor assevera: “Tomás de Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é impossível”; e aqui está o maior dos sofismas que o senhor apresenta; conquanto, a expressão do senhor transpareça alguma verdade, o todo desta parte onde o senhor diz isso, é onde se demonstra de maneira mais clarividente o desconhecimento do pensamento de Tomás de Aquino e do tomismo; pois, Tomás, como teólogo, e ciente dos pressupostos da revelação, sabe que demonstra o que Deus é em sua totalidade é impossível, mas demonstrar o que Ele da maneira como o próprio Deus se dá a conhecer é possível, pois, o próprio Deus outorga este conhecimento em Sua revelação; logo, o que Deus é, é designativo nas Escrituras por sentenças onde se afirma algo do Ser de Deus; como Tomás diz: “Assim sendo, torna-se demonstrável que Deus é, enquanto que por meio de razões demonstrativas nossa mente é induzida a formar uma proposição referente a Deus, a qual exprime que Deus é[6]. 

Portanto, para Tomás, demonstrar que Deus é, não é algo impossível; antes, necessário e possível; na verdade, o próprio Tomás, a partir de quatro vias (que estão em outra ordem na Summae Theologiae), apresenta argumentos probatórios de que Deus é; Tomás afirma: “Tendo em vista que não é vão o esforço dispendido na demonstração de que Deus é, vamos agora apresentar as razões segundo as quais os filósofos e os doutores católicos provaram que Deus é[7]. Ora, Tomás procura apresentar que Deus é; o senhor, pelo contrário, afirma que Tomás não afirma que “Tomás de Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é impossível”; e vossa expressão é um sofisma.

Ainda, se tem a afirmação de Tomás, em outra obra, que comprova ainda mais, a designação de que Deus é, de que é possível demonstrar o que Deus é; Tomás assevera: “Acerca da unidade da essência divina, com efeito, o que primeiro deve crer-se é que Deus é, o que é conspícuo pela razão. Vemos, sem dúvida, que todas as coisas que se movem são movidas por outras: as inferiores pelas superiores, como os elementos pelos corpos celestes; entre os elementos, ademais, o que é mais forte move o que é mais débil; e também entre os corpos celestes os superiores agem sobre os inferiores. Mas é impossível que isto proceda ao infinito. Como, com efeito, tudo o que é movido por outro é como um instrumento do primeiro motor, todos os que movem, se não houver primeiro motor, serão instrumentos. Se, porém, se procede ao infinito nos motores e nos movidos, é necessário que não haja primeiro motor. Logo, todos os infinitos motores e todos os infinitos movidos serão instrumentos. Mas é ridículo até entre os indoutos pôr os instrumentos a mover-se sem um agente principal: isto é semelhante, com efeito, a alguém pôr para a fabricação de uma arca ou de um leito uma serra e um machado sem carpinteiro que os opere. É necessário, portanto, haver um primeiro motor, que seja o supremo de todos; e a este dizemo-lo Deus[8].

Logo, vossa expressão “Tomás de Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é impossível”, é evidência do desconhecimento de Tomás de Aquino e do desconhecimento do tomismo que o senhor demonstra em vossa crítica. Portanto, vossa crítica é uma “anti-crítica” e vossa filosofia, ao invés de ser verdadeira filosofia, é “anti-filosofia”.

18. Além disso, o senhor também afirma: “mas demonstrar, por seus efeitos, a posteriori, que Deus é, e não o que é”;  na continuação da expressão anterior, o senhor afirma que Tomás de Aquino pretende demonstrar, por seus efeitos, o que Deus é; e, ainda, utiliza-se do termo “a posteriori”; ora, se utilizar uma categoria kantiana, para querer explicar o tomismo, é de uma ignorância filosófica continental; Kant, evidentemente, vem depois de Tomás de Aquino; e o princípio do “posteriori”, não se aplica aos princípios tomistas; pois, Tomás de Aquino, a partir do que no sobredito forma afirmado, tanto procura demonstrar os argumentos probatórios de que Deus é, quando demonstra o que é; ora, só se demonstra que é, ao se demonstrar também o que se é; se Deus é, então, se demonstra o que Ele é; e no “Compendium Theologiae” (uma obra teológica mais simples que a Summae Theologiae), Tomás, após demonstrar que Deus é, passa a demonstração do que Deus é; isto é, Tomás tanto demonstra que Deus é, quanto o que Deus é.

