Ao sr. Matheus Benites,
Saudações
Cordiais.
Capítulo I: Considerações Iniciais.
1. Escrevo-lhe, porque no sábado, na
parte da manhã, vi um vídeo que o senhor fizera sobre o tomismo, sobre uma
crítica a Tomás de Aquino e ao tomismo; e, algo na fala do senhor me chamou a
atenção; pois, em vossa invectiva, um pouco estranha, o senhor afirma que vai “refutar
Tomás de Aquino”; é algo ou de uma arrogância continental ou de uma
imbecilidade calcificada; pois, em se tratando do pensamento racional, em
relação a filosofia, não se refuta nada antes de se ter pelo menos ter dado
contribuições tão grandes ao pensamento teorético quanto o autor que
supostamente deve ser refutado; e, em relação a Tomás de Aquino, não existe
nenhum filósofo na modernidade que possa arrolar para si a invectiva de uma
suposta “refutação” contra o doctor angelicus; nem mesmo Husserl poderia
arrolar para si algo desta natureza.
2. Aliás, deve-se falar, que embora
se respeite Tomás de Aquino como filósofo, ele é na verdade um teólogo; Tomás
recebe a honraria de ser também reconhecido como filósofo pela substância
filosófica em suas obras e comentários a textos filosóficos, bem como recebe a
alcunha de “Expositor”, pela precisão e rigor em seus comentários a
Aristóteles; portanto, qualquer “crítica” ou mesmo estudo sobre a obra do
aquinate requer um cuidadoso exame de sua obra filosófica, antes de
propriamente se adentrar em sua obra teológica; pois, como dissera Chesterton,
a filosofia de Tomás de Aquino é uma introdução à sua teologia; e, tanto a
filosofia quanto a teologia de Tomás de Aquino, são de uma profundeza de tal
extensão, que é difícil se ter alguém que possa criticá-las com honestidade e
sinceridade de propósito.
Capítulo II: Princípios para se
estudar o tomismo.
3. Por isso, antes de propriamente
adentrar numa análise geral sobre vossas expressões, gostaria de tecer um breve
panorama sobre o pensamento do aquinate, e assim, estabelecer de antemão,
alguns princípios para que se possa adentrar no estudo do tomismo;
evidentemente, o tomismo é um sistema, filosófico e teológico, a partir do
pensamento de Tomás de Aquino; todavia, o tomismo não é um sistema como a
filosofia de Hegel ou como a filosofia de Comte, ou de Marx, ou dos teóricos
comunistas; o tomismo é um sistema de síntese; e toda síntese, é algo difícil
de se analisar e estudar; pois, reúne em seu bojo uma série de conhecimentos
diversos e de múltiplas escolas de pensamento.
Por isso, para se compreender o
tomismo, não somente é preciso ler as inúmeras obras de Tomás e dos inúmeros
livros dos tomistas; mas, como diz um dos melhores expositores do tomismo: “é
preciso assistir sua escola, conhecer suas obras como o guarda conhece o
bosque, ver retornar, sempre variados em suas aplicações, os princípios
reitores pouco numerosos, mas de uma fecundidade surpreendente, familiarizar-se
com eles e com a ordem que preside sua realização”[1].
Este é, em linhas gerais, o plano de estudo para se compreender o pensamento de
Tomás de Aquino; e, nisso já se observa a dificuldade de se compreender o
pensamento do aquinate.
Portanto, o tomismo, para ser
estudado, requer certos princípios, como estes acima descritos, e que, na
análise que o senhor fizera sobre o tomismo, sequer são demonstrados, nem mesmo
como de pano de fundo da argumentação; certamente, compreender e explicar o
tomismo, mesmo de forma geral, requer o cuidado de assistir toda a escola de
pensamento que o tomismo representa, o que, per se, torna-se algo de extrema
dificuldade, mas de uma fecundidade flórea; com isso, se aperceber destes
princípios, é ponto preponderante para se adentrar no estudo sobre o tomismo.
4. Além disso, é necessário
compreender que como o tomismo é um sistema, uma doutrina, de mais de 700 anos
atrás, existem certas barreiras que devem ser ultrapassadas para se
compreendê-lo; e, em relação aos sistemas de pensamento, sempre há algo que caduca,
porque cada doutrina é doutrina de acordo com seu tempo; e passado este tempo,
sempre há algo que caduca; com Aristóteles foi assim, após mais de dois
milênios, foram feitas novas descobertas científicas e algumas pressuposições
científicas de Aristóteles, feitas de acordo com sua época, caducaram; o mesmo
se dá com qualquer doutrina e sistema de pensamento humano em relação as coisas
humanas e racionais; pois, “todo elevado sistema filosófico tem como duas
vidas: uma vida eterna e imutável e uma vida temporal, variável, à mercê das
vicissitudes doutrinais”[2].
O tomismo, da mesma maneira, possui
uma vida eterna e imutável, e uma vida temporal, sujeita as vicissitudes
doutrinais, e as mudanças epocais; com isso, se sabe que uma doutrina
filosófica como o tomismo, é feita em uma época, em meados do séc. XIII, e foi
estudada em todos os séculos seguintes, adquirindo formas e nuances, a par do
pensamento original, em diversas perspectivas de acordo com vários intérpretes
e comentaristas; o que não muda a essência do tomismo, mas dá-lhe novas formas
e novas nuances de acordo com cada época e com as necessidades de cada época.
Por isso, o tomismo é a doutrina de
uma época específica, mas que ultrapassou sua época e contexto, e permaneceu ao
longo da história. Compreender estas duas vidas de todo elevado sistema
filosófico é princípio propedêutico para se estudar e analisar qualquer sistema
filosófico.
