21/01/2025

Comentário ao Louvor a Trindade de Hildegarda de Bingen

Prefácio.

 

A vida e a obra de Hildegarda de Bingen são inspiradoras; esta mulher extraordinária escreveu livros de medicina, filosofia, teologia, música; suas obras continuam e continuarão a inspirar; suas visões que foram transcritas, delineiam uma compreensão apurada sobre os mistérios da Revelação; esta mulher que chamava seus dizeres de “discurso inseguro e hesitante”, na verdade, manteve-se humilde diante de Deus e dos homens, mesmo diante dos maravilhosos dons que lhe foram dados pelo Espírito Santo.

Embora tenha escrito muitas obras, muitas das quais os relatos da visões que lhe foram dadas, sobre aspectos que transcendem a compreensão humana, Hildegarda conseguira explicar estes mistérios em seus hinos ou sinfonias, muito mais do que em qualquer outra obra; o encanto poético destas obras, por sua vez, nos fornecem o cerne da teologia de Hildegarda, tal como Bento XVI afirmara: “os textos por ela compostos estão animados por uma autêntica ‘caridade intelectual’ e evidenciam densidade e vigor na contemplação do mistério da Santíssima Trindade”.

E o cerne da teologia de Hildegarda se mostra evidente principalmente a partir dos hinos que ela escrevera; pois, a partir destes se compreende sua teologia trinitária, que celebra a majestade do Deus Criador, jubila com os mistérios da Encarnação do Verbo, e que se gloria no fogo do Espírito Santo; em seus hinos, transparece, de maneira límpida e sintética, todo o esplendor das visões, só que sob os atavios da forma poética.

Pois, aquilo que o discurso e a escrita não conseguem expressar, o discurso hesitante em suas próprias palavras, na poesia ela consegue magistralmente expressar, já que pela poesia se consegue expressar o inexpressável, como dizia o Pe. Staniloae; por isso, na poesia ela vai além e consegue melhor expressar todos os mistérios da vida trinitária que não foram possíveis de se expressar no discurso.

Portanto, ao se adentrar na compreensão sobre a teologia de Hildegarda, se deve começar pelos hinos que ela escrevera; iniciar pelos hinos, para se ter um panorama dos principais tópicos teológicos e o modo como ela, iluminada pelo Espírito Santo, pode ensinar de maneira singular sobre estes assuntos; por isso, nos hinos a teologia de Hildegarda é sintetizada e demonstrada em toda sua beleza, que emana diretamente da Sagrada Escritura.

E, ao se compreender estes hinos, então, se compreenderá de modo mais apurado o conteúdo das preciosas visões que lhe foram outorgadas.

Assim, se explicará alguns dos hinos de Hildegarda, os que versam sobre os mistérios da Santíssima Trindade; pois, estes hinos evidenciam o núcleo da “caridade intelectual” de sua teologia, bem como descrevem o esplendor do cerne da fé; logo, compreender estes hinos é adentrar a teologia trinitária em uma de suas mais belas e profundas expressões, vindas da pena desta extraordinária mulher.  

E o primeiro hino a ser comentado é o “Laus Trinitati” (Louvor a Trindade); é a adoração a Trindade, início, meio e fim da liturgia; pois, a liturgia, ao celebrar o mistério central da fé, o faz porque este mistério é o princípio altissonante da fé; portanto, que a explicação deste hino sirva para o entendimento do que concerne a teologia trinitária, mas também para a compreensão de que isto versa sobre o cerne da fé, faz parte do princípio da existência teológica e é preceito impreterível da existência eclesial.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

20 de janeiro de 2025.

 

Texto de Hildegarda de Bingen.

Louvada seja a Trindade, que é linguagem[1], vida

e principalmente é a criadora de todas as coisas!

Louvada seja pela turba angélica,

maravilhoso esplendor dos arcanos,

que são desconhecidos dos homens,

e que é a vida de todas as coisas!

 

A. Proêmio.

i. “E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre” (Ap 5.13); ora, a adoração de todos os seres vivos, é adoração a Deus Pai, o que está assentado sobre o trono, e é adoração a Deus Filho, o Cordeiro, ao mesmo tempo em que é adoração ao Espírito e pelo Espírito.

Por isso, a adoração sempre é um ato trinitário; é adoração ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo: ao Pai pelo Filho através do Espírito; pois, é o Espírito que move os corações a adorar e a louvar a Deus, já que o coração tende a comunhão com a Santíssima Trindade; além do que, o coração ao se mover, pela graça, de modo pneumático, sempre se regozijará na adoração ao Deus Uno e Trino, cumprindo a máxima da teologia trinitária, a de adorar a unidade na trindade e a trindade na unidade (cf. Symb. Quimc., § 3).

ii. Deste modo, a adoração a Trindade é preceito fundamental da existência teológica e da vida eclesial; pois, como a fé cristã é uma fé trinitária, então, a adoração e o louvor da Igreja deve ser trinitário; e a razão disso é que, como diz Pseudo-Dionísio, a Trindade é super-substancial, super-deusa e super-boa (cf. De Myst. Theol., I, § 1); ou seja, é de uma substância perfeitíssima, diviníssima e boníssima (cf. Met. 1072b30-31); portanto, somente a Trindade é digna de todo louvor e de toda a adoração, já que por Sua ciência criara todas as coisas, com beleza, bondade e verdade (cf. Ap 4.11).

Com isso, se constata o motivo de se evocar a proposição inalterável do louvor e da adoração a Trindade; na verdade, não existe existência teológica e nem existência eclesial que não seja embasada totalmente sob a adoração a Trindade, que dá forma a vida eclesial sob a autoridade normativa da Sagrada Escritura; a vida da Igreja é evidenciada na verdadeira adoração ao Deus Trino, a qual é demonstrada na fidelidade para com a Palavra de Deus.

Assim sendo, convém mais que adoremos os mistérios da divindade do que os racionalizemos. Por isso, a proposição de Hildegarda neste hineto é assaz correta, ao evocar o louvor de todo o Orbe na sentença: “Louvada seja a Trindade”, bem como ao apresentar as razões para a evocação deste louvor.

 

B. Comentário.

1. A confissão da Santíssima Trindade é o fundamento da fé cristã; por isso, se afirma em termos dogmáticos, que a fé cristã é uma fé trinitária; pois, a fé crê para entender (cf. Is 7.9b), e depois de entender irrompe em sincera adoração, naquilo que o doctor magnificus chama de gáudio da fé (cf. Prosl., XXVI), já que o conhecimento de Deus é a essência da felicidade eterna (cf. STh Ia, q. 1, a. 3, co.).

Logo, este irromper em sincera adoração é para glorificar a Santíssima Trindade; pois, se dá glória ao Pai, o Criador; se dá glória ao Filho, o Redentor; e se dá glória ao Espírito, o Santificador; tal como diz o antigo hino: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém”.

Pois, as três Pessoas da divindade atuam na vida dos fiéis, transformando-os de glória em glória (cf. 2Co 3.18), a partir dos bens gloriosos da comunhão com a Santíssima Trindade (cf. Jo 17.22), comunhão essa engendrada e cultivada pelo Espírito Santo (cf. Ef 4.3).

2. Deste modo, convém analisar o que concerne a adoração a Santíssima Trindade; e um modo de se fazer isso, é analisar e elucubrar sobre hinos que versam apresentam este aspecto fundamental da fé; e um hino de maestria singular é o “Laus Trinitati” (Louvor a Trindade) de Hildegarda de Bingen, que é a sinfonia nº. 26 de sua magistral obra “Symphonia armonie celestium revelationum” (Sinfonia da harmonia das revelações celestiais); ora, este hino está dividido em duas partes: a primeira, onde evoca a razão do louvor a Santíssima Trindade; a segunda, onde se apresenta a razão do louvor do coro angelical.

3. Em relação a primeira parte, faz quatro coisas: primeiro, descreve a razão da adoração; segundo, evoca a assinatura de Deus em toda a criação; terceiro, apresenta a obra de Deus como Senhor da Vida; quarto, delineia a obra criadora de Deus.

4. Primeiro, descreve a razão da adoração, onde diz: “Louvada seja a Trindade”; a razão da adoração ao Deus Uno e Trino é em função de Seu Ser; o Deus Vivo e Verdadeiro é adorado, porque é o único Deus Verdadeiro, e porque a perfeição de Seu Ser transcende infinitamente a qualquer perfeição; o Ser Perfeitíssimo é adorado justamente por isso, pois, é único e é absolutamente simples; deste modo, por consequência evidentíssima, Ele é o único digno de receber o louvor e a adoração (cf. 1Tm 1.17; Ap 4.11).

Assim, esta adoração é feita através do louvor a Trindade, isto é, a adoração as Pessoas da divindade, e o louvor a obra de cada uma das Pessoas da divindade; por isso, se glorifica a Deus por quem Ele é e se o louva pelo que Ele faz; esta é a razão da adoração, que deve estar em conformidade absoluta com a Sagrada Escritura em se tratando de cânticos e hinos (cf. Sl 119.54, 171).

Além disso, a excelsa dignidade do louvor a Trindade, é evidenciada pela retidão e sinceridade na vida de quem profere o louvor a Trindade; o fulgor deste louvor só é proferido, quando assim se faz necessário, por aqueles que vivem em santidade diante de Deus (cf. Sl 15.1-5).

5. Segundo, evoca a assinatura de Deus em toda a criação, onde diz: “que é linguagem”; ora, o Deus Trino é adorado e louvado pela Sua obra; pois, o Criador, que fizera todas as coisas, imbuiu sua assinatura em cada obra que fizera; a linguagem da criação é o núcleo de sentido de cada ente criado; a gramática da criação é trinitária, o que se comprova pelo fato de que tudo na criação possui uma estrutura tríplice; por exemplo, o ser humano é composto de corpo, alma e espírito; a estrutura acima do firmamento se desenrola na relação entre matéria escura, espaço e tempo; a base da matéria é tríplice: prótons, nêutrons e elétrons; etc.

Portanto, se constata que tudo na Criação, desde a substância do Orbe aos menores aspectos da natureza, está em tríplice perspectiva. Por isso, em toda a criação se tem a assinatura de Deus; por onde, Ele ter estabelecido a linguagem da criação, de modo tão perfeito tal como numa melodia musical; é como se a Criação fosse uma música, e o som desta música fosse a linguagem de Deus, expressa em tríplice perspectiva.

Ora, o Deus Triuno é adorado e louvado, porque Ele deixou Sua assinatura em cada vestígio da Criação; por isso, se fala em relação a toda a criação daquilo que Santo Agostinho chamou de trindades criadas, que são espelho da Trindade de Deus (cf. De Trin., XV, 6, 10), as quais, por sua vez, testemunham dos vestígios da trindade em toda a criação (cf. De Trin., XV, 2, 3).

6. Terceiro, apresenta a obra de Deus como Senhor da Vida, onde diz: “vida”; ora, além de ser a linguagem da Criação, o Deus Triuno também é a vida da Criação; pois, Ele criara todas as coisas com vida, e as preserva e mantém com vida; o Deus Triuno criou todas as coisas, as sustenta pela palavra de Seu poder (cf. Hb 1.3) e renova todas as coisas por Seu Espírito (cf. Sl 104.30); por isso, Deus é o Senhor da Vida, Ele tanto outorga a vida quanto a preserva e a conserva.

Assim, a Santíssima Trindade é adorada e louvada, porque preserva a vida e mantém a vida em toda a Criação. Pois, um Deus vivo (cf. Met. 1072b30-31), cria seres vivos, e os mantém na vida tal como os criou, de acordo com o ciclo natural da vida de cada ente criado. Por isso, Ele é adorado e louvado, porque é o Senhor da Vida.  

7. Quarto, delineia a obra criadora de Deus, onde diz: “e principalmente é a criadora de todas as coisas!”; ora, sendo Deus, a linguagem e a vida de tudo quanto existe, Ele é o Criador de todas as coisas; a Trindade que é louvada e adorada, porque é “a criadora de todas as coisas!”; ora, todas as coisas criadas rompem em louvor a Seu Criador, tal como diz a Escritura: “E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre” (Ap 5.13).

Além disso, a Escritura também diz que os anjos rejubilavam quando Deus criava todas as coisas (cf. Jó 38.7). Portanto, a Trindade é adorada por Sua obra na Criação e pela própria Criação, já que ao ser criadora de todas as coisas, demonstra Sua soberania e providência sobre tudo e todos. Pois, ao se falar da Criação, evidentemente, se fala em Providência; e ambas testemunham da glória do Deus Triuno na Criação (cf. Sl 19.1-6, 104.24-30); o Deus Triuno é o Criador, é o Provedor e é o Sustentador da Criação.

8. E, em relação a segunda parte, faz quatro coisas: primeiro, descreve a razão do louvor angelical; segundo, evoca o que concerne a contemplação angélica na glória; terceiro, apresenta que esta contemplação é desconhecida dos homens; quarto, designa que a presença de Deus é a fonte de vida de todas as coisas.

9. Primeiro, descreve a razão do louvor angelical, onde diz: “Louvada seja pela turba angélica”; ora, do mesmo modo como se conclama a todo o Orbe, e particularmente aos fiéis, a louvar e a adorar a Santíssima Trindade, os anjos, as inteligências separadas espirituais, também louvam a Deus; a turba angélica rompe em gloriosos e fulgurosos louvores ao Deus Triuno; o exército celestial louva a Deus do seguinte modo: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens!” (Lc 2.14).

Por isso, a Santíssima Trindade é louvada e adorada pela turba angélica, de modo que, os anjos, que cumprem as ordenanças divinas, como espíritos ministradores em favor dos eleitos (cf. Hb 1.14), o glorificam tanto no cumprimento de suas funções quanto ao estarem diante de Deus para o adorar, tal como na descrição sapencial, cantando e rejubilando (cf. Jó 38.7).

Deste modo, os anjos adoram a Deus, pois foram por Ele criados com perfeição de natureza, mas também o adoram pela perfeição a qual chegaram pela graça, dada a perfeição da operação a qual deviam alcançar e a qual alcançaram definitivamente em Cristo na glória (cf. Hb 1.5ss).