Por isso, vossa crítica erra novamente ao afirmar que Tomás de Aquino procura demonstrar que Deus é, enquanto não o que Ele é; novamente um sofisma; pois, anteriormente o senhor diz que para Tomás de Aquino, se demonstrar o que Deus é, é impossível; depois, o senhor afirma que Tomás de Aquino procura demonstrar que Deus é, e não o que Ele é; ora, isto é contradição de termos; e na proposição silogística, são afirmações sofísticas; portanto, se o senhor primeiro afirma que para Tomás é impossível demonstrar que Deus é, e depois, afirma que Tomás de Aquino procura demonstrar que Deus é, então, se tem um sofisma, na desfiguração da lógica, pois, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo X e Y; além da contradição sofística em que vossa crítica se estabelece, os argumentos propostos pelo senhor não se sustentam a partir das afirmações de Tomás; logo, vossos argumentos estão errados e são sofísticos.

19. E, concluo por aqui a análise das afirmações do senhor, que não chega nem a metade da crítica que o senhor fizera; considero por bem, que as expressões acima descritas dão o norte sobre a “crítica” que o senhor fizera; além disso, se fosse analisar o restante, me excederia muito mais do que o propósito desta breve missiva; portanto, não me alongarei em relação a esta breve análise de vossa crítica; contudo, afirmo de maneira resoluta, que muito mais haveria a ser dito sobre vossa crítica, principalmente no tocante a epistemologia, no tocante as cinco vias, e os demais assuntos, que certamente, geraria, se fosse analisar na inteireza para realmente explicar o pensamento do aquinate, o que se tornaria em um grande tratado, o que, não tenho tempo e nem muitas forças para poder escrever; o que, também, tendo em vista a vossa “crítica”, também não se faz necessário.

Mas, e lembre-se disso, se fosse realmente para confutar vossa “crítica”, a partir dos sofismas e argumentos sofísticos que o senhor elenca, seria necessária uma longa explicação; e, sobre isso, indico que o senhor leia o livro de Chesterton, “Santo Tomás de Aquino”; o livro do Pe. Sertillanges, “Santo Tomás de Aquino Vols. I e II”; o livro de Cornelio Fabro, “Breve Introdução ao Tomismo”; entre outros livros, como os de Garrigou-Lagrange, do Cardeal Caetano, etc. Leia e compreenda estes livros, e então, poderá realmente formar uma compreensão verdadeira e adequada sobre o tomismo e sobre o pensamento do aquinate; mas, principalmente, leia e compreenda as obras de Tomás de Aquino em sua inteireza.

 

Capítulo VI: Em defesa do tomismo.

 

20. Diante destas críticas, que, diga-se de passagem que não são exatamente críticas, mas, sofismas jogados a esmo, é necessário defender Tomás de Aquino e defender o tomismo; pois, um teólogo e filósofo da envergadura de Tomás de Aquino e uma síntese como o tomismo, serem criticadas através de sofismas, não somente é um desrespeito com a Igreja, mas com a humanidade; pois, criticar pensadores de alta envergadura, sem a sinceridade da verdade e sem os parâmetros racionais para isso, é colocar em voga um jogo sofístico incauto; na verdade, se uma suposta crítica é feita deste modo, se torna uma ilusão feita para enganar e manipular, e por isso, é necessário se defender o objeto criticado dos sofismas e da sofística comum a espíritos desajuizados e a almas perturbadas pelas ideias distorcidas.

