Prefácio.
A elucubração sobre a relação entre religião e
política, as mais das vezes, é controversa; pois, geralmente se tende a um
desequilíbrio: ou se eleva a religião como política, ou se transmuta a política
em religião; e estes erros trazem consequências terríveis, já que se
desequilibra dois aspectos que concorrem conjuntamente no ser humano; pois, o
ser humano é tanto um ser religioso quanto um ser político; portanto, tanto a
fé quanto a política estão imbuídas no todo da vida humana.
Deste modo, a compreensão sobre a relação entre
religião e política sempre deve ser evocada, tanto para abalizar esta correta
relação, quanto para se evitar os erros tenebrosos que são cometidos por
aqueles que são levados por estes dois erros mencionados; e, conquanto a fé,
primariamente verse sobre Deus e as coisas eternas, enquanto neste mundo os
cristãos são chamados a laborar pelo bem; pois, como Deus outorgara a terra aos
filhos dos homens (cf. Sl 115.16b), então, é óbvio que é responsabilidade humana
a correta administração política.
Por isso, a fim de abalizar o correto entendimento
sobre a relação entre religião e política, bem como a fim de tornar conhecidos
alguns perigos que provêm da desfiguração da relação entre religião e política,
se faz necessário elucubrar sobre esta relação; e elucubrar-se-á sobre este
assunto a partir da perspectiva teológica, posto que do ponto de vista da fé, a
religião antecede a política, mesmo quando são elucubradas em conjunto.
Além disso, tendo em vista o crescente entusiasmo
político que tem tomado conta da nação há mais de 60 anos, e que tomara formas
alarmantes em nossa nação na última década, também se elucubra sobre a relação
entre religião e política a fim de aclarar os perigos deste entusiasmo
político, que sempre causa efeitos problemáticos e aporéticos tanto para a vida
eclesial quanto para a vida pública. O entusiasmo político é inimigo da vida
eclesial já que a corrói e desfigura, e a médio prazo é inimigo até mesmo daqueles
que tem a vocação à vida pública.
Por isso, neste ensaio se busca explicar estes e
outros aspectos, a fim de que a correta relação entre religião e política seja
entendida em sua correta acepção, bem como para colocar em ordem esta relação,
e ainda a fim de esclarecer em linhas gerais do que concerne a incumbência
política da Igreja; etc.
Pois, a correta relação entre religião e política,
infere aspectos não somente às Igrejas ou aos políticos, mas em todo o amplo
escopo da vida social, isto é, permeia basicamente todos aspectos que concernem
a vida humana neste mundo. Por isso, é um tópico teológico importante que tem a
ver com o entendimento sobre a vida dos fiéis neste mundo, o qual tem
necessariamente imbuído a elucubração sobre a relação entre fé e política.
Soli Deo Gloria!
In Nomine Iesus!
01 de março de 2025.
Prólogo.
1. A relação entre a fé e a política é por demais
evidente; todavia, esta evidência inegável também demonstra que as mais das
vezes esta relação é tomada sempre com excessos e desvios terríveis, os quais,
desfiguram tanto a fé quanto a política; por isso, se faz necessário refletir
sobre a relação entre religião e política, a partir da perspectiva teológica, e
estabelecer o caminho adequado para que tanto a religião quanto a política
sejam dignificadas em suas respectivas esferas da vida humana.
Pois, o ser humano é tanto um ser religioso quanto um
ser político; no entanto, primeiro é um ser religioso, e, somente depois, um
ser político; e que nunca se esqueça esta ordem; pois, o que concerne a fé
advêm primeiro, e o que concerne a política advêm depois; e, afirme-se também
que a fé não se torna em política, e a política não deve jamais se tornar em
fé, embora deva ser exercida por homens de fé; e, sob estes aspectos se reflete
adequadamente sobre o que concerne a religião e a política.
2. E, em se tratando disso, se deve sempre afirmar de
maneira veemente o que a Declaração Teológica de Barmen diz: “rejeitamos a
falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua
mensagem e organização, a seu bel prazer ou de acordo com as respectivas
convicções ideológicas e políticas reinantes” (§ 3); ora, esta definição
firme, categórica e resoluta, demonstra alguns desvios com os quais os cristãos
e as Igrejas tem de lidar quando ocorre excessos e desvios na correta
inter-relação entre fé e política, e, por conseguinte, entre Igreja e Estado;
pois, os excessos e desvios na correta inter-relação entre fé e política,
ocasionam terríveis desvios na compreensão sobre as funções da Igreja e do
Estado.