10. Segundo, evoca o que concerne a contemplação angélica na glória, onde diz: “maravilhoso esplendor dos arcanos”; ora, os anjos, ao estarem na glória, isto é, junto de Deus em Sua habitação, contemplam as coisas de Deus tal como elas são; por isso, se diz que o intelecto angélico alcança um conhecimento sobre Deus maior do que os homens nesta vida; todavia, ainda sim, os anjos não conhecem a essência mesma de Deus (cf. STh Ia, q. 56, a. 3, co.).

Portanto, os anjos conhecem coisas que os homens não conhecem e vem coisas que os homens não vem; por exemplo, os anjos contemplam o maravilhoso esplendor dos arcanos celestes, isto é, conhecem os mistérios da graça na medida em que vêm o Verbo, o que os outorga a felicidade (cf. STh Ia, q. 57, a. 5, co.).

Ora, o conhecimento de Deus, sendo a essência da felicidade eterna, tanto os homens quanto os anjos, o alcançam apenas como obra da graça; e Deus revela os mistérios da graça tal como lhe apraz (cf. 1Co 2.10), tanto a homens quanto a anjos; embora os anjos possam conhecer estes mistérios de modo mais apurado que os homens nesta vida, dado a estarem diante de Deus na glória.

Por isso, os anjos, ao conhecerem os mistérios da graça, contemplam o maravilhoso esplendor dos arcanos, tanto em relação a natureza, quanto em relação a própria graça, pois o ministério dos anjos em favor dos eleitos (cf. Hb 1.14), se realiza pelo mistério da Encarnação (cf. STh Ia, q. 57, a. 5, ad. 1), a manifestação plena e cabal da graça; etc.

E, em sua contemplação, os anjos conhecem coisas que os homens não podem conhecer nesta vida, dada a limitação do intelecto humano como consequência do Pecado (cf. Rm 3.11).

11. Terceiro, apresenta que esta contemplação é desconhecida dos homens, onde diz: “que são desconhecidos dos homens”; ora, os anjos contemplam o maravilhoso esplendor dos arcanos, os quais, são desconhecidos dos homens; ora, este esplendor é desconhecido dos homens, dado a sua excelsa luminosidade; no entanto, os anjos podem ver melhor esta super-luminosidade, devido a estarem na glória; mas, mesmo assim não contemplam todo o esplendor desta luz em si mesma, mas vem a Deus na glória, o que os homens só alcançarão como hábito da glória (cf. 1Co 13.12).

Portanto, a contemplação angélica na glória, contempla coisas que são desconhecidas dos homens; ora, contemplar o maravilhoso esplendor dos arcanos, é uma contemplação desconhecida dos homens; e é desconhecido dos homens por três motivos: primeiro, pela natureza destes mistérios, onde diz: “maravilhoso”; segundo, pela efusão de luz destes mistérios, onde diz: “esplendor”; terceiro, pela distância de onde estão para onde os homens estão, onde diz: “dos arcanos”.

Deste modo, a turba angélica adora e louva a Santíssima Trindade porque lhe são dado conhecer coisas que os homens não conhecem nesta vida; além disso, louvam e adoram o Deus Triuno, porque atuam como ministros da providência de Deus em favor dos eleitos (cf. Hb 1.14); pois, neste atuar, atuam de modo desconhecido dos próprios homens, já que operam em ordem aos mistérios divinos; e, sobre isso, ainda se evoca o que Hildegarda diz em outro hino, que os anjos contemplam sob os olhos divinos dentro da escuridão mística (cf. Sinf. 29). Ora, até os anjos para contemplar a super-luminosidade de Deus adentram a caligine divina.

12. Quarto, designa que a presença de Deus é a fonte de vida de todas as coisas, onde diz: “e que é a vida de todas as coisas!”; ora, sendo Deus o criador, Sua presença, isto é, Sua atuação em toda a Criação, é a fonte de vida de todas as coisas; por isso, se Deus retirar Sua presença, as coisas perecem e deixam de ter vida (cf. Sl 104.29); donde, se afirma de modo categórico, que todas as coisas mantém-se em vida devido a presença de Deus; e, quanto a isso, são afirmados dois aspectos: primeiro, Deus é a fonte de vida de todas as coisas, pois é o Criador; segundo, a vida de todas as coisas é por Deus mantida e preservada de acordo com o ciclo da natureza de cada ser vivo.

Portanto, Deus é a vida de todas as coisas, pois, é a fonte de inúmeros bens que são dispensados a todos os entes; por isso, Lutero afirmara, que é dEle que flui tudo o que é e se chama de bom (cf. WA 30/1, 136); o Sumo-Bem é a causa e a fonte donde emana todo bem; é o Bem do qual, todas as coisas que são, são e são boas naquilo que são, como dissera Boécio no livro De Hebdomadibus.

Assim, a turba angélica adora e louva a Deus, porque Ele é a fonte de vida de todas as coisas; e esta é uma das maravilhas do esplendor dos arcanos, pois, sabe-se que Deus é a fonte de vida de todas as coisas, mas os modos como Deus providencia vida e mantém em vida todas as coisas é algo desconhecido dos homens, embora esteja escrito na Palavra de Deus que Deus mesmo é o doador da vida.

Com isso, se compreende que a presença de Deus é fonte de vida que dá forma a todas as coisas criadas de acordo com a vontade de Deus (cf. Ap 4.11); é fonte de vida na qual os anjos rejubilam (cf. Jó 38.7); é fonte de vida, a qual é a alegria e a força dos eleitos (cf. Ne 8.10); é fonte de vida, da qual provêm bens tanto para a natureza quanto para os eleitos (cf. Sl 65.9-13, 103.3-5).

Por esta razão, os anjos, estando na presença de Deus, o louvam e o adoram dado as maravilhas que provêm desta sublimíssima presença (cf. Sl 16.11b).

13. Deste modo, a adoração e o louvor à Santíssima Trindade, açambarca homens, anjos e toda a criação; por isso, se adora a Deus por quem Ele é, e se louva a Deus pelo que Ele faz; se adora a Deus glorificando e se prosternando a Ele dada a Sua perfeição infinita; se louva a Deus elogiando Suas obras e Seus feitos para com os filhos dos homens.

Neste sentido, Hildegarda captou muito bem o que concerne o Louvor a Trindade, e concatenou a razão da adoração ao Deus Triuno, fundamento da existência teológica e princípio impreterível do culto a Deus.

Ora, por esta razão, se evoca como princípio teológico fundamental a adoração a Santíssima Trindade, início, meio e fim da liturgia; e, com isso, se pode fazer coro uníssono com a confissão de louvor de Agostinho: “eu adoro a um só Deus, único princípio de todas as coisas, e a Sabedoria, que ilumina a todas as almas sábias, e ao Dom, que enche de alegria aos bem-aventurados” (De Ver. Rel., n. 112).

14. E termina aqui o comentário a este hineto de Hildegarda de Bingen. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] O termo original aqui é “sonus”, que geralmente se traduz por som; mas, como na significação do texto refere-se a harmonia do cosmos tal como fora criado por Deus, então, se preferiu dinamizar a tradução para o termo linguagem (assim como se faz em todo este hino), que melhor significa em língua portuguesa o sentido que Hildegarda pretende dar ao termo “sonus” neste hino, já que a abadessa alemã pretende com este termo evocar a linguagem de Deus na criação, entendida por ela através de termos musicais. 


20/01/2025

Sobre a Máquina do Mundo

Prólogo.

1. “Vês aqui a grande máquina do Mundo, / Etérea e elemental, que fabricada / Assim foi do Saber, alto e profundo, / Que é sem princípio e meta limitada” (Os Lusíadas, X, 80); esta sentença do grande Luís de Camões, retoma um dos princípios fundamentais do saber humano, a saber: a concepção de que todo o cosmos é uma máquina; uma máquina funcional, etérea, elemental, que fora fabricada pelo Sumo Artífice; pois, o cosmos como um todo, em sua definição mais ampla e englobante, além de por si demonstrar que fora fabricado, que fora criado, também demonstra que é “alto e profundo”, isto é, que é imenso; mas também que é “sem princípio”, isto é, não é possível a observação de seu ponto de partida, e que tem uma “meta limitada”, isto é, terá um fim, ou seja, não é infinito.

2. Ora, estas descrições, talhadas de maneira singular pelo maior poeta da língua portuguesa, demonstram o que concerne a uma máquina; pois, analogamente, o cosmos pode ser comparado ao funcionamento de um motor, de uma máquina; logo, ao se compreender sobre a máquina do mundo, se compreende a razão do que concerne a natureza e suas causas, já que o entendimento sobre o modo de funcionamento do universo abaliza o entendimento sobre as causas da natureza e sobre as substâncias de todo o cosmos, e isto de acordo com a ordem das substâncias tal como foram criadas e tal como foram engendradas pelo Criador na máquina do mundo.

Pois, do mesmo modo como um motor, as substâncias criadas foram colocadas em ordem, e numa ordem a partir do movimento, que sendo o princípio da natureza, estabelece o amplo escopo que estas substâncias terão ao se moverem e ao se desenvolverem nas tecituras desta máquina. Assim, compreender sobre a máquina do mundo abaliza a compreensão sobre o próprio mundo e sobre o que é necessário para compreender o universo.

Capítulo I: O cosmos como uma “máquina”.

3. Ora, a razão de se aferir o cosmos com esta analogia, é porque a mesma compreende, ainda que de modo equívoco, a essência do próprio cosmos; deste modo, cumpre investigar as razões desta analogia; e estas razões são três: primeiro, pelo funcionamento do cosmos; segundo, pelo movimento dos corpos celestes; terceiro, pelas substâncias cósmicas.

4. Primeiro, pelo funcionamento do cosmos; o cosmos funciona tal como uma máquina, onde tudo funciona tendo em vista o funcionamento de todo o cosmos; o movimento cósmico fora iniciado pelo Criador e é mantido por Ele; e este movimento é tal como as peças de uma máquina, onde as peças maiores se relacionam com as peças menores e existe uma força propulsora que orienta estas peças a se moverem tal como foram criadas para se moverem; portanto, o cosmos, tanto em sua esfera física quanto em sua esfera oculta, funciona tal como uma máquina; e o funcionamento das peças menores está em ordem ao funcionamento das peças maiores, pois os movimentos ocultos são os que dão forma aos movimentos visíveis do cosmos.

Por isso, do modo, da espécie e da ordem dos movimentos ocultos se tem a formação dos movimentos visíveis. Isto, em suma, pode ser explicado por analogia tal como o funcionamento de um motor, de uma engrenagem, de uma máquina; etc.

5. Segundo, pelo movimento dos corpos celestes; ora, o funcionamento do cosmos, primeiro, tem de ser entendido de acordo com o movimento dos corpos celestes; pois, as diversas espécies dos corpos celestes, estão em ordem ao funcionamento e desenvolvimento do cosmos; por isso, os corpos celestes ao se moverem, se movem para expandir o universo de acordo com a força de expansão do próprio universo, a saber, a matéria escura.

Pois, o propósito da matéria escura é proporcionar a constate de energia e força para que o cosmos se dilate e se expanda e com isso crie novas condições para a geração de outros corpos celestes, tais como galáxias, estrelas, buracos negros, etc.; assim, o movimento dos corpos celestes como um todo tem este propósito; no entanto, não mais se aplica a costumeira e antiga definição ptolomaica de definir o cosmos como uma máquina, mas sim em definir o cosmos pela teoria das cordas.

Em suma, é apenas uma descrição mais precisa para entender a relação entre as peças desta máquina; mas a descrição de máquina continua sendo o epiteto geral mais adequado para se compreender o universo.

6. Terceiro, pelas substâncias cósmicas; ora, tudo o que existe no cosmos possui algum tipo de substâncias; as substâncias primárias que dão origem e forma as substâncias secundárias, e assim por diante; no entanto, a substância primária do orbe, é a matéria escura; logo, emana da matéria escura os outros tipos substâncias do orbe, as quais funcionam como peças girando em função da expansão do orbe; e onde há esta expansão se tem a geração de corpos celestes para a formação de pequenas máquinas tal como a máquina maior, ou seja, a formação de galáxias, e assim, a formação dos componentes que tomam forma no desenvolvimento da vida de uma galáxia.

Além disso, do mesmo como num motor, as vezes o funcionamento se torna um pouco mais complexo; para isso existem substâncias cósmicas colocadas para por ordem ao funcionamento da máquina cósmica e preservar o ímpeto original da geração das substâncias cósmicas; este tipo de substância são os buracos negros, que existem como uma forma de “purificação” dos elementos estranhos ou corrompíveis do funcionamento da máquina do cosmos, devorando galáxias e/ou outros corpos celestes, sendo assim uma espécie de mantenedor da ordem cósmica, ao passo que ao fazer estas coisas, produz novamente o ímpeto e os elementos necessários que num tempo bem demorado proporciona o que é necessário para o surgimento de novos corpos celestes ou de um outro "tecido" para que os corpos celestes possam se desenvolver.

7. Deste modo, estes três aspectos ora evocados sumariam o que concerne a compreensão sobre a máquina do mundo; logo, o que concerne a todo o orbe enquanto uma máquina funciona deste modo descrito de maneira mais simples; portanto, se sabe que o movimento do cosmos, tem em si outros movimentos, que juntos se tornam um grande movimento em conjunto, dando forma e gerando o necessário para que a máquina do mundo funcione e se mantenha funcionando nas coisas naturais; tal como houvera afirmado Camões: “Este orbe que, primeiro, vai cercando / Os outros mais pequenos que tem em si” (Os Lusíadas, X, 81).

Capítulo II: As leis da natureza.

8. Ora, o cosmos pode ser comparado a uma máquina devido as leis da natureza; as leis da natureza que permeiam todo o Orbe, são tão funcionais e tão bem estabelecidas, tal como as peças de uma máquina; pois, em todo o orbe existem leis gerais e leis específicas que estão dispostas em toda a extensão do cosmos; estas leis, a uma, se relacionam e estão amalgamadas; logo, em todos os orbes se tem leis que estão em ordem a todo o Orbe; pois, o próprio curso do mover cósmico estabelece isso, tal como Camões afirmara: “Em todos estes orbes, diferente / Curso verás, nuns grave e noutros leve” (Os Lusíadas, X, 90); o curso, isto é, o movimento dos orbes, seque uma sequência determinada; nuns é grave, isto é, é movimento violento, mas noutros é leve, isto é, é movimento menos violento. E, realmente em todos os orbes do Orbe, se tem um tipo diferente de movimento imbuído no mover de todo o Orbe.