Ora, para compreender esta dialógica
de todo sistema filosófico elevado, há de se conhecer profundamente o autor que
dá origem a este sistema, e todos os intérpretes posteriores; em relação ao
tomismo, conhecer Tomás de Aquino de maneira aprofundada, e da mesma maneira,
conhecer os intérpretes do tomismo.
5. Ademais, o pensamento do
aquinate, como é fruto de uma época da filosofia, a escolástica, tem o
caractere inerente de ser um pensamento escolástico; um pensamento com o rigor
e a precisão da teologia da escola, de reflexões escolares, no sentido mais sublime
do termo; por isso, o pensamento do aquinate é formalíssimo; e, sempre, o
próprio Tomás aborda os problemas filosóficos e teológicos, a partir do lado
mais formal; tal como assevera o Pe. Sertillanges: “o costume de abordar os
problemas por seu lado mais ‘formal’ - formalissime loquitur divus Thomas -
confunde visivelmente os espíritos acostumados a proceder por desdobramentos e
aproximações sucessivos”[3];
logo, para o pensamento coevo, ou para os estudos e as reflexões filosóficas
acostumados com as sucessivas aproximações, ou mais propriamente, com as
divagações características do mundo contemporâneo, adentrar no estudo de um
pensamento talhado de maneira formalíssima como o de Tomás de Aquino, é de
ínvia dificuldade.
Deste modo, o tomismo, enquanto
sistema filosófico e teológico, é de uma profundidade que nenhum sistema
filosófico da modernidade consegue se igualar, e, novamente, lembra-se o fato
de que Tomás de Aquino era teólogo; nem Hegel e seu sistema da ciência, que embora
domine todo o pensamento teórico dos últimos duzentos anos, não possui a
profundidade e a agudeza do tomismo, conquanto o pensamento de Hegel seja um
dos mais difíceis de se entender, em contrapartida ao tomismo, que é mais difícil
de se assimilar na totalidade; e aqui se elenca um fato curioso: pois, um
caipira não pode ser um hegeliano, mas pode ser um tomista; todavia, o caipira
não consegue haurir toda a substância filosófica do tomismo, embora aquele que
se diz hegeliano tenha de conhecer todo o sistema de Hegel.
E elenca-se outro exemplo; pois, nem
Heidegger e sua catedral filosófica, que embora tenha produzido de maneira
assombrosa e com qualidade magistral, também não se iguala ao tomismo;
portanto, os filósofos modernos, conquanto possam criticar Tomás de Aquino,
nenhum destes conseguira ultrapassar o pensamento tomista em se tratando de
profundidade de substância filosófica e totalidade sistêmica. Logo, se nem
Hegel, o mais difícil filósofo da modernidade, e nem Heidegger, teórico do
partido nazista e o mais prolífico filósofo da modernidade, podem se arrolar o
mote de ter “refutado” Tomás de Aquino, certamente, nenhum filósofo coevo pode
arrolar para si sequer a hipótese de ter “refutado” a Tomás.
Capítulo III: As obras de Tomás de
Aquino.
6. Com isso, e, reconhecendo a
necessidade de um estudo aprofundado sobre o pensamento tomasiano, se deve, em
consonância ao que fora dito, se ter um conhecimento aprofundado sobre as obras
de Tomás de Aquino; obras essas que não são poucas; portanto, para uma correta
explicação do tomismo, e por consequência, para se poder fazer uma “crítica” ao
tomismo, se deve, conhecer estas obras e adentrar a mina de ouro que são estas
obras em relação a substância de argumentação teológica e filosófica; por isso,
compreender sobre as obras de Tomás e compreender as obras de Tomás, são fato
preponderante, sem o qual - o que, per se, é lógico -, não se consegue
compreender o pensamento do aquinate.
Deste modo, se estabelece algumas
das principais obras para se conhecer o pensamento de Tomás; pois, em vossa
crítica, falta o conhecimento destas obras, e afirmo isso de maneira resoluta,
muito devido aos erros que vossa exposição demonstra; portanto, estabeleço duas
breves listas: a primeira, introdutória, que se subdivide em dois aspectos: um
em relação ao pensamento filosófico e outro em relação ao pensamento teológico;
a segunda, o pensamento maduro, que também se subdivide em dois aspectos: um em
relação ao pensamento filosófico maduro e outro em relação ao pensamento
teológico maduro; portanto, se consegue, a partir destas duas breves listas, se
compreender o pensamento do aquinate, embora não se consiga esgotar o
pensamento de Tomás somente nestes escritos, pois, existem inúmeros outros, que
não menciono, como os comentários bíblicos, alguns opúsculos, os escritos
litúrgicos, os sermões, etc.
7. A primeira lista, a introdutória,
se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento filosófico, e o
outro em relação ao pensamento filosófico.
Primeiro, em relação ao pensamento
filosófico; para se compreender o pensamento filosófico de Tomás de Aquino, é
necessário compreender muitas de suas obras filosóficas; e, a maneira mais
correta é iniciar pelo conhecimento sobre os opúsculos filosóficos, os
principais destes opúsculos, os quais são sumariados da seguinte maneira: “De
principiis naturae” (Sobre os princípios da natureza), “De substantiis
separatis” (Sobre as substâncias separadas), “Contra errores graecorum”
(Contra os erros dos gregos), “De Ente et Essentia” (Sobre o Ente e a
Essência), “De unitate intellectus” (Sobre a unidade do intelecto), “De
aeternitate mundi” (Sobre a eternidade do mundo); estes são apenas alguns
opúsculos filosóficos, mas, mesmo alguns sendo obras de juventude, são obras
magistrais, os quais, dão um panorama geral sobre o pensamento filosófico
inicial do aquinate, que per se, já maior do que muitos dos filósofos
contemporâneos. O pensamento filosófico do jovem Tomás é muito mais profundo e
brilhante do que a maior parte dos filósofos contemporâneos, fato que esse que
se comprova por seus opúsculos filosóficos da juventude.
