Prefácio.
A teologia fora enobrecida por
vários sistemas teológicos; dentre estes, uns dos mais nobres, é o tomismo; na
verdade, em muitos aspectos, o tomismo é um sóbrio e adequado sistema
teológico, pelo menos quanto a especificação da natureza da teologia, a função
do teólogo, a correta integração entre teologia e filosofia, etc.; por isso,
compreender sobre o tomismo, se inere não somente como responsabilidade
direcionada aos próprios tomistas, mas a todos os teólogos e estudiosos da
ciência sagrada.
E não somente os que se envolvem com
a doutrina sagrada; mas também filósofos e estudiosos da filosofia, que estudam
Aristóteles e os temas da filosofia aristotélica encontram em Tomás de Aquino,
não somente um doutor da Igreja latina e magister in sacra pagina,
mas também o Expositor de Aristóteles, o mais preciso intérprete do Filósofo;
não o maior ou o mais extenso intérprete, mas com certeza o mais preciso
comentador, o guia por excelência aos principais quarteirões da filosofia
aristotélica.
E o tomismo, engendra perfeitamente,
assim como o albertismo, a relação entre filosofia e teologia; mas, mesmo que o
tomismo seja uma síntese entre várias esferas do saber, o mesmo não é
primariamente uma filosofia, mas sim teologia; pois, embora Tomás possa ser
reconhecido como filósofo, na verdade como um dos maiores filósofos da
história, ele propriamente não era um filósofo, mas um teólogo, e sua função
primordial e fundamental era a explicação da Sagrada Escritura; e para isso,
ele se valeu da sabedoria filosófica, do lume da luz interior.
Por isso, para se compreender o
tomismo, se deve, necessariamente, iniciar pela teologia, ou mais propriamente,
sobre o princípio (principium) do tomismo; portanto, se apresenta o que
é a teologia tomista a fim de pelo menos abalizar o modo como se deve
compreender o tomismo, não propriamente para tomistas - embora em muitos casos
os próprios tomistas também ficado um pouco desorientados quanto ao princípio
fundamental do tomismo, como se observa na própria escola tomista -, mas,
fundamentalmente para todos aqueles que procuram pelo entender o norte do
pensamento do aquinate, já que o tomismo é importante não somente para os
tomistas, mas também para filósofos, cientistas, físicos, etc.
Assim sendo, eis este ensaio que
busca apresentar e explicar a teologia tomista a fim de mostrar qual o caminho
deve ser seguido ao se buscar analisar o pensamento do aquinate; por isso,
depois de haver feito uma apresentação da filosofia tomista sob o mote do
tomismo caipira, agora se tem uma apresentação da teologia tomista sob o
princípio (principium) mais importante à Tomás: “Este é o Livro”
(cf. Br 4.1).
Soli Deo Gloria!
In Nomine Iesus!
27 de fevereiro de 2025.
Prólogo.
1. “Ele rega os montes desde as
suas câmaras; a terra farta-se do fruto das suas obras” (Sl 104.13); ora,
estas palavras do salmista foram a divina instrução que Tomás de Aquino
recebera de Domingos de Gusmão para designar sua tarefa e função como teólogo;
e, não menos, que o maior teólogo da cristandade latina, realmente regou os
montes e os encheu com uma doutrina que sublimou as glórias da revelação pela
precisão conceitual, a argúcia de raciocínio e a sinceridade de propósito.
Tomás, a quem, na cristandade latina, se pode com honra ser intitulado de
Teólogo, regou os montes da cristandade com sólida teologia e enriqueceu a
biblioteca teológica com obras imorredouras e a terra fartou-se do fruto de
suas obras para a glória de Deus.
2. Por isso, Tomás sempre é um guia
seguro ao se procurar entender a senda da teologia; pois, formara um sistema
teológico preciso, sóbrio, em ordem a revelação e imbuído dos preceitos
racionais; e a dignidade de um sistema teológico se demonstra de dois modos:
primeiro, por sua doutrina; segundo, por seus frutos. Ora, neste sentido, o
tomismo é um sistema teológico excelente, pois, abarcou os sistemas teológicos
anteriores e abalizou a doutrina, de modo que basicamente todos os sistemas
teológicos sóbrios que surgiram posteriormente são quase que completamente
açambarcados na doutrina tomista.
Pois, o que são o escotismo, o
luteranismo, o calvinismo, o arminianismo, etc., senão vertentes que surgiram
ou da corrupção de algum ponto do tomismo ou que surgiram do rasgar da túnica
da unidade da cristandade que foi também o rasgar do tomismo, onde cada qual
puxou uma parte e formou um sistema teológico menor e menos preciso; ora, após
o séc. XIII, todos os sistemas teológicos da cristandade latina são, de um modo
ou de outro, provenientes do tomismo: ou como continuidades do pensamento
tomasiano, ou como parte da tentativa de desfigurá-lo.
3. Portanto, se faz necessário uma explicação a respeito do tomismo; mais propriamente da teologia tomista, para compreender a grandeza, a dignidade, a utilidade e a excelência do tomismo frente a outros sistemas teológicos, que mesmo com menos tempo do que o tomismo, já se mostraram impróprios e infrutíferos; ao mesmo tempo, se compreender a teologia tomista é um excelente modo de entender o que concerne a teologia e o que concerne a função dos teólogos; pois, Tomás soubera definir a teologia precisamente e soubera exercer a sua função como teólogo com maestria; não por menos que um tópico comum da doutrina tomista, se constata que o único título que Tomás aceitou ao longo de sua vida foi o de magister in sacra pagina. Portanto, para compreender o tomismo, primariamente e fundamentalmente, se deve elucubrar sobre a teologia tomista, a base de todo o tomismo.
I. A Reflexão Teológica.
4. A reflexão teológica, consiste
fundamentalmente em três aspectos, respectivamente subsequentes e
complementares, os quais são: primeiro, estudar e comentar, por diversos meios,
os textos das Sagradas Escrituras; segundo, estabelecer axiomas fundamentais
para a teologia a partir dos princípios bíblicos; terceiro, relacionar
corretamente o conhecimento haurido da revelação com a filosofia.
No primeiro aspecto, se haure o
conhecimento da revelação e se pontifica sua aplicação.
No segundo aspecto, se formula
axiomas fundamentais a partir das Escrituras e das consequências racionais
extraídas das Escrituras.
No terceiro aspecto, se faz a
síntese correta entre teologia e filosofia, de modo ao saber filosófico melhor
abalizar a explicação dos mistérios concernentes a revelação.