Assim, compete aos cristãos a rejeição veemente contra
as Igrejas substituírem a forma de sua mensagem e organização, principalmente
em se tratando de ideologias políticas ou da influência de políticos, ou em
função de promoção política; pois, isto, seria o atestado de que os líderes
religiosos estão “guiando” as Igrejas a seu bel prazer e dominados pelas
convicções ideológicas reinantes, o que é evidência de arrogância e soberba, já
que a existência eclesial deve ser mantida incólume em sua mensagem e organização,
pois do contrário não se tem Igreja.
3. Deste modo, se tem uma ordem de compreensão para a
correta apreensão da relação entre religião e política; e, evidentemente, se
deve compreender a relação entre religião e política na vida humana, pois, como
o ser humano é um ser multifacetado, ao viver e se desenvolver, tem em inter-relação
os vários aspectos que o compõem; assim, se deve pontuar a relação entre
religião e política de acordo com o próprio modo da vida humana, para se
entender se os fiéis realmente estão ou não em conformidade com a Palavra de
Deus nas coisas da vida humana que tem relação com as coisas da fé.
Além disso, diante desta compreensão, se faz
necessário evocar e analisar o preceito fundamental que os fiéis, e as Igrejas,
tem diante de si no que concerne as coisas humanas, tanto para preservarem a fé
quanto para dignificarem a política; e este preceito é o primeiro mandamento.
E, a partir disso, se consegue compreender a incumbência política dos cristãos,
da Igreja, a qual está em ordem aos preceitos das Escrituras e não aos
preceitos das convicções ideológicas.
E, isto, por sua vez, estabelece o preceito básico
pelo qual as Igrejas devem conformar sua vida interna, de maneira correta e
sóbria, em função tanto do propósito da própria Igreja quanto do bem comum,
dando forma, enquanto Igreja, a decisão política de acordo com a unidade da fé
e não no decair em função do prescrever a unidade da fé de acordo com a decisão
política como terrivelmente tem ocorrido nos últimos decênios, o que,
infelizmente, fez com que as Igrejas se perdessem de seu propósito em meio a
máquina de novidades que os lixos ideológicos e os vícios inerentes a corrupção
colocaram como supostos “suportes” a existência eclesial.
4. E, tendo este entendimento, se consegue realmente
compreender, de acordo com a luz superior, o que concerne a compreensão cristã
sobre a política; e fora neste sentido que os humanistas elaboraram o preceito
concernente a “politica administratione”, ou seja, a compreensão
bíblico-teológica sobre o governo civil, sobre a potestade política, sobre os
aspectos e as nuances que comportam a instituição do governo civil.
Pois, para uma correta compreensão sobre a política e
a função dos políticos de acordo com as Escrituras, e a relação destes com a
religião, e vice-versa, há de se analisar o que concerne a administração
política, já que compete aos homens viverem em relação uns com os outros e com
a natureza, e isto por si demonstra a necessidade da administração política.
E, como Tomás afirma, é natural ao homem viver em
sociedade[1];
ou dito em outros termos, é inescapável ao homem a sociabilidade e a
civilidade; assim, é natural ao homem o ser governado, o participar no que
concerne a governança pública e o viver retamente diante da lei.
Ora, isto, em suma, diz respeito a reflexão sobre a
administração política, o que, em si, tem imbuído a reflexão sobre a relação
entre religião e política, tanto para o bem da religião quanto para o bem da
política.
I. Religião e Política, ou, Política e Religião.
5. A primeira e mais fundamental distinção ao se
procurar compreender a relação entre religião e política, é saber se se deve
ordenar esta reflexão a partir do dístico religião e política, ou se a partir
do dístico política e religião; ora, são expressões correlatas, mas que ao
serem definidas adequadamente, requerem uma explicação precisa, já que se referem
a perspectivas distintas, as quais, devem ser colocadas em ordem. Por isso, se
estabelecem dois preceitos: (i) primeiro, religião e política; (ii) segundo,
política e religião.