Segundo, em relação ao pensamento
teológico; para se compreender o pensamento teológico de Tomás de Aquino, é
necessário também compreender muitas de suas obras teológicas; e de igual modo
com as obras filosóficas, é necessário iniciar pelo conhecimento sobre os
opúsculos teológicos, os quais são sumariados da seguinte maneira: “De
rationibus fidei” (Sobre a razão da fé), “De perfectione vitae
spiritualis” (Sobre a perfeição da vida espiritual), “De articulis fidei
et sacramentis Ecclesiae” (Sobre os artigos da fé e os sacramentos da
Igreja), “Compendium theologiae” (Compêndio de Teologia); estes são
apenas alguns dos opúsculos, mas também textos essenciais para se compreender o
pensamento do aquinate, os quais, também são obras magistrais, e que dão um panorama
geral sobre o pensamento teológico do aquinate; ler e compreender estes
escritos são o caminho para se adentrar na compreensão sobre a teologia de
Tomás de Aquino.
8. A segunda lista, a do pensamento
maduro, também se subdivide em dois aspectos: um em relação ao pensamento
filosófico maduro, e o outro em relação ao pensamento teológico maduro.
Primeiro, em relação ao pensamento
filosófico maduro; para se aprofundar no pensamento filosófico de Tomás de
Aquino, é necessário compreender muitas de suas obras mais maduras,
principalmente os comentários filosóficos; os quais, menciona-se os seguintes:
comentário ao De Hebdomadibus de Boécio, comentário ao De
Interpretatione de Aristóteles, comentário aos Analíticos Posteriores,
comentário a Física, comentário ao De Caelo, comentário ao De
Generatione, comentário ao Metheororum, comentário ao De Anima,
comentário ao de Sensu et Sensato, comentário ao De memoria et
reminiscentia, comentário ao De Causis, comentário a Metafísica,
comentário a Ética a Nicômaco, comentário a Política; estes comentários, que
valeram a Tomás o título honorífico de “Expositor”, são de uma profundidade de
substância filosófica, os quais, são de fundamental importância para se
compreender o pensamento filosófico de Tomás. Sem se compreender de maneira
profunda estes comentários, não se pode explicar o pensamento filosófico do aquinate.
Segundo, em relação ao pensamento
teológico maduro; e, para se aprofundar no pensamento teológico de Tomás de
Aquino, é necessário compreender muitas de suas obras maduras; não se vai
mencionar os inúmeros comentários bíblicos; mas, apenas os seguintes escritos: “Commentaria
in IV libros Sententiarum” (comentário aos quatro livros das Sentenças de
Pedro Lombardo), “Summae contra Gentiles” (Suma contra os Gentios)[4],
“Summae Theologiae” (Suma Teológica)[5];
estes três grandes escritos teológicos, são, em si mesmos, verdadeiras
catedrais góticas da teologia; são escritos profundíssimos, principalmente as Summaes;
e, para compreender a teologia madura de Tomás de Aquino é necessário adentrar
a estes textos.
E, faço uma breve observação, pois,
ao analisar a vossa crítica, percebi que o desconhecimento destes textos são
mais do que clarividentes; e querer explicar a teologia de Tomás de Aquino, ou
o tomismo, sem um profundo conhecimento destes textos, é, na verdade, uma
vileza intelectual e falta de sinceridade, pois, para se explicar algo, e
posteriormente, se criticar algo, é necessário o conhecimento sobre este algo.
E, em vossa explicação e em vossa
crítica a Tomás e ao tomismo, não foi mencionado e nem explicado nenhum dos
opúsculos de maneira adequada, e mesmo a menção ao De Ente et Essentia
também não foi explicado e citado de maneira adequada; portanto, o senhor não
mencionou nem as obras da primeira lista que apresentei, muito menos as obras
da segunda lista, as quais, para se fazer uma explicação e uma exposição ao
pensamento do aquinate, são imprescindíveis; e como não foram citadas e nem
explicadas, então, não fora feito nem uma explicação sobre o tomismo, muito
menos uma “refutação” ao tomismo.
9. Além destas listas,
acrescenta-se, após a lista em relação ao pensamento maduro do aquinate, o
estudo e o conhecimento aprofundado das inigualáveis “Quaestiones Disputatae”
(Questões Disputadas), que menciona-se apenas quatro: a “Quaestiones
Disputatae De Veritate”, as questões disputadas sobre a verdade; a “Quaestiones
Disputatae De Potentia Dei”, as questões disputadas sobre o poder de Deus;
a “Quaestiones Disputatae De Virtutibus”, as questões disputadas sobre
as virtudes; e a “Quaestiones Disputatae De Anima”, as questões
disputadas sobre a alma. Estas obras magistrais são humanamente irrefutáveis, e
goste-se ou não, aceite-se ou não, seja cristão, mulçumano, ou de outra
religião, seja ateu, agnóstico, ou qualquer outra coisa, a profundidade e a
agudeza destas questões beiram a perfeição, e por isso, ninguém consegue
refutar o pensamento do aquinate. Nem se se colocasse Kant, Hegel e Heidegger
diante destas questões, estes iriam conseguir refutá-las.
