Prefácio.
A vida e a obra de Hildegarda de Bingen são
inspiradoras; esta mulher extraordinária escreveu livros de medicina,
filosofia, teologia, música; suas obras continuam e continuarão a inspirar;
suas visões que foram transcritas, delineiam uma compreensão apurada sobre os
mistérios da Revelação; esta mulher que chamava seus dizeres de “discurso
inseguro e hesitante”, na verdade, manteve-se humilde diante de Deus e dos
homens, mesmo diante dos maravilhosos dons que lhe foram dados pelo Espírito
Santo.
Embora tenha escrito muitas obras, muitas das quais os
relatos da visões que lhe foram dadas, sobre aspectos que transcendem a
compreensão humana, Hildegarda conseguira explicar estes mistérios em seus
hinos ou sinfonias, muito mais do que em qualquer outra obra; o encanto poético
destas obras, por sua vez, nos fornecem o cerne da teologia de Hildegarda, tal
como Bento XVI afirmara: “os textos por ela compostos estão animados por uma
autêntica ‘caridade intelectual’ e evidenciam densidade e vigor na contemplação
do mistério da Santíssima Trindade”.
E o cerne da teologia de Hildegarda se mostra evidente
principalmente a partir dos hinos que ela escrevera; pois, a partir destes se
compreende sua teologia trinitária, que celebra a majestade do Deus Criador,
jubila com os mistérios da Encarnação do Verbo, e que se gloria no fogo do
Espírito Santo; em seus hinos, transparece, de maneira límpida e sintética,
todo o esplendor das visões, só que sob os atavios da forma poética.
Pois, aquilo que o discurso e a escrita não conseguem
expressar, o discurso hesitante em suas próprias palavras, na poesia ela
consegue magistralmente expressar, já que pela poesia se consegue expressar o
inexpressável, como dizia o Pe. Staniloae; por isso, na poesia ela vai além e
consegue melhor expressar todos os mistérios da vida trinitária que não foram
possíveis de se expressar no discurso.
Portanto, ao se adentrar na compreensão sobre a
teologia de Hildegarda, se deve começar pelos hinos que ela escrevera; iniciar
pelos hinos, para se ter um panorama dos principais tópicos teológicos e o modo
como ela, iluminada pelo Espírito Santo, pode ensinar de maneira singular sobre
estes assuntos; por isso, nos hinos a teologia de Hildegarda é sintetizada e
demonstrada em toda sua beleza, que emana diretamente da Sagrada Escritura.
E, ao se compreender estes hinos, então, se
compreenderá de modo mais apurado o conteúdo das preciosas visões que lhe foram
outorgadas.
Assim, se explicará alguns dos hinos de Hildegarda, os
que versam sobre os mistérios da Santíssima Trindade; pois, estes hinos evidenciam
o núcleo da “caridade intelectual” de sua teologia, bem como descrevem o
esplendor do cerne da fé; logo, compreender estes hinos é adentrar a teologia
trinitária em uma de suas mais belas e profundas expressões, vindas da pena
desta extraordinária mulher.
E o primeiro hino a ser comentado é o “Laus
Trinitati” (Louvor a Trindade); é a adoração a Trindade, início, meio e fim
da liturgia; pois, a liturgia, ao celebrar o mistério central da fé, o faz
porque este mistério é o princípio altissonante da fé; portanto, que a
explicação deste hino sirva para o entendimento do que concerne a teologia
trinitária, mas também para a compreensão de que isto versa sobre o cerne da fé,
faz parte do princípio da existência teológica e é preceito impreterível da
existência eclesial.
Soli Deo Gloria!
In Nomine Iesus!
20 de janeiro de 2025.
Texto
de Hildegarda de Bingen.
Louvada seja a Trindade, que é linguagem[1],
vida
e principalmente é a criadora de todas as coisas!
Louvada seja pela turba angélica,
maravilhoso esplendor dos arcanos,
que são desconhecidos dos homens,
e que é a vida de todas as coisas!
A. Proêmio.
i. “E ouvi a toda criatura que está no céu, e na
terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há,
dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de
graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre” (Ap 5.13); ora, a
adoração de todos os seres vivos, é adoração a Deus Pai, o que está assentado
sobre o trono, e é adoração a Deus Filho, o Cordeiro, ao mesmo tempo em que é
adoração ao Espírito e pelo Espírito.