9. Deste modo, as leis da natureza atestam sobre a máquina do mundo; e este máquina funciona, de acordo com as leis da natureza, de dois modos: primeiro, de modo circular e englobante; ora, o funcionamento da máquina da mundo obedece a uma lei geral que coloca todo o cosmos em movimento nos corpos celestes maiores em suas respectivas esferas, a qual permeia os corpos celestes menores em suas respectivas esferas; logo, este movimento é circular, isto é, é cíclico, e obedece um ciclo cósmico de geração e corrupção; além disso, este movimento é englobante, pois tudo quanto há na máquina do mundo está de acordo com este movimento e cumpre seu propósito específico. Neste sentido, é deveras verdadeira a sentença de Sirach que a natureza não falha no que lhe compete (cf. Eclo. 16.27).

Segundo, de modo subsequente e expansivo; ora, o funcionamento de uma máquina depende de alguma combustão; mas o funcionamento da máquina do mundo depende das leis gerais mais importantes da natureza, as quais, por sua vez, mantém a combustão da máquina do mundo, tanto no movimento, quanto nos processos geracionais dos corpos celestes, que estão em ordem a processão e ao mantenimento deste movimento; assim, todo o funcionamento das peças da máquina do mundo, são tanto adequados ao funcionamento de cada orbe quanto de todo o Orbe, pois, este funcionamento é subsequente, isto é, segue um padrão específico tanto para a natureza inerente a determinado corpo, quando para o funcionamento de sua posição na tecitura cósmica; e, este funcionamento, por ser subsequente, contribui com a expansão do universo a partir da natureza da matéria escura a qual existe para se expandir, numa expansão que alcança quantidades imensas.

10. Portanto, estes dois modos, que funcionam de modo concêntrico, na verdade, designam grande parte do funcionamento do cosmos a partir de suas leis gerais; e nestas leis gerais, existem outras leis mais específicas; e isto pode ser explicado pela comparação com duas hélices, onde a hélice principal move-se numa determina velocidade (as mais das vezes, uma velocidade observável), que é embasada por uma hélice secundária que move-se numa velocidade muito maior (as mais das vezes, uma velocidade inobservável), a qual é a base para tudo quanto concerne ao movimento da hélice principal; explicado de modo análogo: é deste modo que funciona a estrutura da máquina do cosmos entendido a partir das leis da natureza.

Capítulo III: A ordem das coisas naturais.

11. As leis da natureza, engendram a compreensão de que a máquina do mundo, funciona de modo estabelecido e imutável; assim, se compreende que a ordem das coisas naturais segue um curso estabelecido pelo Criador, e tal qual máquina mantém este curso inalterado; a isto, geralmente, se chama de ciclo da vida natural; mas, do mesmo modo como o funcionamento de um motor tem uma ordem de acordo com suas peças, logo, se compreende que o cosmos tem uma ordem de funcionamento, tal como estabelecido na ordem de eminência dos corpos celestes em geral (tanto os corpos propriamente ditos, quanto as formas corpóreas).

Ora, esta ordem de eminência, designa na ordem de funcionamento do cosmos, também se descortina a ordem das causas, e o modo de efluência das mesmas; quanto a isso, Camões houvera afirmado que Deus obra no mundo por segundas causas (cf. Os Lusíadas, X, 85); pois, estas causas segundas, estão em ordem ao funcionamento do cosmos, mas em relação a corpos inferiores, ou a substâncias secundárias na ordenação acima do firmamento. E, esta ordem, demonstra o modo de funcionamento desta máquina e o que emana de cada peça desta máquina em toda a tecitura cósmica.

12. Deste modo, a primeira substância do cosmos, é aquela que serve de elemento para o desenvolvimento do próprio cosmos; alguns a chama de matéria primeira; ora, esta matéria primeira, é de onde o universo foi modelado pela obra do Sumo Artífice; assim, se compreende que desta matéria primeira, foi surgindo todos os corpos celestes, quanto as formas corpóreas do Orbe; por isso, a substância do Orbe demonstra que existe no funcionamento da máquina cósmica um princípio que dá origens a outros fenômenos naturais, obviamente, em razão deste funcionamento.

E esta matéria primeira, a matéria escura (e a energia escura), servem como “massa de modelar” na estrutura cósmica, já que tudo quanto concerne aos corpos celestes se desenvolve sob os processos naturais que ocorrem na e através da matéria escura, que está em todo o cosmos e com possibilidades de expansão imensas; logo, de acordo como a expansão do universo a partir da matéria escura, se desenrola outros fenômenos cósmicos, que tanto se estabelecem em ordem aos processos de geração dos corpos celestes e inferem nas formas corpóreas que estão no Orbe, e isto as mais das vezes em inter-relação, quanto proporcionam o que é necessário para que esse processo se estenda a proporções em imensidão de expansão; logo, quanto mais estes fenômenos se movimentam, no funcionamento da máquina do cosmos, mais o Orbe se expande, e cresce em fenômenos de expansão, tais como, por exemplo, a geração dos buracos negros, a geração de estrelas e similares.

13. Portanto, a ordem das coisas naturais segue uma ordenação primeira, que se mantém a mesma, mas que faz com o funcionamento do cosmos se ordene à expansão, isto é, faz o cosmos tender naturalmente a expansão; ora esta ordem pode ser sumariada de dois modos: primeiro, a substância da tecitura cósmica onde o universo se expande; segundo, a formação e a geração dos corpos celestes maiores.

14. Primeiro, a substância da tecitura cósmica onde o universo se expande, a matéria escura; e esta substância, que em sentido físico, pode ser chamada de substância do Orbe, dá a firmeza para a expansão cósmica de modo que, em sentido absoluto, os corpos celestes em geral não fiquem vagando ao que se conhece como vácuo absoluto (ou nada absoluto); logo, esta substância está presente em todo o desenvolvimento da vida cósmica, bem como proporciona o desenrolar deste desenvolvimento em suas esferas modais acima do firmamento, já que na matéria escura também tem, pela densidade desta matéria, a energia escura; e a confluência desta matéria com esta energia, forma a estrutura gravitacional da máquina cósmica, que é diferente da estrutura gravitacional dos planetas. E isto pode ser enquadrado no obrar de Deus no mundo por segundas causas, através das quais, mantém o funcionamento de todo o Orbe.

15. Segundo, a formação e a geração dos corpos celestes maiores, a saber, o campo das galáxias e o que vem amalgamado; pois, a formação dos corpos celestes maiores, e a colocação destes em movimento pelo Primeiro Motor Imóvel, proporciona um equilíbrio de funcionamento do cosmos, que ao ter sido colocado em movimento, neste movimento contém tudo o que é necessário para o funcionamento em geral da máquina cósmica; portanto, a formação das galáxias, gera outra galáxias, dando origem a um conjunto de galáxias; estas por sua vez, ao serem formadas, em suas esferas, proporcionam a geração dos corpos celestes, como estrelas, planetas e similares, os quais, dão uma certa ordem sistêmica no âmbito das galáxias, podendo formar vários sistemas integrados e diversos em uma mesma galáxia; com isso, estes corpos celestes maiores ao serem formados, e ao serem colocados em movimentos, em consonância com a matéria prima cósmica, dão origem ao processo geracional dos corpos celestes, em suas mais diversas esferas e em seus mais diversos modos e formas; e tudo isto, em ordem de eminência, grandeza e função. E este processo geracional também pode ser enquadrado no obrar de Deus no mundo por segundas causas.

Capítulo IV: A perfectibilidade do cosmos.

16. Ora, a ordem das coisas naturais, demonstra a perfectibilidade do cosmos; pois, o cosmos, é tanto perficiente quanto perfectível; em um sentido é perficiente, já que é suscetível de ser aperfeiçoado, pois o universo se expande imensamente, bem como os fenômenos naturais são sempre constantes; e em outro sentido é perfectível, já que é completo, pois o universo tem seu funcionamento com leis estabelecidas e imutáveis; assim sendo, já que o universo é perfectível, em sua perfectibilidade demonstra o modo como também é perficiente; logo, a perfectibilidade do cosmos atesta sua perficientibilidade.

17. E, quanto ao cosmos ser perfectível-perficiente, isto se dá pela própria estrutura predicatória da realidade; pois, o ser humano ao inteligir algo do cosmos, o faz ao predicar algo da realidade; e ao predicar algo, esta predicação sempre se defronta com a dialógica perfectível-perficiente, pois a uma o que fora predicado é completo, porque fora predicado, mas também é suscetível de ser aperfeiçoado, já que o que é predicado nunca é predicação sobre tudo ao mesmo tempo, pois é impossível no mesmo ato predicatório se predicar tudo quanto concerne a determinado ente.

Assim, na própria compreensão se tem esta dialógica, que permeia totalmente o cosmos; e, tal como fora afirmado sobre a ordem das coisas naturais, se compreende que o cosmos, em si mesmo, fora criado para ter esta dialógica, que se demonstra na própria expansão do cosmos. Logo, tudo na ordem cósmica é ao mesmo tempo perficiente e perfectível; e a demonstração da perfectibilidade do cosmos evidencia isso.

18. Deste modo, se pode evocar a perfectibilidade do cosmos em três princípios: primeiro, quanto a ordem de eminência dos corpos celestes; segundo, quanto a ordem da grandeza dos corpos celestes; terceiro, quanto a ordem das funções dos corpos celestes.

19. Primeiro, quanto a ordem de eminência dos corpos celestes; pois, em ordem de eminência, os corpos celestes descendem dos mais importantes aos menos importantes, e neste descender se tem a perficientibilidade dos corpos celestes no processo de expansão, já que neste processo, o cosmos funciona em sua perfeição natural.

20. Segundo, quanto a ordem da grandeza dos corpos celestes; pois, os corpos maiores influem mais no modo do funcionamento do cosmos do que os corpos menores; além disso, os corpos maiores servem de elementos de geração de corpos menores, bem como de sustentação dos movimentos dos corpos menores; pois, a grandeza dos corpos maiores está acima da dos corpos menores não somente em relação a eminência, mas propriamente em relação a sua natureza enquanto peça da máquina cósmica.

21. Terceiro, quanto a ordem das funções dos corpos celestes; e isto em relação a máquina cósmica, pois, os corpos celestes, de acordo com suas grandezas na máquina cósmica, tem uma função específica, de maneira específica e de maneira geral, quanto ao funcionamento desta máquina; assim, cada corpo celeste, ou cada forma corpórea que está no cosmos, tem uma função, a qual está em ordem ao funcionamento da máquina do cosmos, tanto para a continuidade quanto para a preservação incólume deste funcionamento até os limites máximos da expansão, o que é elucubrável, mas não é observável.

22. Assim, se pode evocar a estrutura cósmica; pois, tendo compreendido o que concerne ao cosmos como uma máquina, no sentido geral, se pode prosseguir para compreender o que concerne ao cosmos quanto a sua estrutura; deste modo, se deve pontuar a estrutura do cosmos, de acordo com a ordem das grandezas dos elementos cósmicos, pois, esta estrutura primordial continua funcionando; todavia, este aspecto não é elucubrado, pois, geralmente inicia-se a elucubração sobre o cosmos a partir da grandeza dos corpos quanto ao funcionamento destes no movimento do Orbe.

23. Portanto, a estrutura do cosmos, é permeada por dois princípios: primeiro, em relação a ordem da processão dos elementos cósmicos; segundo, de acordo com o movimento dos corpos, que igualmente se subdivide em dois aspectos: um, em relação a grandeza dos corpos, o outro, em relação ao ímpeto para o movimento da máquina celeste. E, para a compreensão sobre a estrutura do cosmos, é necessário primeiro elucubra-se sobre a ordem da processão dos elementos cósmicos, tanto para se entender o modo de funcionamento do cosmos, a saber, aquilo que move o Orbe, quanto para se entender as características da expansão do cosmos que está imbuída nessa ordem de processão.

Capítulo V: As categorias cósmicas.

24. Deste modo, se estabelece sete princípios para se compreender esta ordem de processão: primeiro, a matéria escura; segundo, o espaço; terceiro a luz; quarto, o tempo; quinto, as condições do funcionamento do cosmos; sexto, os corpos celestes; sétimo, a ordem dos corpos celestes.

25. Assim, tendo compreendido de modo geral o que concerne a estrutura do cosmos, se pode compreender o modo de formação e geração da máquina celeste; pois, a estrutura do cosmos demonstra a ordem generalíssima em que o cosmos foi formado; no entanto, após a formação do cosmos, o próprio Criador obra no mesmo por segundas causas, guiando o processo da geração cósmica; assim, para compreender o que concerne ao cosmos em seu funcionamento cumpre evocar cada uma destes setes aspectos anteriormente evocados e delineá-los a partir da estrutura categórica.

26. Ora, quanto a matéria escura, se pode propriamente intitulá-la, a grosso modo, de a substância material do Orbe; e, a partir desta substância, se constata os inúmeros acidentes cósmicos, tais como: quantidade, relação, qualidade, lugar, tempo, etc.; pois, a substância do Orbe, a principal substância material do Orbe, é o “solo” o qual o Criador formou do nada (ex nihilo) o cosmos, e sob o qual Ele forma os elementos cósmicos. Assim, em primeira instância, a substância material do Orbe é a matéria escura, a qual, devido a sua natureza quanto as coisas naturais, é por si mesma suficiente; por isso, o Criador, nesta matéria que criara, decidira obrar e formar todo o Orbe; em uma analogia bem simples, é a massa do “bolo” cósmico.

27. Ora, quanto ao espaço, após se compreender a substância do Orbe, se observa que a mesma se difunde num lugar, e este lugar no qual a mesma é difundida, é o espaço; é o lugar da substância do Orbe; e, por ser formado em conjunto com a matéria escura, se torna um tipo de substância secundária sob a substância primária do cosmos; por isso, se fala do espaço e da distância entre um ponto e outro no cosmos.

Mas, num sentido mais apurado, se tem que o espaço é um acidente, dado a substância do Orbe ser a matéria escura; mas após o funcionamento pleno do Orbe, após o término da criação, também pode se compreender o espaço como uma espécie de substância secundária que atua sob a substância primária; ou, tomando a analogia da dupla-hélice, a hélice maior é a matéria escura, enquanto que a hélice menor é o espaço; mas que funcionam conjuntamente, pois, a proporção da expansão da matéria escura é a proporção da formação do espaço.