5. Em síntese, o escopo e propósito
da reflexão teológica se estabelece em consonância com estes três aspectos,
estabelecidos de maneira subsequente e complementar, mas nunca em ordem diversa
desta ordem estabelecida; esta ordenação é axioma apodítico da reflexão
teológica, e a inversão desta ordem ocasiona inúmeras corrupções doutrinárias e
morais; logo, existe uma linha condutora da reflexão teológica, que se
estabelece, cresce e se desenvolve a partir destes três aspectos e de acordo
com a ordenação destes três aspectos.
6. Deste modo, a reflexão teológica
se pontilha e se pontifica em uma base apodítica, as Sagradas Escrituras, se
move em direção a solução dos problemas teológicos, e melhor se apresenta no
âmbito da universitas litterarum através das integrações com a
filosofia; portanto, a reflexão teológica, neste sentido, é didática e é
dialética; didática porque haure seu saber da Revelação, que é inexaurível,
logo, fonte da verdadeira erudição e da verdadeira sabedoria; dialética porque
integra o saber haurido da revelação com o saber haurido da razão, logo,
integra de maneira dramática e dialógica tanto a revelação quanto a razão (algo
feito pelos escolásticos através da utilização da quaestio).
7. E, toda a estrutura e tarefa da
reflexão teológica, sempre é entendida através dos sistemas teológicos; por
exemplo, através do agostinianismo, se consegue compreender a forma e o modo da
solução de problemas teológicos a partir do exemplo de Agostinho, e a partir de
suas obras magistrais; e o agostinianismo sempre é um fanal de insights para a
solução dos problemas teológicos.
E, ainda, goste-se ou não, pode-se
evocar outro sistema teológico, o calvinismo, que uma forma mais simples de
agostinianismo somado com um tomismo que fez regime; o calvinismo, também se
estabeleceu com o ímpeto bíblico para a solução de problemas teológicos, pois,
quem lê as magistrais preleções bíblicas de Calvino não deixa de se surpreender
pela vivacidade e capacidade de análise, neste quesito o mesmo pode ser dito de
Lutero; entre tantos outros exemplos, que podem ser hauridos dos sistemas
teológicos, tanto do catolicismo, quanto da ortodoxia grega, quanto do
protestantismo.
8. No entanto, ao se analisar os
sistemas teológicos, apenas um dentre todos os sistemas teológicos faz uma
integração eficaz e sóbria sobre a estrutura e a tarefa da reflexão teológica;
somente o tomismo (e de modo mais ínvio, o albertismo), em sentido pleno, faz
uma integração correta e em ordem sobre a reflexão teológica, encarnando a
mesma em seus princípios e sublimando-os; no entanto, isso nem sempre pode ser
dito dos tomistas; na verdade, em muitos aspectos, durante a história, os
tomistas deixaram se levar pelas confusões ocasionadas na reflexão teológica
por outros sistemas teológicos ou por sistemas teológicos fragmentários e
confusos, que vão desde o escotismo até os sistemas teológicos parciais da
ortodoxia grega e do protestantismo (e os principais sistemas teológicos do
protestantismo se tornaram desfigurados a partir do iluminismo).
9. Por isso, se faz necessário
empreender uma análise do tomismo tal como o mesmo é, e na ordem adequada;
pois, existem muitos tomistas geniais durante a história, e muitos tomistas
geniais produzindo obras preciosíssimas; mas, a maior parte dos tomistas já se
estabelece suas reflexões a partir do tomismo em sua mais alta expressão,
calcinados sob a profundidade singular e inerente ao tomismo; todavia, ao se
figurar sobre a teologia tomista, isso em si não é errôneo; aliás, é caractere
inerente do tomismo; mas, existe uma lacuna na teologia tomista, pois não
existem obras e reflexões na teologia tomista que versem propriamente sobre os
dois primeiros aspectos da reflexão teológica; geralmente, a reflexão na
teologia tomista já se estabelece a partir do terceiro aspecto, já elucubrando
sobre a síntese tomista de maneira plena na amalgama entre teologia e
filosofia.
10. Assim sendo, se faz necessário
uma análise sobre a teologia tomista não sobre os auspícios da síntese
plenamente estabelecida, que as mais das vezes, é desfigurada por tomistas
não-teólogos, e até por muitos teólogos, que se deixam dominar totalmente pelos
conceitos filosóficos em questões propriamente ditas teológicas; a seiva do
tomismo não é em primeira instância a filosofia, mas é a teologia bíblica; a
filosofia é utilizada na teologia dogmática, como se demonstra no próprio
Tomás; mas a tarefa primordial da teologia, continua sendo a teologia bíblica e
não a teologia filosófica; e isso é clarividente no próprio Tomás; e, a não
observação deste princípio foi a que gerou uma confusão por parte de muitos
teólogos ditos “biblicistas” em suas rejeições ao tomismo, como ocorrera com
muitos teólogos calvinistas e muitos teólogos luteranos; etc.
Na verdade, a essência do tomismo é
a teologia bíblica; e jamais se pode esquecer disso, a qual é enriquecida em
questões não-bíblicas com os auspiciosos ditames da filosofia aristotélica e de
tudo de bom que outras filosofias produziram.
11. Portanto, para compreender o
tomismo se deve ter em mente este princípio; não menosprezando a contribuição
singular de outros tomistas; e nem distorcendo o que se tem produzido na
teologia tomista; mas, procurando novamente estabilizar o tomismo de acordo com
suas verdadeiras bases, para fazê-lo refulgir em todo seu esplendor, com uma
síntese genial, mas uma síntese que possui princípios ordenados; e, como fora
dito, quase todos os grandes tomistas, quase em exceção, elucubram sobre o
tomismo e sua essência a partir do terceiro aspecto do que se constitui a
reflexão teológica, e os outros dois aspectos foram negligenciados.
E não será por isso que se teve
tanta confusão desde a época das Reformas; certamente, em parte, sim; mas, pela
graça de Deus, o que também não será produzido ao novamente se abalizar estes
princípios; mas, muitos e vicejosos frutos serão produzidos ao novamente se
visitar o tomismo, não a partir de sua excelência já estabelecida, mas ao se
evocar os seus princípios constitutivos, e assim, a partir destes, demonstrar
toda a sublimidade e excelência do tomismo, tanto na teologia quanto na
filosofia, que tem sua base nos comentários bíblicos (teologia) e nos
comentários filosóficos (filosofia) e toma forma na Suma contra os Gentios e
alcança sua forma final na Suma Teológica (amalgama de teologia e filosofia da
maneira mais correta e equilibrada possível)[1];
e, lembre-se sempre, nesta ordem.