Por isso, a adoração sempre é um ato trinitário; é
adoração ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo: ao Pai pelo Filho através do
Espírito; pois, é o Espírito que move os corações a adorar e a louvar a Deus,
já que o coração tende a comunhão com a Santíssima Trindade; além do que, o
coração ao se mover, pela graça, de modo pneumático, sempre se regozijará na
adoração ao Deus Uno e Trino, cumprindo a máxima da teologia trinitária, a de
adorar a unidade na trindade e a trindade na unidade (cf. Symb. Quimc.,
§ 3).
ii. Deste modo, a adoração a Trindade é preceito
fundamental da existência teológica e da vida eclesial; pois, como a fé cristã
é uma fé trinitária, então, a adoração e o louvor da Igreja deve ser
trinitário; e a razão disso é que, como diz Pseudo-Dionísio, a Trindade é
super-substancial, super-deusa e super-boa (cf. De Myst. Theol., I, §
1); ou seja, é de uma substância perfeitíssima, diviníssima e boníssima (cf.
Met. 1072b30-31); portanto, somente a Trindade é digna de todo louvor e de toda
a adoração, já que por Sua ciência criara todas as coisas, com beleza, bondade
e verdade (cf. Ap 4.11).
Com isso, se constata o motivo de se evocar a
proposição inalterável do louvor e da adoração a Trindade; na verdade, não
existe existência teológica e nem existência eclesial que não seja embasada
totalmente sob a adoração a Trindade, que dá forma a vida eclesial sob a
autoridade normativa da Sagrada Escritura; a vida da Igreja é evidenciada na
verdadeira adoração ao Deus Trino, a qual é demonstrada na fidelidade para com
a Palavra de Deus.
Assim sendo, convém mais que adoremos os mistérios da
divindade do que os racionalizemos. Por isso, a proposição de Hildegarda neste
hineto é assaz correta, ao evocar o louvor de todo o Orbe na sentença: “Louvada
seja a Trindade”, bem como ao apresentar as razões para a evocação deste
louvor.
B. Comentário.
1. A confissão da Santíssima Trindade é o fundamento
da fé cristã; por isso, se afirma em termos dogmáticos, que a fé cristã é uma
fé trinitária; pois, a fé crê para entender (cf. Is 7.9b), e depois de entender
irrompe em sincera adoração, naquilo que o doctor magnificus chama de
gáudio da fé (cf. Prosl., XXVI), já que o conhecimento de Deus é a
essência da felicidade eterna (cf. STh Ia, q. 1, a. 3, co.).
Logo, este irromper em sincera adoração é para
glorificar a Santíssima Trindade; pois, se dá glória ao Pai, o Criador; se dá
glória ao Filho, o Redentor; e se dá glória ao Espírito, o Santificador; tal
como diz o antigo hino: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Como
era no princípio, agora e sempre. Amém”.
Pois, as três Pessoas da divindade atuam na vida dos
fiéis, transformando-os de glória em glória (cf. 2Co 3.18), a partir dos bens
gloriosos da comunhão com a Santíssima Trindade (cf. Jo 17.22), comunhão essa
engendrada e cultivada pelo Espírito Santo (cf. Ef 4.3).
2. Deste modo, convém analisar o que concerne a
adoração a Santíssima Trindade; e um modo de se fazer isso, é analisar e
elucubrar sobre hinos que versam apresentam este aspecto fundamental da fé; e
um hino de maestria singular é o “Laus Trinitati” (Louvor a Trindade) de
Hildegarda de Bingen, que é a sinfonia nº. 26 de sua magistral obra “Symphonia
armonie celestium revelationum” (Sinfonia da harmonia das revelações
celestiais); ora, este hino está dividido em duas partes: a primeira, onde
evoca a razão do louvor a Santíssima Trindade; a segunda, onde se apresenta a
razão do louvor do coro angelical.
3. Em relação a primeira parte, faz quatro coisas:
primeiro, descreve a razão da adoração; segundo, evoca a assinatura de Deus em
toda a criação; terceiro, apresenta a obra de Deus como Senhor da Vida; quarto,
delineia a obra criadora de Deus.
4. Primeiro, descreve a razão da adoração, onde diz: “Louvada
seja a Trindade”; a razão da adoração ao Deus Uno e Trino é em função de
Seu Ser; o Deus Vivo e Verdadeiro é adorado, porque é o único Deus Verdadeiro,
e porque a perfeição de Seu Ser transcende infinitamente a qualquer perfeição;
o Ser Perfeitíssimo é adorado justamente por isso, pois, é único e é
absolutamente simples; deste modo, por consequência evidentíssima, Ele é o
único digno de receber o louvor e a adoração (cf. 1Tm 1.17; Ap 4.11).