28. E, tendo sido formado a massa cósmica, se cria um "elemento" que perpassa a todo o cosmos, a saber, a luz; a luz permeia todo o cosmos, e na expansão do cosmos a luz se faz presente; a luz adentra em todo pedaço do cosmos; mesmo onde há muita densidade de matéria e não se consegue ver o espargir da luz, a luz se faz presente, sendo permeada pela matéria escura, e a medida que a matéria escura se dissipa naturalmente, o fluir da luz se realiza na mesma e através da mesma, como ocorre em todos os processos naturais; pois, a perfectibilidade da luz em relação as coisas naturais é tão grande, que por onde a luz se difunde, ocorre a curvatura do espaço; por isso, a luz é corretamente chamada de a primeira das obras da distinção (cf. STh Ia, q. 67, a. 4, co.); assim sendo, a luz é a primeira obra da distinção, no sentido de que é a primeira obra distinta da matéria escura e do espaço que a mesma cria a medida que se expande.

29. E, quanto ao tempo, se percebe que o mesmo é formado a medida que se forma a matéria escura; pois, a criação da matéria prima do cosmos, ocorre com a criação do tempo; mas, em relação ao tempo natural três considerações são feitas: primeiro, o tempo de acordo com a criação da matéria escura, que pelos processos naturais inerentes a matéria escura são quase que inquantificáveis; por isso, em muitos estudos científicos são tidos em bilhões de anos, mas em função da densidade da matéria escura, pois esta matéria ao se expandir também faz com que a dilatação do espaço seja imensa, isto é, que as distâncias entre um ponto e outro no cosmos sejam imensas.

Segundo, o tempo de acordo com a criação da luz, que possui um tempo de viagem no espaço; um tempo também quase que inquantificável, mas devido a rapidez inobservável da locomoção da luz, que por se espargir na massa cósmica também há de ser em mesma proporção do que o tempo de “vida útil” da matéria escura e de sua expansão.

Terceiro, o tempo de acordo com a criação das galáxias, dos sistemas e dos planetas; pois, o tempo no planeta terra é quantificado de modo diverso do que o de outros planetas, já que o tempo na terra é estabelecido em função do homem em dias, meses e anos, de acordo com o ciclo dos luminares.

Deste modo se compreende a distinção quase que absoluta entre o tempo abaixo do firmamento e o tempo acima do firmamento.

30. E, quanto as condições de funcionamento do cosmos, se compreende que tendo a matéria prima do Orbe, a matéria escura, e tendo os elementos através dos quais se obtém a percepção espacial, a luz e o tempo, se compreende que o cosmos funciona em ordem a estes aspectos; embora o funcionamento do cosmos geralmente seja visto apenas nos corpos celestes, tal funcionamento se dá em função da densidade da matéria escura em expansão e em contato com o espaço e com a luz, pois assim cria-se um espectro temporal para se definir a quantidade de tempo de duração dos elementos cósmicos.

31. Por isso, o cosmos funciona, ao ser sido Criado e ao ser mantido e preservado pelo Criador, por três motivos: primeiro, com sua substância primária, a qual de modo misterioso e ainda desconhecido contém tudo quanto é necessário para a vida cósmica; segundo, com o espaço que forma-se a medida da expansão da matéria escura; terceiro, com a luz e o tempo, pois, a luz permeia todo o cosmos, e o caminhar da luz marca o tempo no cosmos (que evidentemente, é diferente do tempo nos planetas). Pois, com estes três aspectos se tem os materiais necessários para a expansão do cosmos e a geração dos corpos celestes, tanto por Deus ao criá-los, quanto porque o Criador prescreveu um processo geracional no funcionamento do próprio cosmos.

32. E, quanto aos corpos celestes, os mesmos passam por dois processos: primeiro, pela criação; segundo, pela geração. Os corpos celestes foram formados, e no funcionamento do cosmos, outros corpos celestes são gerados de acordo com o funcionamento do próprio cosmos; pois, como há duas espécies de corpos celestes: os corpos celestes ordinários e os corpos celestes extraordinários, então, nestas duas espécies ocorre tanto o processo de formação quanto de geração. Deste modo, os corpos celestes, em suas espécies são colocados em movimento, para que a máquina do cosmos entre em funcionamento, e que através deste funcionamento ocorra a geração de outros corpos e assim seja mantido o equilíbrio deste funcionamento dada a imensidão do cosmos.

33. E, assim, se compreende que a ordem dos corpos celestes, por sua vez, desenrola-se neste mesmo sentido; pois, a formação de um corpo celeste, pelos menos os corpos celestes ordinários, tais como algumas espécies de estrelas, planetas, e similares, torna-se possível dentro da substância do Orbe, e, com isso, o funcionamento dos mesmos tanto de acordo com o movimento cósmico geral quanto com o movimento específico do corpo físico, é permeado pela mesma estrutura categórica, a qual permeia a esfera particular deste corpo tornando-o, por sua vez, suscetível a várias formas de estrutura categórica.

34. E, em relação aos corpos extraordinários, tais como algumas espécies de estrelas maiores, como estrelas de nêutrons, os buracos negros super-massivos, etc., eles também estão nesta estrutura, mas com função distintas da do funcionamento ordinário do cosmos, confluindo-se tanto a preservação e expansão da matéria escura, isto é, do espaço em si mesmo, quanto para a formação de novos elementos cósmicos, como as galáxias e suas teias de inter-relação (os conglomerados de galáxias), etc. Assim, se compreende que em ordem, ocorre a formação de uma galáxia, depois de outra, até se formar um aglomerado de galáxias, e dentro das galáxias se formam sistemas que se inter-relacionam e assim por diante.

35. Por isso, a estrutura cósmica, a grosso modo, é categórica, perfazendo em relação ao funcionamento do cosmos, aquilo que concerne a estrutura predicamental; logo, o cosmos como um todo, funciona deste modo é e disposto deste modo; embora a compreensão sobre toda a estrutura cósmica exija muito mais observações e descrições, se for aplicada esta estrutura de raciocínio, então, se terá uma compreensão mais apurada sobre o funcionamento da máquina do cosmos, que se feita em esferas desde a primeira, conseguir-se-á compreender melhor o modo de formação do universo.

E, para o momento, é suficiente o que foi dito sobre a máquina cósmica, a partir do que se pode constatar com Agostinho: “Todas as obras de Deus são maravilhosas, pois foram executadas com sabedoria” (Epist. 161, n. 2).

36. Termina aqui esta explicação sobre a máquina do mundo. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 


02/01/2025

O Problema do Feminismo na Igreja e na Teologia

Nos últimos decênios, se tem tornado algo mais abrupto, principalmente nos últimos anos, a acusação de que a Igreja e os verdadeiros cristãos são “machistas”; ora, pressupor que a cristandade é “machista”, significa conhecer tanto o que é o machismo quanto os dogmas da cristandade; e, assim, surge o questionamento: se a cristandade realmente é machista? E a resposta é não; em sua parte esmagadora a cristandade não é machista, muito embora existam aqueles que sendo parte da cristandade são machistas, não por causa da fé, mas por causa da corrupção ideológica; mas isso é outra questão. 

No entanto, cumpre analisar de donde provêm a acusação de que a cristandade é machista? Será que da Bíblia? Será que dos dogmas? Será por causa de alguma prática da cristandade? Ou será que provém do feminismo? 

Se sabe pela experiência histórico-cultural que a acusação de qualquer “ismo” sempre provem de outro “ismo”; e isso é um preceito inegável da vida humana; portanto, a acusação de machismo provêm de outro “ismo”, a saber, o feminismo; ora, se alguém se arrola o “direito” de acusar alguma coisa, ou alguém, ou uma instituição, de machismo, sendo influenciado pelo feminismo, na verdade, ou está engendrado pela hipocrisia ou por qualquer desvio mental proveniente da ideologização inerente ao feminismo.

Pois, o que se chama de “machismo” sob a influência do feminismo, na verdade é apenas o mantenimento da ordem da natureza; não existe machismo em manter-se a ordem da natureza, prescrita em toda a Bíblia, reafirmada em ecos cósmicos pelo Senhor Jesus Cristo, ao se afirmar as funções estabelecidas pelo Criador, confirmadas e atestadas na Reconciliação em Jesus Cristo pelo Espírito Santo, tanto para o homem quanto a mulher; as quais, também são atestadas de maneira incólume pela reta razão.

E é de se espantar que que existam pessoas que se afirmem “cristãos” e “cristãs”, que também se enveredam pela transmutação da ordem da natureza em nome da graça; e o pior é justamente que o fazem em nome do “evangelho”; todavia, o Evangelho de Jesus Cristo, as boas-novas de salvação, a graça, reafirma de maneira contundente e eficaz a ordem da natureza; tanto o é que Tomás de Aquino conseguira formular isso em uma sentença bem simples: “a graça não tolhe, mas aperfeiçoa a natureza” (STh Ia, q. 1, a. 8, ad. 2); assim, tudo que se afirma sobre a graça e sobre o evangelho da graça, se for realmente de acordo com o evangelho não tolhe a natureza, e não transmuta a ordem da natureza; pois, a graça é outorgada justamente para o mantenimento e preservação da natureza e de sua ordem, e isto principalmente no que concerne a natureza humana e as ordenações criacionais para o homem e para a mulher, ordenações essas que são imutáveis.

Deste modo, qualquer afirmação de machismo que engendre nas Igrejas e na teologia sempre é fruto da tentativa de transmogrifar a ordem da natureza em nome de direitos ou para as mulheres ou para os homens; e é estranho em se afirmar nos arraiais eclesiais direitos para as mulheres ou para os homens, em função da tentativa de transmutar a natureza; ora, a Igreja, a cristandade, ao se basear na Palavra de Deus, e ao ser coluna e firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.16), busca manter e preservar a ordem da natureza, principalmente no que concerne as funções específicas delegadas pelo Criador ao homem e a mulher, tanto no que concerne as coisas naturais quanto no que concerne as coisas espirituais.

Por isso, a perversão da ordem da natureza em nome de “direitos” para homens ou mulheres é evidência de apostasia da fé (cf. Rm 1.20-32).

E o feminismo busca fazer isso constantemente; pois, a nova onda do feminismo buscar esquizofrenizar a ordem das coisas divinas em nome de uma suposta melhoria na condição da vida e das relações; ora, se se observar a história, se constata que sempre que houve a tentativa de transmutar a ordem da natureza, mesmo nas questões sociais, a sociedade se desintegrou e os principais direitos do ser humano foram solapados em nome da sempre palatável, mas sempre terrível e hedionda defesa dos “direitos iguais” que de igualdade nada traz.

Evidentemente, em ordem a dignidade do indivíduo, tanto homem quanto mulher são dotados de direitos invioláveis; no entanto, em ordem as funções estabelecidas pelo Criador, no que concerne a natureza humana, tanto homem quanto mulher são permeados pelo mandamento de Deus, o qual, por sua vez, prescreve as funções específicas e inalteráveis do homem e da mulher, e isto tanto em relação as coisas naturais quanto em relação as coisas espirituais; a tentativa de modificar este mandamento criacional, é ao mesmo tempo perversão da natureza humana, vilipêndio para com a graça e luta contra Deus.

Portanto, se em relação as coisas da fé há afirmação de “machismo” quanto a firmeza bíblica da cristandade nos dogmas revelacionais fundamentais, então, se constata que tal afirmação é influência nefasta do feminismo.

Não existe machismo quanto o assunto é o mantenimento da ordem da natureza de acordo com os preceitos bíblicos; na verdade, se há acusação de “machismo” em relação ao que fora afirmado, então o que há é esquizofrenização da percepção real quanto a ordem da natureza por parte daqueles que engendram nas fileiras ideológicas da acusação de machismo. A acusação de machismo, neste sentido descrito, é evidência de ideologização nas coisas concernentes a fé; onde há ideologização em relação a fé, duas coisas ocorrem: primeiro, se perverte a fé; segundo, se obscurece o entendimento.

Assim sendo, a acusação de machismo nos arraiais eclesiais, as mais das vezes, é evidência da terrível influência do feminismo, do feminismo inconsciente que infelizmente se infiltrou na Igreja e na teologia.

E que se saiba que a acusação de machismo contra a cristandade, contra os cristãos e contra os preceitos teológicos, na verdade é uma cortina de fumaça para velar o axioma comunista por detrás desta acusação, a saber, destruir a firmeza sacramental e a base bíblica da cristandade, para tornar a cristandade trôpega e enfraquecida, tal como Marx propugnara como ideal inviolável para os comunistas; e o feminismo é uma das ferramentas do comunismo para esta empreitada hedionda. 


01/01/2025

Breve Comentário as Categorias de Aristóteles

Prefácio.

O livro dos Predicamentos, ou livro das Categorias, é um dos livros mais debatidos da história da filosofia; um dos últimos livros a serem coletados por Aristóteles das notas de suas aulas (de seus escritos exotéricos), de quando o Filósofo estava já doente e próximo a morte; por isso, as Categorias, icônico livro da história da filosofia, não foi burilado corretamente e de maneira precisa tal como outras de suas obras.

E é um fato curioso, que justamente o livro mais importante da lógica, tenha ficado fragmentário e em grande parte sem os nexos adequados; pois, a partir dos problemas predicamentais, a história das ideias foi de uma parte a outra; épocas se ergueram e épocas caíram sob as interpretações que surgiram deste livro do Filósofo, tanto na civilização ocidental quanto na civilização oriental.

Ora, por exemplo, a escolástica se inicia com um problema evocado a partir dos predicamentos, o problema dos universais, descritos por Porfírio e abalizados por Boécio. No entanto, a escolástica também decai a partir dos predicamentos, com os problemas propugnados por Ockham, que se apercebeu destes em seu comentário as Categorias, mas que infelizmente a eles sucumbira (um mistério das épocas? Talvez!?); pois, filosoficamente, o nominalismo surge a partir de um problema predicamental não resolvido e/ou tomado de maneira errônea.

E, isto, sem evocar o problema da analogia que emerge como um dos maiores problemas da filosofia a partir do livro das Categorias, e que mesmo Santiago Ramirez em sua monumental obra De Analogia não conseguira solucionar; além de vários outros problemas que não foram analisados de maneira adequada.