12. Todavia, geralmente se define a
essência do tomismo a partir de distinções metafísicas utilizada na teologia
dogmática; por exemplo, o Pe. Gallus Manser afirma: “a poderosa síntese
tomista descansa, como em sua mais profunda estrutura, na doutrina aristotélica
de ato e potência”[2];
esta definição do Pe. Manser, certamente é precisa, mas do ponto de vista do
terceiro aspecto; ao se evocar a teologia dogmática na síntese tomista, com sua
forma final e grandiloquente na Suma Teológica, se estabelece esta
distinção evocada pelo Pe. Manser; todavia, o tomismo não inicia no terceiro
aspecto; o terceiro aspecto é a sublimação de toda reflexão teológica, que como
fora dito toma forma mais sublime no tomismo.
Mas, o tomismo não assenta nos dois
primeiros aspectos a partir da distinção entre ato e potência, ou entre ente e
essência, que são princípios filosóficos; mas o tomismo se assenta nos dois
primeiros aspectos a partir da proposição “Este é o Livro” (Hic est
liber), e nos comentários bíblicos, e outros textos sobre as Sagradas
Escrituras produzidos por Tomás; para Tomás, o que lhe compete não é o ser
filósofo ou um intelectual, embora o seja, mas em pura e simplesmente ser um “magister
in sacra pagina”.
13. E, a respeito disso, se pode
evocar as seguintes obras de Tomás de Aquino sobre as Sagradas Escrituras: (1)
a aula inaugural como Bacharel bíblico Hic est liber mandatorum
Dei; (2) o discurso Rigans Montes; (3) comentários aos
livros do antigo testamento; (4) comentários aos livros do novo testamento; (5)
os sermões; (6) dois artigos da questão 1 da Suma Teológica (Ia,
q. 1, arts. 9-10); e em vários tratados da Suma Teológica, onde se fazem
reflexões sobre as Sagradas Escrituras, tais como: o tratado sobre a criação
(Ia, q. 65-74), o sobre os livros da antiga aliança (IaIIae, q. 98-105), o
sobre a vida de Jesus (IIIa, q. 27-59), o sobre as bem-aventuranças (IaIIae, q.
68-70), etc.; e algumas outras asseverações e sentenças em outras obras.
Mas fundamentalmente são estes
escritos onde Tomás apresenta as reflexões sobre as Sagradas Escrituras, os
quais, se constituem a base e a fonte primordial do tomismo; e ainda, se evoca
que, na Suma Teológica, Tomás menciona as Escrituras cerca de
25.000 vezes, o que, per se, demonstra o centro, a base
preponderante do tomismo.
14. Compreender estes aspectos é a tarefa preponderante para se entender o tomismo, bem como ao compreendê-los se pode reafirmar a atualidade da teologia tomista em meio aos amplos e difíceis problemas teológicos. E, neste sentido também se pode propugnar a atualidade sempre renovada do tomismo diante dos problemas teológicos que se avolumam com o passar das épocas e que cada vez mais fazem necessários que o tomismo se mantenha atualizado pelas fontes da sabedoria eterna.
II. A Teologia e a Existência Teológica.
15. Assim sendo, ao se elucubrar
sobre a teologia tomista, evidentemente, se evoca as questões iniciais; e entre
as questões iniciais está o entendimento e a compreensão sobre os problemas
teológicos; na verdade, a tarefa teológica é um empreendimento sem fim, pois,
os problemas teológicos sempre serão muitos, já que sendo a revelação
inexaurível, então, evidentemente, os problemas teológicos tendem a ser
descobertos cada vez que se avança no entendimento e na compreensão sobre a
revelação; e, ainda, devido ao espírito de época, muitas das verdades da fé são
atacadas pelos céticos e pelos sofistas, o que também faz necessário sempre de
maneira renovada elucubrar e raciocinar sobre as verdades da fé a partir dos
problemas teológicos que surgem no decorrer das épocas.
16. Com isso, se observa que a
existência teológica se move em dois princípios: primeiro, o estudo e a
explicação das Escrituras; segundo, a solução dos problemas teológicos. Do
primeiro aspecto surge as questões e respostas para o desenvolvimento do segundo
aspecto; além disso, no segundo aspecto surgem muitas questões aporéticas, ou
em relação a polêmica ou em relação a apologética, que requerem o
desenvolvimento do caminho da reflexão teológica em relação a estes dois
princípios primordiais, os quais, dão o escopo de parte do que se constitui a
existência teológica; para a qual, o tomismo contribuiu decisivamente ao longo
da história, e para a qual ainda continuará a contribuir, pois, há muito a
laborar e a burilar do tomismo, seja na teologia seja na filosofia; e isto não
só por parte dos tomistas.
17. E, justamente a evocação da
proposição dos problemas teológicos, conquanto algo pouco feito de maneira
direta em relação ao tomismo, que demonstra a grandeza da síntese tomista, a
qual sobressai-se principalmente em se tratando da teologia, pois, até mesmo os
elementos filosóficos são utilizados para conduzir a uma melhor compreensão de
Deus (cf. STh Ia, q. 1, a. 5, ad. 2), seja em relação a Seu Ser conforme a
Revelação, seja em relação as coisas enquanto dEle procedem na ordem da
natureza. Logo, a teologia, em função da resolução dos problemas teológicos, é
enriquecida com o tomismo, que é a mais bela e a mais significativa síntese
entre teologia e filosofia, para demonstrar a sublimidade da teologia como
rainha das ciências.
18. Ora, ao se buscar compreender o
que concerne a teologia, particularmente o que concerne a teologia tomista, se
pode adequar tal reflexão a partir de um princípio preponderante que abaliza
esta compreensão, a saber, o entendimento sobre a existência teológica; e assim
se faz necessário investigar o que é teologia e o que é a concreção da reflexão
teológica através do labor teológico, o que fora definido corretamente por Karl
Barth como “existência teológica”[3];
conquanto tenha sido um termo abalizado por Barth, o que está imbuído no
significado da “existência teológica”, foi o que guiara os teólogos do passado
em seus labores.
E Tomás encarnara totalmente o ideal
da vida dedicada a teologia, de ser um teólogo em todos os seus labores; mas, a
teologia de Tomás é uma teologia definida através de um preceito que é um lugar
comum do tomismo, a partir do único título que o próprio Tomás aceitou durante
sua vida, a saber, “magister in sacra pagina”; a teologia de Tomás, e
suas tarefas como teólogo, estão orientadas de acordo com a Revelação e no que
esta infere, seja no âmbito natural seja no âmbito da graça, no conhecimento a
respeito de Deus.
