26/02/2024

Karl Barth (1886-1968): O Homem e Sua Obra

Prefácio.

           

A vida e a obra de Karl Barth, são um marco na história da cristandade; poucos teólogos na história foram tão influentes em vida como Barth; mas, Barth também é conhecido por suas controvérsias; como diz uma biografia, a vida de Barth é uma vida em conflito; entre sua importância inegável para a cristandade, também tem-se várias acusações sobre seu caráter e piedade, bem como aquelas críticas cáusticas que são movidas pela inveja; mas, independentemente disso, a vida e a obra de Karl Barth são o testemunho de uma exploração esmagadora do que é ser um ser humano; poucos na história produziram tanto em quantidade e qualidade como Barth.

Assim sendo, se faz necessário conhecer a vida e a obra de Barth, mesmo em suas controvérsias teológicas e pessoais; o que, em si, não é tarefa simples; pois, além de uma obra extensa, a teologia de Karl Barth tem pelo menos três fases, que se complementam, mas que também divergem entre si; o que, devido a imensa produção teológica, e as mudanças que Barth teve em seu pensamento, tornam sua teologia, para ser compreendida no todo, algo de grande dificuldade.

Além disso, existe a dificuldade de se compreender as obras de Barth, primeiro, por causa do estrito vocabulário teológico; segundo, por causa da falta de compreensão e do conhecimento do status quaestiones com que Barth estabelece muitos de seus escritos, principalmente os ensaios e os trabalhos menores; terceiro, pela ampla erudição teológica de Barth, que em razão de seu preparo e conhecimento, tornam-no teologicamente difícil de ser compreendido; quarto, devido a sua opus magnum, a “Kirchliche Dogmatik”, ser um livro de mais de 9.000 páginas - e que ficou incompleto, faltando o último tomo do vol. IV e todo o vol. V -, o que, em si, torna um texto de difícil acesso e compreensão; entre tantas outras questões. 

Por isso, para se adentrar na teologia de Karl Barth, se faz necessário uma consideração geral, uma apresentação; e um modo de se fazer isso, é através do instrumento do ensaio; evidentemente, não é uma análise exaustiva, até mesmo porque não caberia num ensaio, e ainda faltam muitos escritos inéditos de Barth para serem publicados (algumas dezenas de volumes), o que tornam uma análise completa ainda uma tarefa impossível de ser executada. Por isso, este ensaio, como uma introdução geral, estabelece um panorama sobre a vida e a obra de Barth, donde ser intitulado, “Karl Barth: O Homem e Sua Obra[1].

Portanto, este ensaio procura demonstrar os princípios teológicos que Barth delineou e explicou sobre o que é a sua teologia, e o modo como a mesma se desenvolveu ao longo de toda sua vida; é um ensaio generalíssimo; uma apresentação geral sobre a vida e os principais escritos de Barth àqueles que nunca leram nada ou nunca ouviram falar de Barth; posteriormente, virão outros ensaios e outras obras mais aprofundadas e específicas sobre o pensamento de Barth; mas, para iniciar, um panorama geral sobre a vida e a obra de Barth são fundamentais; e, como fora dito, este é o propósito deste ensaio, apresentar Karl Barth a partir de um panorama geral de sua vida e uma breve apresentação de seus principais escritos e dos principais aspectos de sua teologia.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

25 de fevereiro de 2024.

 

Prólogo.

 

1. A vida e a obra de Karl Barth é controversa; há sérias suspeitas sobre seu caráter que ultimamente tem assolado a pesquisa sobre Barth, principalmente depois da publicação do livro de Christiane Tietz, “Karl Barth: A Life in Conflict”; todavia, interpretar a vida de um pensador, de um teólogo, requer cuidado, para que os pormenores e os detalhes truncados e as vezes tidos  como “escandalosos”, não sejam ou subtraídos, ou super-valorizados, criando ou uma cegueira voluntária ou uma espécie de voyeurismo doentio. E em se tratando de Barth, é uma questão sempre complexa, pois, tantos os fundamentalistas quanto os liberais sempre o criticam: os fundamentalistas porque Barth não foi longe de mais, os liberais porque Barth demoliu o sonho liberal de uma teologia do “evangelho simples” (que nada tem de simples), sem dogmas, como encarnado no professor de Barth, o lendário teólogo alemão Adolf von Harnack.

2. Outra questão é que, se a análise biográfica de um autor vivo, que é contemporâneo ao biógrafo, já é algo difícil mesmo para aqueles que conhecem ou dizem conhecer determinado autor, ainda mais em se tratando de um autor que morreu faz mais de meio século; evidentemente, os psicologistas de plantão dirão que é possível analisar firmemente, mas, num bom senso, deve-se saber que é impossível conhecer tudo, principalmente se aqueles que eram íntimos do autor ou pelo menos o conheciam pessoalmente, também já não estão vivos; o que resta é analisar documentos pessoais; todavia, ainda que estes documentos pessoais “revelem” coisas distintas ou até mesmo “escandalosas”, não se deve entendê-las demasiadamente errôneas, até mesmo porque o autor não está vivo para responder perguntas fundamentais que surgem de polêmicas e “supostos” escândalos que tornam-se supostos motivo de ridicularização. Isto também deve ser aplicado na análise biográfica da vida de um teólogo, no caso, de Karl Barth.

3. Por isso, para uma compreensão sobre a teologia de Karl Barth é necessário também elucidar a vida de Karl Barth; na verdade, é um esboço biográfico, já que, a vida de Karl Barth através de seus muitos escritos e muitas cartas e acontecimentos, se fosse trabalhada de modo exaustiva, requereria um substancioso livro (talvez em mais de um volume); e ainda, se fossem analisados os pormenores, sem dúvida, seria necessário cerca de quatro volumes substanciosos para cobrir os grandes períodos da vida de Barth. Por isso, se fará uma análise introdutória, com a descrição geral dos fatos pessoais ligados a vida de Barth e um panorama das principais obras produzidas ao longo de sua vida para dar um escopo geral de quem é Karl Barth e do que produzira enquanto teólogo reformado.

4. Diante desta invectiva, é necessário afirmar que se vai fazer um panorama geral sobre a teologia de Barth; e isto, com o intuito de apresentar uma introdução geral para que se possa compreender a teologia de Barth; pois, analisar e elucubrar sobre a teologia de Barth é entender os caminhos da existência teológica nas últimas décadas; Barth não somente influenciou decisivamente a teologia de seu tempo enquanto estava vivo, ele traçou os caminhos e pressupostos da teologia que continuam a ser seguidos mesmo uma geração após a sua morte; e estes pressupostos, continuarão a ser parte da existência teológica por muitas gerações. Pois, como Eberhard Jüngel, notável teólogo, aluno de Barth e editor de muitas das suas obras, asseverou: “Karl Barth é o mais importante teólogo protestante desde Schleiermacher, o qual, ele procurou superar, mas de quem, ainda assim, é devedor em muitos aspectos. A influência pessoal e literária de Barth mudou profundamente o formato da teologia cristã, ultrapassando barreiras confessionais e alterando de modo significativo o rumo da igreja protestante. Deixou, ainda, sua marca inconfundível na vida política e cultural do século 20[2].

5. Deste modo, entender a teologia de Barth é compreender aquilo que ele mesmo desenvolveu e delineou sob a existência teológica, e que continua a ser, mesmo que não aceitem, o encargo fundamental da teologia da cristandade, principalmente da Igreja Evangélica; na verdade, Barth influenciou decisivamente toda a cristandade; poucos na história da Igreja, influenciaram tanto a cristandade quanto Barth; e não somente a cristandade, mas a vida social e cultural da sociedade; Barth influenciou desde a teologia até a literatura; e isso, é sinal de sua grande contribuição à sociedade europeia e ao mundo como um todo; por isso, Barth não somente se estabeleceu como maior teólogo desde Schleiermacher, e como aquele que todos os teólogos posteriores terão de lidar, mas principalmente como aquele que por suas contribuições e suas obras, se tornou um dos maiores teólogos de todos os tempos. Portanto, analisar a vida e a obra de Karl Barth é tarefa sempre necessária; e a melhor maneira de adentrar no estudo de Barth é apresentar sua vida e sua obra como um panorama geral, para depois, se adentrar nos aspectos mais específicos e particulares de sua obra e pensamento.

 

I. O Jovem Barth.

 

6. O primeiro aspecto a se analisar sobre Barth, é o que diz respeito a fase inicial de sua vida, que cobre desde a infância até o tempo na faculdade de teologia, um período que vai de 1886 até 1909. Neste período inicial, a vida de Barth foi marcada pelo exemplo de seu pai e de sua mãe; o pai de Barth era professor de teologia, e isso lhe impulsionou no caminho teológico; a mãe de Barth era uma mulher piedosa, que ensinou a Barth a simples piedade cristã através do cântico de hinos; portanto, o caminho de Barth já estava decidido desde criança, pelo menos com relação ao que ele iria estudar, a saber: a teologia.

7. A infância de Barth, influenciada pelo histórico familiar de pastores e professores de teologia, foi de extrema importância; tanto que nos últimos anos de vida, Barth frequentemente cantava os velhos hinos de Natal, que fora ensinado quando criança por sua mãe; os ensinamentos cristãos, e a influência e o legado da teologia tornaram o pequeno Barth já predisposto ao estudo da teologia. Mas, a influência decisiva para o estudo da teologia, adveio a Barth pelo pastor Robert Aeschbacher, que era pastor em Berna; a respeito da influência de Aeschbacher, o próprio Barth diz: “... de acordo com o estilo da virada do século, ele estava muito inclinado a se desculpar, mas trouxe todo o problema da religião tão perto de mim que ao final das aulas percebi claramente a necessidade de saber mais sobre o assunto. Por esta razão rudimentar, resolvi estudar teologia. Eu não sabia então o que estava fazendo, e agora que conheço essa esfinge mais de perto não sei se hoje teria coragem de dar esse passo[3]. A expressão de Barth é realmente peculiar; devido as questões envolvendo a religião, e os problemas amalgamados a esta questão, ele se pôs a estudar a teologia; ele mesmo diz numa carta a Bultmann, que não sabia o que estava fazendo, e que talvez em outro momento não teria coragem de dar esse passo; na verdade, a dúvida de Barth é aquela que assola em dado momento todo ministro e todo estudioso da ciência sagrada; isto foi melhor definido por Barth como o “abalo” proveniente do estudo e da tarefa teológica, devido ao objeto e a situação da teologia diante de Deus.

8. Agora, a expressão de Barth da teologia como “esfinge”, também tem algo peculiar; não que Barth considerasse a teologia como algo egípcio ou outra coisa similar; mas que, a teologia, sendo um estudo que também é antigo, causa estranheza em muitos dos ouvidos coevos; é o espanto e a estranheza da teologia ante os ouvidos coevos, que fazem da teologia tão necessária, que fazem da teologia uma maravilha tão antiga e tão nova; e não é de se estranhar que o próprio Barth, consciente de tal realidade, chegasse também ao ponto de se sentir um pouco “duvidoso” de tal tarefa. Mas ao final da vida, Barth pode dizer que gostara de ter sido pastor, professor e principalmente um teólogo, ou seja, realmente viveu e existiu como um teólogo; isso ninguém pode negar, mesmo seus atrozes inimigos, e mesmo diante do escárnio invejoso que tem tomado conta da Igreja Evangélica, sem quase nenhuma exceção nos últimos decênios.

9. Assim, a fase inicial de Barth, em sua infância, com o testemunho dos antepassados, e na fase dos estudos nas universidades de teologia, com a influência tanto de pastores como dos grandes teólogos da época, como Julius Kaftan, Wilhelm Herrmann, Adolf von Harnack, tornaram o jovem Barth consciente da importância da teologia; basta lembrar, que o Dr. Harnack na época era o mais conhecido erudito cristão, bem como o mais premiado e elogiado teólogo público de toda a Europa, e era o consultor do Kaiser e da alta-cultura alemã da época para assuntos referentes a cultura e assuntos acadêmicos; não é para menos, que os jovens se interessassem por tal ciência; mas como o próprio Barth dissera, a situação e a admiração que a teologia demonstram, também tem suas vicissitudes, tanto no estudo quanto no exercício das atividades eminentemente teológicas.