E, apesar de Porfírio ter aclarado toda a problemática dos universais a partir do cap. II das Categorias, e os predicamentos, principalmente a substância (cap. V), terem sido muito debatidos ao longo da história, há ainda inúmeros outros problemas que não foram sequer evocados; e, sem nenhuma hipérbole, se pode afirmar que o livro das Categorias é um “campo minado” de problemas filosóficos.

Deste modo, diante deste livro, que é superado em profundidade apenas pela Metafísica, que Avicena chamou de o livro mais difícil de todos, se estabelece os problemas fundamentais que permeiam da física a ética e as artes; basicamente toda a filosofia é permeada pelos problemas predicamentais, pois, o contato com a realidade, e o conhecimento haurido da realidade, sempre se defronta com as proposições predicamentais, já que estes, em ordem as operações do intelecto, estão sob a primeira operação do intelecto.

Portanto, se vai comentar esta obra a fim de aclarar todas estas questões, e extrair novos problemas, para demonstrar toda a profundidade peculiar do livro das Categorias.

E este comentário menor, é talhado para abalizar estas questões de modo a apresentar o que concerne ao livro das Categorias, para que, depois, no comentário médio se possa explicar, comentar, reavaliar, reestruturar e abalizar este livro, a fim de acrescentar as digressões necessárias para explicar e demonstrar os nexos faltantes deste texto em ordem a toda a filosofia aristotélica.

Por fim, se relembra que fora dito que através da Metafísica se pode provar, de maneira irrefutável, que Aristóteles é o maior de todos os filósofos; realmente, isso é um fato; todavia, não somente através da Metafísica, mas também através das Categorias se pode constatar que Aristóteles é, por honra mais do que devida, o Filósofo.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

Dezembro de 2024.

 

Esboço do Livro das Categorias. 

Parte I: Os Anti-Predicamentos (Caps. I-III).

Capítulo I: As Coisas Predicáveis.

Capítulo II: As Coisas Predicamentais.

Capítulo III: As Coisas Predicamentadas.

Parte II: Os Predicamentos (Caps. IV-IX).

A. A Primeira Categoria Geral (Caps. IV-V).

Capítulo IV: O Preâmbulo às Categorias.

Capítulo V: A Substância.

B. A Segunda Categoria Geral e Suas Características (Caps. VI-IX).

Capítulo VI: A Quantidade.

Capítulo VII: A Relação.

Capítulo VIII: A Qualidade.

Capítulo IX: Os Seis Predicamentos em Comum.

Parte III: Os Pós-Predicamentos (Caps. X-XIV).

Capítulo X: Os Opostos.

Capítulo XI: Os Contrários.

Capítulo XII: O Anterior.

Capítulo XIII: O Simultâneo.

Capítulo XIV: O Movimento.

Capítulo XV: O Ter.

 

Prólogo.

1. O livro dos Predicamentos, ou Categorias, segundo Boécio, versa sobre as dez palavras que concernem aos dez primeiros gêneros das coisas no que são significantes[1], isto é, a partir de quando estão na dialógica predicáveis-predicadas; pois, o que concerne a lógica, é a consideração das coisas que são significantes, ao passo que a medida que são significadas se as compreende não apenas como intenções lógicas, mas como realidades.

2. Deste modo, o Filósofo, neste livro, inicia as elucubrações sobre a lógica enquanto ciência dos predicamentos, em ordem ao ente; mas, não ao ente enquanto ente, como se faz na Metafísica, mas ao ente predicável e suas nuances; pois, compreender as partes do ente e suas elucubrações, é o que antecede o estudo da sabedoria; mais propriamente, é uma propedêutica do estudo da sabedoria; e, como as partes do ente, diz respeito inicialmente ao ente predicável, então, compete analisar o que concerne ao ente predicável antes de propriamente se adentrar as esferas modais do ente.

3. E a lógica é a parte da filosofia que versa sobre o ente predicável (por isso, é a propedêutica da filosofia); especificamente, a primeira parte da lógica; pois, a lógica é subdividida em duas partes: a teórica e a prática; a teórica versa sobre o ente predicável, e consta nas Categorias e no Sobre a Interpretação; a prática versa sobre o silogismo e consta dos Analíticos aos Elencos Sofísticos (ou Refutações Sofísticas).

Ora, quanto a parte prática, não há muito o que se afirmar de antecedência, visto estar basicamente completa, embora se tenham muitos textos faltantes em relação a sofística; no entanto, quanto a parte teórica, apenas o Sobre a Interpretação é um tratado mais completo, enquanto as Categorias é um texto fragmentário e com inúmeros problemas teoréticos, mas que demonstram uma óbvia “ambição metafísica”, embora sujeita a dialógica ambígua entre o que é predicável e o que de fato é predicamentado (ou: entre as noções lógicas e as coisas e/ou os seres).

4. Portanto, na elucubração sobre as Categorias há de se compreender que os problemas predicamentais evocados são de suma importância, conquanto sejam de grande dificuldade; por isso, se compreende que mesmo que o livro dos Predicamentos esteja incompleto e seja fragmentário, é um dos mais importantes livros da filosofia.

Assim sendo, compreender estes problemas é iniciar o estudo da filosofia pela propedêutica da filosofia, ao mesmo tempo em que elenca-se questões que inferem diretamente a compreensão sobre a Filosofia Primeira; no entanto, os problemas predicamentais, hão de ser analisados tendo em vista a lógica.

Logo, se deve primeiro evocar estes problemas e demonstrá-los de acordo com a ordem do texto, para depois, se procurar explicá-los e resolvê-los.

5. E isto não é algo tão simples; pois, ao se evocar estes aspectos, o texto das Categorias, que historicamente é dividido em três partes: anti-predicamentos (caps. I-III), predicamentos (caps. IV-IX) e pós-predicamentos (caps. X-XV), certamente evocará problemas tão aporéticos que pensar-se-á serem mais de três livros distintos que foram acoplados juntos; muito embora isso possa assim parecer, no entanto, se compreende que é apenas um único livro, que fora junções das notas de aulas sobre este assunto, muito provavelmente coletados pelo Filósofo quando este estava doente e pouco antes de morrer[2], demonstrando com isso que não teve o tempo e as forças necessárias para elaborar um tratado mais preciso, tal como fizera com o Sobre a Interpretação e em outros escritos.

6. Deste modo, a estrutura fragmentária, e os grandes nexos faltantes entre uma parte e outra, principalmente nos anti-predicamentos e nos pós-predicamentos, ao serem olhados com mais cuidado, fornecerão instrumentos significativos para a elucubração filosófica; com isso, se estabelece tais reflexões com o objetivo de aclarar o significado das partes gerais e o conteúdo do livro das Categorias, para abalizar a primeira coluna da parte teórica da lógica, seguindo a linha dos comentadores antigos, a fim de esclarecer da melhor maneira possível este singular texto do Filósofo.

Pois, além de versar sobre os problemas predicamentais, as reflexões provenientes deste livro, fornecera os insights necessários para as elucubrações que formaram outros icônicos livros da história da filosofia, tais como, a Isagoge de Porfírio, tida como um modo de introdução as Categorias; a Paráfrase Temistiana, um outro modo de compreender a designação das dez categorias; o Livro dos Seis Princípios; etc. Na verdade, estes três livros supramencionados se concatenam quanto aos problemas anti-predicamentais; etc.

7. Portanto, ao se explicar as Categorias, tendo em vista estes aspectos, se compreende que é o texto fundamental pelo qual se entende o propósito e a intenção do Filósofo nos livros que compõem o Órganon; por isso, para Alberto, a lógica é a ciência pela qual se alcança o conhecimento do que é desconhecido através do que é conhecido[3]; logo, a partir do conhecimento do que versa as Categorias, se consegue aclarar os aspectos desconhecidos, através dos quais, se avança em direção ao que é conhecido e ao próprio de modo de conhecer e ao modo de significar.

8. Pois, a lógica, principalmente em sua parte teórica, versa sobre aspectos desconhecidos a partir dos conhecidos, para que o que é desconhecido seja mais facilmente compreendido, e assim, o modo de conhecer se torne mais abalizado pela explicação do que já se conhece; por isso, posteriormente, o Filósofo vai afirmar que todo ensino e toda instrução intelectual procedem de conhecimento pré-existente (cf. Anal. Post. 71a1); etc.

Logo, a instrução intelectual precedente fundamental a qualquer saber e conhecimento, é o conhecimento e o entendimento sobre os preceitos lógicos concernentes a predicação (Categorias) e a interpretação (Sobre a Interpretação), e modo como os entes são expressos racionalmente de maneira correta, a saber, através do silogismo, que se subdivide em algumas espécies, dando forma aos livros subsequentes a primeira parte da lógica, isto é, os livros da segunda parte da lógica; etc.

 

§ 1. A razão dos anti-predicamentos.

(Cat., I-III, 1a1-1b24)

9. A primeira parte do livro das Categorias são os anti-predicamentos (caps. I-III); e os anti-predicamentos são subdivididos de dois modos: primeiro, quanto a estrutura predicatória; segundo, quanto aos preceitos predicatórios.

10. Em relação ao primeiro, se o subdivide em três modos: primeiro, as coisas predicáveis (cap. I); segundo, as coisas predicamentais (cap. II); terceiro, as coisas predicamentadas (cap. III).

Ora, esta subdivisão é a que concerne quanto aos três capítulos dos anti-predicamentos, e está em ordem a estrutura geral do livro, que embora fragmentário, tem o nexo geral quanto ao tema fundamental da primeira parte da parte teórica da lógica.

11. Em relação ao segundo, se o subdivide em dois modos: primeiro, em relação aos modos e as formas de predicação, ou primeiros princípios anti-predicamentais (cap. I); segundo, em relação aos preceitos ontológicos dos anti-predicamentos (caps. II-III).

Ora, esta subdivisão concerne ao entendimento da profundidade e de toda a ampla gama de problemas predicatórios e ontológicos que estão imbuídos nos anti-predicamentos; pois, enquanto no cap. I se aclara uma série de problemas e pressuposições quanto as noções lógicas, que permeia desde a noção do ato predicatório até a noção da posição da analogia na ciência dos predicamentos, nos caps. II-III se aclara uma série de problemas e pressuposições quanto as noções ontológicas, tanto em relação as coisas quanto em relação aos seres, muito embora sob a estrutura predicamental.

Por isso, dos caps. II-III, surge uma série de preceitos que dão origem tanto a Isagoge de Porfírio, que neste sentido busca ser uma introdução aos predicamentos (caps. IV-IX), ao invés de uma introdução geral as Categorias como muitos parecem propugnar; quanto ao Livro dos Seis Princípios, que emerge da dialógica que está no cap. II (e que também está no cap. IX); mas que mesmo com estas obras parece permanecer incompletas, alcançando alguma completude de sentido apenas com o “Tractatus brevis de modis distinctionum” (Tratado breve sobre o modo das distinções) de Pedro Tomás.

12. Além disso, a estrutura disposta no cap. II, demonstra tanto o que concerne a predicação, nas Categorias, quanto aponta para o que concerne a interpretação; portanto, se estabelece tanto o preceito a respeito de como se predica as coisas incomplexas, através das dez categorias, quanto o preceito de como se entende as coisas complexas, através das orações, tal como se demonstra nas duas partes do Sobre a Interpretação.

13. Deste modo, a razão dos anti-predicamentos se estabelece em um preceito tríplice, a saber: primeiro, os aspectos antecedentes aos predicamentos; segundo, os preceitos ontológicos da lógica; terceiro, as primeiras percepções quanto ao ato predicatório.

14. Primeiro, os aspectos antecedentes aos predicamentos; ora, os anti-predicamentos, evidentemente, são os antecedentes dos predicamentos; Alberto os intitula de “antecedentibus ad scientiam libri preadicamentorum” (antecedentes ao livro da ciência dos predicamentos); na verdade, não somente antecedentes aos predicamentos, mas nos preceitos imbuídos nos anti-predicamentos, se haure o necessário para estabelecer a base introdutória da lógica; pois, para Alberto, é a partir da Isagoge de Porfírio que se tem uma introdução a lógica, o que o grande mestre alemão chama de “antecedentibus ad logicam” (antecedentes a lógica); todavia, como já fora afirmado, a Isagoge não é uma introdução às Categorias como um todo, mas uma introdução específica aos predicamentos (caps. IV-IX); logo, não está em ordem a Isagoge o dignar os antecedentes da lógica, mas sim os anti-predicamentos, que em linha gerais não é somente a parte inicial das Categorias, mas de toda a lógica.  

Portanto, os anti-predicamentos estabelecem os antecedentes aos predicamentos, ao mesmo tempo em que fornece os preceitos necessários para os antecedentes a lógica como um todo; por isso, antes de adentrar aos predicamentos é necessário se compreender três coisas: primeiro, a designação da possibilidade da predicação, ao evocar o ente como algo predicável, e, consequentemente, em sua tríplice relação predicamental, a saber, os equívocos, os unívocos e os cognominados (cap. I); segundo, a demonstração da predicação, ao evocar o ente predicado numa relação quadrupla com a designação predicamental, e isto a partir de sua dupla distinção, a saber, ou como incomplexo, ou como complexo (cap. II), sendo o objeto próprio das Categorias, os incomplexos; terceiro, a evidência da predicação, ao evocar o modo como as coisas predicamentadas estão dispostas num enunciado com sujeito e predicado, e isto a partir de uma dupla distinção, a dos gêneros e a das diferenças (cap. III).

E isto tudo abalizado propriamente pelo encargo textual, pela estrutura textual, pela normativa textual, e por tudo aquilo que está disposto de modo peculiar nas entrelinhas do cap. I.

15. Segundo, os preceitos ontológicos da lógica; ora, o cap. I, abaliza tudo quanto diz respeito aos anti-predicamentais, mas também abaliza um preceito fundamental nas entrelinhas do cap. II, a saber, os preceitos ontológicos da lógica; a lógica não é ciência real, mas é instrumento para ciência real (Metafísica), como Calov demonstrara[4].

Logo, na estrutura quadrilátera evocada no cap. II a partir da designação do sujeito, se tem um preceito ontológico que evoca a própria estrutura ontológica da realidade, bem como o modo como esta estrutura se dá no ato predicatório; ora, isto é demonstrado através dos quatro tipos de ente evocados nas distinções do sujeito propugnadas pelo Filósofo na segunda parte do cap. II, pois, como se sabe o cap. II é subdividido em duas partes: a primeira, onde se fazem duas divisões; uma, onde trata das coisas incomplexas e complexas (cf. Cat. 1a16-19); e outra, onde trata dos quatro tipos de ente de acordo com a designação do sujeito (cf. Cat. 1a20-28). E a segunda, onde a evoca a definição do que existe no sujeito (cf. Cat. 1a29-1b9).