Assim, esta adoração é feita através do louvor a
Trindade, isto é, a adoração as Pessoas da divindade, e o louvor a obra de cada
uma das Pessoas da divindade; por isso, se glorifica a Deus por quem Ele é e se
o louva pelo que Ele faz; esta é a razão da adoração, que deve estar em
conformidade absoluta com a Sagrada Escritura em se tratando de cânticos e
hinos (cf. Sl 119.54, 171).
Além disso, a excelsa dignidade do louvor a Trindade,
é evidenciada pela retidão e sinceridade na vida de quem profere o louvor a
Trindade; o fulgor deste louvor só é proferido, quando assim se faz necessário,
por aqueles que vivem em santidade diante de Deus (cf. Sl 15.1-5).
5. Segundo, evoca a assinatura de Deus em toda a
criação, onde diz: “que é linguagem”; ora, o Deus Trino é adorado e
louvado pela Sua obra; pois, o Criador, que fizera todas as coisas, imbuiu sua
assinatura em cada obra que fizera; a linguagem da criação é o núcleo de
sentido de cada ente criado; a gramática da criação é trinitária, o que se
comprova pelo fato de que tudo na criação possui uma estrutura tríplice; por
exemplo, o ser humano é composto de corpo, alma e espírito; a estrutura acima
do firmamento se desenrola na relação entre matéria escura, espaço e tempo; a
base da matéria é tríplice: prótons, nêutrons e elétrons; etc.
Portanto, se constata que tudo na Criação, desde a
substância do Orbe aos menores aspectos da natureza, está em tríplice
perspectiva. Por isso, em toda a criação se tem a assinatura de Deus; por onde,
Ele ter estabelecido a linguagem da criação, de modo tão perfeito tal como numa
melodia musical; é como se a Criação fosse uma música, e o som desta música
fosse a linguagem de Deus, expressa em tríplice perspectiva.
Ora, o Deus Triuno é adorado e louvado, porque Ele
deixou Sua assinatura em cada vestígio da Criação; por isso, se fala em relação
a toda a criação daquilo que Santo Agostinho chamou de trindades criadas, que
são espelho da Trindade de Deus (cf. De Trin., XV, 6, 10), as quais, por
sua vez, testemunham dos vestígios da trindade em toda a criação (cf. De
Trin., XV, 2, 3).
6. Terceiro, apresenta a obra de Deus como Senhor da
Vida, onde diz: “vida”; ora, além de ser a linguagem da Criação, o Deus
Triuno também é a vida da Criação; pois, Ele criara todas as coisas com vida, e
as preserva e mantém com vida; o Deus Triuno criou todas as coisas, as sustenta
pela palavra de Seu poder (cf. Hb 1.3) e renova todas as coisas por Seu
Espírito (cf. Sl 104.30); por isso, Deus é o Senhor da Vida, Ele tanto outorga
a vida quanto a preserva e a conserva.
Assim, a Santíssima Trindade é adorada e louvada,
porque preserva a vida e mantém a vida em toda a Criação. Pois, um Deus vivo
(cf. Met. 1072b30-31), cria seres vivos, e os mantém na vida tal como os criou,
de acordo com o ciclo natural da vida de cada ente criado. Por isso, Ele é
adorado e louvado, porque é o Senhor da Vida.
7. Quarto, delineia a obra criadora de Deus, onde diz:
“e principalmente é a criadora de todas as coisas!”; ora, sendo Deus, a
linguagem e a vida de tudo quanto existe, Ele é o Criador de todas as coisas; a
Trindade que é louvada e adorada, porque é “a criadora de todas as coisas!”;
ora, todas as coisas criadas rompem em louvor a Seu Criador, tal como diz a
Escritura: “E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da
terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está
assentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e
glória, e poder para todo o sempre” (Ap 5.13).
Além disso, a Escritura também diz que os anjos
rejubilavam quando Deus criava todas as coisas (cf. Jó 38.7). Portanto, a
Trindade é adorada por Sua obra na Criação e pela própria Criação, já que ao
ser criadora de todas as coisas, demonstra Sua soberania e providência sobre
tudo e todos. Pois, ao se falar da Criação, evidentemente, se fala em
Providência; e ambas testemunham da glória do Deus Triuno na Criação (cf. Sl
19.1-6, 104.24-30); o Deus Triuno é o Criador, é o Provedor e é o Sustentador
da Criação.
8. E, em relação a segunda parte, faz quatro coisas:
primeiro, descreve a razão do louvor angelical; segundo, evoca o que concerne a
contemplação angélica na glória; terceiro, apresenta que esta contemplação é
desconhecida dos homens; quarto, designa que a presença de Deus é a fonte de
vida de todas as coisas.