10. Barth prosseguiu com os estudos de 1904-1909, em Berna, Berlim, Tübingen e Marburgo, tendo aula com os mais conhecidos teólogos liberais da época; mas a influência decisiva entre estas tantos professores, foi a de Wilhelm Herrmann, a quem Barth no final da vida se referira como “inesquecível professor”; o próprio Barth pensara que tinha encontrado em Herrmann o próprio método e o caminho teológico que deveria seguir; depois, Barth traçou seu próprio caminho; todavia, a influência de Herrmann, principalmente no que concerne a “concentração cristológica”, foi decisiva em Barth. O cristoncentrismo ortodoxo-liberal de Herrmann, influenciou o cristocentrismo centrado e radical de Barth, que por sua vez, influenciou toda a cristologia e o cristocentrismo posterior.

11. A fase de estudos conduziu Barth no caminho da teologia liberal, na fase do pensamento de Barth conhecida como “fase crítica” (1904-1921), onde Barth era totalmente guiado pelo método histórico-crítico da interpretação das Escrituras, e pelos ditames da teologia liberal clássica, particularmente, da teologia liberal ritschliana, que era o movimento da vanguarda da teologia liberal entre os anos 1870-1930; deste período, tanto nas atividades como aluno, como na edição do “Der Christliche Welt”, em Marburgo de 1908-1909, bem como nos primeiros sermões (1907-1910), tem-se vários textos escritos, de muita importância e que refletem as preocupações do jovem Barth, que vão desde a leitura de Dostoievski, de Nietzsche, voltando a Francisco de Assis, e indo aos problemas do socialismo religioso, as revisões de livros teológicos, a prova cosmológica da existência de Deus, e a preocupação com a proclamação da mensagem bíblica; entre muitos outros assuntos, tal como demonstram os textos recolhidos que cobrem este período.

Portanto, se pode afirmar que o jovem Barth foi um teólogo já em fermentação, que ao defrontar-se com os problemas existenciais e sociais prementes de sua época, que se tornariam ainda mais incisivos nas décadas seguintes, o tornaram aguçado para lidar com estes problemas que seriam parte da sociedade e que defrontar-se-iam diretamente com a existência teológica.

 

II. O Pároco de Aldeia.

 

12. O segundo aspecto a se analisar para se compreender o pensamento de Barth, diz respeito a segunda fase da vida de Barth, que cobre o período em que Barth fora pastor, (i) primeiro como pastor assistente em Genebra, de 1909-1911, depois como (ii) pastor titular em Safenwill, de 1911-1922. Após estudar na universidade, Barth prosseguiu para o ministério pastoral, como o processo preparatório comum em sua época a todos aqueles que seriam pastores.

 

a. [Pastor auxiliar em Genebra].

 

13. [i] O primeiro período de Barth como pastor, como pastor auxiliar, foi em Genebra, no púlpito onde João Calvino pregara séculos antes; em Genebra, Barth pode se familiarizar com a teologia de Calvino, bem como com as principais obras de Calvino. No tempo em Genebra, Barth produziu alguns sermões, bem como escreveu alguns ensaios; mas a estadia em Genebra foi pequena, mas suficiente para Barth entrar em contato com a obra da mente mais brilhante da Reforma. E, justamente, o período em Genebra foi decisivo justamente pelo contato com a obra de Calvino, e com o legado teológico-pastoral do reformador.

14. A estadia de Barth em Genebra tem alguns acontecimentos marcantes; desde o impedimento de Barth de casar com uma jovem a qual era apaixonado, que viera a falecer em 1926, e que trouxe marcas sobre Barth - o que aliás quase não é falado -, até o contato com as obras de Calvino, através da publicação da “Opera Omnia” de Calvino no “Corpus Reformatorum”; mas também em Genebra, Barth vivenciou a experiência da pregação, o que demonstra os gérmens do teólogo que está aguçado para os problemas da época em que vive; neste período, Barth percebeu que as pessoas estavam buscando novos caminhos e novos paradigmas; e por isso, Barth percebeu que as pessoas estavam ficando cada vez mais agitadas e, mesmo os cristãos também ficando cada vez mais ansiosos, ao ponto do próprio Barth afirmar que os cristãos, de todas as pessoas, são os que devem fazer em meio a estas crises um chamado à vida, isto é, uma volta ao ensino de Cristo; o que, em si, é algo significativo sobre a consciência teológica de Barth já nos primeiros sermões enquanto pastor assistente em Genebra.

15. Mas, como se pode entender, a vida de um pastor auxiliar tem suas dificuldades; e Barth encontrou-se nestas dificuldades; tanto que, após o período de cerca de dois anos como pastor auxiliar, recebeu o convite para se transferir para uma pequena aldeia, onde seria o pastor titular; evidentemente, Barth aceitou, e foi transferido para esta aldeia; e aqui está um aspecto pouco mencionado, pois, se Barth fez o que fez como pároco de aldeia, o que não teria feito se não tivesse sido mantido sob o púlpito de Calvino; certamente, a influência de Barth teria sido muito maior, ou talvez Barth tivesse apenas sido outro teólogo liberal; mas os caminhos da providência foram outros, e o levaram para uma aldeia, para desta aldeia lançar uma “reforma” teológica quase sem precedentes. 

 

b. [O pastorado em Safenwill].

 

16. [ii] O segundo período pastoral de Barth foi em Safenwill, de 1911-1922; nesta pequena cidade suíça, Barth pode enfrentar os mais diversos acontecimentos, desde os problemas cotidianos dos trabalhadores, as questões amargas da Primeira Guerra, ao problema do liberalismo teológico reinante que não era suficiente, a decepção com os antigos professores, a decepção com o socialismo religioso, etc.; e além de tudo isso, o que Barth mesmo chamava de o problema específico do ministro, o sermão; diante de tais dificuldades Barth teve de abandonar o velho método crítico do liberalismo teológico, e a ideia ritschliana de síntese entre ortodoxia e liberalismo teológico, e voltar-se para as Escrituras; num dado momento ele mesmo descreve esta volta como a descoberta de um estranho novo mundo dentro da Bíblia.

17. Mas neste período também foi de importantes acontecimentos pessoais para Barth; em 1912, o pai de Barth falece; já em 1913, Barth se casa com Nelly Hoffmann, após Barth ter sido proibido de namorar com uma grande paixão de quando na faculdade de teologia; o casamento com Nelly teve algumas crises, mas juntos geraram cinco filhos; dos cinco filhos, quatro nasceram enquanto Barth era pastor em Safenwill. E, mesmo sem perceber, e num grande período sem a valorizar devidamente, Nelly foi a melhor esposa para Barth - isso, o testemunhará a história posterior.

18. A vida e a atividade de Barth como pastor em Safenwill, foi um marco na teologia do século XX; pois, um jovem pároco de aldeia, lançou uma “reforma” na teologia, e que o tornaria ao longo das décadas no maior teólogo do século XX, sendo comparado, por seus contemporâneos protestantes, com Calvino e Schleiermacher; grande parte das mudanças ocasionadas em Barth e depois por Barth, foram frutos das intempéries que Barth vivenciou enquanto pastor em Safenwill. As ebulições e contratempos enfrentados em Safenwill, serviram de fermentação para aguçar a percepção para os problemas sociais e teológicos mais importantes com os quais um pastor e um teólogo tem de lidar.

19. Mas também em Safenwill Barth teve importantes mudanças no pensamento político que tinha desenvolvido nos anos de estudo; em Genebra e nos primeiros anos em Safenwill Barth se mostrou favorável ao socialismo religioso; mas com a Primeira Guerra, toda a esperança de um socialismo religioso, baseada na utopia do conceito de socialismo, fora dissolvida; por isso, numa preleção em 1919, Barth fala sobre a questão do cristão na sociedade, como fonte de esperança de mudança, e não na perspectiva de um modelo político desenvolvido por homens. Ademais, esta mudança deve-se também ao fato da rejeição de Barth aos antigos professores por estes apoiarem a política de Guerra do Imperador Alemão; embora a maior parte destes professores não serem socialistas, na verdade, o apoio a política de guerra do Kaiser, fizeram com que Barth passasse a rejeitar toda e qualquer forma de ideologização da teologia e da Igreja, e, por consequência, abandonar o socialismo religioso.

20. E, nesta época de ebulições sociais, culturais, religiosas e teológicas, o próprio Barth precisava mais uma vez de ordenar os próprios pensamentos que estavam em crise; mas não somente crise pessoal de Barth, mas de toda uma geração; por isso, ao adentrar no estudo da Carta aos Romanos, Barth decidira escrever um comentário sobre a carta paulina, a fim de ajuizar as próprias ideias, como ao fim da vida Barth segreda em uma entrevista; o comentário, que Barth dissera no prefácio a primeira edição que poderia esperar, quando foi publicado pela primeira vez em 1919 não chamou tanto a atenção; mas, logo, foi revisado e foi publicada uma segunda edição em 1922, que causou a mudança de todo o cenário teológico da modernidade, dando início a uma nova época na teologia; o impacto desta segunda edição foi tal que um estudioso fez a seguinte descrição: “A Carta aos Romanos de Barth, já em sua primeira aparição [...] caiu como uma bomba na arena de jogos dos teólogos[4].

21. Por isso, o tempo em que Barth foi pastor em Safenwill foi tão significativo, que pode-se com resoluta convicção afirmar que as vicissitudes e os problemas que Barth vivenciou em Safenwill, bem como nas crises que a Europa vivia nos primeiros anos do século XX, que desembocou em revoluções e guerras, serviu para solidificar a mente teológica que lançaria de novo as bases para a reflexão teológica que já viam sendo sobrecarregadas pelo liberalismo teológico do século XIX, e pela crescente onda do secularismo. A mudança teológica necessária no século XX, foi ocasionada por um pastor de aldeia, que movido pela redescoberta da própria Escritura, pode de novo afirmar as verdades fundamentais das Escrituras que estavam obnubiladas pelo espírito da época.

22. E, após a publicação da segunda edição do comentário a Carta aos Romanos, Barth foi reconhecido pela grande e venerável ordem dos teólogos de língua alemã; evidentemente, isso abriu outras portas para Barth; as portas para ser professor universitário; ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Göttingen, Barth logo foi chamado para ser professor, e mudou-se de um simples pároco de aldeia, para um famoso professor universitário, num dos centros da teologia luterana na Alemanha; e a partir de então, Barth começa a laborar como teólogo e começa a desenvolver suas contribuições que moldarão toda a cristandade no séc. XX.

 

III. O Professor Universitário.

 

23. O terceiro aspecto diz respeito a terceira fase da vida de Barth, que cobre a maior parte de sua vida, do período em que ele fora professor, de 1922-1962, período no qual surgem as grandes palestras e as grandes obras. Barth fora professor em Göttingen, Münster, Bonn e em Basileia. E em sua atividade magisterial na Universidade, Barth ressignificou toda a teologia desde seus fundamentos; Barth, operara uma mudança continental na teologia, e influenciou decisivamente tudo aquilo que veio após a ele, bem como delineou todo o encargo e os princípios da reflexão teológica que tem sido dominantes mesmo uma geração após sua morte.

 

a. [Professor em Göttingen].

 

24. Barth foi professor de teologia na Universidade de Göttingen de 1922 a 1926; logo após a publicação da segunda edição de “Römerbrief”, Barth recebeu o doutorado honorário em teologia, e foi chamado a ser professor em Göttingen; neste período que vai de 1922 a 1926, Barth produziu uma série de preleções monumentais, perpassado desde a teologia das confissões reformadas, a teologia de Zwinglio, a teologia de Schleiermacher, a teologia de Calvino, etc.