16. Terceiro, as primeiras percepções quanto ao ato predicatório; ora, os anti-predicamentos abalizam as percepções iniciais a respeito do ato predicatório, a fim de ajuizar o que concerne a este ato feito indistintamente por todos os seres humanos, mas que muitas vezes sequer é elucubrado de modo adequado; assim, as primeiras percepções quanto ao ato predicatório são compreendidas a partir do modo da predicação e da maneira como a predicação é demonstrada e evidenciada.

Pois, existe uma diferença entre o que é predicado de acordo com a preceituação silogística, e expresso em dez categorias, e o que é predicado mormente com a preceituação real, e expresso em dez gêneros de realidades; os vocábulos são os mesmos, o número de categorias também, mas a forma de expressar e o entendimento no ato predicatório são diversos.

Assim sendo, as primeiras percepções quanto ao ato predicatório demonstram a diferença entre o preceito tópico a respeito das categorias, tal como no livro dos Tópicos, e parte do sujeito da parte prática da lógica, e o preceito predicamental a respeito das categorias, tal como no livro das Categorias, e parte do sujeito da parte teórica da lógica. Ou, como um estudioso aristotélico bem afirmara: “As duas obras tratam a mesma relação mas com nuances diferentes: os Top. concentram-se nos dez predicados, as Cat. nos gêneros de realidades expressados por aqueles[5]; ou dito de outro modo, as categorias a partir do preceito tópico dizem respeito ao silogismo, e as categorias a partir do preceito predicamental dizem respeito aos gêneros de realidade.

Com isso, o que concerne ao preceito tópico, é entendido a quem já dominou o raciocínio como algo consciente; enquanto que o que concerne ao preceito predicamental, é entendido por quem está desenvolvendo a compreensão sobre o saber e sobre a primeira das operações do intelecto; assim, as operações do intelecto são sempre lógicas, pois, um intelecto permeado pela sobriedade racional está em ordem, e esta ordem é demonstrada pela forma como a estrutura da lógica está disposta. Por isso, a inteligência se desenvolve na abstração da realidade, já que está em consonância com a ordem da realidade, expressa em termos lógicos com e nas operações do intelecto.

17. A razão dos anti-predicamentos está em ordem ao que significa o livro das Categorias, como primeira coluna da parte teórica da lógica; e, mesmo que o texto esteja fragmentário, as possibilidades demonstradas no texto concernem aos mais importantes problemas lógicos, que depois são retomados e analisados de outro modo na Metafísica; pois, as noções lógicas são permeadas pelo ser já que provêm da realidade, muito embora não versem sobre o ser enquanto o ser, objeto da Metafísica, mas versam sobre o ser enquanto bem que está inerente nas coisas e nos seres; por isso, as noções lógicas também tem algo deste bem; portanto, as noções lógicas são permeadas pelo ser enquanto bem presente nas coisas e na natureza das coisas, tal como se demonstra no ato predicatório, ou a apreensão dos indivisíveis (cf. De An. 430a26).

18. Portanto, compete compreender o que concerne a cada um dos capítulos dos anti-predicamentos. Pois, em cada capítulo dos anti-predicamentos, se tem um preceito que abaliza o entendimento sobre os predicamentos e do que concerne a tarefa da predicação; e, embora o livro das Categorias careça de um proêmio, pois, já adentra na descrição dos três modos de predicar, os problemas anti-predicamentais são por si um caso a parte nas elucubrações lógicas; no entanto, o que está delineado nos anti-predicamentos é suficiente quanto ao entendimento sobre o que antecede a compreensão sobre os predicamentos e sobre a lógica como um todo; por isso, podem ser intitulados de problemas concernentes a “lógica pura”.

19. Ora, o que concerne ao cap. I, são as coisas predicáveis; pois, toma-se o termo coisa como descrição genérica para os entes existentes; logo, o cap. I versa sobre as coisas predicáveis, sobre o que pode ou não ser predicado; com isso, se afere a possibilidade da predicação e sua compreensão quanto ao modo como o que é predicado é expresso enquanto tem por parâmetro outro algo real; pois, se se predica determinado algo, o modo de expressar este algo predicado se coaduna com outro algo real que já fora predicado; portanto, o que é predicado demonstra-se ou pela homonímia, ou pela sinonímia, ou pela paronímia, tendo como parâmetro outro algo demonstrado desta forma.

E, isto, evidentemente, embora pareça destoado da reflexão predicatória, descreve um princípio fundamental, já que tudo que é predicado ou se defronta com alguma dessemelhança em algo já predicado, que dá origem aos homônimos; ou com alguma semelhança em algo já predicado, que dá origem aos sinônimos; ou ainda ao mesmo tempo com alguma semelhança-dessemelhança em algo já predicado, que dá origem aos parônimos.

Além disso, a ordem propugnada também infere algo em relação a predicação; pois, o Filósofo, respectivamente, apresenta os homônimos, depois os sinônimos, depois os parônimos; e esta é a ordem que ocorre realmente quanto ao ato predicatório; pois, sempre se predica algo em equivocidade, depois, compara-o ou acomoda-o a algo em univocidade, e, por fim, surge algo em estrutura cognominada. Logo, o que primeiro é conhecido é o que é desconhecido, ou que não é expresso num enunciado, mas que é apresentado por um dos dez gêneros de realidades ou categorias.

Mas, em suma, esta designação do cap. I, ainda se mantém propriamente no âmbito apenas das noções lógicas, embora a significação seja algo que ocorra realmente, isto é, com um referente. Pois, como versa sobre o que é predicável, então, estabelece-se na possibilidade de ser predicado, a qual se for efetivada, se dá do modo que fora descrito. Logo, somente o que se mostra como predicável, é que realmente se torna algo predicamental e/ou predicamentado.

20. Ora, o que concerne ao cap. II, são as coisas predicamentais; pois, o que é descrito como predicável, ao ser predicado, se torna algo predicamental; assim, tudo o que é predicamental, em suma, é algo que já fora predicado, ou está expresso como incomplexo, e assim se defronta com alguma das categorias, ou está expresso como complexo, e assim está disposto num enunciado. Logo, as coisas predicamentais, estão dispostas de dois modos: primeiro, em relação a distinção entre incomplexos e complexos; segundo, a definição das coisas predicamentais em quatro classificações.

Deste modo, o que concerne ao primeiro modo, abaliza a distinção da parte teórica da lógica em dois princípios gerais: o primeiro, quanto as coisas incomplexas, nas Categorias; o segundo, quanto as coisas complexas, no Sobre a Interpretação. E o que concerne ao segundo modo, abaliza a compreensão sobre os tipos de ente de acordo com a ordem ontológica da realidade.

Portanto, as coisas predicamentais, abalizam o que concerne aos preceitos constituintes da lógica, bem como abaliza a compreensão do que concerne as coisas complexas, já que demonstra que as coisas complexas estão no sujeito, e possuem algum predicado, embora só sejam realmente elucubradas a partir da investigação sobre o enunciado; no entanto, a segunda parte do cap. II e o cap. III, são uma forma de introdução geral à segunda operação do intelecto.

21. Ora, o que concerne ao cap. III, são as coisas predicamentadas; pois, o que é predicamental, ao ser demonstrado, se torna algo predicamentado; assim, o que fora predicado, se demonstra como predicamentado através de um sujeito e de um predicado, isto é, num enunciado, onde se tornam evidentes os gêneros e as diferenças do que fora predicado; com isso, as coisas predicamentadas, complementam a designação das coisas predicamentais, e encerram o que concerne a compreensão sobre as coisas complexas; e, conquanto as Categorias versem sobre as coisas incomplexas, antes de propriamente designar o que concerne as categorias pelas quais as coisas incomplexas são expressas, é necessário compreender o modo como as coisas que estão em combinação (ou em proposição) são expressas, donde se afirmar as mesmas como coisas predicamentadas, isto é, as coisas predicadas que estão em combinação, e por isso possuem sujeito e predicado.

Deste modo, as coisas predicamentadas são um anteposto aos predicamentos; pois, tudo quanto concerne as coisas predicamentais (cf. Cat. 1a16-19), segue-se logicamente a partir do cap. IV; no entanto, as coisas predicamentadas são colocadas para complementar o entendimento designado no cap. II (cf. Cat. 1a20-22), bem como para abalizar esta questão; por isso, pode-se afirmar que as coisas predicamentadas são uma espécie de adendo antes dos predicamentos; e isto não impugna a importância do cap. III, mas esclarece a razão de ser deste capítulo diante da estrutura e dos preceitos concernentes a ciência predicamental.

22. E o que fora dito basta quanto a compreensão a respeito da razão dos anti-predicamentos, que serve não somente de antecedente aos predicamentos, mas que se for analisada e extraída toda a profundidade que está imbuída neste pequeno texto, se obtém os princípios teóricos basilares do que se constitui a lógica, e, por consequência, de todo a enciclopédia do saber. Ora, isto basta quanto a uma apresentação dos anti-predicamentos.

 

§ 2. A razão dos predicamentos.

(Cat., IV, 1b25-2a10)

23. A segunda parte do livro das Categorias são os predicamentos (caps. IV-IX); e, os predicamentos são entendidos de dois modos: primeiro, em relação a uma definição em dez vocábulos; segundo, em relação a uma dupla distinção geral.

24. Em relação ao primeiro, se o subdivide em dez vocábulos que concernem aos dez predicamentos, os quais são: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão. Estes dez vocábulos designam basicamente o que concerne aos predicamentos. E, quanto a esta designação não há muito o que falar pois é conhecida e costumeira na interpretação do livro das Categorias.

25. Em relação ao segundo, se o subdivide em duas distinções: uma, com a primeira categoria geral; a outra, a segunda categoria geral e suas características. A primeira categoria geral é a substância (cap. V); a segunda categoria geral é o acidente e suas características (caps. VI-IX). E esta dupla distinção, também utilizada em muitos comentaristas antigos, é a que melhor convém sobre o que concerne a ciência dos predicamentos.

Logo, nesta dupla distinção geral se compreende melhor o propósito e o encargo dos predicamentos, pois, tudo o que não é substância, necessariamente é acidente, pois, como Alfarábi afirmara, não há nada além de substância e acidente[6]; portanto, ao se subdividir os predicamentos em dois blocos gerais, se compreende a inter-relação entre as categorias, bem como a suficiência das categorias, tanto em relação aos dez vocábulos quanto em relação a ordem dos mesmos, e o próprio modo como as coisas são expressas tanto a partir de si mesmas quanto na própria ordem da realidade.

26. E, justamente o cap. IV, é o que faz o nexo entre o que é afirmado na primeira parte do cap. II (cf. Cat. 1a16-19), e entre o que concerne as coisas incomplexas, a saber, as categorias (cf. Cat. 1b25ss); assim sendo, é um preâmbulo aos predicamentos; pois, volve-se à linha de argumentação básica do que concerne as coisas incomplexas, propriamente como aquilo que ao ser predicado não possui combinação; etc.

27. Deste modo, a razão dos predicamentos é tríplice, a saber: primeiro, evoca o que se refere as coisas incomplexas; segundo, delineia o que é necessário compreender primeiro em relação ao ato predicatório; terceiro, designa os preceitos básicos da análise da realidade.

28. Quanto ao primeiro, se entende duas coisas: primeiro, que tudo que não possui combinação, é algo incomplexo; pois, a não-combinação afere algo que não foi relacionado de maneira real com outro algo quanto a expressão formal na linguagem. Segundo, que os incomplexos são a base para o conhecimento dos complexos, e com isso, proporciona o conhecimento do que é desconhecido através do que é conhecido; por isso, Alberto assevera: “as duas coisas que, quando são desconhecidas, desejamos conhecer, a saber, o incomplexo e o complexo[7]; logo, os incomplexos são a base para o conhecimento dos complexos, bem como da apreensão do que é desconhecido através do que é conhecido.

29. Quanto ao segundo, se entende que o ato predicatório se dá de uma determinada maneira; e, em relação a isso, se compreende tanto o que concerne as operações do intelecto, quanto o que concerne ao que primeiro é necessário compreender no ato predicatório, pois, do mesmo modo como o que é incomplexo abaliza a compreensão do que é complexo, o ato predicatório demonstra o modo de operação do intelecto quanto ao que é predicado, a saber, por assimilação e acomodação; assimilar o que é desconhecido e acomodá-lo com o que é conhecido. O ato predicatório fundamentalmente se dá desta maneira, donde a primeira coluna da parte teórica da lógica ter por objeto a apreensão dos indivisíveis.  

30. Quanto ao terceiro, se entende duas coisas: primeiro, que a análise da realidade é feita tanto de modo abstrativo, ao se abstrair o saber da realidade, quanto de modo estrutural, ao se compreender que o saber que emerge da realidade tem uma estrutura ressoante com a própria realidade; logo, da análise da realidade se abstrai o saber que se coaduna com a própria realidade e com a ordem da realidade demonstrada na ordem do próprio saber. Segundo, que a análise da realidade desenvolve a inteligência, pois, a ordem das operações da inteligência é a mesma que a das operações reais dos entes na realidade, bem como é mesma da ordem das operações lógicas; logo, na análise da realidade existe uma harmonia entre as operações dos entes reais, a abstração destas operações pela inteligência, e das próprias operações da inteligência na abstração da realidade; e estas são, por sua vez, demonstradas na ciência da lógica[8].

31. Assim, fica designado o que concerne aos predicamentos, numa estrutura geral mais abalizada e menos fragmentária do que os anti-predicamentos; mas, com vários aspectos imbuídos nas entrelinhas que tornam os predicamentos uma mina de ouro que permeia não só a lógica, mas a física, a metafísica, a ética e as artes, isto é, em como está disposto todo o corpus aristotelicum.

Logo, os predicamentos são uma forma de entender não somente as coisas incomplexas, mas de tudo aquilo que está como incomplexo em toda a realidade, desde os entes naturais visíveis, até as operações ocultas da natureza; etc.

Pois, os entes reais, quando são predicados, estão em ordem aos predicamentos, que nada mais é do que a descrição em preceitos instrumentais do que concerne a própria ordem da realidade. Donde, a lógica ser o instrumento do saber e para o saber, e a base instrumental da enciclopédia do saber humano.