Assim, se pode afirmar, com resoluta certeza, principalmente no âmbito filosófico, que Tomás de Aquino, e o tomismo, são anti-sofística; pois, o rigor da fórmulas, a precisão das sentenças, a concatenação dos pensamentos, o fulgor da estrutura, dispostas ou em comentários, ou então nas células dramáticas das quaestio, somadas a sinceridade na busca pela verdade, tornam o pensamento do aquinate e o sistema que emerge deste pensamento, o tomismo, uma verdadeira filosofia que ao lado das outras grandes filosofias, estão entre aquilo que de mais precioso o gênio humano pode criar; logo, se criticar uma filosofia desta envergadura com sofismas, não somente é desprezar a própria filosofia, mas todos aqueles que no passado verdadeiramente filosofaram; isto é, se se crítica o tomismo como sofismas, de igual maneira se vitupera a filosofia platônica, a filosofia aristotélica e todo o saber antigo, os quais, são parte dos fundamentos do tomismo.

Portanto, uma crítica sofística ao tomismo, é a mesma coisa que uma crítica sofística a toda a história da filosofia; o que, torna tanto a crítica quanto o crítico, sofistas tão ruins quanto os sofistas antigos, e que acabam por tornar, tanto a crítica quanto o próprio crítico, desnecessários do ponto de vista filosófico.

21. Com isso, se faz necessário, diante de vossa “crítica”, defender o tomismo; pois, os pressupostos elencados para se defender o tomismo, em si mesmos, confrontam e demonstram toda a sofística que está permeada em vossa crítica; pois, o senhor criticara o tomismo, sem saber o que é o tomismo, e sem conhecer o pensamento do aquinate; portanto, evoca-se estes dois pressupostos para confutar vossa invectiva em querer criticar o tomismo; e, estes dois pressupostos são: primeiro, o tomismo é um quadro ideal do saber; segundo, o tomismo é uma síntese.

22. Primeiro, o tomismo é um quadro ideal do saber; o Pe. Sertillanges afirma de maneira contumaz que o tomismo é um quadro ideal do saber; por isso, como o tomismo é um quadro do saber, com o qualificativo de ser um quadro ideal do saber, o que estabelece um princípio fundamental, que de antemão, é necessário saber para compreendê-lo, o qual é: compreender qual o propósito e a função do tomismo frente ao estudo das ciências comparadas, pois, se o tomismo é um quadro ideal do saber, então, sua posição está como que um guia e um manual para se adentrar ao universo do conhecimento, a universitas litterarum, para que se possa diante de tantas possibilidades de conhecimento, diante de inumeráveis perspectivas sobre o saber, ter-se um diretivo para se caminhar em meio a esta multiplicidade incontável de saberes sem se perder. Isto, é o tomismo: um quadro ideal do saber.

E, em vossa crítica, não se é mencionado o fato de o tomismo ser um quadro ideal do saber; aliás, por isso, a vossa crítica descamba num “individualismo” extremo, onde se toma o próprio “eu” como medida para todas as coisas, inclusive para o conhecimento; logo, para se criticar o tomismo há de se compreender o modo como o tomismo está diante do estudo das ciências comparadas, e mais propriamente, diante da existencialidade das ciências comparadas. Em vossa crítica, isso não fora feito; então, a crítica carece da simples compreensão do que é o tomismo diante das ciências comparadas.

23. Segundo, o tomismo é uma síntese; e, como diz o Pe. Sertillanges, “por isso não é uma ciência completa”; é antes um instrumento de coordenação; é um instrumento para organizar e pontuar os modos e os meios para o estudo das ciências comparadas; é como um mapa para ajuizar na exploração de um local desconhecido, ou como um guia a mostrar uma localidade; é “um conjunto de ideias diretrizes” (Sertillanges); por isso, o tomismo serve como nenhum outro sistema como quadro ideal do saber para o estudo das ciências comparadas, porque ordena ideias e sistemas distintos sob um mesmo ponto de vista geral, e os organiza do ponto de vista da verdade, contribuindo assim não somente como o estudo da filosofia, mas também com o estudo das ciências.

Em vossa crítica, sequer é mencionado o aspecto do tomismo como síntese; e, justamente, por ser uma síntese, o tomismo, açambarca inúmeras ideias e princípios das mais diversas filosofias; logo, para se criticar o tomismo, seria necessário criticar cada uma destas filosofias; e, como se observa, em vossa critica, sequer é mencionado algumas das filosofias e das ideias as quais o tomismo açambarca, e, por isso, nem uma destas é sequer explicada; ora, para se criticar uma síntese, é necessário conjuntamente, criticar todo o conjunto filosófico e teológico desta síntese; ou então, tal crítica nem sequer deve ser respeitada.