25. Em Göttingen, Barth lançara as bases principais das mudanças fundamentais que aconteceria em seu pensamento; por exemplo, das preleções sobre a teologia de Zwinglio, surgiu a necessidade sempre evidente da distinção entre Deus e a criatura de modo a acentuar a importância da obra redentora de Cristo, algo que já vinha em Barth desde a leitura de Kierkegaard, como se demonstra em “Römerbrief”. Além disso, das preleções sobre a teologia das confissões reformadas, surgiu a necessidade da ideia e da proposição da harmonia das confissões reformadas e do encargo destas para a reflexão teológica; etc.

26. Deste modo, em Göttingen inicia-se o pressuposto metodológico fundamental que guiaria Barth em toda sua vida como teólogo, a saber, ser uma teologia como nota de rodapé as grandes teologias; em 1922, Barth foi convidado a dar uma palestra a uma convenção de pastores em Schulpforta, a qual intitulara “Not und Verheibung der christlichen Verkündigung” (Dificuldade e Promessa da Proclamação Cristã), na qual apresenta uma introdução à compreensão de sua teologia; e esta preleção é a chave hermenêutica fundamental para se entender toda a teologia de Barth. Nesta preleção Barth afirma que sua teologia se coloca como uma nota de rodapé, “como uma espécie de observação à margem, ou glosa, que, a seu modo, se dá bem com todas estas, ou também não[5].

27. Com isso, Barth ao iniciar sua atividade como professor estabeleceu como o propósito de sua vida teológica, edificar uma teologia da glosa, ou uma teologia das notas de rodapé; para servir de contato e explicação as grandes teologias, para servir de observação ao desenvolvimento teológico de Calvino, dos dogmáticos do período da ortodoxia, de Schleiermacher, de Ritschl, de Herrmann, etc.; Barth se estabelece como um “fazedor” de observações, de considerações, de ponderações as reflexões fundamentais das grandes teologias; e nisso, Barth estabelece sua própria teologia, em referência aos desvios ou proposições aporéticas de muitas destas grandes teologias em voga e em eminência em sua época como estudante, donde também estabelece sua teologia como uma espécie de “corretivo” necessário a estas teologias; por isso, muitas das proposições estabelecidas por Barth, designam-se para complementar e/ou corrigir as grandes teologias naquilo que é necessário, para a partir disto e com isto, estabelecer sua própria contribuição original na reflexão teológica, como se demonstra em suas muitas obras.

28. A primeira grande contribuição de Barth do período em Göttingen advêm de “Epheserbrief”, a explicação na Carta aos Efésios (de 04 de novembro de 1921 a 16 de fevereiro de 1922), na qual Barth fez uma interpretação da Carta aos Efésios. Ao mesmo tempo em que proferia a explicação da Carta aos Efésios, Barth também empreendia “Der Heidelberger Katechismus”, na qual Barth fez uma interpretação do Catecismo de Heidelberg (de 08 de novembro de 1921 a 04 de fevereiro de 1922), interpretação essa que estará presente em toda a obra que Barth desenvolvera posteriormente.

29. A segunda grande contribuição de Barth do período em Göttingen advêm de “Die Theologie Calvins”, a explicação da teologia de Calvino (de 27 de abril a 28 de julho de 1922), na qual Barth faz uma magistral interpretação do pensamento de Calvino, a qual serviu para fazer reflorescer a teologia de Calvino no séc. XX; estas preleções de Barth sobre Calvino se tornaram um marco na teologia moderna, particularmente um marco na teologia reformada do séc. XX.

30. A terceira grande contribuição de Barth no período de Göttingen advêm de “Die Theologie Zwinglis”, a explicação da teologia de Zwinglio (de 02 de novembro de 1922 a 27 de fevereiro de 1923), na qual Barth fizera uma interpretação da teologia de Zwinglio, o pai da teologia reformada; uma magistral interpretação, mas que não provocara o mesmo impacto da interpretação da teologia de Calvino; mas na interpretação da teologia de Zwinglio, como se demonstra nos documentos pessoais de Barth deste período se observa pelo menos uma tensão peculiar no pensamento de Barth, a afirmação em voz alta da transcendência de Deus, o “totalmente Outro” da Carta aos Romanos, para não incorrer no mesmo erro que os luteranos criticam em Zwinglio, de não fazer uma distinção adequada entre Deus e a carne, entre Deus e a criatura[6].

31. A quarta grande contribuição de Barth no período de Göttingen advêm de “Die Theologie der Reformierten Bekenntnisschriften”, a explicação da teologia das confissões reformadas (de 01 de maio a 27 de julho de 1923), na qual Barth fizera uma singular interpretação da teologia das confissões reformadas, que retornara com o pressuposto de analisar o todo das confissões reformadas a partir de uma análise da harmonia e inter-relação entre as confissões reformadas. Ao mesmo tempo, Barth também proferiu “Auslegung von I Cor 15”, a interpretação de 1Co 15 (de 02 de maio a 25 de julho de 1923), na qual Barth, retomando o exemplo de Lutero, fizera as preleções sobre este importante capítulo do Novo Testamento, que fala sobre a ressurreição dos mortos.

32. A quinta grande contribuição de Barth no período de Göttingen advêm de “Die Theologie Schleiermachers”, a explicação da teologia de Schleiermacher (de 01 de novembro de 1923 a 28 de fevereiro de 1924), na qual Barth fizera a mais importante e a mais magistral interpretação da teologia de Schleiermacher que até então se havia feito; na verdade, foi a mais justa e correta interpretação sobre Schleiermacher que já se houvera feito; e com isso, Barth se estabeleceu como o grande teólogo após Schleiermacher, já que foi quem melhor entendera o próprio Schleiermacher; esta interpretação de Barth demonstra o lugar e a importância de Schleiermacher não somente como pai da Igreja no séc. XIX, mas também como pai da Igreja no séc. XX.

33. A sexta grande contribuição de Barth no período de Göttingen advêm de “Unterricht in der christlichen Religion”, a explicação da dogmática com a orientação de ser instruções sobre a religião cristã (de 02 de maio a 01 de agosto de 1924) que seguiu-se em três partes, dogmática I, II e III, a qual ocupou Barth em 1925 e 1926, além de outras preleções correlatas; nestas preleções Barth procurou fazer como Calvino no “Institutio”, a fim de entre os luteranos apresentar as lições de dogmática como instruções sobre a religião cristã, mas, Barth certamente nestas preleções foi mais influenciado por Ritschl do que por Calvino, embora a designação geral seja proveniente de Calvino; esta foi a primeira dogmática que Barth escreveu e a primeira que foi concluída, inclusive na escatologia; e foi a base do pensamento dogmático que Barth desenvolveria posteriormente. Nesta obra, um dos marcos da teologia dialética, Barth apresenta suas institutas da religião cristã, uma obra notável que fora conduzida como preleções sobre dogmática, e qual foi a última das preleções que Barth fizera enquanto professor em Göttingen.

 

b. [Professor em Münster].

 

34. Após lecionar em Göttingen, Barth foi professor em Münster; de 1926 a 1930, Barth foi professor na Universidade de Münster; e em Münster, Barth produziu uma série de preleções fundamentais; mas principalmente em Münster começa-se uma série de acontecimentos pessoais na vida de Barth que o marcarão profundamente, bem como em Münster aparecem três grandes preleções fundamentais, duas das quais também se tornarão clássicos teológicos, as quais evidenciam a grandeza de Barth como teólogo.

35. A primeira grande contribuição de Barth no período em Münster advêm de “Johannesevangelium”, a exposição no evangelho de João (de 02 de novembro de 1926 a 26 de fevereiro de 1926; depois repetida em Bonn em 1933); nestas preleções Barth conseguira chegar até o capítulo 8 do evangelho de João; mas são um testemunho da capacidade exegética de Barth, e que permanecem como uma interpretação séria e profunda sobre o quarto evangelho, figurando a época como uma interpretação tão boa quanto as obras sobre o mesmo evangelho dos exegetas especialistas, como Bultmann e outros.

36. A segunda grande contribuição de Barth no período em Münster advêm de “Geschichte der protestantischen Theologie seit Schleiermacher” (de 03 de maio a 30 de julho de 1926, e repetida em 1929-1930), na qual Barth fizera uma precisa e cirúrgica análise da teologia protestante, desde os aspectos que antecedem a Schleiermacher, o próprio Schleiermacher, até o pensamento teológico dominante até época das preleções; é uma invectiva séria e extremamente necessária da interpretação do legado teológico, dos caminhos da teologia protestante do séc. XIX; a análise de Barth é cirúrgica e justa, e por isso, se tornara um clássico sobre a história da teologia do séc. XIX; nenhum estudioso sério da teologia protestante se pode dar ao luxo de negligenciar a análise de Barth sobre a história da teologia protestante no séc. XIX.

37. A terceira grande contribuição de Barth no período em Münster advêm de “Ethik”, que fora analisada em duas partes, a “Ethik I”, e a “Ethik II”, proferidas primeiro em Münster em 1928-1929, e depois em Bonn em 1930. É a única análise da ética completa feita por Barth e também se constitui de um precioso testemunho da análise dogmática pretendida por Barth, da ética como parte da dogmática. É um testemunho principalmente em relação ao desenvolvimento da ética, como resposta ao “sitte” de Schleiermacher; deste modo, a ética de Barth, constitui-se a base e o fundamento da ética teológica, a ser refletida e estudada, já que é uma resposta e uma contribuição decisiva após os problemas da ética desde a época de Schleiermacher.

38. Além destas contribuições como professor, Barth publicara o primeiro volume de uma dogmática que teriam três partes, a “Die Christliche Dogmatik im Entwurf” (1927), a dogmática cristã em esboço; nesta obra Barth traça o princípio fundamental da dogmática desde Schleiermacher; apesar de Barth ter abandonado esta obra depois, esta primeira monografia dogmática de Barth permanece de suma importância para a elucubração sobre o pensamento dogmático da teologia do séc. XIX e início do séc. XX; este é a obra publicada mais importante de Barth desde a publicação da segunda edição de “Römerbrief”.

39. A partir de Münster, Barth estabelecera uma série de contribuições, isso sem mencionar os grandes ensaios deste período, que depois, se tornarão mais evidentes em outras obras; deste modo, o que Barth iniciara em Göttingen com uma série de preleções, fora continuado e sublimado em Münster, principalmente numa linha de continuidade teológica extremamente peculiar, ao mesmo tempo em que Barth produziu algumas obras importantíssimas, que se tornaram clássicos teológicos e que são leitura imprescindível para as gerações posteriores dos estudiosos da ciência sagrada. 


IV. O Relacionamento com Kirschbaum.

 

40. E, sobre o período de Barth em Münster, se faz um adendo, uma digressão; pois, embora em Münster, tenha havido um desenvolvimento significativo de Barth no trabalho acadêmico e de publicações, também houvera algumas dificuldades na vida pessoal; foi em Göttingen que Barth conhecera pessoalmente Charlotte von Kirschbaum, a qual já o conhecia por suas publicações e fama desde o início dos anos 1920; do relacionamento com Kirschbaum, chamada por Barth de “Lollo”, nasceu um amor platônico quase que instantâneo; ao se mudar para Münster, o relacionamento se intensificou e se tornaram ainda mais próximos, onde a própria Kirschbaum chegou a confessar para Barth numa carta de 27 de fevereiro de 1926: “Caro Karl, devo escrever-lhe uma palavra gentil? Não posso. Só lhe posso dizer uma coisa, que talvez nem diga: simplesmente sei desde quarta-feira passada que te amo, mais do que posso compreender[7].

41. E a resposta de Barth a Kirschbaum, no dia 28 de fevereiro, demonstra a complexidade que o encontro entre os dois causara no próprio Barth; Barth confessara: “Apesar de toda a gravidade e amargura que agora vem, estou até feliz com isso. Não apenas pelo motivo que está mais próximo: porque... agora sim, vamos com isso, não há nada a fazer sobre isso, é simplesmente assim: porque eu também te amo, mais do que posso compreender. Mas também porque agora sei que não estou sozinho na minha necessidade e posso falar-vos muito abertamente sobre a forma como agora devemos ajudar-nos uns aos outros ou, talvez mais ainda, devemos deixar-nos ajudar. Até quarta-feira passada eu pensava (embora eu já tenha visto mais do que você, com choque, como eu me alegrava com cada palavra confiante que você me dizia ou me escrevia), tudo poderia se desenvolver no contexto de uma amizade adorável. Como então ficou tão evidente em nossa conversa como inacreditavelmente bem e naturalmente nos encaixamos, de repente a situação parecia tão insincera que eu tive que insinuar o que vi[8].