19. Por isso, se pode afirmar que em
Tomás a teologia e a existência teológica estão amalgamadas; uma pressupõe a
outra, e vice-versa; pois, a teologia tomista é uma teologia da Palavra, que ao
haurir o conhecimento da revelação, também procura e estabelece elementos
racionais (filosofia), para melhor explicar este conhecimento; e esta dialógica
é parte preponderante da existência teológica; e no tomismo estão colocadas de
maneira singular e contundente, já que Tomás estabelece a correta distinção
entre filosofia e teologia, calcado na distinção albertiana a este respeito -
neste quesito, Tomás é totalmente albertiano -, bem como estabelece a correta
relação entre ambas, com um propósito bem definido, a saber, abalizar a
compreensão e cultivar o estudo a respeito do conhecimento sobre as coisas de
Deus.
20. Deste modo, cumpre analisar estas duas pressuposições supramencionadas: primeiro, investigar o que é teologia a partir das pressuposições de Tomás; segundo, investigar o que é a existência teológica a partir do exemplo de Tomás como teólogo.
III. A Definição de Teologia.
21. Em relação a primeira
pressuposição, se evocam oito aspectos: primeiro, a definição de teologia;
segundo, a natureza da teologia; terceiro, a unidade da teologia; quarto, a
teologia em si; quinto, a teologia humana; sexto, o objeto da teologia; sétimo,
a excelência da teologia; oitavo, a teologia como sabedoria.
22. Primeiro, a definição de
teologia; a definição básica da teologia é o estudo sobre Deus; e, Tomás, em
suas reflexões considera tudo em relação a Deus, ou como Deus em Si mesmo, ou
como causa das coisas, ou então, as coisas enquanto a Ele ordenadas; ora, “é
próprio da doutrina sagrada elucubrar sobre Deus” (STh Ia, q. 1, a. 6,
co.); logo, a teologia, enquanto emana da sagrada doutrina, ou Sagrada
Escritura, também tem por definição algo concernente a isso, a saber,
considerar a Deus; por isso, a teologia é o estudo sobre Deus e das coisas
enquanto em relação com Ele (cf. STh Ia, q. 1, a. 7, co.).
23. Por isso, dois aspectos são
salientados sobre a teologia: primeiro, sobre a razão do nome teologia; e,
sobre isso, Tomás afirma que a doutrina sagrada possui elevação espiritual[4];
logo, a teologia, também há de possuir esta elevação, pois, versa sobre Deus e
sobre as coisas enquanto em relação com Ele, isto é, lida com a causa altíssima
de todas as coisas; portanto, é um assunto elevado, o assunto elevado por
excelência; assim, a teologia lida necessariamente com os assuntos mais
elevados, que estão além das doutrinas filosóficas, pois versam sobre a
revelação de Deus.
24. Segundo, sobre a definição de
teologia; a definição de teologia advêm de sua proveniência da sagrada
doutrina; logo, a teologia é a reflexão humana sobre os assuntos divinamente
revelados que constituem a doutrina sagrada; por isso, a teologia tem por
definição o estudo e/ou a compreensão a respeito de Deus, isto é, naquilo que
de Deus se pode conhecer, seja no âmbito da natureza, como preâmbulo a fé (cf.
STh Ia, q. 2, a. 2, ad. 1), seja no âmbito da graça, como revelação para a
salvação a fim de que o homem alcance o fim que por Deus fora ordenado (cf. STh
Ia, q. 1, a. 1, co.).
25. Assim, a teologia lida com o
conhecimento a respeito de Deus, isto é, quem Deus é e o que Ele faz; e, lida
com o conhecimento a respeito de como o homem se ordena a Deus, isto é, de como
o homem é salvo e de como deve viver para agradar a Deus; portanto, em Tomás, a
teologia é doutrina e é vida, é dogma e é dogma ético, é ortodoxia em contato
com as Escrituras e os Padres da Igreja, mas também é ética na vida que agrada
a Deus.
26. Segundo, a natureza da teologia;
sendo a teologia o estudo sobre Deus, sua natureza será a de refletir sobre
Deus naquilo que Ele mesmo revelara; a teologia só existe, e se desenvolve a
partir do que concerne a sua natureza; pois, ao refletir sobre Deus, produz
reflexões a respeito de Deus; e esta é a natureza da teologia; por isso, a
teologia é uma ciência, porque é estabelecida por princípios que se assentam na
revelação.
E a teologia é uma ciência que versa
sobre os assuntos concernentes a Deus, os quais foram transmitidos por divina
revelação, pois, “assim como a música acredita nos princípios que lhe foram
transmitidos pela aritmética, a doutrina sagrada acredita nos princípios que
lhe foram revelados por Deus” (STh Ia, q. 1, a. 2, co.).
27. Portanto, a natureza da teologia
está em conformidade com sua definição e sobre o que a mesma versa; pois, os
princípios de uma ciência estão de acordo com o conhecimento donde provêm estes
princípios; logo, há conformidade na teologia entre os princípios da mesma
enquanto ciência e a fonte donde emana estes princípios; assim sendo, a
teologia é corretamente definida como ciência por seus princípios enquanto
ciência e pela base destes princípios, que provêm da Sagrada Doutrina, ou
Sagrada Escritura.
28. Ora, a natureza de algo se
demonstra de dois modos: primeiro, pela essência; segundo, pelos efeitos.
E, a teologia se demonstra destes
dois modos: primeiro, por sua essência, pois todos os assuntos da teologia
tratam a respeito de Deus, tal como Tomás afirma: “todas as outras coisas
determinadas na doutrina sagrada estão incluídas em Deus, não como partes,
espécies ou acidentes, mas como sendo ordenadas de alguma forma a Ele” (STh
Ia, q. 1, a. 7, ad. 2).
Segundo, por seus efeitos, os quais
são dois: um, regar os montes (cf. Sl 104.13), isto é, através da ciência
sagrada, se produz o mesmo efeito das águas que caem sobre os montes, tal como
Tomás afirma que os sagrados doutores, ao ensinarem a sabedoria divina aos seus
ouvintes, fazem como águas que regam os montes, pois os montes ao serem regados
por estas águas produzem rios e toda a terra é fecundada e saciada por estas
águas[5];
o outro, iluminar as mentes (cf. Ef 1.18), o que é produzido pelo Espírito
através dos preceitos das Escrituras, tal como diz Tomás, que os santos
doutores foram instruídos pelo Espírito Santo e conduzidos no texto da Sagrada
Escritura[6];
etc.
Portanto, esta é a natureza da
teologia enquanto ciência que versa sobre Deus e as coisas enquanto em relação
com Ele.
29. Terceiro, a unidade da teologia;
a teologia é uma ciência que possui unidade, mesmo que verse fundamentalmente
sobre Deus, e secundariamente sobre as coisas enquanto em relação com Ele;
pois, como a Escritura compreende a revelação, então, tudo o que é divinamente
revelável, ou está em ordem à revelação, é objeto da teologia; por isso, Tomás
afirma: “visto que as Sagradas Escrituras consideram certas coisas segundo o
fato de serem divinamente reveladas, conforme o que foi dito, todas as coisas
que podem ser divinamente reveladas compartilham um só aspecto formal o objeto
desta ciência” (STh Ia, q. 1, a. 3, co.).