Aliás, justamente nas questões
disputadas, que se demonstra a genialidade de Tomás, e sua profundidade
filosófica na análise de problemas filosóficos e teológicos; pois, através das
questões disputadas, Tomás de Aquino, resolve tantos problemas filosóficos e
teológicos, que ultrapassa qualquer possibilidade de refutação; pois, veja-se
bem, se se somar os argumentos, os “em contrário”, as soluções, e as
respostas aos argumentos, se tem tanta substância teorética, que se torna quase
que impossível se haurir a profundidade destes textos; e, num geral, ao se
somar as possibilidades evocadas pela estrutura de cada uma das quaestio das
questões disputadas, por si só, são as mais pungentes contribuições filosóficas
e teológicas sobre os assuntos sobre os quais versam.
Ora, pense-se o seguinte: quem
melhor compreendeu a verdade, quem melhor estabeleceu e refletiu sobre a
verdade, em seus mais variados aspectos de acordo com o todo da vida humana,
quem conseguira abalizar a reflexão racional sobre a verdade? Além disso: quem
melhor compreendeu os aspectos referentes ao poder de Deus, que dizem respeito
aos modos como Deus age no mundo? E ainda: quem melhor compreendeu a alma
humana, quem melhor desvelou os mistérios da alma, e que melhor compreendeu o
funcionamento das partes da alma? São perguntas difíceis, mas que respondê-las
é fácil: basta-se ler e compreender as questões disputadas sobre a verdade, as
questões disputadas sobre o poder de Deus, e as questões disputadas sobre a
alma, que, respectivamente, se conseguirá compreender que Tomás de Aquino fora
quem melhor explicou racionalmente a verdade, fora quem melhor explicara o
poder de Deus e fora quem melhor entendera a alma humana; etc.
10. Logo, para se explicar Tomás,
além de compreender as obras filosóficas e teológicas, há de se estudar com
profundidade as “Quaestiones Disputatae”; e, para se apreender e haurir
toda a substância das questões disputadas, mesmo as mais simples, é necessário
uma compreensão aprofundada não somente sobre a filosofia, o aristotelismo, o
platonismo, o neo-platonismo, a filosofia islâmica, a filosofia judaica, etc.,
mas também sobre a teologia, conhecimento ainda mais exaustivo e extenso do que
o conhecimento filosófico necessário para se compreender estas questões;
portanto, indico que procura ler e estudar estas questões, para que então, se
possa pelo menos explicar de maneira correta e com sinceridade filosófica o
pensamento do aquinate.
Capítulo IV: O problema de se querer
refutar Tomás de Aquino.
11. Após estas breves palavras sobre
o que é necessário entender de antemão para se compreender o tomismo, e sobre
as obras de Tomás, se pode prosseguir para analisar as expressões que o senhor
elenca para analisar o tomismo. A primeira destas expressões, é a invectiva do
senhor em querer explicar o tomismo; para explicar o tomismo, são necessárias,
ao menos, estas pressuposições acima descritas, além de um conhecimento
profundo e exaustivo sobre o corpus thomisticum, um conhecimento,
diga-se de passagem, quase que enciclopédico por si mesmo.
Portanto, a invectiva do senhor em
querer explicar o tomismo, falha em todos os modos, muito embora apresente
aspectos do pensamento do aquinate; logo, a pressuposição silogística inicial
que o senhor estabelece é “explicar o tomismo, para depois refutá-lo”, o
que tem sua premissa inicial como um sofisma e um erro filosófico; por isso, se
não se explica o tomismo de maneira adequada, pois, sequer cita-se os grandes
intérpretes do tomismo, e nem se cita e nem se explica as grandes obras de
Tomás, então, não se pode refutá-lo; e isso, é um princípio elementar da
lógica: se a premissa inicial é falsa, então, necessariamente, a conclusão
também será falsa.
12. Ademais, a invectiva de se
querer refutar o pensamento de Tomás de Aquino, é algo que assusta e preocupa;
pois, a confutação de algo, requer a plena compreensão sobre este algo, e
feitos teoréticos tão importantes quanto deste algo que se quer confutar; não
se pode confutar algo que se desconhece, ou confutar algo que em sua grandeza
se sobreleva de maneira gigantesca ao que propõem a confutação; e isto, é
princípio básico da racionalidade humana no que tange a análise e a confutação
de um sistema filosófico.
Com isso, se observa que qualquer
tentativa de se querer confutar Tomás de Aquino, além de beirar a “loucura”
intelectual, e se calcificar na falta de sinceridade intelectual, se demonstra
como a continuação de um dos pressupostos mais caros da filosofia moderna, de
Hegel, Heidegger, e outros, de querer se colocar como o desvelador de uma nova
verdade, como aquele que abre o véu; como dizia Hegel, como aquele que por sua
própria majestade, instaura um novo mote do pensamento teórico.
Dito isso, é importante se lembrar,
que goste-se ou não, Tomás de Aquino deve ser respeitado; e para se querer
refutá-lo, é necessário, no mínimo, ter tão grandes contribuições teoréticas
quanto o aquinate; e, sobre isso, se tem um exemplo do próprio Tomás de Aquino,
que confutou Averróis; como se sabe, Averróis, fora um dos maiores gênios da
filosofia islâmica, profundo conhecedor de Aristóteles, comentarista das obras
aristotélicas, fato esse que, na alta cultura, fora lhe atribuída a alcunha de “Comentador”;
Tomás de Aquino, para confutá-lo filosoficamente, teve de ultrapassá-lo em
profundidade de análise filosófica; e realmente Tomás de Aquino ultrapassara
Averróis, não somente como comentador de Aristóteles, mas principalmente, como
o mais preciso comentarista aristotélico, o que, em superação a Averróis, lhe
valeu a alcunha de “Expositor”, pela precisão e rigor de seus comentários a
Aristóteles; na verdade, Tomás de Aquino confutara Averróis o Comentador,
tornando-se o Expositor.