6. [i] Primeiro, religião e política; isto diz
respeito a compreensão sobre esta relação a partir do entendimento de que
primeiro o ser humano é um ser religioso; e, assim, antes de ser um ser
sócio-político, é um ser religioso; ora, esta preceituação demonstra que antes
de ter o respeito pela dignidade da potestade política, tem o temor e o
respeito pelo Deus Altíssimo, o que, por sua vez, deve ser um princípio da regula
fidei quanto a compreensão sobre a política e sua relação com a religião;
e, principalmente em se tratando da vida interna da Igreja e da existência
eclesial, a qual jamais pode se tornar em expressão de vontade de poder
proveniente de convicções ideológicas, por mais “atraentes” que estas
possam ser, pois, a subversão da existência eclesial por convicções
ideológicas, sejam de esquerda sejam de direita, desfigura a vida interna da
Igreja e corrompe sua tarefa.
Além disso, se se apercebe da importância desta
distinção inicial, para que nunca os cristãos decaiam nestes desvios na esfera
eclesial, já que isso faz com que transmutem a ordem das coisas; pois, na
Igreja, na vida interna da Igreja, em nenhuma hipótese se pode mudar esta
ordem, já que a política e os políticos devem ser respeitados, mas jamais
elevados para aquilo que não são vocacionados na esfera eclesial; na existência
eclesial, a primazia absoluta é de Cristo, e das ordenanças bíblicas para a
vida da Igreja, a qual não permite a subserviência, por menor que seja, para
com as convicções ideológicas ou políticas reinantes; pois, se isto ocorrer, o
que há, na verdade, é manipulação a bel prazer da Igreja do Deus Vivo por
políticos e líderes religiosos para fins nefastos e hediondos.
7. [ii] Segundo, política e religião; isto diz
respeito ao propósito da potestade política; ora, os políticos, mesmo aqueles
que são cristãos, tem suas vocações ordenadas para a vida pública; e, por isso,
não devem buscar ter voz e/ou “autoridade” na esfera eclesial; na verdade, não
existe político que tenha autoridade na esfera eclesial, nem mesmo os políticos
que são cristãos; portanto, ao dedicarem-se a política, devem fazer ressoar a
fé na vida pública e não na vida eclesial.
Pois, infelizmente, o que costumeiramente tem
acontecido é que políticos que se dizem cristãos buscam mais fazer o que
compete aos religiosos, enquanto que a vida pública continua uma baderna e uma
bagunça; ora, os políticos cristãos devem viabilizar-se para o bem público de
acordo com a administração política e não adentrarem na manipulação religiosa,
o que tem ocorrido mesmo quando dizem que apenas estão expressando a fé; e é
muito necessário que os políticos sejam homens de fé, sejam cristãos, mas enquanto
na vida pública, como políticos, tem a responsabilidade impreterível e
preponderante na política e não na Igreja; e que isso ressoe aos quatro cantos
do mundo!
8. Com isso, nesta dupla distinção, se consegue
compreender o que concerne aos cristãos frente a política, e o que concerne aos
políticos frente a Igreja, mesmo os políticos que se dizem cristãos; para as
Igrejas, religião e política, tal como fora descrito; para a política e os
políticos, política e religião, tal como fora descrito; pois, evita-se decair
na falsa doutrina de que a Igreja poderia utilizar-se da Palavra e da obra do
Senhor para fins ideológicos, tal como a Declaração Teológica de Barmen ensina:
“rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja, possuída de arrogância humana,
poderia colocar a Palavra e a obra do Senhor a serviço de quaisquer desejos,
propósitos e planos escolhidos arbitrariamente” (§ 6); com isso, se observa
que se as Igrejas colocam a Palavra e a obra do Senhor a serviço de desejos
políticos, mesmo de políticos que são cristãos, então, o que há é corrupção da
fé e desfiguração da política; este tipo de manipulação ideológica, ocasiona as
mesmas consequências do que a manipulação comunista, com diferença das causas
que guiam tal manipulação, mas os efeitos são os mesmos.
9. Portanto, de acordo com a reta razão e com a
revelação, existe uma ordenação básica fundamental para a compreensão sobre a
relação entre religião e política, que é prescrita tanto às Igrejas quanto aos
políticos, especialmente aos políticos que se dizem cristãos; assim sendo, se
deve perguntar qual o axioma fundamental que deve guiar a compreensão sobre
esta relação.