Pois, embora haja uma ordem de
importância nos que assuntos que versam as Escrituras, o assunto principal sob
o qual orbitam os outros assuntos, é Deus; donde, “a doutrina sagrada não
determina igualmente sobre Deus e sobre as criaturas, mas principalmente sobre
Deus, e sobre as criaturas conforme se relacionam com Deus, como no início ou
no fim” (STh Ia, q. 1, a. 3, ad. 1). Logo, a teologia, também se estabelece
deste modo; pois, o tópico principal da teologia diz respeito a Deus; e, os
assuntos amalgamados enquanto a Ele ordenados, seja como princípio seja como
fim; então, a teologia tudo considera em relação a Deus, mesmo em tópicos
diversos além do tópico central.
30. Portanto, toda a logia e
a logística da teologia estão ordenadas a partir de Deus: primeiro, de Seu Ser;
segundo, de Suas Obras; terceiro, dos seres humanos como criaturas de Deus.
Pois, o tópico central da teologia é Deus, a partir do qual todos os outros
tópicos estabelecem-se em alguma importância. E, como “o fim último do ser
humano é o conhecimento de Deus”[7],
então, a teologia ao lidar com Deus, também ordena-se como ciência para ajudar
os homens a atingir este fim último. E, neste sentido, a unidade da teologia
evidencia-se de maneira contundente: unidade de sujeito, unidade de objeto e
unidade de propósito.
31. Quarto, a teologia em si; ora,
tendo a teologia esta unidade, a mesma desemboca na distinção entre a teologia
em si e a teologia humana; ou, naquilo que Scotus afirma, da teologia em si e a
teologia em nós[8].
Pois, a unidade da teologia faz com que a mesma pareça “impressão da ciência
divina” (cf. STh Ia, q. 1, a. 3, ad. 2); ora, se parece impressão da
ciência divina, então, é imitação da mesma; donde, ser correta a distinção
entre a teologia em si, a ciência divina, e a teologia humana (ou teologia em
nós), a ciência sagrada.
E, evidentemente, por ordem de
eminência, se deve compreender a teologia em si (theologia in se); e,
sobre isso, se considera o aspecto que concerne ao conhecimento que Deus tem de
Si mesmo, o qual é perfeito, completo e absoluto; por isso, a teologia em si, a
ciência divina, é amplíssima, pois, é perfeitíssima, tal como o salmista
afirmara: “Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a
posso atingir” (Sl 139.6). E Tomás afirma que a ciência de Deus é
perfeitíssima (cf. STh Ia, q. 14, a. 1, co.); pois, a ciência de Deus é
profundíssima, sob a qual não existe intelecto humano que consiga compreendê-la
totalmente, donde o Apóstolo romper em efusivo louvor: “Ó profundidade das
riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus” (Rm 11.33a).
A teologia em si é qualificada
nestes caracteres; donde, só se chega ao conhecimento de Deus a partir da via
negativa, isto é, a partir do entendimento da não-compreensão sobre estes
mistérios, tal como ensinara Pseudo-Dionísio (cf. MT, I).
32. Quinto, a teologia humana; ora,
a teologia humana é imitação da ciência de Deus ou teologia em si; e, este é o
aspecto fundamental ao se compreender sobre a unidade da teologia, pois, a
unidade da ciência sagrada provêm da mesma ser subalterna a revelação; logo, a
teologia humana só se desenvolve tendo consciência deste aspecto; pois, por
mais aspectos que a teologia humana consiga compreender e entender, são apenas
fragmentos do que realmente é em sua essência a ciência divina; por mais que a
teologia humana possa compreender algo sobre Deus, há sempre mais a ser
entendido; pois, Deus é Ser perfeitíssimo, isto é, está além de toda perfeição,
e Sua perfeição transcende infinitamente a própria perfeição.
33. Portanto, Tomás afirmara que os
santos doutores, isto é, os teólogos, foram conduzidos pelo Espírito Santo ao
texto da Sagrada Escritura; pois, somente assim a teologia humana é edificada,
para glória de Deus; com isso, se pode compreender que, se a teologia humana é
imitação da teologia em si, a mesma terá validade e importância a medida da
verdade desta imitação; ou dito em outros termos, a teologia humana só é
verdadeira a medida que participa, ou a medida que explica e adentra aos
mistérios da teologia divina; a teologia humana tem seu valor a medida de sua
participação na teologia divina; e esta participação se dá de dois modos:
primeiro, pela compreensão e explicação do que concerne a ciência de Deus;
segundo, pela transformação gerada no indivíduo a partir da experiência com a
teologia divina, a saber, pela compreensão sobre Deus e pela comunhão com Ele.
34. Portanto, como a teologia humana
é imitação da ciência divina, sempre é permeada pela experiência com a “caligine
divina” (no sentido dionísico), e sempre é permeada pela glória de Deus, a
qual sempre deve ser o propósito de toda a teologia humana, pois esta glória,
envolta em mistérios impede que os mistérios sagrados sejam propagados aos
infiéis e aos insolentes, mas apenas àqueles que são dignos de tais mistérios,
tal como Pseudo-Dionísio exortara: “Não exponhas os mistérios sagrados a
irreverência dos profanos. Comunique-os santamente, com a devida explicação,
somente a pessoas santas”[9].
Ou, como o próprio Tomás afirma, é
necessário proceder deste modo, “por diligência, a fim de esconder os dogmas
sagrados e divinos do escárnio dos infiéis”[10].
Ora, este são os caracteres centrais da teologia humana, que embora imperfeita
e fragmentária, ainda é teologia, e mantém-se em ordem de acordo com o objeto
de sua imitação e no que este objeto requer ao ser imitado. Pois, toda
imitação, mesmo que imperfeita, procura conformar-se a imagem e as
características do objeto imitado.
35. Sexto, o objeto da teologia;
ora, o objeto de uma ciência se dá de modo tríplice: objeto material (o quê),
objeto formal terminativo (para quê) e objeto formal motivo (porquê). E a
teologia possui este tríplice aspecto concernente ao objeto de uma ciência: o
objeto material é Deus; o objeto formal terminativo é o Deus que é, o Deus
enquanto Deus, pois versa principalmente sobre Deus e das criaturas enquanto a
Ele se referem ou como início ou como fim (cf. STh Ia, q. 1, a. 3, ad. 1); e o
objeto formal motivo é a divina revelação, já que é por meio da revelação que
se obtém o conhecimento sobre a essência de Deus e sobre a salvação do homem
(cf. STh Ia, q. 1, a. 1, co.).