42. O relacionamento entre os dois neste período, mesmo entre as inúmeras cartas, não sugere nada além de um amor platônico, pois houvera apenas um momento de férias onde Barth ficara sozinho com Kirschbaum nas férias de abril a setembro 1929; após isso, em outubro de 1929, Kirschbaum mudou-se para a casa da família Barth, juntamente com Barth, sua esposa Nelly e seus filhos. A situação ficou tão complicada, que a Dra. Tietz ao analisar a situação de Barth, Nelly e Kirschbaum chamou de um conturbado “Ménage à Trois[9]; e, realmente é quase como que um “escândalo”, devido a situação enfrentada por Barth em relação a vida familiar; há várias referências nos interlocutores contemporâneos que presenciaram tais fatos que evidenciam como que a relação na família Barth se tornara complexa a partir dos anos 1930.

43. Barth casado com cinco filhos, na época, um dos maiores teólogos vivos – certamente, nesta época abaixo apenas de Harnack - inicia um “suposto” relacionamento com Kirschbaum; evidentemente, há muita especulação sobre estes acontecimentos, do sofrimento que trouxera a Barth e sua esposa; e as confidências nas cartas que sobreviveram também demonstram isso; todavia, não dá para ir além disso; a situação é complexa, mas fazer um “voyeurismo” doentio em cima de uma situação complexa que a par das confissões pessoais, onde só existem “possibilidades”, além de errado é anti-cristão; não há dúvida que Barth errou em colocar Kirschbaum para morar na mesma casa que sua esposa, ainda que fosse sua secretária e datilógrafa, e companheira de reflexão teológica; provavelmente, pelos relatos mais “incisivos” parece que houve traição nas férias de 1929, mas também é só possibilidade; depois disso, Kirschbaum ficou na casa da família Barth por 40 anos, e mesmo após sua doença, Barth a visitou todos os domingos até sua morte, e após a morte de Barth, Nelly a esposa de Barth a visitou todos os domingos até a morte de Kirschbaum em 1975; e a especulação realmente se evidencia principalmente a partir da publicação do primeiro volume dos escritos pessoais de Barth e Kirschbaum, que cobre os anos 1925-1935, escritos esses que ainda são centenas e centenas, que serão aos poucos publicados (há a previsão da publicação das cartas e documentos pessoais de Barth e de Kirschbaum de 1935ss no volume 60 da Karl Barth Gesamtausgabe, que provavelmente virá a lume em 2026); todavia, não se há provas concretas além das confissões de um amor platônico, e assim, goste-se ou não, não se pode ir além destes fatos descritos e nem imaginar uma série de situações embaraçosas.

44. Barth errou sim; não há dúvida quanto a isso; mas, independentemente disso, sua produção demonstra também uma profunda percepção das necessidades teológicas, e o que Barth produziu em todo este período foi fundamento para que a teologia e a ortodoxia não se perdessem, mais do que qualquer outro teólogo; não fora Bavinck, embora seja um teólogo estupendo, ou Van Til, um apologeta de primeira grandeza, ou Schaeffer, ou qualquer outro teólogo que segura as pontas da ortodoxia cristã, mas fora Barth quem segurara as pontas e as rédeas da ortodoxia cristã; evidentemente, isso não justifica erros e pecados; mas tal como na Escritura, o próprio Deus não deixa de registrar os erros de seus servos, como no caso de Davi e o adultério com Bate-Seba, do mesmo modo também é com os teólogos; mesmo os grandes teólogos também são seres humanos; e não nos deveria escandalizar se algum erro e/ou pecado dos grandes teólogos são expostos; não as mentiras e calúnias que toda pessoa com grandeza humana sofre, mas realmente os erros e defeitos, tal como se demonstra com Barth, em Calvino e em muitos outros.

45. O erro de Barth é injustificável, mas ao mesmo tempo sua produção e obra neste período também demonstra um homem aguçado ao que o Espírito queria dizer as Igrejas; e, goste-se ou não, aceite-se ou não, Barth é o maior teólogo do séc. XX, e um dos maiores da história; certamente, Barth é superado em relação a grandeza de análises teológicas e a solução de problemas teológicos apenas por Agostinho, Tomás de Aquino e Schleiermacher; embora, em relação ao protestantismo seja tido em menor estima do que Lutero e Calvino, e em relação a genialidade esteja abaixo de Schleiermacher, Barth figura, em relação a história da cristandade como um teólogo ao pé de igualdade com Agostinho e Tomás de Aquino, fato esse que ninguém pode negar ou rechaçar, mesmo diante dos erros de Barth; pois, do mesmo modo como o Rei Davi errou, e a Escritura transcreve perfeitamente seus erros, Barth errou e seus documentos descrevem seus erros; mas do mesmo modo como Davi é o homem segundo o coração de Deus apesar de seus erros, Barth é um dos maiores teólogos da história apesar de seus erros. E que isso não surpreenda e/ou cause confusões; pois, para se criticar Barth e/ou para querer acusá-lo, ter-se-ia de ter a mesma grandeza intelectual e acadêmica para se poder enfrentá-lo teoreticamente.

46. Muitas pessoas ao ouvirem sobre esta situação delicada de Barth, escorraçam-no de todas as maneiras; Barth mesmo dissera que muitos diriam coisas desagradáveis a seu respeito no futuro; e outras ainda, ridicularizaram ao ouvirem ainda falar que se tem alguém que estuda Barth, ou que se comenta as obras de Barth; como fora dito, Barth errou e seu erro é injustificável, e se as acusações sobre seu relacionamento com Kirschbaum forem verdadeiras, isso também não pode ser negado e/ou menosprezado; todavia, a produção de Barth não pode ser jogada no lixo, como muitos advogam; a produção não justifica o erro, mas a imensa produção de Barth, totalmente necessária e imprescindível à sua época, bem como para o período após a morte de Barth, e para os séculos vindouros da história da Igreja, demonstra que, apesar da atitude errada de Barth, o bondoso Deus agiu nele e através dele para manter e preservar a teologia e a Igreja dos erros de época; e os erros que Barth enfrentou em sua época fora um dos piores momentos da história da Igreja; e os problemas teológicos que Barth solucionou, são tantos, que se pode equipará-los, na gama de problemas resolvidos, a Aristóteles em relação a solução de problemas filosóficos. E, isso, para se demonstrar a grandeza de Barth.

47. Portanto, é sempre bom que se entenda isso; pois, diferentemente de outras ciências, que conduzem o saber racional, e que se requerem um mínimo de retidão moral para que se possa apreender a verdade, na teologia, a questão é diferente; só existe produção teológica, sob os ditames da aprovação divina; não que Deus aprove o pecado, mas quando alguém tem uma produção teológica substancial e de suma importância, como com Barth, significa que Deus agiu e iluminou com sua graça para que houvesse essa produção teológica; e esta proposição é axioma fundamental a respeito da reflexão teológica: só produz teologia quem é iluminado pelo Espírito. Logo, só produz teologicamente em quem Deus age e através de quem Deus age; o próprio Barth disse de si mesmo, que tudo o que ele fizera e produzira, foi por causa da graça de Deus, que agiu nele e através dele; e isto não há como negar.

 

V. A Luta da Igreja.

 

48. Entendido o delicado relacionamento com Kirschbaum no seio da família de Barth, pode-se prosseguir para o período em que Barth se torna professor em Bonn. Pois, no interim, em que Kirschbaum se muda para a casa de Barth com sua esposa e filhos, Barth saiu de Münster e foi para Bonn, onde foi professor na Universidade de Bonn de 1930 a 1935; no período em Bonn, Barth repetiu algumas preleções, bem como fizera uma análise da introdução do “Glaubenslehre” de Schleiermacher, uma análise do “Enquiridion” de Agostinho, entre outras preleções; mas neste período, sobressaem-se sobretudo as cartas, em centenas e mais centenas, as quais, cobrem as ebulições fundamentais as quais a sociedade alemã da época vivia, principalmente após a subida de Hitler e do partido nazista ao poder em 1933. Além das cartas, chama a atenção neste período, principalmente os ensaios, os quais, constituem preciosidades fundamentais da teologia de Barth neste período, e que estabelece signos teológicos imprescindíveis sobre as questões ético-políticas.

49. Mas o período em Bonn também foi de algumas históricas curiosas; Helmut Gollwitzer, que foi aluno de Barth em Bonn, certa feita contou uma história envolvendo Barth e o filme “Der blaue Engel” (O Anjo Azul) de 1930, estrelado pela bela e muito charmosa atriz Marlene Dietrich, uma das maiores atrizes de todos os tempos, e figura de beleza e de atração na década de 30; e numa manhã, Barth chega e fala: “ontem a noite sonhei com Marlene Dietrich”; e evidentemente, os alunos olharam com “inveja”, e lhe perguntam em tom sarcástico: “Ah, alguma coisa legal?”, e Barth, em tom de picardia, respondeu: “Ela estava muito bem vestida e me disse: Karl Barth, me dá uma Bíblia![10]; e, evidentemente todos riram muito; é um relato um pouco descontraído, mas que tem um pano de fundo com conotações que seriam encaradas num meio mais “puritano” como imorais.

50. Além disso, em Bonn, ocorre a virada fundamental na teologia de Barth, a qual advêm da interpretação do “Proslogion” de Anselmo da Cantuária, a partir do qual Barth muda radicalmente a pressuposição básica de sua metodologia teológica; o “fides quarens intellectum”, tal como ficara conhecida esta interpretação, não somente foi importante para a mudança metodológica de Barth, mas principalmente para um renascimento no interesse por Anselmo. Da interpretação do “Proslogion”, Barth abandonou sua primeira tentativa de uma monografia dogmática, e iniciou uma nova tentativa, a “Kirchliche Dogmatik”, que começou a ser publicada em 1932, e se tornaria a principal obra teológica do séc. XX, a “summae theologiae” do séc. XX, e, em relação a extensão, a maior dogmática da história da Igreja.

51. E, em Bonn foi que se iniciara o período da luta pela Igreja (kirchenkampf); os ensaios produzidos nos anos 1930-1935, são fundamentais para o entendimento dos problemas e da situação que levou a quase toda a Igreja na Alemanha, tanto a Igreja Católica quanto a Igreja Evangélica, a se tornarem subservientes para com o nazismo; em ensaios e em muitas preleções, Barth não somente faz uma análise precisa da situação que estava vivenciando, ou simplesmente se faz a documentação de tais acontecimentos, mas estabelece signos teológicos que se tornaram fundamentais na análises de situações adversas nas quais a Igreja e os teólogos tem de lutar pelo mantenimento da ordem e pela pureza da mensagem do evangelho diante das revezes das ideologias totalitárias; entre os quais, vale mencionar os seguintes ensaios, “O Primeiro Mandamento como Axioma Teológico”, “Existência Teológica Hoje”, “Pela Liberdade do Evangelho”, “Revelação, Igreja, Teologia”, “Evangelho e Lei”, etc.; estes ensaios do período de Bonn são leitura obrigatória a todo aquele que quer compreender a teologia de Barth, principalmente diante das questões ético-políticas.