24. Com isso em mente, se observa que, em vossa própria crítica, e no modo displicente e inverídico com que fora feita, o próprio tomismo, diante de uma crítica inepta, resplandece fulgurantemente; pois, se uma crítica displicente é feita, então, isso só serve para demonstrar a sobre-excelência de um assunto; conquanto, uma crítica ruim e inepta, não deixe de ser ruim e inepta, tal qualificativo em uma crítica, serve para demonstrar que o assunto criticado, excede em muito a crítica e o crítico; e no caso do tomismo, o mesmo se sobreleva de tal maneira aos críticos contemporâneos, que se torna um absurdo alguém querer criticar o tomismo, primeiro, pela dificuldade de tal tarefa, segundo, pela profundidade teorética do tomismo; até mesmo os mais perspicazes críticos, ou os mais geniais filósofos, compreendem a dificuldade de se analisar o pensamento do aquinate.

 

Capítulo VII: Considerações finais.

 

25. Dito estas coisas, posso concluir esta missiva; certamente, se as palavras parecem ser duras ou incisivas de mais, falo que não foram escritas com um tom de repreensão religiosa; todavia, diante das afirmações que o senhor fizera, não encontrei outra alternativa senão escrever-lhe estas palavras; se julgar por bem considerá-las, certamente, isso me alegrará; diante disso, só posso afirmar, que, antes de falar sobre um assunto, procure estudar, e antes de refutar quem quer que seja, tenha contribuições teoréticas significativas para poder criticar um pensador pelo menos como um pensador de relevância em se tratando do pensamento teorético.

No caso de uma crítica a um teólogo, o cuidado é ainda maior, pois, como se critica alguém que reflete sob um aspecto que geralmente seus críticos não concedem; como no caso de um teólogo que reflete fundamentalmente sobre a revelação de Deus, a Bíblia, algo que a maioria dos críticos não aceita e não acredita; aliás, como o próprio Tomás afirma, a ciência sagrada disputa contra quem lhe nega os princípios, com argumentos, se o adversário conceder algum ponto revelado[9].

Por isso, para uma crítica a um teólogo, o seu crítico tem de conceder algum ponto da doutrina revelada, isso é, a possibilidade e a demonstrabilidade da revelação e de tudo que vem imbuído no vocábulo revelação, a saber, a existência de Deus, Seu poder, a salvação, a graça, etc.; do contrário, não há como alguém fazer uma crítica a um sistema teológico.

Certamente, o senhor não concede nenhum ponto revelado, então, não pode fazer críticas a um teólogo e a um sistema teológico (tomismo).

Com isso, termino rogando a Deus as bênçãos de Deus sobre o senhor e sobre os vossos estudos, para que em sinceridade de propósito e na busca pela verdade, possa caminhar nas vias da verdade, justiça, da liberdade e da fraternidade, sempre lembrando da máxima de Aristóteles: “A filosofia é chamada de conhecimento da verdade” (Met. 993b20).

26. Termina aqui esta breve carta. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] A.-D. Sertillanges, Santo Tomás de Aquino Vol. I [Sertanópolis, PR: Calvariae Editorial, 2021], pág. 9.

[2] A.-D. Sertillanges, Santo Tomás de Aquino Vol. II [Sertanópolis, PR: Calvariae Editorial, 2021], pág. 301.

[3] Vd. nota 2.

[4] Esta obra contém 463 capítulos.

[5] Esta obra contém 2669 artigos (ou capítulos), com a solução de mais de 10.000 argumentos. Só na Summa Theologiae, já se dá para ter noção da grandeza do aquinate como teólogo.

[6] Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios [2ª ed. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017], livro I, cap. XII, n. 6, pág. 62.

[7] Ibidem, cap. XIII, n. 1, pág. 62.

[8] Tomás de Aquino, Compêndio de Teologia [2ª ed. Porto Alegre, RS: Concreta, 2017], livro I, cap. 3, pág. 75-77.

[9] cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Ia, q. 1, a. 8, co. 


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