36. Logo, o objeto principal da
teologia é Deus (cf. STh Ia, q. 1, a. 4, s. c.); e, tudo é considerado na
mesma, a partir de seu objeto, e mesmos os tópicos diversos estão a este tópico
ordenados, ou como tendo Deus como princípio, ou Criador, ou como tendo Deus
como fim, isto é, como fim último de todas as coisas e dos seres humanos.
Portanto, o objeto da teologia
demonstra que tudo na teologia deve estar em ordem a Deus e para Deus, conforme
as coisas e tudo o que existe na realidade efetivamente estão. Pois, a teologia
é a ciência especulativa por excelência, donde Tomás afirmar: “mais
especulativa do que prática, porque trata mais principalmente de coisas divinas
do que de atos humanos; a respeito dos quais ele trata de acordo com o fato de
que por eles o homem é ordenado ao conhecimento perfeito de Deus, no qual
consiste a felicidade eterna” (STh Ia, q. 1, a. 4, co.).
37. E isso se confirma através de
três aspectos: primeiro, através do sujeito da ciência sagrada; pois, a ciência
sagrada trata tudo em referência a Deus, ou de Deus em si mesmo, ou das coisas
enquanto por Ele ordenadas ou a Ele ordenadas; sobre o que, Tomás afirma: “Ora,
todas as coisas são tratadas na doutrina sagrada estão em referência a Deus, ou
porque tratam do próprio Deus, ou porque elas estão em ordem para Deus, seja
como começo ou como fim. Daí resulta que Deus é realmente o sujeito desta
ciência” (STh Ia, q. 1, a. 7, co.).
Segundo, através dos artigos da fé;
pois, a fé, ao dividir-se em artigos, os mesmos testemunham do aspecto central
da fé, a saber, que a fé é fé em Deus, já que o que primeiro se requer do
cristão é a fé, sem a qual não se é considerado cristão[11];
ora, a fé está dividida em artigos, todos em ordem a Deus, donde, se afirma que
a fé fundamentalmente trata de um assunto, a saber, Deus, e subdivide este
assunto em três artigos centrais: o primeiro, de Deus Pai; o segundo, de Deus
Filho; o terceiro, de Deus Espírito Santo; e os artigos de fé são os princípios
da ciência sagrada; donde, Tomás afirmar: “Isto também fica evidente nos
princípios desta ciência, que são os artigos de fé, que trata de Deus” (STh
Ia, q. 1, a. 7, co.); logo, através dos artigos da fé se compreende o objeto da
ciência sagrada.
Terceiro, pelos princípios da
ciência sagrada; pois, os princípios da ciência sagrada, sendo oriundos dos
artigos da fé, demonstram que todo o conhecimento a respeito da ciência
sagrada, está contido nos princípios, donde, Tomás asseverar: “pois todo
conhecimento está contido pela virtude nos princípios” (STh Ia, q. 1, a. 7,
co.); portanto, os princípios da ciência sagrada demonstram seu objeto, pois, a
virtude dos princípios da mesma, se tornam evidentes a partir do conhecimento
que está contido neste princípios, a saber, a partir dos artigos da fé. Logo,
se os artigos da fé versam sobre Deus, então, os princípios da ciência sagrada
que dos mesmos provêm também versam sobre Deus; pois, a virtude dos princípios
da ciência sagrada demonstra a excelência do conteúdo do qual são provenientes,
já que esses neste está contido. Portanto, pelos princípios da ciência sagrada
se compreende o objeto da mesma.
38. Sétimo, a excelência da
teologia; entre todas as ciências, a ciência sagrada é a mais excelente, porque
excede ambos os gêneros das ciências; como diz Tomás: “sendo esta ciência ao
mesmo tempo especulativa e prática, ela transcende todas as outras, tanto
especulativas como práticas” (STh Ia, q. 1, a. 5, co.); logo, a teologia é
superior as ciências teoréticas (ou especulativas) quanto é superior as
ciências práticas; em relação as ciências teoréticas, pois a teologia lida com
o assunto especulativo por excelência, a saber, Deus; em relação as ciências
práticas, porque tem por fim último o possuir a Deus. Logo, a teologia
sobrepaira em relação as demais ciências como mais excelente e mais nobre; por
isso, “fica claro que, em todos os sentidos, ela é mais digna que as outras”
(STh Ia, q. 1, a. 5, co.).
Pois, entre as ciências, a mais
grandiosa, é a que tem de se ocupar do assunto mais grandioso (cf. Met.
1026a22). Ora, a ciência sagrada, tem por seu assunto o Primeiro Princípio;
logo, versa sobre o assunto mais grandioso; portanto, é a ciência mais grandiosa.
39. Oitavo, a teologia como
sabedoria; ora, a ciência sagrada é sabedoria, pois, “entre os estudos
humanos, o da sabedoria é o mais perfeito, o mais sublime, o mais útil e o mais
alegre”[12];
logo, a ciência sagrada é o estudo mais perfeito, mais sublime, mais útil e
mais alegre; mais perfeito, porque versa sobre o Ser perfeitíssimo; mais
sublime, porque versa sobre o assunto mais grandioso; mais útil, porque versa
sobre a maior necessidade do ser humano, a salvação; mais alegre, porque é
feito diante da fonte de toda alegria e tem por efeito da própria alegria.
Logo, em todos os sentidos, a teologia é sabedoria.
Além disso, se observa que a
teologia é considerada como sabedoria, devido ao que considera, a saber, Deus;
donde, Tomás afirmar: “a doutrina sagrada considera mais apropriadamente
sobre Deus, a causa mais profunda, não apenas em relação àquilo que é
cognoscível pelas criaturas - que os filósofos conheceram, como é dito em
Romanos 1.19: aquilo que é conhecido por Deus é manifesto para eles - mas
também em relação ao que só Ele conhece sobre si mesmo e é comunicado a outros
por revelação. Daí a doutrina sagrada ser especialmente chamada de sabedoria”
(STh Ia, q. 1, a. 6, co.); portanto, a teologia é sabedoria, tanto porque versa
sobre o assunto maior que a razão natural pode alcançar, a saber, a causa
primeira de todas as coisas; quanto versa sobre o que transcende a razão
humana, a saber, aquilo que é comunicado pela revelação.
Por isso, a ciência sagrada é a
ordenadora da ordem das ciências e do saber; pois, compete ao sábio ordenar;
logo, como a ciência sagrada provêm da revelação, que transcende a razão
humana, então, compete a mesma, já que é sabedoria, ordenar todo o conhecimento
humano, tal como Tomás assevera: “a doutrina sagrada não assume seus
princípios de nenhum conhecimento humano, mas do conhecimento divino, do qual,
como da sabedoria suprema, todo o nosso conhecimento é ordenado” (STh Ia,
q. 1, a. 6, ad. 1); ora, não só o nosso conhecimento, mas a própria vida também
se ordena a partir do entendimento da ciência sagrada, que elucubra não só
sobre o conhecimento a respeito de Deus, mas também sobre a vida correta diante
dEle. Logo, compete a mesma, como sabedoria, ordenar.