52. Neste período também ocorre uma das maiores confusões teológicas de todos os tempos; de igual modo as brigas que no séc. XI levaram a separação entre Igreja Oriental e Igreja Ocidental, ou as confusões do séc. XVI que geraram a Reforma e o Protestantismo, a confusão de Barth com Brunner pela questão da teologia natural, foi uma das maiores confusões de todos os tempos em relação a controvérsias teológicas. A invectiva de Brunner na tentativa de uma análise da natureza e da graça, com vista a uma teologia natural, foi respondida com o severo “Nein!” de Barth, que ecoou em toda a história da Igreja, e ainda hoje faz estremecer um pouco aqueles que procuram elucubrar sobre uma teologia natural, mesmo àqueles que fazem tal análise com bases científicas e teológicas; a rejeição de Barth para com a teologia natural, ainda que na época com suas razões e motivos bem sensatos, ocasionou uma ruptura com Brunner que só se reataria mais de 30 anos depois, e que em grande parte foi um dos motivos para Brunner ter sido negligenciado e ter ficado a sombra de Barth durante toda a vida. 

53. Todavia, o que ressalta em relação ao período em Bonn, são os acontecimentos do fatídico ano de 1933; pois, neste ano, os acontecimentos começaram a ficar mais obscuros, com a subida de Hitler ao poder no cargo de Chanceler; alguns meses antes, Niemöller conta que esteve pessoalmente com Hitler, e que o próprio Hitler lhe havia assegurado que manteria as liberdades e a democracia; evidentemente, Niëmoller fora enganado; e o próprio Barth também ficara enganado de início; e sobre isso há um fato interessante, mas que é pouco conhecido; Barth e outros teólogos de língua alemã, foram informados sobre Hitler e suas ideias totalitárias, através de uma carta circular de Georg Merz de outubro de 1923, a qual Thurneysen repassara uma cópia a Barth, e na qual Merz fala sobre uma possível revolução na Baviera, e “que Adolf Hitler está marchando para Weimar, Dresden e Berlim com suas bandeiras suásticas[11]. Entretanto, ninguém falara nada para conter isso em relação a Igreja nesta época; mas de dez anos depois, em 1933, Hitler sobe ao poder para fazer tudo aquilo que já estava preconizando que faria em 1923, quando Barth e outros teólogos tomaram conhecimento sobre a figura controversa de Hitler, o que já os deveria ter deixado com a orelha em pé.

54. Quando Hitler sobe ao poder aos poucos começa-se a perseguição paulatina contra os opositores das ideias totalitárias que propagava; Barth pensava que poderia dialogar com Hitler e até pensou que poderia se encontrar pessoalmente com Hitler para explicar-lhe que a Igreja Evangélica tinha a liberdade para poder existir independentemente do Estado e da autoridade do Chanceler. Barth houvera tentado convencer Hitler das loucuras as quais eles estavam fazendo, mandando inclusive alguns ensaios que escrevera ao Führer, ensaios esses que contradiziam e atacavam veementemente as invectivas da ideologia nazista com relação ao cristianismo, entre os quais, “Existência Teológica Hoje” (1933), e “Revelação, Igreja, Teologia” (1934). Quando enviara o ensaio “Revelação, Igreja, Teologia” a Hitler, Barth o fizera com uma carta do dia 13 de fevereiro de 1934, na qual afirmara: “Continuamos contando com o fato de que você, estimado Chanceler, que conhece tão bem a integridade do estado, também deve entender a integridade da igreja e sua missão. Com isso em mente, permito-me apresentar meus escritos a vocês[12]. Hitler o respondera em 24 de maio de 1934 apenas para confirmar o recebimento do ensaio “Revelação, Igreja, Teologia”.

55. Mas, certamente, o escrito mais peculiar que Barth enviara a Hitler, foi o ensaio “A Igreja de Jesus Cristo” (1933), onde reafirma que a Igreja é de Jesus Cristo, e não de Hitler, e, por isso, a Igreja deve obediência absoluta a Jesus Cristo e não a Hitler; o Senhor da Igreja é Cristo e não o Führer; a fonte da proclamação da Igreja é a revelação de Deus em Cristo e não os ditames hitleristas ou de qualquer outro homem ou de qualquer poder de mando humano. Este escrito, que na verdade, fora um sermão de Barth sobre Rm 15.5-13, foi um dos mais importantes textos escritos neste período, pois, conquanto seja um texto simples, seu conteúdo atacou e lutou veementemente contra o propósito do nazismo de criar uma igreja nazista, que ficou conhecida como Igreja do Reich.

56. Por isso, quando iniciou a perseguição sistemática aos opositores do nazismo, Barth foi um dos primeiros da lista a serem perseguidos, um dos primeiros a perder o emprego e a ter o título de doutor honoris causa cassado, bem como fora interrogado num dos escritórios da Gestapo; e, finalmente fora expulso da Alemanha em 1935, por se recusar a prestar juramento de obediência incondicional ao Führer; e é interessante que Barth escapou da prisão e da morte neste período porque era de nacionalidade suíça, o que impediu que Hitler e os nazistas o prendessem e o martirizassem nesta época. Neste período em que fora instituído o juramento obrigatório a Hitler, Barth proferira a preleção “O Primeiro Mandamento como Axioma Teológico”, no qual demonstrava que o primeiro mandamento estabelecia qual era o axioma básico para a Igreja e para os cristãos, pois, o que Hitler e seu estado procuravam fazer e estavam instituindo ia contra o primeiro mandamento.

57. O próprio Barth, numa carta do dia 05 de dezembro de 1934 a Hans von Soden, descrevera no que consistia a natureza do que o Reich estava insistindo sobre o juramento a Hitler: “O sentido e a intenção do Nacional-Socialismo, porém, é que em Adolf Hitler temos um czar e um papa numa só pessoa, estritamente falando em termos teológicos teríamos, sem dúvida, de dizer: estamos a lidar com um Deus encarnado. Na interpretação nacional-socialista que é normativa aqui, um juramento a Hitler significa que aquele que o faz se dedica totalmente e de corpo e alma a este homem acima de quem não há constituição, nem lei e ordem, que desde o início eu confio incondicionalmente que ele sabe, deseja e realizará o que é melhor para toda a Alemanha e para mim em todas as circunstâncias, e seria uma traição apenas presumir dele que poderia me levar a um conflito no qual ele estava errado e eu estava certo[13]. A descrição de Barth é cirúrgica; ele compreendera qual era o verdadeiro propósito de Hitler, a saber, se tornar um czar e um papa; é por isso, também que se observa nos documentos do nazismo da época, o ódio que tinham para com o papa, e depois, com o plano de sequestrar e prender Pio XII. Hitler se colocara como uma espécie de “deus encarnado”: como czar no sentido político, o líder absoluto; e como papa no sentido religioso, como aquele que comandaria uma nova religião revelada nele mesmo. Portanto, quando Barth faz esta descrição do estado espiritual de Hitler bem como de seu propósito político, descrevera tudo aquilo que significara Hitler e o nazismo enquanto partido político e enquanto força satânica. Aliás, Pio XI, posteriormente, em sua encíclica contra o nazismo, chega a constatar a mesma situação.

58. Devido a este fato, e aos ensaios que Barth enviara a Hitler para tentar corrigir as loucuras do nazismo, conta-se uma história, que é verídica, que Hitler considerava Barth um dos seus maiores inimigos, principalmente pelo fato de que Barth se opôs totalmente ao culto a Hitler, afirmando que a única palavra de Deus para a Igreja é Jesus Cristo e não a suposta “revelação da história” que os “cristãos alemães” (católicos e evangélicos) pensavam estar ocorrendo em Hitler; ao final da vida, Barth falou que a Igreja Confessante foi um severo “Não” a esta suposta “revelação da história” e um apelo para que os “cristãos alemães” e toda a sociedade alemã acordassem do estado de sonho que Hitler e o nazismo os havia colocado.

59. Além disso, foi neste contexto que em 1934 houvera o Sínodo das Igrejas Confessionais Alemãs, as quais, estabeleceram qual a resposta haveriam de dar diante das crescentes afirmações do Nacional-Socialismo; este Sínodo estabelecera a resposta a questão dos “cristãos alemães” que haviam se acoplado com a Igreja do Reich, que aceitava a obediência incondicional ao Führer; ao que no Sínodo em Barmen, surgiu a Declaração Teológica de Barmen, que afirma categoricamente: “Jesus Cristo, como nos é atestado na Sagrada Escritura, é a única Palavra de Deus[14]. A Declaração Teológica de Barmen foi um desmonte aos “cristãos alemães”, principalmente no que tange a afirmação da Igreja do Reich de ser uma igreja cristã. Os “cristãos alemães”, que se configuram debaixo da autoridade absoluta do Führer, não poderiam ser chamados de cristãos, e isso, a Declaração Teológica de Barmen demonstrou de maneira irresoluta.

60. Mas, em Bonn, Barth tivera algumas contribuições notáveis para a teologia; algumas já foram mencionadas anteriormente; todavia, algumas contribuições específicas tem de ser mencionadas, pois, estas contribuições são parte da atividade teológica de Barth em Bonn; em Bonn, Barth mudara a pressuposição central de sua teologia, na questão sobre a analogia, e iniciara uma série de contribuições inestimáveis e indiscutivelmente necessárias, tanto para sua época quanto para todas as épocas; pois, a partir de Bonn, Barth tanto com obras quanto com ensaios, e até mesmo as cartas, laborara de forma quase que assombrosa, tanto pela profundidade de análise quanto pela agudeza de percepção.

61. A primeira grande contribuição de Barth em Bonn, e uma das principais obras que ele escrevera neste período, foi a interpretação do “Proslogion” de Anselmo (1931), que mudara radicalmente o princípio metodológico central da teologia de Barth;  esta interpretação sobre o clássico texto anselmiano, tornou-se também um clássico; ao que, o próprio Barth assevera que foi o livro que ele escreveu com mais cuidado, e o que menos é conhecido; Balthasar identificara acertadamente que este livro é a chave para se entender a teologia de Barth; portanto, este livro é um dos marcos teológicos do séc. XX, e o marco teológico principal da mudança teológica de Barth; por isso, este livro é a chave para a compreensão da teologia de Barth.

62. A segunda grande contribuição de Barth em Bonn, foi a publicação da “Die Kirchliche Dogmatik I/1”, a nova dogmática de Barth; após sua interpretação sobre o “Proslogion”, Barth mudou sua orientação teológica e abandonou a dogmática cristã em esboço (1927), e iniciou uma outra dogmática, agora prevista em cinco volumes; esta obra, publicada em 1932, se tornara a principal obra de Barth, sua opus magnum, bem como se tornara a mais extensa dogmática na história da Igreja; esta obra, é o marco teológico do séc. XX, a obra teológica mais importante do séc. XX; além disso, esta obra é a prova incontestável de que Barth é um dos maiores teólogos da história. E, neste primeiro tomo do vol. I, Barth apresenta os princípios que o guiarão na análise dogmática, bem como os pressupostos que são fundamentais para aquilo que ele percebera a partir da análise do “Proslogion”, a impreteribilidade da analogia da fé em se tratando da teologia protestante.

63. A terceira grande contribuição de Barth em Bonn, foi “Nein!” (1934), direcionado a Emil Brunner; este ensaio, que versa sobre a questão da teologia natural, foi um polêmico e decisivo texto no debate sobre a teologia natural; evidentemente, não do debate de disputa, mas do debate das notas de rodapé, como resposta a um escrito de Brunner, “Natur und Gnade”; Barth rejeitou a invectiva de Brunner em relação a teologia natural, e se vociferou contra a teologia natural, muito devido aos problemas que a teologia natural nesta época tinha ocasionado em relação a Igreja na Alemanha e a subserviência desta para com o nacional-socialismo; posteriormente, após a Segunda Guerra, Barth mudará a posição com relação a teologia natural; mas este rejeição, com o “Nein!” a Emil Brunner, tornaram a teologia de língua alemã extremamente ponderada com relação a teologia natural; donde, a teologia natural após este escrito de Barth, se desenvolveu de maneira mais aberta nos países de língua inglesa. Mas, este texto de Barth contra Brunner, constitui-se de uma das maiores controvérsias teológicas de todos os tempos. E é um texto clássico de rejeição a teologia natural, que embora em tempos atuais seja tido como “infeliz” (a expressão é de Moltmann!), na época em que fora escrito tinha suas razões razoáveis. É um texto polêmico e controverso, mas que faz parte da história da teologia, e por isso, sua leitura é imprescindível.