13. Outrossim, é que querer refutar
Tomás de Aquino é o mesmo que querer destruir uma muralha destruindo tijolo por
tijolo e pedra por pedra; o tomismo, como sistema teológico e filosófico, na
verdade, o pensamento do aquinate é uma imensa muralha, colocada pedra a pedra;
para se refutar este pensamento, é necessário refutar ponto a ponto; e, diga-se
de passagem, que fazer algo assim, é quase que impossível; pois, só a “Summae
Theologiae” tem 512 questões, subdivididas em 2669 artigos (ou capítulos);
portanto, para refutar o tomismo, somente com a “Summae Theologiae”,
seria necessário 2669 confutações; e, aproveite-se o ensejo, para afirmar que
em vossa crítica nem mesmo um destes artigos fora sequer bem explicado;
portanto, tomando como parâmetro apenas a Suma Teológica, apenas uma obra de
Tomás de Aquino, para refutá-lo é algo quase que impossível; e se colocar em
voga todas as obras, se torna algo impossível; pois, sequer em 700 anos de
história e de extensos estudos e comentários, se conseguiu haurir tudo aquilo
que o tomismo é e representa como sistema filosófico e teológico, e como quadro
ideal do saber.
Capítulo V: Sobre a crítica ao
tomismo.
14. Assim sendo, pode-se adentrar na
crítica que o senhor fizera sobre o pensamento de Tomás e sobre o tomismo;
evidentemente, não vou analisar vossa "crítica" na integra, e nem
mencionar alguns poucos aspectos salutares, pois, senão, me excederia
muitíssimo no propósito de uma breve carta; conquanto a isso, serão elencados
expressões que o senhor apresentou, as quais, serão avaliadas a partir da
racionalidade e a partir do entendimento correto do assunto que o senhor se propôs
a criticar; e, em relação as afirmações do senhor, existem inúmeras
pressuposições sofísticas, que se fossem elencadas uma a uma, certamente, não
seria mais uma carta, mas se tornaria em um tratado; portanto, se elenca alguns
sofismas propugnados pelo senhor.
15. No início, o senhor afirma o
vosso propósito, naquilo que talvez possa ser chamado de “proêmio” de vossa
crítica; o senhor afirma: “primeiro vou explicar Tomás de Aquino, depois vou
refutá-lo”; retomando algo que fora dito anteriormente, o propósito que o
senhor estabelece é refutado ao se considerar vossa afirmação a partir da
proposição silogística; pois, em primeiro lugar, o senhor não explica o
pensamento do aquinate, nem o tomismo; logo, não há como refutá-lo; se se não
explica algo de maneira correta, não se consegue refutá-lo de maneira correta;
se a pressuposição inicial é falsa, então a conclusão também será; portanto, no
propósito que o senhor estabelece, já se tem um sofisma; e como dissera
Aristóteles, “um pequeno erro no princípio acaba por tornar-se grande no fim”
(cf. De Cael. 271b8-10); pois, fazendo o caminho reverso, ao se analisar o
propósito proposto pelo senhor, a partir do mesmo já efetuado, se observa o
sofisma no fim; logo, desde o início se tem o sofisma, pela falta de
sinceridade e pela falta de conhecimento com que o senhor analisa o assunto
proposto.
16. O senhor afirma: “Tomás de
Aquino força a barra”; ora, aqui está um dos grandes sofismas; pois, como que
Tomás de Aquino “força a barra”? É mais fácil se afirmar que Kant, Hegel,
Heidegger, e outros, “forçam a barra”, do que afirmar isso do aquinate; pois, o
método da teologia da escola que Tomás de Aquino se utiliza, é o maior sinal de
sinceridade e honestidade intelectual; pois, alguém que realmente não domine o
conhecimento, a filosofia e a teologia, não consegue escrever uma quaestio,
muito menos escrever extensas questões disputadas; na verdade, é a modernidade
filosófica que “força a barra”, em querer criticar o momento áureo do
pensamento humano.
Pois, goste-se ou não, aceite-se ou
não, a Idade Média, em relação a produção filosófica não é a Idade das Trevas,
na verdade, o Iluminismo, a época das luzes, é que é a verdadeira Idade das
Trevas; pois, se observa que, como que homens ditos das “luzes” não conseguem
ultrapassar em profundidade de análise e de substância de argumentação
filosóficas aqueles que julgar estar sobre a Idade das Trevas? Como que os
homens iluminados não conseguem sequer confutar apenas uma das quaestiones
disputatae; ora, as quaestiones disputatae de Tomás de Aquino, são
superiores a ampla gama de imbecilidades que são as obras de muitos dos
iluministas, além de uma esmagadora superioridade de argumentação filosófica.
Portanto, quando o senhor afirma que
“Tomás de Aquino força a barra”, está, na verdade, afirmando que os senhores ao
criticarem-no, é que na verdade estão “forçando a barra”; pois, vossa crítica
não explica e nem refuta nada do tomismo; portanto, é vossa crítica que “força
a barra”. Tomás de Aquino, pelo contrário, como um teólogo, resplandece
luminosamente também como um grande filósofo.