9. Primeiro, descreve a razão do louvor angelical,
onde diz: “Louvada seja pela turba angélica”; ora, do mesmo modo como se
conclama a todo o Orbe, e particularmente aos fiéis, a louvar e a adorar a
Santíssima Trindade, os anjos, as inteligências separadas espirituais, também
louvam a Deus; a turba angélica rompe em gloriosos e fulgurosos louvores ao
Deus Triuno; o exército celestial louva a Deus do seguinte modo: “Glória a
Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens!” (Lc 2.14).
Por isso, a Santíssima Trindade é louvada e adorada
pela turba angélica, de modo que, os anjos, que cumprem as ordenanças divinas,
como espíritos ministradores em favor dos eleitos (cf. Hb 1.14), o glorificam
tanto no cumprimento de suas funções quanto ao estarem diante de Deus para o
adorar, tal como na descrição sapencial, cantando e rejubilando (cf. Jó 38.7).
Deste modo, os anjos adoram a Deus, pois foram por Ele
criados com perfeição de natureza, mas também o adoram pela perfeição a qual
chegaram pela graça, dada a perfeição da operação a qual deviam alcançar e a
qual alcançaram definitivamente em Cristo na glória (cf. Hb 1.5ss).
10. Segundo, evoca o que concerne a contemplação
angélica na glória, onde diz: “maravilhoso esplendor dos arcanos”; ora,
os anjos, ao estarem na glória, isto é, junto de Deus em Sua habitação,
contemplam as coisas de Deus tal como elas são; por isso, se diz que o
intelecto angélico alcança um conhecimento sobre Deus maior do que os homens
nesta vida; todavia, ainda sim, os anjos não conhecem a essência mesma de Deus
(cf. STh Ia, q. 56, a. 3, co.).
Portanto, os anjos conhecem coisas que os homens não
conhecem e vem coisas que os homens não vem; por exemplo, os anjos contemplam o
maravilhoso esplendor dos arcanos celestes, isto é, conhecem os mistérios da
graça na medida em que vêm o Verbo, o que os outorga a felicidade (cf. STh Ia,
q. 57, a. 5, co.).
Ora, o conhecimento de Deus, sendo a essência da
felicidade eterna, tanto os homens quanto os anjos, o alcançam apenas como obra
da graça; e Deus revela os mistérios da graça tal como lhe apraz (cf. 1Co
2.10), tanto a homens quanto a anjos; embora os anjos possam conhecer estes
mistérios de modo mais apurado que os homens nesta vida, dado a estarem diante
de Deus na glória.
Por isso, os anjos, ao conhecerem os mistérios da
graça, contemplam o maravilhoso esplendor dos arcanos, tanto em relação a
natureza, quanto em relação a própria graça, pois o ministério dos anjos em
favor dos eleitos (cf. Hb 1.14), se realiza pelo mistério da Encarnação (cf.
STh Ia, q. 57, a. 5, ad. 1), a manifestação plena e cabal da graça; etc.
E, em sua contemplação, os anjos conhecem coisas que
os homens não podem conhecer nesta vida, dada a limitação do intelecto humano
como consequência do Pecado (cf. Rm 3.11).
11. Terceiro, apresenta que esta contemplação é
desconhecida dos homens, onde diz: “que são desconhecidos dos homens”;
ora, os anjos contemplam o maravilhoso esplendor dos arcanos, os quais, são
desconhecidos dos homens; ora, este esplendor é desconhecido dos homens, dado a
sua excelsa luminosidade; no entanto, os anjos podem ver melhor esta
super-luminosidade, devido a estarem na glória; mas, mesmo assim não contemplam
todo o esplendor desta luz em si mesma, mas vem a Deus na glória, o que os
homens só alcançarão como hábito da glória (cf. 1Co 13.12).
Portanto, a contemplação angélica na glória, contempla
coisas que são desconhecidas dos homens; ora, contemplar o maravilhoso
esplendor dos arcanos, é uma contemplação desconhecida dos homens; e é
desconhecido dos homens por três motivos: primeiro, pela natureza destes
mistérios, onde diz: “maravilhoso”; segundo, pela efusão de luz destes
mistérios, onde diz: “esplendor”; terceiro, pela distância de onde estão
para onde os homens estão, onde diz: “dos arcanos”.