64. A quarta grande contribuição de Barth em Bonn, foi “Evangelho e Lei” (1935); este ensaio, é um dos ensaios de Barth que adentra a questões ético-políticas, a partir da perspectiva teológica; mas, especificamente, este ensaio chama a atenção, pelos princípios estabelecidos, sob os quais, a análise teológica sobre questões envolvendo a lei humana e a divina, tem de ser entendidas, a saber, a partir do Evangelho, tal como o próprio Barth afirma que quem quiser falar de maneira adequada sobre este tema, necessariamente, tem de primeiro falar sobre o evangelho; é o evangelho a base da análise da lei e das questões envolvendo a compreensão cristã sobre a lei, mesmo sobre a lei humana; deste modo, “Evangelho e Lei”, nesta ordem, e não lei e evangelho, o princípio luterano, deve constituir-se da fonte de entendimento sobre a lei a partir da perspectiva evangélica.

65. Assim sendo, as contribuições de Barth em Bonn são também muitíssimas; aliás, em Bonn ocorrem mudanças significativas no pensamento de Barth, principalmente com relação a questões metodológicas, bem como teológicas; os ensaios de Bonn, principalmente após a subida do nazismo ao poder em 1933, constituem-se de textos importantíssimos; além disso, as cartas deste período documentam bem este fatídico ano, a partir das lentes de um teólogo, e constituem-se não somente de fonte teológica, mas também de fonte histórica; portanto, em Bonn, que para Barth foram os anos mais felizes de sua carreira como professor, foram também os anos mais difíceis e problemáticos, tanto no sentido pessoal, quanto no sentido teológico, e ainda no sentido sócio-político.

 

VI. A Mudança para Basileia.

 

66. Após ser demitido de Bonn, e obrigado a sair da Alemanha, Barth foi convidado para retornar a Suíça, e lecionar na Universidade da Basileia, onde foi professor de 1935 a 1962; este foi o período de maior profundidade em todo o pensamento de Barth; foi da Basileia que Barth desenvolveu sua teologia de forma mais profunda, bem como estabelecera-se na continuação de sua influência na luta da Igreja e no desenvolvimento da “Kirchliche Dogmatik”. Em Basileia, Barth estabelece o núcleo central e mais aprofundado de sua atividade teológica, que por ele mesmo havia sido descrito como uma espécie de glosa, de nota de rodapé, às grandes teologias.

67. As preleções em Basileia foram muitas, e as cartas milhares, mas principalmente os ensaios chamam a atenção; por isso, focar-se-á apenas nos mais emblemáticos produzidos neste período, pois, a produção de Barth, a par dos livros publicados, foi imensa, e numa análise introdutória não se dá para mencionar e analisar todos os escritos produzidos; por isso, se faz apenas um apanhado geral do que é necessário compreender sobre o que de mais importante Barth produziu no período em Basileia, período esse que lança as bases da continuidade teológica que seguiria após ele, e para os períodos posteriores, e que são imprescindíveis na reflexão teológica.

68. A primeira grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm de “A Eleição de Deus em Graça” (1936); é um ensaio formidável; neste ensaio Barth traça os princípios que o guiarão na análise da doutrina da eleição, bem como aqueles pressupostos que serão ampliados em sua dogmática na análise da doutrina de Deus; por isso, este ensaio, escrito no contexto da luta da Igreja, após ser expulso da Alemanha, procura evidenciar a obra graciosa de Deus em eleger os homens, e pontua a eleição como “verdade de revelação”; a eleição de Deus em graça, para Barth, é a “verdade de revelação”, “é intuição de fé”; é, por assim dizer, a base da analogia da fé. E por isso, Barth, a partir da sentença de Calvino, pode afirmar que “jamais encontraremos dentro de nós mesmos a certeza de nossa eleição”, isto é, só se encontra esta certeza no próprio Deus, já que “o mesmo Espírito testifica com o nosso espírito de que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).

69. A segunda grande contribuição de Barth no período em Basileia advém da publicação do segundo tomo da “Kirchliche Dogmatik” em 1938 (KD I/2), na continuação da doutrina da Palavra de Deus; o segundo grande tomo da KD I, completa a ideia que Barth estabelecera como os prolegômenos a doutrina cristã é a análise da Palavra de Deus, no ato revelatório do Deus Trino, nas formas da Palavra de Deus e em como as Sagradas Escrituras inferem na reflexão teológica. Balthasar reclamara ao próprio Barth que os prolegômenos da “Kirchliche Dogmatik” são “protestantes demais”, justamente pelo enfoque escriturístico como norma absoluta para a reflexão teológica.

70. A terceira grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação de “Direito e Justificação” (1938), um ensaio de conotações ético-políticas; este ensaio é uma das peças chaves da teologia de Barth, principalmente porque versa sobre temas éticos-políticos, na contextura do período que antecede a Segunda Guerra; além disso, este ensaio cobre a continuação de uma série de ensaios onde Barth lida com a questão da justiça humana (direito) e as questões envolvendo a fé cristã e a existência dos cristãos, com a perspectiva da justiça humana, ou “politica administratione” (Calvino), sendo defrontada com algum vocábulo chave da teologia cristã.

71. A quarta grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação do segundo volume da “Kirchliche Dogmatik” (KD II), a doutrina de Deus, em suas duas partes: a primeira em 1940, a segunda em 1942; para Barth, a doutrina de Deus era o volume principal de sua dogmática; e realmente, a doutrina de Deus de Barth retomara os aspectos principais e fundamentais que ficaram esquecidos, bem como renovou o interesse pelo estudo das perfeições de Deus; a doutrina de Deus da “Kirchliche Dogmatik” é um dos mais belos e efusivos estudos sobre Deus, e, em relação a teologia dogmática é o mais importante estudo sobre Deus desde o tratado “De Deo Uno” de Tomás na “Summa Theologiae”. Este volume, consumou a influência de Barth como teólogo e o tornaram o mais importante teólogo a elucubrar sobre a doutrina de Deus desde Tomás de Aquino; não que não houvessem outros teólogos que o tenham feito de maneira magistral; basta lembrar os grandes teólogos puritanos que falaram de Deus de maneira fulgurante; todavia, nenhum outro teólogo, além de Agostinho e Tomás de Aquino, resolvera tantos problemas teológicos ao se analisar a doutrina de Deus quanto Barth; e ele fizera isso, de maneira tão grandiloquente, que realmente, após Tomás de Aquino ninguém elucubrou de maneira são singular sobre a doutrina de Deus do que Barth.

72. A quinta grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação do terceiro volume da “Kirchliche Dogmatik” (KD III), que viera em quatro partes: a primeira em 1945, a segunda em 1948, a terceira em 1950, a quarta em 1951; a doutrina da Criação de Barth constitui-se um precioso testemunho de uma análise da obra criadora de Deus e da própria realidade intrínseca da criação e da criatura; sem sombra de dúvida, em relação a teologia dogmática, a doutrina da criação de Barth, constitui-se a maior e a mais fulgurante análise da doutrina da Criação; e isso é um dado importante, porque o próprio Barth dissera: “Ao aceitar a doutrina da criação, entrei em uma esfera na qual me sinto muito menos confiante e seguro[15].

Mas, mesmo assim, Barth proporcionou uma teologia da Criação efusiva e singular, embora não sem os desafios para a teologia posterior, principalmente devido ao “Nein!” a teologia natural, que impossibilitara um diálogo mais frutífero entre a teologia e as ciências naturais; mas, como fora dito, a doutrina da Criação de Barth constitui-se a mais bela doutrina da criação estabelecida na teologia dogmática até então, principalmente por colocar a devida ordem e a devida distinção entre o Criador e a Criação, entre o Criador e a criatura, e entre a criatura e a criação.

73. A sexta grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm de “A desordem do mundo e o plano de salvação de Deus”, que fora uma palestra na assembleia do Concilio Mundial de Igrejas em 1948; esta preleção marcou o início do movimento ecumênico pós-Guerra; mas, o interessante é que o tema de Barth, principalmente porque versa sobre tal assunto, designou em parte qual deve ser o encargo do verdadeiro ecumenismo, a saber, apresentar através do diálogo entre as diversas confissões cristãs o tema da desordem do mundo e o plano salvífico de Deus; ou dito em outros termos, em como os cristãos deveriam testemunhar de Jesus Cristo diante da desordem social e política que tomara conta do mundo, e isso, a par das diferenças confessionais e eclesiásticas das diversas confissões genuinamente cristãs.

74. A sétima grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm de “O Dom da Liberdade” (1953); este ensaio é uma das peças chaves para o entendimento da teologia de Barth; pois, representa uma mudança de enfoque em relação a posicionamentos anteriores; bem como este ensaio, conjuntamente com outros dois ensaios, representam as mudanças que Barth estabeleceu, e continuam a ser o encargo da reflexão teológica mais de uma geração após sua morte; neste ensaio Barth apresenta um dos temas mais importantes de suas reflexões, a liberdade; como o Barth pontua posteriormente, a liberdade do Deus soberano, e, por consequência, a liberdade do homem responsável; em “O Dom da Liberdade”, Barth estabelece a liberdade como dom e como dádiva da graça de Deus, para a vida na fé, e, por isso, para a vida humana; pois, para Barth, a liberdade é obra de Deus na criação, mas também é obra de Deus na reconciliação; liberdade como mandamento de Deus, o criador, mas também a liberdade como mandamento de Deus, o reconciliador. Outro aspecto importante sobre este ensaio é que, além destes aspectos, também pontilha os princípios da teologia dialógica, a qual, ele mesmo não conseguira demonstrar ao fim da vida, mas que deixou os princípios que os teólogos posteriores seguiram de maneira adequada, como o fizeram Moltmann e Pannenberg. Este ensaio, portanto, é uma peça chave para compreender a teologia de Barth no período após a Segunda Guerra e após os períodos turbulentos da Luta da Igreja.

75. A oitava grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação do primeiro tomo do quarto volume da “Kirchliche Dogmatik” (KD IV/1) em 1953; no volume IV da dogmática, Barth inicia aquilo que ele mesmo chama de a tarefa principal da dogmática; e este volume, em si mesmo, é uma obra magistral; poderia ser chamado de uma dogmática dentro da dogmática; e, o primeiro tomo do volume IV, é também uma obra magistral; neste tomo, Barth amplia aspectos de seu pensamento que já viam sendo sinalizados em ensaios e outras obras; bem como neste tomo, Barth apresenta a proposição teológica de “Jesus Cristo, o Senhor como Servo”, onde se analisa o ofício sacerdotal de Cristo; neste tomo, literalmente, Barth apresenta a tarefa principal da dogmática de maneira magistral e teologicamente centrada, perfazendo a doutrina da reconciliação a partir do tríplice ofício de Cristo, encadeado, nos tomos subsequentes, de maneira límpida, cristalina e numa lógica da fé impecável.

76. A nona grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação do segundo tomo do quarto volume da “Kirchliche Dogmatik” (KD IV/2) em 1955; este volume, é um dos mais majestosos volumes da dogmática de Barth; é a continuação de sua análise sobre a doutrina reconciliação; neste tomo, Barth apresenta a proposição de “Jesus Cristo, o Servo como Senhor”, onde se analisa o ofício real de Cristo; é a análise de Barth sobre a consumação da obra da reconciliação e os benefícios que Cristo conquistou com sua morte e ressurreição; a ressurreição de Cristo é a base da justificação, logo, é a base das bênçãos que Deus outorga aos seus pelo Seu Espírito; neste tomo são analisados a exaltação do Filho de Deus e a miséria humana, bem como a demonstração de como o Espírito Santo age para conformar aqueles que creem a imagem de Cristo, e que através destes estabelece a Igreja, a comunidade dos remidos. É um tomo cristalino e efusivo.