17. Depois, o senhor assevera: “Tomás
de Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é impossível”; e aqui está o
maior dos sofismas que o senhor apresenta; conquanto, a expressão do senhor
transpareça alguma verdade, o todo desta parte onde o senhor diz isso, é onde
se demonstra de maneira mais clarividente o desconhecimento do pensamento de
Tomás de Aquino e do tomismo; pois, Tomás, como teólogo, e ciente dos
pressupostos da revelação, sabe que demonstra o que Deus é em sua totalidade é
impossível, mas demonstrar o que Ele da maneira como o próprio Deus se dá a
conhecer é possível, pois, o próprio Deus outorga este conhecimento em Sua
revelação; logo, o que Deus é, é designativo nas Escrituras por sentenças onde
se afirma algo do Ser de Deus; como Tomás diz: “Assim sendo, torna-se
demonstrável que Deus é, enquanto que por meio de razões demonstrativas nossa
mente é induzida a formar uma proposição referente a Deus, a qual exprime que
Deus é”[6].
Portanto, para Tomás, demonstrar que
Deus é, não é algo impossível; antes, necessário e possível; na verdade, o
próprio Tomás, a partir de quatro vias (que estão em outra ordem na Summae
Theologiae), apresenta argumentos probatórios de que Deus é; Tomás afirma: “Tendo
em vista que não é vão o esforço dispendido na demonstração de que Deus é,
vamos agora apresentar as razões segundo as quais os filósofos e os doutores
católicos provaram que Deus é”[7].
Ora, Tomás procura apresentar que Deus é; o senhor, pelo contrário, afirma que
Tomás não afirma que “Tomás de Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é
impossível”; e vossa expressão é um sofisma.
Ainda, se tem a afirmação de Tomás,
em outra obra, que comprova ainda mais, a designação de que Deus é, de que é
possível demonstrar o que Deus é; Tomás assevera: “Acerca da unidade da
essência divina, com efeito, o que primeiro deve crer-se é que Deus é, o que é
conspícuo pela razão. Vemos, sem dúvida, que todas as coisas que se movem são
movidas por outras: as inferiores pelas superiores, como os elementos pelos corpos
celestes; entre os elementos, ademais, o que é mais forte move o que é mais
débil; e também entre os corpos celestes os superiores agem sobre os
inferiores. Mas é impossível que isto proceda ao infinito. Como, com efeito,
tudo o que é movido por outro é como um instrumento do primeiro motor, todos os
que movem, se não houver primeiro motor, serão instrumentos. Se, porém, se
procede ao infinito nos motores e nos movidos, é necessário que não haja
primeiro motor. Logo, todos os infinitos motores e todos os infinitos movidos
serão instrumentos. Mas é ridículo até entre os indoutos pôr os instrumentos a
mover-se sem um agente principal: isto é semelhante, com efeito, a alguém pôr
para a fabricação de uma arca ou de um leito uma serra e um machado sem
carpinteiro que os opere. É necessário, portanto, haver um primeiro motor, que
seja o supremo de todos; e a este dizemo-lo Deus”[8].
Logo, vossa expressão “Tomás de
Aquino não visa demonstrar o que Deus é, o que é impossível”, é evidência do
desconhecimento de Tomás de Aquino e do desconhecimento do tomismo que o senhor
demonstra em vossa crítica. Portanto, vossa crítica é uma “anti-crítica” e
vossa filosofia, ao invés de ser verdadeira filosofia, é “anti-filosofia”.
18. Além disso, o senhor também
afirma: “mas demonstrar, por seus efeitos, a posteriori, que Deus é, e não o
que é”; na continuação da expressão
anterior, o senhor afirma que Tomás de Aquino pretende demonstrar, por seus
efeitos, o que Deus é; e, ainda, utiliza-se do termo “a posteriori”;
ora, se utilizar uma categoria kantiana, para querer explicar o tomismo, é de
uma ignorância filosófica continental; Kant, evidentemente, vem depois de Tomás
de Aquino; e o princípio do “posteriori”, não se aplica aos princípios
tomistas; pois, Tomás de Aquino, a partir do que no sobredito forma afirmado,
tanto procura demonstrar os argumentos probatórios de que Deus é, quando
demonstra o que é; ora, só se demonstra que é, ao se demonstrar também o que se
é; se Deus é, então, se demonstra o que Ele é; e no “Compendium Theologiae”
(uma obra teológica mais simples que a Summae Theologiae), Tomás, após
demonstrar que Deus é, passa a demonstração do que Deus é; isto é, Tomás tanto
demonstra que Deus é, quanto o que Deus é.
Por isso, vossa crítica erra
novamente ao afirmar que Tomás de Aquino procura demonstrar que Deus é,
enquanto não o que Ele é; novamente um sofisma; pois, anteriormente o senhor
diz que para Tomás de Aquino, se demonstrar o que Deus é, é impossível; depois,
o senhor afirma que Tomás de Aquino procura demonstrar que Deus é, e não o que
Ele é; ora, isto é contradição de termos; e na proposição silogística, são
afirmações sofísticas; portanto, se o senhor primeiro afirma que para Tomás é
impossível demonstrar que Deus é, e depois, afirma que Tomás de Aquino procura
demonstrar que Deus é, então, se tem um sofisma, na desfiguração da lógica,
pois, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo X e Y; além da contradição
sofística em que vossa crítica se estabelece, os argumentos propostos pelo
senhor não se sustentam a partir das afirmações de Tomás; logo, vossos
argumentos estão errados e são sofísticos.