Ora, este axioma, que é prescrito tanto pela reta
razão quanto pela revelação, é o preceito aferidor de medida, através do qual,
se compreende se a distinção religião-política e política-religião está em
conformidade com a reta razão e a revelação, tal como prescrito pelo Deus
Altíssimo.
Deste modo, este axioma abaliza o que fora dito em
ordem a compreensão sobre o que deve guiar a decisão política, e de como as
Igrejas devem entender as decisões políticas e de como devem exercer a
incumbência política que os cristãos tem enquanto habitantes da cidade dos
homens.
II. O Primeiro Mandamento.
10. O axioma preponderante, principal, fundamental,
tanto à existência teológica, quanto à compreensão sobre a relação entre
religião e política, é o primeiro mandamento (cf. Êx 20.2-6); e, a partir do
primeiro mandamento, se extraem três princípios, que abalizam esta compreensão,
os quais são: (i) primeiro, o senhorio de Deus; (ii) segundo, a singularidade
de Deus; (iii) terceiro, o temor e a reverência para com Deus.
11. [i] Primeiro, o senhorio de Deus (cf. Êx 20.2);
ora, Deus é o Senhor de todas as coisas; tudo a Ele pertence (cf. Sl 24.1);
portanto, o senhorio de Deus sobre tudo e sobre todos, é o primeiro aspecto
evocado pelo primeiro mandamento, que açambarca a responsabilidade moral e
intelectual de reconhecê-Lo como o Soberano do Universo; ainda que os homens
não sigam a religião, honrar e dignificar o Criador é princípio preponderante
da vida pública, e isto não somente é prescrito pela revelação, mas também pela
reta razão; logo, o senhorio de Deus deve abalizar qualquer reflexão sobre a
religião, e qualquer reflexão sobre a relação entre religião e política, e isto
a fim de que não se transmogrife a política em religião e nem se transmute a
religião em política.
Pois, conquanto seja dever da administração política
honrar a Deus como Soberano Senhor do Universo, a administração política não se
torna em religião e não tem “autoridade” na vida interna da Igreja, pois isso é
característica daqueles que buscam o Estado Total. Assim, ao se reconhecer o
senhorio de Deus sobre todas as coisas, se evita que os homens caiam na soberba
e na arrogância de se considerarem como “deus”, bem como isto evita que
os líderes políticos esqueçam que é Deus quem coloca e quem tira os governantes
(cf. Dn 2.21b).
12. [ii] Segundo, a singularidade de Deus (cf. Êx
20.3); ora, Deus também é inigualável; ninguém é como Deus (cf. Sl 77.13b); por
isso, após se evocar o senhorio de Deus, se evoca a singularidade de Deus; e é
dever da administração política honrá-Lo como o Deus único e verdadeiro,
principalmente por parte de políticos que se dizem cristãos; pois, Ele é o
Criador e o Governante de todas as coisas; ora, a singularidade de Deus impede
de se criar “ídolos” políticos, ou dos próprios políticos se tornarem “ídolos”;
pois, a política é serviço, e serviço prestado para a honra de Deus e para o
bem do povo; e o bem do povo só é efetivado a medida que se reconhece o
senhorio e singularidade de Deus, através da qual o povo vive em honra,
decência, dignidade e virtude.
Assim sendo, a singularidade de Deus impede que o
povo, e as Igrejas, honre políticos onde eles não devem ser honrados; o
respeito pela potestade política em exercício deve ser evidente em todos os
lugares, mas a honra devida a potestade política é na vida pública e não na
Igreja; a singularidade de Deus, como pressuposto que é haurido do primeiro
mandamento, denota isso, principalmente em se tratando da vida pública; é
preceito aos cristãos respeitarem e honrarem os políticos na vida pública, mas
na vida interna da Igreja em hipótese nenhuma se pode querer honrar políticos
tal como os mesmos devem ser honrados na vida pública, se não ocorre uma
perversão de valores e princípios; e entender a singularidade de Deus impede
que isto ocorra.
13. [iii] Terceiro, o temor e a reverência para com
Deus (cf. Êx 20.4-5a); ora, o Deus único e verdadeiro, é a quem todos os homens
devem temor e reverência; temor, porque é o Deus vivo e verdadeiro; reverência
porque é o Senhor Soberano do Universo; logo, se deve honrá-Lo como Deus e não
se deve honrar homens como se fossem “deuses”; a honra devida a potestade
política, tanto por parte da própria potestade política quanto por parte do
povo, só é efetivada a medida que se honra ao Deus vivo e verdadeiro; o temor e
a reverência para com Deus são os elementos aferidores de medida da honra que
convém a potestade política e da própria honra da potestade política.