77. A décima grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm de “A Humanidade de Deus” (1956); este ensaio, juntamente com o ensaio “O Dom da Liberdade”, constitui-se um dos testemunhos da mudança da teologia de Barth; e, conjuntamente com “O Dom da Liberdade”, e com outros ensaios, uma das peças teológicas principais, para se entender a teologia de Barth, pois, justamente neste ensaio Barth trabalha uma questão teológica fundamental; na verdade, o grande problema teológico que Barth traz o enfoque é a cristalização da perspectiva sobre o verdadeiro humanismo; pois, se se fala da divindade de Deus, então, como Barth afirma, se há de falar sobre a humanidade de Deus; pois, quem reconhece a divindade de Deus, também há de reconhecer sua humanidade. E, Jesus Cristo, é quem nos permite compreender tanto a divindade quanto a humanidade de Deus; como Barth afirma: “Jesus Cristo é parceiro fiel, tanto do ser humano como verdadeiro Deus, quanto de Deus como verdadeiro ser humano”; por isso, desta maneira, “Jesus Cristo testemunha e garante ao ser humano a livre graça de Deus, mas também testemunha e garante a livre gratidão do ser humano[16].

78. A décima-primeira grande contribuição de Barth no período em Basileia advêm da publicação do terceiro tomo do quarto volume da “Kirchliche Dogmatik” (KD IV/3), em 1959; é o tomo onde Barth termina a análise do tríplice ofício de Cristo; neste tomo, Barth apresenta a proposição de “Jesus Cristo, a verdadeira testemunha”, onde se analisa o ofício profético de Cristo; antes, Barth analisara o ofício sacerdotal e o ofício real, neste tomo, Barth passa a analisar o ofício profético; e a ordem proposta por Barth não é uma mera coincidência; é uma estrutura estabelecida para enfocar a obra redentora de Cristo; pois, se Cristo é o sumo-sacerdote perfeito, então, ele também é o rei eterno, e, por isso, é quem fala as palavras de Deus, sendo Ele mesmo a Palavra de Deus; como o próprio Barth, amparado no Catecismo de Heidelberg, assevera: “Jesus Cristo, conforme atestado para nós nas Sagradas Escrituras, é a única Palavra de Deus a quem devemos ouvir e em quem devemos confiar e obedecer na vida e na morte[17]; e, como Barth assevera, esta é a glória do Mediador.

79. Estas são apenas as principais contribuições teológicas de Barth no período em que fora professor na Universidade da Basileia, mas existem inúmeras outras, além de livros, ensaios, cartas, palestras, que constituem o tesouro teológico que foi o período de Barth em Basileia; neste período Barth consolidou-se como o maior teólogo desde Schleiermacher; e vale ainda lembrar do elogio de Pio XII, que Barth é o maior teólogo desde Tomás de Aquino; aliás, vale lembrar que o Papa Pacelli, na época em que fora nuncio apostólico na Alemanha, pode conhecer o trabalho de Barth e a importância da obra de Barth nos contextos difíceis daqueles tempos; portanto, a atividade de Barth na Basileia, da qual apenas um pequeno trecho fora elencado aqui, demonstra de maneira vívida e eloquente a obra e a atividade teológica incansável do teólogo da Basileia, desde os anos sombrios do nacional-socialismo ao estertores da Segunda Guerra, bem como aos anos finais, da última preleção como professor titular.

80. Na Basileia, Barth se efetivou como um dos maiores teólogos de todos os tempos, e, como fora dito, em relação a solução de problemas teológicos fundamentais, ficando, neste quesito, abaixo apenas de Agostinho, de Tomás de Aquino e de Schleiermacher; evidentemente, de maneira mais específica, em relação ao protestantismo, Barth está abaixo dos reformadores, pois, estes são os “precursores” do protestantismo; todavia, em se tratando de um panorama geral, olhando as contribuições teológicas em toda a história da cristandade, da ciência teológica, verdadeiramente, Barth só é excedido em contribuições por Agostinho, por Tomás de Aquino e por Schleiermacher (e em se tratando de Tomás de Aquino e Schleiermacher, Barth também é superado principalmente pela genialidade dos dois).


VII. Os Anos Finais.

 

81. Após o período como professor em Basileia, Barth se aposentara em 1962, aos 75 anos; é o período final da vida de Barth que cobre os anos de 1962 até sua morte em 1968, mas do mesmo modo, igual em grandeza e profundidade dos outros anos, ainda que com um número menor de publicações, devido a uma série de internações e complicações com a saúde, que levaram Barth a ficar internado por várias vezes durante no período de três anos; mas, este período foi onde Barth reviu algumas coisas e auto-analisou alguns aspectos de sua obra teológica, a qual, segundo ele mesmo, ele fizera uma espécie de prestação de contas para aquilo que houvera feito. E realmente, ao se observar os anos finais de Barth, pode-se compreender que aquilo que ele houvera designado para si como sua tarefa teológica em 1922 como ser uma teologia de glosa, de nota de rodapé as grandes teologias, ele cumprira definitivamente e com maestria, ao mesmo tempo em que edificava uma obra singular e o maior pico teológico do séc. XX.

82. E, este período final inicia-se com sua última preleção, intitulada “Introdução à Teologia Evangélica”, feita em 1962; é o “canto de cisne” teológico, como o próprio Barth assevera; é a prestação de contas teológica que Barth faz a si mesmo e ao mundo teológico sobre sua obra e sua teologia; mas também é um texto singularíssimo, pois, açambarca um aspecto sintético com agudas observações e percepções sobre a existência teológica e sobre o labor teológico, que o tornaram um texto clássico; do mesmo modo como Barth mudou radicalmente a teologia com a publicação da Carta aos Romanos em 1922, ele também mudou radicalmente a teologia ao publicar sua “Introdução à Teologia Evangélica”; diferentemente das reações de 1922, as reações de 1962 não foram tão dramáticas e polêmicas, mas a influência em 1962 se estendeu de tal forma, que criou-se a época do movimento evangelical como se o conhece hoje em dia, cristalizado pelas proposições teológicas delineadas por Barth, que somadas a alguns outros ensaios, estabeleceu o encargo teológico desde então; e, com algumas exceções, não se saiu ainda da gama de princípios e possibilidades evocadas por Barth a partir destes textos, consumados plenamente em sua última preleção.

83. Ainda, em 1962, após de aposentar, Barth viajou a América, onde repetiu as preleções sobre a teologia evangélica, bem como encontrou-se com personalidades importantes do meio político e do meio eclesiástico; encontrou-se com Martin Luther King Jr., com Billy Graham, com membros do gabinete de John F. Kennedy, etc. O encontro com Martin Luther King Jr. foi emblemático, devido a liderança que Luther King exercia no movimento pelos direitos dos negros, bem como porque a tese teológica de Luther King na Universidade foi sobre a teologia de Barth; embora fosse uma tese com crítica a Barth, não deixa de ser importante o encontro entre Barth que lutara contra o nacional-socialismo e Luther King que lutava contra o racismo.

84. Em relação ao encontro com Billy Graham, também há algo a chamar a atenção; Billy Graham havia se encontrado com Barth em 1960 quando fizera uma cruzada evangelística na Basileia; e depois, em 1962, encontrara-se novamente com Barth em Chicago; no encontro, ambos discutiram as ideias sobre o evangelismo e a proclamação do evangelho, e Barth reclamara sobre o modo como Billy Graham fazia apelos; Barth reclamara dizendo que o evangelho deveria ser pronunciado com mensagem da livre graça de Deus e não como um homem apontando uma arma para alguém, tal como sugerira que Billy Graham fizera em sua cruzada na Basileia em 1960; nesta cruzada Barth ouvira Billy Graham pregar debaixo de uma chuva torrencial, e não ficara satisfeito com a forma com que Billy Graham transmitira a mensagem; depois, Billy Graham falara em sua autobiografia que apesar das diferenças teológicas, continuaram a ser bons amigos.

85. Após a viagem à América, Barth voltou a Basileia, para desfrutar da aposentadoria; estes anos finais seguiram com várias internações, e após um derrame no natal de 1964, Barth interpretou esse derrame com um sinal divino que o impedira de continuar seu trabalho depois de uma longa atividade teológica; e, mesmo tendo conseguido voltar a escrever no outono de 1965, Kirschbaum foi internada devido a doença de Alzheimer, a qual já dava sinais desde o ano de 1961, o que impediu decisivamente Barth de continuar seu trabalho teológico; pois, Kirschbaum jamais voltaria a se recuperar, e ficaria internada até sua morte; a importância de Kirschbaum para Barth é indiscutível, pois, Barth ditava e ela datilografava estes ditados; sem Kirschbaum, Barth não conseguiu levar adiante seu projeto da dogmática, devido ao grande e laborioso processo de escrita de suas obras.

86. Ainda, neste período ocorrera o Concílio Vaticano II (1962-1965), do qual não pode participar, mas que contribuiu de maneira incisiva; Barth ficou sabendo do desenvolvimento do Concílio através do contato com Cullmann, Küng e outros, mas devido aos problemas de saúde não pode comparecer; entretanto, em 1966, após longo período de doenças e internações, Barth foi a Roma, e se encontrara com Rahner, Ratzinger, com o Papa Paulo VI, e com outros líderes da Igreja Católica, e participou de uma das reuniões da Comissão Internacional de Teologia, sendo colocado em lugar de honra por Paulo VI, no mesmo patamar dos cardeais.

87. E também em 1966, Barth completara 80 anos; não faltaram elogios e presentes e centenas de cartas de todo o mundo para celebrar o octogésimo aniversário do mais importante teólogo do século; e, em comemoração aos seus 80 anos, as palavras de Barth também são extremamente interessantes; na carta circular em agradecimento pelas comemorações de seus 80 anos, Barth dissera: “O que fiz e realizei - primeiro como pastor e depois como professor de teologia e escritor - mas simplesmente, como muitos outros, o que (entre diversões de muitos tipos) parecia ser precisamente o que era exigido, dado e possível em diferentes períodos, arredores e situações. E agora, mal escapado do hospital, foi surpreendentemente trazido à minha atenção no meu octogésimo aniversário que, ao longo das décadas, meus pequenos pedaços de pensamento, fala e ação tiveram para muitos na igreja, e até certo ponto no mundo, um significado que eu mesmo, tendo o conhecimento mais próximo do que posso e não posso fazer, nunca teria realmente atribuído a eles. O raio conhecido deles era maior do que eu imaginava. Isso é para mim uma coisa muito surpreendente. Alguma coisa deve ter acontecido que não dependesse de minhas próprias qualidades e realizações, de modo que eu mesmo, como fui e como sou, estive presente apenas como auxiliar ou um enfermeiro está presente com suas qualidades e capacidades em uma operação, e tem que ser assim, enquanto alguém outro e superior faz o trabalho real. Aqui, novamente, a graça inesperada, imerecida e de forma alguma auto-evidente de Deus deve ter estado em ação. E todo o louvor que você me concedeu tão gentil e generosamente deveria ser realmente o louvor desta graça[18]. A expressão de Barth é contundente; ele expressa e confirma que tudo aquilo que fez, pelo impacto que teve, realmente o surpreendeu; na verdade, o impacto foi muito maior do que ele esperava; e, de maneira firme, atribui todo este impacto e influência a graça de Deus; é tudo obra da graça de Deus, e como Barth afirma, ele fora apenas um instrumento de auxílio, tal como um enfermeiro que auxilia um cirurgião em seu trabalho real; ele auxilia, mas outro superior é que faz o trabalho real. Deus usa os homens por sua graça, mas quem faz realmente todo o trabalho é o próprio Deus através dos instrumentos que Ele utiliza. 

88. E, estes anos finais, também foram cheios de surpresas e desafios para Barth; além das várias doenças, como o derrame, o câncer, as longas internações, o teólogo da Basileia ainda teve de se defrontar com a hospitalização de Kirschbaum, e outras sérias questões; mas, neste período final, chama a atenção, entre tantos relatos, alguns relatos comoventes, principalmente devido a ocorrência dos fatos que guiaram e estiveram presente na vida de Barth desde os anos 1920; e ao se conhecer estes fatos, se sabe o porquê Barth tomou certas decisões nestes anos finais, bem como se compreende alguns momentos marcantes neste anos finais, com relatos extremamente importantes.