19. E, concluo por aqui a análise
das afirmações do senhor, que não chega nem a metade da crítica que o senhor
fizera; considero por bem, que as expressões acima descritas dão o norte sobre
a “crítica” que o senhor fizera; além disso, se fosse analisar o restante, me
excederia muito mais do que o propósito desta breve missiva; portanto, não me
alongarei em relação a esta breve análise de vossa crítica; contudo, afirmo de
maneira resoluta, que muito mais haveria a ser dito sobre vossa crítica,
principalmente no tocante a epistemologia, no tocante as cinco vias, e os
demais assuntos, que certamente, geraria, se fosse analisar na inteireza para
realmente explicar o pensamento do aquinate, o que se tornaria em um grande
tratado, o que, não tenho tempo e nem muitas forças para poder escrever; o que,
também, tendo em vista a vossa “crítica”, também não se faz necessário.
Mas, e lembre-se disso, se fosse
realmente para confutar vossa “crítica”, a partir dos sofismas e argumentos
sofísticos que o senhor elenca, seria necessária uma longa explicação; e, sobre
isso, indico que o senhor leia o livro de Chesterton, “Santo Tomás de Aquino”;
o livro do Pe. Sertillanges, “Santo Tomás de Aquino Vols. I e II”; o
livro de Cornelio Fabro, “Breve Introdução ao Tomismo”; entre outros
livros, como os de Garrigou-Lagrange, do Cardeal Caetano, etc. Leia e
compreenda estes livros, e então, poderá realmente formar uma compreensão
verdadeira e adequada sobre o tomismo e sobre o pensamento do aquinate; mas,
principalmente, leia e compreenda as obras de Tomás de Aquino em sua inteireza.
Capítulo VI: Em defesa do tomismo.
20. Diante destas críticas, que,
diga-se de passagem que não são exatamente críticas, mas, sofismas jogados a
esmo, é necessário defender Tomás de Aquino e defender o tomismo; pois, um
teólogo e filósofo da envergadura de Tomás de Aquino e uma síntese como o
tomismo, serem criticadas através de sofismas, não somente é um desrespeito com
a Igreja, mas com a humanidade; pois, criticar pensadores de alta envergadura,
sem a sinceridade da verdade e sem os parâmetros racionais para isso, é colocar
em voga um jogo sofístico incauto; na verdade, se uma suposta crítica é feita
deste modo, se torna uma ilusão feita para enganar e manipular, e por isso, é
necessário se defender o objeto criticado dos sofismas e da sofística comum a
espíritos desajuizados e a almas perturbadas pelas ideias distorcidas.
Assim, se pode afirmar, com resoluta
certeza, principalmente no âmbito filosófico, que Tomás de Aquino, e o tomismo,
são anti-sofística; pois, o rigor da fórmulas, a precisão das sentenças, a
concatenação dos pensamentos, o fulgor da estrutura, dispostas ou em
comentários, ou então nas células dramáticas das quaestio, somadas a
sinceridade na busca pela verdade, tornam o pensamento do aquinate e o sistema
que emerge deste pensamento, o tomismo, uma verdadeira filosofia que ao lado
das outras grandes filosofias, estão entre aquilo que de mais precioso o gênio
humano pode criar; logo, se criticar uma filosofia desta envergadura com
sofismas, não somente é desprezar a própria filosofia, mas todos aqueles que no
passado verdadeiramente filosofaram; isto é, se se crítica o tomismo como
sofismas, de igual maneira se vitupera a filosofia platônica, a filosofia
aristotélica e todo o saber antigo, os quais, são parte dos fundamentos do
tomismo.
Portanto, uma crítica sofística ao
tomismo, é a mesma coisa que uma crítica sofística a toda a história da
filosofia; o que, torna tanto a crítica quanto o crítico, sofistas tão ruins
quanto os sofistas antigos, e que acabam por tornar, tanto a crítica quanto o
próprio crítico, desnecessários do ponto de vista filosófico.
21. Com isso, se faz necessário,
diante de vossa “crítica”, defender o tomismo; pois, os pressupostos elencados
para se defender o tomismo, em si mesmos, confrontam e demonstram toda a
sofística que está permeada em vossa crítica; pois, o senhor criticara o
tomismo, sem saber o que é o tomismo, e sem conhecer o pensamento do aquinate;
portanto, evoca-se estes dois pressupostos para confutar vossa invectiva em
querer criticar o tomismo; e, estes dois pressupostos são: primeiro, o tomismo
é um quadro ideal do saber; segundo, o tomismo é uma síntese.
22. Primeiro, o tomismo é um quadro
ideal do saber; o Pe. Sertillanges afirma de maneira contumaz que o tomismo é
um quadro ideal do saber; por isso, como o tomismo é um quadro do saber, com o
qualificativo de ser um quadro ideal do saber, o que estabelece um princípio
fundamental, que de antemão, é necessário saber para compreendê-lo, o qual é:
compreender qual o propósito e a função do tomismo frente ao estudo das
ciências comparadas, pois, se o tomismo é um quadro ideal do saber, então, sua
posição está como que um guia e um manual para se adentrar ao universo do
conhecimento, a universitas litterarum, para que se possa diante de
tantas possibilidades de conhecimento, diante de inumeráveis perspectivas sobre
o saber, ter-se um diretivo para se caminhar em meio a esta multiplicidade
incontável de saberes sem se perder. Isto, é o tomismo: um quadro ideal do
saber.
E, em vossa crítica, não se é
mencionado o fato de o tomismo ser um quadro ideal do saber; aliás, por isso, a
vossa crítica descamba num “individualismo” extremo, onde se toma o próprio “eu”
como medida para todas as coisas, inclusive para o conhecimento; logo, para se
criticar o tomismo há de se compreender o modo como o tomismo está diante do
estudo das ciências comparadas, e mais propriamente, diante da existencialidade
das ciências comparadas. Em vossa crítica, isso não fora feito; então, a crítica
carece da simples compreensão do que é o tomismo diante das ciências
comparadas.