Portanto, temor e reverência a Deus por parte dos
políticos tanto na vida pública quanto na Igreja; pelo menos, é isto que se
espera, principalmente por parte de políticos ditos cristãos, o que se
demonstra com atitudes concretas: primeiro, na vida pública, honrando a Deus e
laborando para o bem do povo; segundo, na Igreja, em honra, decência e
silêncio, que é o que compete aos políticos no âmbito da esfera eclesial.
Pois, do contrário, não há respeito e nem obediência
do primeiro mandamento, que além destes aspectos evocados também requer a
aquiescência total, em todos os aspectos, para com a Sagrada Escritura na vida
da Igreja.
14. Deste modo, quando não se cumpre estes breves
requisitos, se tem, na verdade, uma desobediência para com um mandamento
divino; e assim, as Igrejas acabam por ceder a tentação de cederem a outras
exigências que não as da Palavra de Deus; e, sobre isso, já Barth alertava: “esta
é a poderosa tentação deste tempo, que desponta em todas as formas possíveis:
cedendo ao poder de outras tantas exigências, não compreendemos mais a
intensidade e a exclusividade da exigência da palavra divina como tal”[2]; ora,
esta tentação destes tempos descrito por Barth, também se mostra evidente em
todas as épocas, pois, sempre que a Igreja deixa de ouvir ou prestar obediência
plena para com a Sagrada Escritura acabará cedendo a outras exigências,
principalmente políticas, nas quais se torna movida a bel prazer por homens
arrogantes e soberbos.
Por isso, qualquer tentativa, de quem quer seja, de
mudar ou transmutar a vida interna da Igreja, fazendo com que a Igreja atente a
outras exigências que não as que a Sagrada Escritura estabelece como imutáveis,
é evidência de arrogância e soberba, já que com isso se procura, consciente ou
inconscientemente, tirar a Igreja de seu propósito e torná-la subserviente a
significações diabólicas. Com isso, os cristãos e as Igrejas hão de estarem com
os olhos e os ouvidos mui atentos, lembrando do alerta imorredouro de Pio XI,
papa de Roma, a todo o orbe: “tende um ouvido particularmente atento, quando
noções religiosas são desvirtuadas de seu sentido genuíno e aplicadas a
significações profanas”[3].
E que isto sempre seja motivo de alerta,
principalmente a partir desta simples descrição das exigências prescritas no
primeiro mandamento.
III. A Incumbência Política.
15. Ora, tendo compreendido o axioma preponderante
para que se acople corretamente a relação entre religião e política, se pode
aclarar mais propriamente o preceito sobre a incumbência política da Igreja;
pois, a Igreja, enquanto coluna e firmeza da verdade, tem uma incumbência
política; no entanto, a Igreja não é trampolim para ideologia política, senão
deixa de ser Igreja; mas, a Igreja diante deste mundo há de reconhecer e
exercer sua incumbência política, a fim de manter-se firme em Seu propósito de
anunciar o Santo Evangelho; esta firme resolução por parte dos cristãos e das
Igrejas é uma tomada de decisão, que tem imbuída indiretamente uma posição
política.
Assim sendo, a incumbência política da Igreja não se
reduz a ideologia política ou a práxis política; a incumbência da Igreja diante
da política diz respeito a Igreja continuar exercendo Sua missão, independente
da ideologia política dominante, e continuar a ser coluna e firmeza da verdade,
sem se deixar enveredar pela soberba humana de querer colocar os preceitos
sagrados de acordo com o bel prazer da vontade de poder que permeia as
ideologias políticas.
16. Deste modo, para se compreender adequadamente o
que concerne a incumbência política da Igreja, isto é, a função da Igreja
diante da política, é necessário, de antemão, compreender o ministério que fora
outorgado por Deus a Igreja, a saber, o testemunho da reconciliação, a palavra
da reconciliação, tal como afirma o Apóstolo (cf. 2Co 5.19); portanto, a função
da Igreja diz respeito a este ministério, de anunciar as boas-novas de
salvação, mesmo diante das mazelas tenebrosas, que as mais das vezes assola a
política; por isso, evoca novamente uma sentença do símbolo de Barmen: “Rejeitamos
a falsa doutrina de que a Igreja, desviada deste ministério, poderia dar a si
mesma ou permitir que se lhe dessem líderes especiais revestidos de poderes de
mando” (§ 4).