32. Portanto, o que concerne aos predicamentos está delineado no cap. IV, tanto na descrição das categorias, quanto no modo como estão as categorias. Com isso, cumpre analisar os predicamentos a partir da dupla distinção geral, a saber: a substância (cap. V), e o acidente e suas características (caps. VI-IX).

 

§ 3. A substância.

(Cat., V, 2a11-4b19)

33. A primeira categoria geral é a substância (cap. V); pois, entre o que é predicado, é necessário que venha em primeiro lugar o que é predicado primeiro tanto na ordem ontológica quanto na ordem de eminência, a saber, a substância; por isso, se afirma que da primeira categoria geral se haure o princípio do primado ontológico do indivíduo (cf. Cat. 2a11-14); e, isto está ordenado quanto a ordem da realidade, tanto no sentido lógico, quanto no sentido metafísico; ora, no sentido lógico se prova na própria definição de substância, o que o Filósofo faz neste livro; já no sentido metafísico, se prova na Metafísica; etc.

34. Embora tal descrição demonstre o preceito do primado ontológico do indivíduo de acordo com a filosofia e a teologia, se nos interessa primordialmente aqui a descrição filosófica; logo, cumpre entender os modos como a substância está disposta como primeira categoria geral a partir da filosofia; e, sobre isso, se constata que este capítulo está subdivido em duas partes: primeiro, a definição de substância; segundo, as propriedades da substância.

35. Primeiro, a definição de substância; em primeiro lugar, o Filósofo fornece uma definição de substância (cf. Cat. 2a11-3a7); ora, quanto a isso faz duas coisas: primeiro, define o termo substância (cf. Cat. 2a11-34); segundo, distingue as espécies de substâncias em primárias e secundárias (cf. Cat. 2a35-3a7).

Ora, quanto ao primeiro, ao definir substância, define tanto o que concerne a esta categoria em particular, quanto ao que concerne a ordem ontológica em geral, já que ao definir a substância, também estabelece o primado ontológico do indivíduo demonstrando assim os entes necessários da ordem da realidade. Além do que, a substância primária, como não é predicada, é a condição necessária de toda predicação, como afirmara Trendelenburg[9]; o que faz aferir os graus de eminência em relação as substâncias primárias, chegando assim a Substância Primeira, fundamento de toda ordem e de todas as substâncias primárias; etc.

Ora, quanto ao segundo, ao se distinguir substâncias primárias e secundárias, se faz a distinção entre os seres eternos e necessários tais como Deus, as inteligências separadas (cf. Da Inter. 23a23-24), etc., e os seres temporais tais como os corpos celestes, as coisas, o homem, os animais, etc.; e, desta distinção depende toda a compreensão sobre a ordem ontológica da realidade (Metafísica ou Filosofia Primeira), bem como a ordem de eminência na natureza e no movimento das coisas naturais (Física ou Filosofia Segunda).

36. Segundo, as propriedades da substância; em segundo lugar, o Filósofo analisa as propriedades da substância (cf. Cat. 3a8-4b19); e, evidentemente, esta é a parte mais longa deste capítulo; pois, as substâncias possuem propriedades que demonstram se são substância primárias ou secundárias, bem como demonstram que tipo de substâncias são quanto a ordem da realidade, se são naturais e geradas, ou espirituais e não-geradas; etc.

Por isso, as propriedades das substâncias, são um modo de compreender o que substancial e o que não é substancial; pois, entre as substâncias, existem as substâncias substanciais e as que não são substanciais; ora, as substâncias substanciais são as que existem por si além da máquina do mundo, e as substâncias que não são substanciais existem entre si e são mantidas pela causa primeira através de segundas causas; e esta distinção se aplica tanto no que concerne as substâncias primárias quanto ao que concerne as substâncias secundárias; mas é propriamente parte da investigação que concerne a Metafisica.

Pois, as propriedades da substância são aferidas no ato predicatório, a partir da própria substância, ou de maneira unívoca, ou de maneira equívoca, ou quando da inter-relação com outra substância, de maneira cognominada; portanto, se compreende a razão do Filósofo ter iniciado o livro das Categorias, primeiro pela tríplice distinção como primeiros princípios anti-predicamentais, e tal distinção se mostrar evidente tanto na primeira categoria geral, a substância, quanto na segunda categoria geral, o acidente.

37. Na verdade, as propriedades de uma categoria geral é o que demonstra como o que fora predicado está em relação ao sujeito e/ou como se encontra em um sujeito; no caso da substância, se constata que a mesma não se encontra num sujeito e nem é afirmada de um (cf. Cat. 2a11-13), e isto em relação a um sujeito predicado tendo por base um sujeito predicador; etc.

Pois, dos princípios da substância se abstrai a natureza do acidente, como afirma Kilwardby[10]; por isso, Alberto afirma que a substância é o primeiro gênero de todos [os predicamentos], e um certo princípio de todos os predicamentos[11].

Assim, das propriedades da substância se haure os princípios da segunda categoria geral e de suas características, bem como dos princípios pós-predicamentais; pois, os princípios da substância delineiam e abalizam os princípios de todos os predicamentos, tanto na lógica, quanto na metafísica; pois, a substância primeira, é que abaliza as substâncias primárias, e assim por diante, tanto na ordem das causas quanto na ordem dos causados.

38. Portanto, quanto aos predicamentos, principalmente quanto a primeira categoria geral, o Filósofo conseguira alocar tudo corretamente e esta parte do texto dos Predicamentos quase não é fragmentária e nem possui nexos faltantes tal como os anti-predicamentos e os pós-predicamentos; logo, não há muito o que falar a título de introdução além do que fora descrito, sendo propriamente a explicação deste texto o que melhor delineia o que concerne a própria substância enquanto termo predicamental. Ora, isto que fora dito basta quanto a apresentação da primeira categoria geral.

 

§ 4. O acidente e suas características.

(Cat., VI-IX, 4b20-11b14)

39. A segunda categoria geral é o acidente, e, consequentemente, suas características mais comuns (caps. VI-IX); pois, como se afirma a partir dos antigos comentaristas, o acidente é algo que acontece ao sujeito passível de corrupção; por isso, a definição de Porfírio é a mais utilizada, a saber: “o acidente é o que pode aparecer e desaparecer sem provocar a destruição do sujeito[12]; a qual é embasada na definição do Filósofo no livro V da Metafísica, de que acidente é qualquer atributo que se possa aplicar a um sujeito, não em função de ser um sujeito em particular ou de se ter um tempo ou lugar particulares (cf. Met. 1025a23-25).

Logo, a definição de acidente se dá a partir da designação do sujeito; ora, como a substância, a primeira categoria geral, é aquilo que não é nem dito nem afirmado de um sujeito (cf. Cat. 2a12), então, o acidente, a segunda categoria geral, é o que é passível de ser sujeito ou de ser afirmado a partir de um sujeito.

Por isso, na segunda parte do cap. II, o Filósofo houvera feito a descrição da divisão ontológica dos seres, e das classificações a partir do sujeito, na qual se encontra a própria subdivisão dos predicamentos em substância e acidente.

40. Deste modo, segundo Alberto, o ente passível por si de ser predicável é substância, enquanto que o ente que não é por si predicável ou é passível de ser sujeito, é acidente[13]; ora, o ente passível de ser predicável por si, na definição ferreirina, é a matéria; pois, a matéria é passível de ser predicada por si; e o ente que não é passível de ser predicável por si, o acidente, como na definição ferreirina, é a forma; pois, a forma não é passível de ser predicada por si; a forma permeia o que é per accidens, por isso mesmo, adquirindo formas predicamentais diversas, que se estende em nove predicamentos distintos.

E, embora a distinção matéria-forma se dê mais propriamente na Metafísica, tal distinção já se encontra presente nos predicamentos, dado a lidar com realidades e não apenas com noções lógicas; por isso, as definições ferreirinas são corretas neste sentido, muito embora o filósofo brasileiro as tenha empregado no sentido metafísico nos predicamentos, o que, por si, é um erro - basicamente o erro comum de quase todos os filósofos posteriores a Scotus e Ockham[14]; etc.

Assim, se pode acoplar tal distinção para melhor compreender os gêneros de realidade aos quais se referem as categorias; no entanto, não em relação ao ente enquanto ente, mas ao ente enquanto predicável ordenável a partir das coisas existentes. Por isso, o que é predicável por si é forma, e o que não é, é matéria; e isto em ordem as noções lógicas as quais são extraídas das realidades; pois, o que é predicado, não diz respeito a apenas noções lógicas, mas a realidades; e, sendo realidades, ou lidam com a matéria ou então com a forma; mas estas enquanto são predicáveis e não quanto a essência das mesmas (o que concerne a Metafísica).

41. Assim sendo, as características mais comuns ao acidente são nove, as que o Filósofo enumera nos caps. VI-IX; logo, compete analisar como cada uma destas características se dá a partir da matéria como forma, a saber: quantidade, relação, qualidade, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão.

42. A primeira destas características é a quantidade; isto é, a medida da extensão de algo que exista continuamente ou discretamente; por isso, se diz que algo mede 2 metros ou 3 metros, ou então se algo pesa 2kg ou 3 kg, etc., então se tem a quantidade; logo, a quantidade versa sobre o contínuo e/ou sobre a descrição da extensão de um ser ou de uma coisa; além disso, quantidade significa aquilo que é divisível (cf. Met. 1020a8). Ora, o que é divisível, o é porque é ordenável e dizível; por isso, a primeira das características do acidente é ser divisível, já que é algo incomplexo; pois, os incomplexos dizíveis são divisíveis, e, por isso, passíveis de alguma quantidade.

43. A segunda destas características é o relativo; isto é, o que está relativo a algo, ou em similitude ou em dissimilitude; pois, o ser relativo se dá em coisas opostas ou diversas entre si; por exemplo, o dobro e a metade, são relativos; ou ainda, o triplo e o um terço, são relativos; e neste sentido os relativos estão em ordem a quantidade ou em relação com a quantidade.

Além disso, os relativos se relacionam com a qualidade, pois, algo relativo pode ter semelhança com outro algo, e neste sentido diz respeito a qualidade (cf. Met. 1021a11).

E, assim, o relativo se relaciona de algum modo com as outras características do acidente; pois, tudo que possui alguma relação de similitude ou dissimilitude, ou então da relação entre ambas, é açambarcado em algum modo de relação.

Mas, além disso, os relativos também podem ser descrições a partir de pessoas, onde se afirma da relação entre uma ou mais pessoas, tanto que divergem entre si quanto que concordam entre si; etc.

44. A terceira destas características é a qualidade; isto é, as características circundantes e mais particulares de um ente quanto ao modo de sua existência no que lhe compete; por exemplo, a cor, como branco, negro, etc., a qual é expressão de um acidente nos entes existentes quanto ao modo de sua existência e não tanto em relação a sua essência. Por isso, se diz que qualidade é a diferença na substância, isto é, na essência de algo (cf. Met. 1020a34); donde a partir da qualidade se inferir a diferença entre virtude e vício, ou das paixões inerentes ao movimento (cf. Met. 1020b14-25), e similares; etc.

45. A quarta destas características é o lugar; isto é, a posição dos entes existentes quanto ao seu modo de existir, ou ubicação; por exemplo, o habitat de um determinado animal, ou então, a posição de uma coisa ou um ser no espaço, se está em tal ou tal lugar, se está de acordo com as posições espaciais, ou então, se está dentro ou fora de determinado lugar, e coisas similares; etc. Por isso, tudo que é incomplexo se enquadra num lugar ou numa posição espacial, e de acordo com as propriedades ordenantes deste lugar.

46. A quinta destas características é o tempo; isto é, o movimento do ente existente quanto a sua duração; pois, um ente existe, em relação a matéria, o tanto quanto é durável em relação ao tempo, mas o ente não é propriamente o tempo; por isso, quanto a isso, se identifica o tempo, seja em sua divisão mais simples, em dias, semanas, meses e anos, ou então em sua divisão mais complexa, a saber, entre tempo e eternidade; pois, todo acidente tem a característica inegável de estar sob o tempo e não sob a eternidade, e assim, tem as propriedades inerentes a temporalidade, a saber, o “quando” característico de todo ente. Por isso, se pode afirmar que o tempo de um ente, isto é, o “quando” de um ente, é algo incomplexo. Na verdade, quanto a disposição do tempo em relação a matéria, se pode afirmar que o tempo é algo de incomplexo.

47. A sexta destas características é a posição; isto é, o modo como o ente existente está em determinado momento; por isso, tem ligação com o lugar e o tempo, ou com a ubicação e o quando; logo, se está situado ou de acordo com a posição espacial (seres), ou de acordo com a posição no reino natural (coisas); assim, o estar situado diz respeito ou a estar posicionado (seres animados) ou a ter sido posicionado (as coisas inanimadas). Por isso, a posição de um ente, seja um ser ou uma coisa, diz respeito ao modo deste ente na ordem da realidade, já que sendo incomplexo está sujeito as propriedades da posição em que se encontra.

48. A sétima destas características é o estado (ou ter); isto é, o que as coisas ou os seres possuem enquanto estão em determinado lugar, tempo e/ou posição; por exemplo, um ser humano tem um calçado em determinado local que não o tem em outro, etc.; do mesmo modo, o ter ou não uma arma, e o estar armado; assim, se constata que o estado de uma coisa ou de um ser, neste sentido, é o que esta coisa ou ser tem ou possui de acordo com as características anteriores, ou o que esta coisa ou ser demonstra de si ao existir (também chamado de hábito).

49. A oitava destas características é a ação; isto é, a ação que se acomete sobre determinada coisa ou ser; por exemplo, o cortar, que sucede a um objeto cortável; ou o queimar, que se sucede a um objeto queimável; etc. A ação tem por característica, tal como se diz no Livro dos Seis Princípios, o “agir naquilo em que subjaz, tal como se diz 'cortante' daquele que corta” (II, 16). Por isso, a ação diz respeito ao fazer, enquanto potência de um ser que está em ato, mas que tende a potência do fazer.

50. A nona destas características é a paixão (ou padecer); isto é, a ação que se lhe é acometida; por exemplo, o ser queimado é algo que padece a madeira ou o feno quando nestes é colocado fogo; pois, o ato de queimar é ação, mas o ser queimado é paixão; no caso da madeira, o queimar é ação, o ser queimado, é paixão; etc. Por isso, no Livro dos Seis Princípios se diz que “a paixão é o efeito e a consequência da ação” (III, 29).