23. Segundo, o tomismo é uma
síntese; e, como diz o Pe. Sertillanges, “por isso não é uma ciência
completa”; é antes um instrumento de coordenação; é um instrumento para
organizar e pontuar os modos e os meios para o estudo das ciências comparadas;
é como um mapa para ajuizar na exploração de um local desconhecido, ou como um
guia a mostrar uma localidade; é “um conjunto de ideias diretrizes”
(Sertillanges); por isso, o tomismo serve como nenhum outro sistema como quadro
ideal do saber para o estudo das ciências comparadas, porque ordena ideias e
sistemas distintos sob um mesmo ponto de vista geral, e os organiza do ponto de
vista da verdade, contribuindo assim não somente como o estudo da filosofia,
mas também com o estudo das ciências.
Em vossa crítica, sequer é
mencionado o aspecto do tomismo como síntese; e, justamente, por ser uma
síntese, o tomismo, açambarca inúmeras ideias e princípios das mais diversas
filosofias; logo, para se criticar o tomismo, seria necessário criticar cada uma
destas filosofias; e, como se observa, em vossa critica, sequer é mencionado
algumas das filosofias e das ideias as quais o tomismo açambarca, e, por isso,
nem uma destas é sequer explicada; ora, para se criticar uma síntese, é
necessário conjuntamente, criticar todo o conjunto filosófico e teológico desta
síntese; ou então, tal crítica nem sequer deve ser respeitada.
24. Com isso em mente, se observa
que, em vossa própria crítica, e no modo displicente e inverídico com que fora
feita, o próprio tomismo, diante de uma crítica inepta, resplandece
fulgurantemente; pois, se uma crítica displicente é feita, então, isso só serve
para demonstrar a sobre-excelência de um assunto; conquanto, uma crítica ruim e
inepta, não deixe de ser ruim e inepta, tal qualificativo em uma crítica, serve
para demonstrar que o assunto criticado, excede em muito a crítica e o crítico;
e no caso do tomismo, o mesmo se sobreleva de tal maneira aos críticos
contemporâneos, que se torna um absurdo alguém querer criticar o tomismo,
primeiro, pela dificuldade de tal tarefa, segundo, pela profundidade teorética
do tomismo; até mesmo os mais perspicazes críticos, ou os mais geniais
filósofos, compreendem a dificuldade de se analisar o pensamento do aquinate.
Capítulo VII: Considerações finais.
25. Dito estas coisas, posso
concluir esta missiva; certamente, se as palavras parecem ser duras ou
incisivas de mais, falo que não foram escritas com um tom de repreensão
religiosa; todavia, diante das afirmações que o senhor fizera, não encontrei
outra alternativa senão escrever-lhe estas palavras; se julgar por bem
considerá-las, certamente, isso me alegrará; diante disso, só posso afirmar,
que, antes de falar sobre um assunto, procure estudar, e antes de refutar quem
quer que seja, tenha contribuições teoréticas significativas para poder
criticar um pensador pelo menos como um pensador de relevância em se tratando
do pensamento teorético.
No caso de uma crítica a um teólogo,
o cuidado é ainda maior, pois, como se critica alguém que reflete sob um
aspecto que geralmente seus críticos não concedem; como no caso de um teólogo
que reflete fundamentalmente sobre a revelação de Deus, a Bíblia, algo que a
maioria dos críticos não aceita e não acredita; aliás, como o próprio Tomás
afirma, a ciência sagrada disputa contra quem lhe nega os princípios, com
argumentos, se o adversário conceder algum ponto revelado[9].
Por isso, para uma crítica a um
teólogo, o seu crítico tem de conceder algum ponto da doutrina revelada, isso
é, a possibilidade e a demonstrabilidade da revelação e de tudo que vem imbuído
no vocábulo revelação, a saber, a existência de Deus, Seu poder, a salvação, a
graça, etc.; do contrário, não há como alguém fazer uma crítica a um sistema
teológico.
Certamente, o senhor não concede
nenhum ponto revelado, então, não pode fazer críticas a um teólogo e a um
sistema teológico (tomismo).
Com isso, termino rogando a Deus as
bênçãos de Deus sobre o senhor e sobre os vossos estudos, para que em
sinceridade de propósito e na busca pela verdade, possa caminhar nas vias da
verdade, justiça, da liberdade e da fraternidade, sempre lembrando da máxima de
Aristóteles: “A filosofia é chamada de conhecimento da verdade” (Met. 993b20).
26. Termina aqui esta breve carta. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
[1] A.-D.
Sertillanges, Santo Tomás de Aquino Vol. I [Sertanópolis, PR: Calvariae
Editorial, 2021], pág. 9.
[2] A.-D.
Sertillanges, Santo Tomás de Aquino Vol. II [Sertanópolis, PR: Calvariae
Editorial, 2021], pág. 301.
[3] Vd. nota 2.
[4] Esta obra contém 463 capítulos.
[5] Esta obra contém 2669 artigos (ou
capítulos), com a solução de mais de 10.000 argumentos. Só na Summa
Theologiae, já se dá para ter noção da grandeza do aquinate como teólogo.
[6] Tomás de Aquino, Suma contra os
Gentios [2ª ed. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017], livro I, cap. XII, n. 6,
pág. 62.
[7] Ibidem, cap. XIII, n. 1, pág. 62.
[8] Tomás de Aquino, Compêndio de
Teologia [2ª ed. Porto Alegre, RS: Concreta, 2017], livro I, cap. 3, pág.
75-77.
[9] cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Ia, q. 1, a. 8, co.
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