40. Ora, estes oito aspectos,
delineiam e abalizam a compreensão sobre o que é a teologia; não somente da
teologia enquanto estudo teorético, mas da teologia enquanto sabedoria; pois, a
teologia não somente é a mais digna de todas as ciências, mas também é a
ciência mais necessária, já que lida com o assunto humano por excelência; logo,
na universitas litterarum, a ciência sagrada ocupa um lugar de
preeminência, já que compete a mesma ordenar o conhecimento humano a luz de um
conhecimento superior.
Pois, se compete ao sábio o ordenar, então compete a sabedoria trazer luz à esta ordenação, com todas as propriedades concernentes a luz que em relação a ordem do conhecimento a ciência sagrada esparge sobre os assuntos humanos; portanto, a teologia, enquanto ciência especulativa e prática, conhecimento e amor, é sabedoria, já que tanto conduz ao conhecimento quanto conduz ao amor; por isso, a definição de teologia, sua sublimidade, sua utilidade e seus efeitos, é o primeiro aspecto no prisma da elucubração tomista sobre a ciência sagrada. E, quanto a primeira pressuposição, basta o que fora dito.
IV. O Exemplo de Tomás como Teólogo.
41. E, em relação a segunda
pressuposição (n. 20) - a da existência teológica -, se evocam quatro aspectos:
primeiro, a existência teológica é atestada a partir do estudo e da explicação
das Sagradas Escrituras; segundo, a existência teológica é efetivada a medida
que se busca ao Senhor por direção e iluminação; terceiro, a existência
teológica também pode se coadunar com aspectos da reflexão filosófica; quarto,
a existência teológica deve ter por objetivo glorificar ao Senhor em doutrinas.
42. Primeiro, a existência teológica
é atestada a partir do estudo e da explicação das Sagradas Escrituras; este é o
preceito fundamental da existência teológica; a existência teológica está em
conformidade com as Escrituras, pois, emana das Escrituras, flui a partir das
Escrituras, e se mantém a partir das Escrituras; toda a existência teológica é
vivida sob o estudo e a explicação das Sagradas Escrituras; e é esta tarefa que
constitui a função primordial do teólogo, tanto que os teólogos medievais eram
fundamentalmente conhecidos com o “título” de baccalaureus biblicus (bacharel
bíblico); e não há outro título mais importante e nem outro título necessário
àqueles que se dedicam à ciência sagrada; pois, o bacharel bíblico, ao se
dedicar e com esmero desenvolver sua função, se torna um magister in
sacra pagina (mestre na página sagrada, ou doutor na Sagrada
Escritura). Aliás, este deve ser o único “título” almejado por aqueles que se
dedicam à ciência sagrada, até mesmo porque entre os “títulos” humanos na ordem
do conhecimento, não existe nenhum “título” superior.
43. E a Sagrada Escritura é o Livro
da reflexão teológica; “este é o livro”, é o axioma fundamental da
existência teológica, no qual ouve-se a voz tal como Agostinho a ouvira: “Toma
e lê, toma e lê”[13].
Portanto, esta é a função do teólogo, tomar a Escritura e lê-la, isto é,
meditar nela e explicá-la. Logo, a Sagrada Escritura, fundamento da fé (cf. STh
IIIa, q. 55, a. 5, co.), demonstra a Verdade revelada; pois, o objeto da fé é a
verdade primeira (cf. STh IIaIIae, q. 1, a. 1, s. c.), a qual é manifestada
pela Sagrada Escritura (cf. STh IIaIIae, q. 5, a. 3, co.); logo, na Escritura
estão todos os preceitos e ensinamentos à existência teológica; na verdade, na
fidelidade à Sagrada Escritura - isto é, em sua compreensão e explicação -,
está o preceito único, suficiente e necessário à reflexão teológica e à
existência teológica.
44. Segundo, a existência teológica
é efetivada a medida que se busca ao Senhor por direção e iluminação; sendo a
Sagrada Escritura, o livro fundamental e mais importante da existência
teológica, deve se afirmar que este livro só é compreendido com oração; pois,
como Tomás assevera: “as palavras de Cristo são tão profundas e ultrapassam
a compreensão humana, que não se pode compreendê-las senão a partir do que ele
mesmo revela” (In Evang. Ioannis, c. 13, lect. 5); portanto, se
compreende a Sagrada Escritura pela iluminação divina, a qual Deus concede aos
fiéis a medida que estes, em sinceridade, verdade e perseverança o buscam e o
encontram nas Sagradas Escrituras; logo, somente com a iluminação divina, se
compreende a Escritura, tal como o Apóstolo afirma: “tendo iluminados os
olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua
vocação e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” (Ef 1.18).
45. Assim, se compreende que tanto a
compreensão, quanto posteriormente, a explicação, são obras espirituais; por
isso, Tomás afirma que o estudo e a explicação das Sagradas Escrituras é uma
obra espiritual que transborda para o bem comum (cf. Quod., VII, q.
7, a. 2, co.). Portanto, a existência teológica é efetivada a medida que se
busca ao Senhor, em oração e na leitura da Escritura, para que Ele conceda
direção e iluminação; e a medida da compreensão da Escritura, a explicação da
mesma se torna mais bem efetivada; e isso sempre é algo crescente, pois, a
Escritura é uma fonte inesgotável, pois, possui uma perfeição amplíssima, tal
como diz o salmista: “A toda perfeição vi limite, mas o teu mandamento é
amplíssimo” (Sl 119.96).
Logo, quanto mais se compreende da
Escritura, mais se tem a compreender; e, com isso, quanto melhor se a
compreende, melhor é a explicação sobre a mesma; por isso, sob o esplendor da
compreensão e a sublimidade da explicação da Sagrada Escritura, a existência
teológica se efetiva e se desenvolve sob a orientação do Espírito Santo, Aquele
que através das Escrituras concede a iluminação dos insights teológicos.