89. O mais interessante desses relatos, sem dúvida, é a carta a Emil Brunner em 1966; depois, de uma longa separação e controvérsias por causa do “Nein!” de 1934, Barth e Brunner nunca mais foram amigos; isso mudou, quando Brunner foi hospitalizado em 1966, no mesmo período em que Barth também estava hospitalizado; quando Barth soube que Brunner havia sido hospitalizado e estava em estado grave, logo lhe mandou uma breve mensagem numa carta do dia 04 de abril de 1966, através do pastor Peter Vogelsanger, dizendo-lhe: “Se eu estivesse mais ativo depois da minha doença de dois anos, pegaria o próximo trem para apertar novamente a mão de Emil Brunner. Se ele ainda estiver vivo e for possível, diga-lhe que o recomendo ao nosso Deus. E diga-lhe que o momento em que pensei que deveria dizer Não a ele já passou há muito tempo, e todos nós vivemos apenas pelo fato de que um Deus grande e misericordioso fala um sim gracioso a todos nós[19].  

O pastor Vogelsanger recebera a carta de Barth na manhã do dia 05 de abril, e foi logo para o hospital para falar com Brunner, que se estava bem doente, já em estado terminal, mas ainda estava vivo e consciente, e pode ler para Brunner a mensagem de Barth; o pastor Vogelsanger contara que Brunner ao ouvir as palavras de Barth deu um leve sorriso, com a feição alegre e bonita, e pode apertar sua mão silenciosamente; alguns minutos depois, Brunner entrou em coma, e viera a morrer por volta das 12:00h do dia 6 de abril[20]. Certamente, como dissera o próprio Vogelsanger, a saudação de Barth foi a última saudação terrena que Brunner recebeu. E, isto, é um relato importante, pois, demonstra uma reconciliação entre dois amigos que ficaram distantes três décadas por causa de controvérsias teológicas.

90. Outro relato importante, é o de uma carta a sra. Helene Heim; a Sra. Heim mandara uma carta a Barth em 5 de julho de 1967 dizendo: “Eu, que tenho oitenta e um anos, li para minha amiga de noventa e oito anos... seus sermões ‘Libertação aos Cativos’ e algumas peças do ‘Barth Brevier’ (Breviário de Barth). É para nós duas um grande benefício que eu possa ler para ela através de um tubo auditivo especial. Sermões que tinham muito a nos dizer e aqueles que achamos difícil de entender na primeira vez, lemos duas ou três vezes e sempre com atenção. Isso dá a minha amiga o que pensar em suas muitas horas solitárias quando ela não pode fazer nada. Depois, ele pode me explicar algo que não entendemos corretamente no dia anterior. Você vê que nós, que somos ‘cativos’ em tantas maneiras temos todos os motivos para se alegrar em nossa liberdade apesar de tudo. Agradeço a Deus por seu trabalho e seu ministério. Com sinceras lembranças, Helene Heim[21].

Ao passo que, Barth, ao receber a carta da Sra. Heim, a respondeu com as seguintes palavras: “Tenho nada menos que onze doutorados honorários, mas considere isto: nenhum me deu mais prazer do que sua cartinha na qual a senhora me disse na semana passada que meus livros afetam tanto você e sua amiga ainda mais velho e são tão compreensíveis e úteis em suas vidas. Eu mesmo preciso constantemente de conforto e encorajamento e estou verdadeiramente grato a você pelas amáveis ​​palavras que me dirigiu. Deus guarde você e sua amiga e conceda a ambas muito de sua incomparável luz[22].

 Estes dois relatos, a reconciliação com Brunner, bem como a da carta a sra. Heim, dão o testemunho mais eficaz a respeito da vida e da obra do teólogo da Basileia; pois, ao fim da vida, tendo produzido mais do que todos os grandes teólogos do séc. XX, Barth se estabelecera como um dos maiores teólogos da história da Igreja; e não somente por isso, mas pelo fato de que Barth estudara 5 anos para ser pastor, e por 12 anos o foi, e exercera a função pastoral, nas pregações, ensinos confirmatórios e cuidados com as almas de maneira exemplar; depois disso, em mais de 40 anos como professor, os quais, Barth vivenciou de maneira intensa, com vários conflitos e lutas pessoais, além das controvérsias teológicas, com políticos, com autoridades, etc. A vida de Barth, diferentemente de como se esperaria de um suíço, foi agitada e com inúmeras lutas e controvérsias quase que diárias. E a afirmação de Barth à Sra. Heim, demonstra verdadeiramente aquilo que marcou e foi o objetivo dos labores teológicos de Barth. Sem dúvida, é o testemunho mais grandiloquente do próprio Barth sobre sua imensa obra teológica.

91. E o último dia de vida de Barth também marcou sua existência teológica; no dia 09 de dezembro, telefonou para Thurneysen, seu amigo de longa data, onde conversaram sobre o estado do mundo atual, em que ambos chegaram a conclusão de que o mundo se encontrava num estado obscuro; mas, ao encerrar o telefonema, Barth dissera a Thurneysen: “Sim, o mundo está escuro. Mas não fique desanimado! Nunca! Porque o mundo está a ser governado, não apenas em Moscovo, em Washington ou em Pequim, mas de cima, do céu. Deus está sentado no governo. É por isso que não tenho medo. Continuemos confiantes, mesmo nos momentos mais sombrios! Não deixemos que a nossa esperança afunde, esperança para todos os seres humanos, para todo o mundo das nações! Deus não nos deixará cair, nem um de nós e nem todos juntos! O mundo está sendo governado![23]. Este foi o testemunho final de Barth, a confiança na soberania de Deus mesmo nos momentos mais sombrios; testemunho excelente, exclamado por quem vivera de perto alguns dos momentos mais difíceis da história da humanidade, e que testemunhara de Cristo diante dos desafios epocais.

92. Barth viera a falecer no dia seguinte, na madrugada do dia 10 de dezembro de 1968, enquanto dormia; sua esposa, de manhã, o encontrara morto; o teólogo da Basileia morrera tranquilamente, enquanto dormia, e foi levado ao encontro do Senhor no céu; a morte viera a Barth como uma amiga, cumprindo aquela descrição mozartiana da morte (da última carta de Mozart a seu pai!); e que melhor maneira para um mozartiano morrer, do que pacificamente, dormindo? Sim, Barth morreu como um mozartiano para ir ao encontro do Senhor no céu, onde poderia se encontrar com Cristo, e depois, como ele mesmo dissera, saudar a Schleiermacher, a Tomás, a Lutero, a Calvino, a Zwinglio, e principalmente a Mozart.

93. E, sua morte causou comoção no mundo teológico; num dos elogios fúnebres finais, Hans Küng descrevera uma das últimas conversas que tivera com Barth, na qual Barth afirmara: “Quando chegar o dia em que devo comparecer diante de meu Senhor, então não irei com minhas obras, com meus volumes de Dogmática nas costas, num ‘carrinho’. Todos os anjos ririam disso. Então também não direi: sempre tive boas intenções, tive a crença certa. Não, então direi apenas uma coisa: Senhor, recebe-me, pobre pecador, com misericórdia![24]. O relato de Küng, é assaz significativo; pois, aquele que mais produziu, aquele que mais enfrentou problemas teológicos, e produziu uma obra imensa, não esperava ser justificado por Deus por causa de seu trabalho, mas única e simplesmente pela misericórdia graciosa de Deus; Barth, tinha a consciência de que o tornava aceitável diante de Deus não era o que houvera produzido, mas sim a graça soberana de Deus outorgada por meio de Cristo.

94. E, o elogio final de Hans Urs von Balthasar também revolve a mente, nas celebres e singulares palavras do grande teólogo católico do século em relação ao grande teólogo protestante do século; Balthasar dissera que o nome de Karl Barth iniciara uma época. E realmente Balthasar está correto, Karl Barth iniciara uma outra época na história da teologia; neste quesito, Barth influenciara de maneira decisiva e inconfundível toda a teologia cristã do séc. XX, e se tornara o ponto de inflexão no desenvolvimento teológico a partir de então. Do mesmo modo como Anselmo fora o ponto de inflexão para a escolástica, Barth é o ponto de inflexão para a teologia moderna e para a época que virá após essa na história da teologia.

95. Alguns dizem que Barth está ultrapassado; realmente o séc. XX no que tange a teologia foi o século de Barth; mas, no mesmo sentido o séc. XXI também é o século onde Barth ainda vai influenciar todo o desenvolvimento teológico sóbrio e significativo, pois todo o desenvolvimento teológico que se desenvolvera até então, de Moltmann a Ratzinger, a influência de Barth é significativa e grandiloquente. Aliás, os dois maiores teólogos que adentraram ao séc. XXI, são decididamente influenciados por Barth; em Moltmann essa influência é mais clarividente; e em Ratzinger, ainda que não tão clarividente, é incisiva tanto quanto em Moltmann, mas tanto o pai da teologia da esperança quanto o papa-teólogo são “post-barthian”, isto é, são teólogos que se estabelecem no período pós-Barth, em grande parte influenciados por aquilo que Barth delineou em escritos como “O Dom da Liberdade” e a “A Humanidade de Deus”; na verdade, toda a cristandade deve muito ao velho Barth. Portanto, é mais do que evidente o porquê Barth é o maior teólogo do séc. XX, e o porquê pode, sem sombra de dúvida, ser chamado de pai da Igreja no séc. XX.

96. Termina aqui esta exposição geral sobre a vida e a obra de Karl Barth. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 



[1] Este título, é a retomada de um princípio estabelecido por Torrance em uma de suas obras sobre a teologia de Karl Barth; e evocado o mesmo princípio a título de apresentação geral, tal como o próprio Torrance fizera em seu escrito.

[2] In: Stanley J. Grenz, Roger E. Olson, A Teologia do Século XX: Deus e o Mundo numa era de transição [1° edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2003], pág. 76.

[3] In: Christiane Tietz, Karl Barth: A Life in Conflict [Oxford: Oxford University Press, 2021], pág. 23.

[4] In: Karl Barth, A Carta aos Romanos [São Leopoldo, RS: Sinodal/EST, 2016], pág. 9.

[5] Karl Barth, Dádiva e Louvor: Ensaios de Teologia [3ª edição. São Leopoldo, RS: Sinodal/EST, 2006], pág. 47.

[6] cf. Karl Barth, Karl Barth Gesamtausgabe Bd. 40 [Zurique: TVZ Verlag, 2004], pág. 19ss.

[7] Karl Barth-Archiv 9372.1. [As referências ao “Karl Barth-Archiv” são devido a citação dos textos manuscritos destas cartas e outros documentos que foram ou estão sendo paulatinamente editados para a publicação].

[8] Karl Barth-Archiv 9272.17.

[9] cf. Tietz, Op. Cit., pág. 177ss.

[10] Ibidem. Pág. 201-202.

[11] Karl Barth-Archiv 9323.366.

[12] Karl Barth-Archiv 33155.

[13] Karl Barth-Archiv 9234.351.

[14] Declaração Teológica de Barmen, § 1.

[15] Karl Barth, Church Dogmatics III/1 [T. & T. Clark, 1958], pág. ix.

[16] Barth, Op. Cit., 2006, pág. 394s.

[17] Karl Barth, Church Dogmatics IV/3.1 [T. & T. Clark, 1961], § 69, pág. 3.

[18] Karl Barth, Letters 1961-1968 [Grand Rapids: Eerdmans, 1981], pág. 213.

[19] Ibidem. Pág. 202.

[20] Ibidem. Pág. 203.

[21] Ibidem. Pág. 259.

[22] Ibidem.

[23] Karl Barth, Karl Barth Gesamtausgabe Bd. 28 [Zurique: TVZ Verlag, 1997], pág. 562.

[24] In: Tietz, Op. Cit., pág. 403. 


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