Deste modo, a turba angélica adora e louva a
Santíssima Trindade porque lhe são dado conhecer coisas que os homens não
conhecem nesta vida; além disso, louvam e adoram o Deus Triuno, porque atuam
como ministros da providência de Deus em favor dos eleitos (cf. Hb 1.14); pois,
neste atuar, atuam de modo desconhecido dos próprios homens, já que operam em
ordem aos mistérios divinos; e, sobre isso, ainda se evoca o que Hildegarda diz
em outro hino, que os anjos contemplam sob os olhos divinos dentro da escuridão
mística (cf. Sinf. 29). Ora, até os anjos para contemplar a
super-luminosidade de Deus adentram a caligine divina.
12. Quarto, designa que a presença de Deus é a fonte
de vida de todas as coisas, onde diz: “e que é a vida de todas as coisas!”;
ora, sendo Deus o criador, Sua presença, isto é, Sua atuação em toda a Criação,
é a fonte de vida de todas as coisas; por isso, se Deus retirar Sua presença,
as coisas perecem e deixam de ter vida (cf. Sl 104.29); donde, se afirma de
modo categórico, que todas as coisas mantém-se em vida devido a presença de
Deus; e, quanto a isso, são afirmados dois aspectos: primeiro, Deus é a fonte
de vida de todas as coisas, pois é o Criador; segundo, a vida de todas as
coisas é por Deus mantida e preservada de acordo com o ciclo da natureza de
cada ser vivo.
Portanto, Deus é a vida de todas as coisas, pois, é a
fonte de inúmeros bens que são dispensados a todos os entes; por isso, Lutero
afirmara, que é dEle que flui tudo o que é e se chama de bom (cf. WA 30/1,
136); o Sumo-Bem é a causa e a fonte donde emana todo bem; é o Bem do qual,
todas as coisas que são, são e são boas naquilo que são, como dissera Boécio no
livro De Hebdomadibus.
Assim, a turba angélica adora e louva a Deus, porque
Ele é a fonte de vida de todas as coisas; e esta é uma das maravilhas do
esplendor dos arcanos, pois, sabe-se que Deus é a fonte de vida de todas as
coisas, mas os modos como Deus providencia vida e mantém em vida todas as
coisas é algo desconhecido dos homens, embora esteja escrito na Palavra de Deus
que Deus mesmo é o doador da vida.
Com isso, se compreende que a presença de Deus é fonte
de vida que dá forma a todas as coisas criadas de acordo com a vontade de Deus
(cf. Ap 4.11); é fonte de vida na qual os anjos rejubilam (cf. Jó 38.7); é
fonte de vida, a qual é a alegria e a força dos eleitos (cf. Ne 8.10); é fonte
de vida, da qual provêm bens tanto para a natureza quanto para os eleitos (cf.
Sl 65.9-13, 103.3-5).
Por esta razão, os anjos, estando na presença de Deus,
o louvam e o adoram dado as maravilhas que provêm desta sublimíssima presença
(cf. Sl 16.11b).
13. Deste modo, a adoração e o louvor à Santíssima
Trindade, açambarca homens, anjos e toda a criação; por isso, se adora a Deus
por quem Ele é, e se louva a Deus pelo que Ele faz; se adora a Deus
glorificando e se prosternando a Ele dada a Sua perfeição infinita; se louva a
Deus elogiando Suas obras e Seus feitos para com os filhos dos homens.
Neste sentido, Hildegarda captou muito bem o que
concerne o Louvor a Trindade, e concatenou a razão da adoração ao Deus Triuno,
fundamento da existência teológica e princípio impreterível do culto a Deus.
Ora, por esta razão, se evoca como princípio teológico
fundamental a adoração a Santíssima Trindade, início, meio e fim da liturgia;
e, com isso, se pode fazer coro uníssono com a confissão de louvor de
Agostinho: “eu adoro a um só Deus, único princípio de todas as coisas, e a
Sabedoria, que ilumina a todas as almas sábias, e ao Dom, que enche de alegria
aos bem-aventurados” (De Ver. Rel., n. 112).
14. E termina aqui o comentário a este hineto de Hildegarda de Bingen. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
[1] O termo original aqui é “sonus”,
que geralmente se traduz por som; mas, como na significação do texto refere-se
a harmonia do cosmos tal como fora criado por Deus, então, se preferiu
dinamizar a tradução para o termo linguagem (assim como se faz em todo este
hino), que melhor significa em língua portuguesa o sentido que Hildegarda
pretende dar ao termo “sonus” neste hino, já que a abadessa alemã
pretende com este termo evocar a linguagem de Deus na criação, entendida por
ela através de termos musicais.
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