46. Terceiro, a existência teológica
também pode se coadunar com aspectos da reflexão filosófica; ora, a existência
teológica ao se efetivar na explicação e ensino das Sagradas Escrituras também
pode se coadunar com aspectos da reflexão filosófica se o teólogo tiver
capacidades e conhecimentos para desenvolver uma atividade intelectual em
questões filosóficas; no entanto, jamais deve ser o objetivo do teólogo se
tornar um filósofo, pois a intenção do teólogo difere da intenção do filósofo,
e, o teólogo pode se tornar um filósofo pela contribuição filosófica, no
entanto o filósofo jamais chega a ser um teólogo; e isto é compreendido a
partir do modo como se efetiva a existência teológica, pois a teologia se
estabelece sob o argumento de autoridade (cf. STh Ia, q. 1, a. 8, ad. 2),
enquanto que a filosofia na análise da realidade e na busca da verdade racional
(cf. In De Cael. Exp., I, lect. 22).
47. Além do que, o teólogo se
utiliza da filosofia não para desenvolver uma filosofia propriamente dito, mas
em função de sua tarefa teológica; pois, a filosofia auxilia a doutrina sagrada
para dar maior clareza aos assuntos revelados (cf. STh Ia, q. 1, a. 5, ad. 2);
logo, a filosofia serve a teologia, já que a doutrina sagrada chama as outras
ciências para participar do banquete da sabedoria (cf. Pv 9.1-5; cf. STh Ia, q.
1, a. 5, s. c.); assim sendo, a maior dignidade da filosofia na teologia é
fornecer instrumentos para dar maior clareza a doutrina revelada, para que na
explicação da Santa Escritura, os fiéis possam receber da sabedoria que provêm
de Deus (cf. Sl 119.130). E o teólogo, ao se utilizar da filosofia, pode e deve
desenvolver reflexões filosóficas, mas somente em ordem a função da filosofia
na doutrina sagrada. Pois, a doutrina sagrada se inicia no degrau posterior ao
qual a filosofia encerra.
48. Quarto, a existência teológica
deve ter por objetivo glorificar ao Senhor em doutrinas; ora, a existência
teológica tem um propósito bem definido; e este propósito foi delineado por
Alberto como “glorificare dominum in doctrinis”, glorificar ao Senhor em
doutrinas (cf. De Quind. Prob., proem.); e neste propósito se
coaduna tanto essencialmente o propósito da teologia, quanto o propósito da
utilização da filosofia na teologia; pois, a filosofia, ao ser utilizada na
teologia, pressupõem que a mesma fora açambarcada no convite da sabedoria, ao
passo que, se sabe que o propósito de toda a sabedoria humana, ao ser ordenada
pela sabedoria divina, é glorificar ao Senhor (cf. 1Co 10.31).
49. Portanto, a existência teológica
busca glorificar ao Senhor em doutrinas, na preservação da verdade (cf. Fp
1.16), na defesa da fé (cf. Jd 1.3), e na busca da solução dos problemas
teológicos que se apresentam a cristandade ou como fruto de heresias (cf. At
15.1ss), ou do espírito de época, que as mais das vezes é anti-cristão (cf. 1Jo
5.19). Logo, se glorifica ao Senhor, honrando-O, preservando Sua verdade,
defendendo-a, lutando contra as heresias e mantendo-se fiel aos preceitos das
Sagradas Escrituras. Em suma, isto é o que concerne a existência teológica, que
neste sentido, pode ser comparada analogamente a função de um combatente (cf.
2Tm 2.3).
50. Deste modo, se compreende que
tanto a partir das definições que o aquinate evoca sobre a teologia, quanto em
seu próprio exemplo como teólogo, naquilo que ele laborou se encontra os
princípios fundamentais do que é o tomismo; por isso, qualquer análise do
tomismo, deve levar em conta que o tomismo inicia-se e se mantém
fundamentalmente como teologia; por onde, se inicia a reflexão sobre o tomismo
a partir do “Hic est Liber” e através do “Rigans Montes” e não
pelo “De Ente et Essentia” ou outro texto filosófico que seja. O tomismo
inicia-se e recebe sua seiva da teologia bíblica e não da teologia filosófica,
embora ao ser formado e gestado através da teologia bíblica, posteriormente
açambarque sólida elucubração filosófica.
Por isso, para compreender o
tomismo, se deve iniciar pela teologia tomista e por sua base primordial, que
são as explicações bíblicas que Tomás fizera; os comentários bíblicos e os
textos sobre a Sagrada Escritura, na vasta obra do aquinate, são os textos
principais que ele escrevera e que testemunham de sua função primordial
como magister in sacra pagina.
51. E que isso seja levado em conta
tanto por tomistas, quanto por todos aqueles que ao buscarem estudar a ciência
sagrada, os quais certamente defrontar-se-ão com Tomás, e encontrarão nele um
mestre teológico por excelência, mesmo nas questões em que dele se possa
discordar; pois, embora se possa ter discordâncias quanto a filosofia e
argumentações filosóficas, no que tange a pura teologia bíblica, a maestria de
Tomás brilha de maneira excelente, tornando-se quase impossível dele discordar,
e isso seus maravilhosos comentários bíblicos testemunham de maneira
indubitável; etc.
52. E termina aqui esta reflexão sobre a teologia tomista. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
[1] Por exemplo,
Garrigou-Lagrange afirma: “A síntese tomista foi preparada pouco a pouco
através dos comentários de Santo Tomás sobre a Escritura, sobre Aristóteles,
sobre o Mestre das Sentenças, pela Suma contra os Gentios, pelas questões
disputadas, e alcançou forma definitiva na Suma Teológica” (Réginald
Garrigou-Lagrange, La Síntesis Tomista [Buenos Aires:
Ediciones Desclée, 1947], pág. 14).
[2] Gallus
Manser, La Essencia del Tomismo [Madrid, 1947], pág. 63.
[3] cf. Karl
Barth, Dádiva e Louvor: Ensaios de Teologia [3ª ed. São
Leopoldo, RS: Sinodal/EST, 2016], pág. 141-166.
[4] cf. Tomás de
Aquino, Principium Rigans Montes, cap. 1.
[5] Ibidem, prol.
[6] Ibidem, cap. 1.
[7] cf. Tomás de
Aquino, Suma contra os Gentios [2ª ed. Campinas, SP:
Ecclesiae, 2017], livro III, cap. XXV, n. 10,
pág. 385.
[8] cf. Duns Scotus, Ordinatio [ed. ingl.], prol., pars
III, q. 3, n. 141.
[9] Pseudo-Dionísio, De
Ecclesiastica Hierarchia, cap. 1.
[10] Tomás de
Aquino, In Librum B. Dionysii De Divinis Nominibus Expositio,
proem.
[11] cf. Tomás de
Aquino, Expositio in Symbolum Apostolorum, proem.
[12] Tomás de
Aquino, Op. Cit., 2017, livro I, cap. II, n. 1, pág. 48.
[13] cf. Agostinho, Confissões [Coleção Clássicos de Bolso. São Paulo: Paulus, 2002], livro VIII, cap. XII, n. 28.
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