Além disso, os entes ao possuírem paixões próprias, isto permite que a partir destas paixões, isto é, a partir do que padecem, se possa chegar à cognição dos sujeitos, tal como afirma o Comentador (cf. Met., IX, cap. 2); pois, a ação que sofre um ente demonstra o modo como se pode inteligir este ente; e isto se aplica principalmente no que concerne ao ente móvel; etc.

51. E estas são as características do acidente; evidentemente, o Filósofo também enumera uma lista similar no livro V da Metafísica, a qual tem alguns insights que ajudam a clarificar estas que enumera no livro dos Predicamentos; todavia, ao lidar com o ente predicável, o Filósofo defronta-se com outro problema do que ao lidar com o ente enquanto ente, já que o ente predicável diz respeito ao modo como as coisas estão e são, e isto em relação ao modo como estão na realidade, que é o modo como se apresentam a inteligência já que isto está em ordem a maneira como se as percebe.

Portanto, o acidente que tem sua natureza proveniente da substância, tanto de modo essencial em ordem ao Ser, ao provir da Substância Primeira, quanto de modo natural em ordem a natureza, ao surgir e/ou a sofrerem ação a partir das substâncias primárias e das substâncias secundárias, etc.; assim, diante dos sujeitos primários da natureza, os acidentes surgem a partir do movimento destes e da inter-relação entre os mesmos e do que surge desta inter-relação.

52. No entanto, além destas características que se evidenciam a partir da descrição do acidente como forma, a partir do cap. IX se apresentam ainda mais dois aspectos: primeiro, a partir do próprio texto deste capítulo, que muitos comentaristas pensam ser um adendo para complementar os predicamentos; segundo, a partir da designação da inter-relação, daquilo que é chamado dos seis predicamentos em comum, que tem ligação com as seis distinções evocadas no cap. II (donde surge, como fora dito, uma das pressuposições fundantes do Livro dos Seis Princípios).

Logo, os seis predicamentos em comum, diz respeito a certa comunicabilidade da forma a partir da matéria dada algumas características em comum que são mais próximas do que outras; por isso, da designação dos predicamentos em comum surge as questões evocadas sobre as divisões predicamentais (que Boécio esclarece em parte no livro De Divisionibus).

53. Assim, dos seis predicamentos em comum evocados no cap. IX, surgem muitas possibilidades predicamentais, que ao serem colocadas em ordem, e de modo adequado, fornecem inúmeros princípios não só para as características comuns ao acidente, mas principalmente para o que concerne tanto a estrutura da ciência dos predicamentos, quanto para as noções inerentes aos pós-predicamentos.

Pois, do mesmo modo como os predicamentos se referem aos incomplexos, os pós-predicamentos se referem ao modo como os incomplexos estão ou ao modo como se os compreende dado a estrutura da luz interior, não somente quanto a apreensão dos indivisíveis, mas também quanto ao compor e o dividir, e ainda mais propriamente em relação ao raciocinar.

Por isso, do mesmo como há uma inter-relação entre os seis predicamentos em comum, também há uma inter-relação entre as noções dos pós-predicamentos, e esta é aferida pelos seis predicamentos em comum e pelo que destes surge; e uma inter-relação entre ambos, de modo subsequente e complementar.

Pois, como diz o Expositor, “onde há seis divisões, é necessário fazer uma sétima dividida[15]; e esta é a razão do Filósofo evocar os seis predicamentos em comum no cap. IX, delineando-os como seis divisões predicamentais, das quais, evidentemente, emerge uma sétima dividida, a saber, as noções pós-predicamentais; etc. Ora, o que fora dito basta quanto a uma apresentação do que concerne a segunda categoria geral.

 

§ 5. A razão dos pós-predicamentos.

(Cat., X-XV, 11b15-15b31)

54. Após os predicamentos, se tem os pós-predicamentos (caps. X-XV); e os pós-predicamentos tem o mesmo problema dos anti-predicamentos, a saber, estrutura fragmentária e os nexos faltantes; no entanto, em menor grau do que nos anti-predicamentos; por isso, a razão dos pós-predicamentos é fornecer noções funcionais para os termos predicamentais, como se mostra necessário a partir do cap. IX; pois, logicamente, os conceitos funcionais dos pós-predicamentos, abalizam muitos aspectos sobre os predicamentos bem como os abalizam sobre os preceitos comuns ao ente, principalmente para a compreensão das esferas modais do ente finito para além da intenção do lógico; ou mais propriamente, ao modo como o ente finito é predicado e enunciado pelo lógico, e depois explicado pelo metafísico.

55. Assim, nos pós-predicamentos se extraem quatro princípios fundamentais: primeiro, o da relação opostos-contrários; segundo, o da inter-relação anterior-posterior; terceiro, o que concerne ao movimento enquanto noção lógica; quarto, o que concerne as circunstâncias.

56. Primeiro, o da relação opostos-contrários (cap. X-XI); ora, a relação opostos-contrários designa o modo e a espécie de oposição e de contrariedade; por isso, o Filósofo investiga primeiro quatro tipos de oposição, e a partir disso, delineia o que concerne aos contrários; pois, os tipos de oposição, entre relativos, entre contrários, entre privação e posse, e entre afirmação e negação, estão, evidentemente, em ordem ao modo e a espécie da contrariedade, tendo em vista se pertencem ao mesmo gênero; pois, da relação opostos-contrários, se consegue compreender a relação de proporcionalidade ou de desproporcionalidade entre um ser e uma coisa, e vice-versa, ou entre um ser e outro ser, ou entre uma coisa e outra coisa. Portanto, da compreensão sobre a relação opostos-contrários, se tem a compreensão sobre o modo da existência dos entes quanto a ordem de eminência da realidade.

57. Segundo, o da inter-relação anterior-simultâneo (cap. XII-XIII); ora, se afirma a respeito do anterior (e do posterior), em relação as coisas (cf. Met. 1018b9); com isso, se pode acoplar cinco distinções predicamentais a respeito de uma coisa ser dita anterior, a saber: quanto ao tempo, quanto a existência de outra coisa, quanto a ordem, quanto a qualidade, quanto a causa e os causados. Portanto, uma coisa é anterior a outra, de acordo com estes modos; e ao constatar que uma coisa é anterior, se constata o modo como esta coisa está na ordem predicamental, tanto em relação aos primeiros princípios predicamentais quanto em relação aos predicamentos.

Além disso, se afirma a respeito do simultâneo, tendo por base o anterior (ou o posterior); pois, se tem uma tríplice distinção a respeito da simultaneidade, a saber: em relação ao tempo, em relação ao estado da causa, e em relação da coordenação do mesmo gênero. Ora, a partir da designação do simultâneo, se constata se uma coisa é ou está em simultaneidade com outra, o que infere diretamente na interpretação desta coisa que fora predicada; portanto, o modo da simultaneidade, além de se relacionar com o modo de anterioridade, também está disposto em ordem a enunciação, pois, tudo o que é enunciado demonstra o algo do que é anterior e/ou o algo de que é simultâneo; ou dito de outro modo, demonstra do que provêm e o modo como está; e isto tanto indica se está em ordem a matéria e o tipo de matéria, quanto indica se está em ordem a forma e o tipo de forma.

58. Terceiro, o que concerne ao movimento enquanto noção lógica (cap. XIV); ora, o movimento, enquanto noção lógica, não se refere ao modo do princípio da natureza, mas a forma deste princípio, a saber, a mudança; por isso, o movimento enquanto noção lógica se  refere a mudança de um ente, seja uma coisa seja um ser, e o movimento enquanto princípio da natureza se refere ao modo como os entes estão na ordem natureza; assim, o Filósofo apresenta seis tipos de mudança, a saber: a geração, a corrupção, o aumento, a diminuição, a alteração e a mudança de lugar.

Ora, se há mudança, o modo como um ente está, se dá de acordo com a ordem predicamental, que infere, lugar, posição, etc.; com isso, se constata que da espécie de mudança se pode aclarar o que um ente é e como o ente está, isto é, se pode aferir algo tanto sobre sua essência quanto sobre o modo de sua existência. E isto é fundamental para o lógico, a fim de que a predicação também esteja em ordem as coisas naturais e não somente ao ser das coisas enquanto são.

Pois, o lógico não somente predica e enuncia o que metafísico interpreta, mas também predica e enuncia o que o físico interpreta. Portanto, a lógica está em ordem tanto à metafísica quanto à física; etc.

59. Quarto, o que concerne as circunstâncias (cap. XV); ora, todo ente real é acometido por circunstâncias; e as circunstâncias, as mais das vezes, se dão tanto pela relação opostos-contrários, quanto pela inter-relação anterior-posterior, bem como pelo movimento; tudo isso, de algum modo, afeta o ente real, e assim, neste afetar, neste padecer, surgem as circunstâncias que se acometem ao ente; por isso, se fala, a partir destes aspectos, que o ente tem algo; os sentidos de ter estão abalizados por estes aspectos que lhe são antecedentes, já que são os que lhe dão alguma forma.

Pois, tudo o que acontece a um ente na realidade, será parte do que concerne a este ente; logo, se afirma que tal ente tem isso ou aquilo, tal como os exemplos evocados pelo Filósofo: o homem tem conhecimento, tem determinada altura, tem isso ou aquilo, etc. Ora, aquilo que se é difere do que aquilo que se tem; então, aquilo que um ente tem é acidente em relação ao que é, mesmo quando deste de algum modo provêm.

60. Deste modo, se observa que nos pós-predicamentos estão delineados, enquanto noções lógicas e de acordo com a intenção do lógico, tudo quanto concerne a filosofia; pois, em consonância com os quatro princípios fundamentais elencados, se estabelecem quatro preceitos filosóficos fundamentais: primeiro, da relação de dessemelhança dos entes existentes; segundo, os princípios anteriores e simultâneos ao modo que os entes existem e estão; terceiro, o preceito que concerne ao movimento, já que tudo quanto existe está em movimento, pois o movimento é princípio da natureza (cf. Phys. 192b); quarto, o que concerne ao ser enquanto ente existente e suas circunstâncias tanto na ordem do ser (ontologia) quanto ao ter - no caso aqui ter como fazer (filosofia prática ou ética), através do qual se mostra o estado geral de algo. Ora, nestes princípios se fundam toda e qualquer análise da realidade e da elucubração filosófica.

61. Além disso, estes princípios fundamentais também delineiam as regras predicamentais e a estrutura da lógica como ciência, tanto da parte teórica quanto da parte prática; mas não somente da lógica, mas das outras partes da filosofia, como por exemplo, se inere a partir dos próprios pós-predicamentos: a lógica com os caps. X-XI; a metafísica com os caps. XII-XIII; a física com o cap. XIV; a ética com o cap. XV; etc. Logo, se observa que em ordem os preceitos pós-predicamentais perfazem toda a estrutura da filosofia: lógica, filosofia segunda, filosofia primeira, filosofia terceira, artes.

62. Portanto, os preceitos pós-predicamentais estão em ordem a toda a filosofia; mais propriamente alguns dos preceitos pós-predicamentais são aplicados aos princípios fundamentais do ente móvel; pois, a inter-relação opostos-contrários, e anterior-simultâneo, bem como a descrição das propriedades do movimento, e a descrição genérica da categoria estado, estão em ordem aos adjuntos naturais; donde, os pós-predicamentos também demonstrarem o que se segue a lógica, aquilo que versa sobre os preceitos instrumentais do que o homem pode fazer e/ou laborar, a saber, as artes; etc.

63. Com isso, os pós-predicamentos não apenas apresentam novos conceitos funcionais aos preceitos predicamentais; mas também versam sobre vários aspectos da filosofia, tanto em relação aos princípios instrumentais quanto em relação aos princípios reais; logo, o que se segue aos predicamentos, necessariamente tanto diz respeito a segunda operação do intelecto, quanto aos elementos fundamentais da reflexão racional; ora, o que se segue aos predicamentos quanto a operação do intelecto, o Filósofo o trabalha no Sobre a Interpretação; e o que se segue aos predicamentos quanto aos elementos da reflexão racional, se estabelecem paulatinamente na sequência dos assuntos do próprio Corpus Aristotelicum, bem como em relação a ordem mais adequada à compreensão; etc. Ora, isto que fora dito basta quanto a uma apresentação do que concerne aos pós-predicamentos.

64. E termina aqui este breve comentário as Categorias de Aristóteles. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] cf. Boécio, In Categorias Aristotelis Commentaria, livro I, prol.

[2] As teorias a respeito de quando o livro das Categorias fora compilado são várias; mas, certamente a mais provável é de que o Filósofo o compilara das notas de suas aulas de quando já estava doente, provavelmente numa situação similar a descrita no Livro da Maçã.

[3] cf. Albertus Magnus, Super Porphyrium De V Universalibus, trat. I, cap. 1.

[4] cf. Abraham Calov, Encyclopaedias Disciplinarum Realium Ideiae [Lubecae, 1652], § I.

[5] cf. Carlo Natali, Aristóteles [São Paulo: Paulus, 2016], pág. 51.

[6] cf. Alfarábi, De Ortu Scientiarum, cap. I.

[7] Alberto Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. I.

[8] E deixe-se bem claro que se afirma a proposição de “ciência da lógica” enquanto lógica pura, e não em relação ao preceito de Hegel.

[9] cf. Adolf Trendelenburg, Geschichte der Kategorienlehre [Berlim: G. Bethge, 1846], I, § 10, pág. 53ss.

[10] cf. Robert Kilwardby, Notulae Super Librum Praedicamentorum, lect. 5.

[11] cf. Alberto Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. 7.

[12] Porfírio, Isagoge: Introdução às Categorias de Aristóteles [São Paulo: Attar Editora, 2002], V, n. 1, pág. 51.

[13] cf. Alberto Magno, De Praedicamentis, trat. I, cap. 7.

[14] Em relação a lógica, e depois em relação a metafísica, se pode afirmar que o único filósofo, desde o advento da modernidade (a partir de Scotus), que não decaíra neste erro fora Edmund Husserl.

[15] Tomás de Aquino, Comentário ao Sobre a Alma de Aristóteles [Campinas, SP: Vide Editorial, 2024], livro I, lect. 7, pág 104s. 


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