Com isso, diante da política, a Igreja tem de manter
sua função inalterada; pois, em hipótese nenhuma a Igreja deve aceitar “líderes
especiais”, personalidades carismáticas, ou algo similar, que sejam “revestidos
de poderes de mando”; nenhum homem, por mais garboso e importante que seja,
tem autoridade na vida interna da Igreja, e isto é afirmado não apenas de
facto mas também de jure; aqueles que são líderes civis jamais tem
poderes de mando na esfera eclesial; pois, “líderes especiais revestidos de
poderes de mando”, é algo que somente o Estado Total busca proporcionar;
assim, a Igreja jamais deve se sujeitar a “poderes de mando”, já que
isso corrompe sua função determinada por Deus.
17. Portanto, tendo compreendido este aspecto a
respeito da função da Igreja, de ser portadora e porta-voz da palavra da
reconciliação para este mundo, se pode prosseguir e entender a incumbência
política da Igreja; pois, a Igreja só terá alguma relevância política se não se
tornar instrumento ideológico, mas sim em permanecer firme em Sua função e não
ultrapassando sua missão específica, já que assim mantém firme e conservada a
verdade, que deve servir de base para aqueles que se dedicam a administração política.
Assim sendo, se pode aclarar três aspectos sobre o que concerne a incumbência
política da Igreja, os quais são: (i) primeiro, a distinção entre Igreja e
Estado; (ii) segundo, a Igreja e a administração política; (iii) terceiro, a
Igreja e as crises políticas.
18. [i] Primeiro, a distinção entre Igreja e Estado;
ora, a primeira e mais importante pressuposição a respeito da incumbência
política da Igreja, é a respeito da distinção correta e precisa entre Igreja e
Estado, tanto na doutrina quanto na práxis; pois, geralmente, a corrupção da
correta compreensão sobre a função da Igreja diante da política, passa pela
desfiguração desta distinção, não somente de modo doutrinário, mas também de
modo prático; ora, a abolição, na doutrina e na práxis, desta distinção, desfigura
tanto o propósito e a missão do Estado quanto o propósito e a missão da Igreja;
e, com isso, os aparatos estatais vão sendo permeados pelo religiosismo
estatal, e as Igrejas vão aos poucos se rendendo ao eclesiasticismo estatal; e
tanto o religiosismo estatal quanto o eclesiasticismo estatal ocasionam
consequências terríveis.
19. Deste modo, se deve de antemão verificar sobre o
dever do Estado de acordo com a Escritura, o qual existe para preservar a
ordem, manter a justiça, velar pela paz e ordenar os bens comuns em benefício
do povo (cf. Rm 13.1-7); por isso, o símbolo de Barmen diz: “A Escritura nos
diz que o Estado tem o dever, conforme ordem divina, de zelar pela justiça e
pela paz no mundo ainda que não redimido, no qual também vive a Igreja, segundo
o padrão de julgamento e capacidade humana com emprego da intimidação e exercício
da força” (§ 5); e nesta definição precisa se consegue aperceber do que
concerne a existência do Estado e de seu propósito tanto de acordo com a reta
razão quanto de acordo com a revelação.
Além disso, se deve também verificar sobre o dever da
Igreja, o qual, deve influenciar o Estado não como aparato estatal, mas como
coluna e firmeza da verdade, proclamando e anunciando o Santo Evangelho, tendo
por lema a sentença do Apóstolo: “Porque nada me propus saber entre vós,
senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1Co 2.2). Esta é a missão da
Igreja, na qual reponta sua incumbência política.
20. [ii] Segundo, a Igreja e a administração política;
ora, tendo entendido brevemente a distinção entre Igreja e Estado, se pode
compreender que a incumbência política da Igreja se dá a partir do entendimento
das funções específicas do Estado e da própria Igreja, e o modo como a Igreja
deve influenciar a administração política, não em função de benefícios
eclesiásticos, mas para o bem comum; a influência que as Igrejas devem exercer
é para o bem do povo, e não para “benefícios” das práticas perniciosas dos
viveiros eclesiais.
Assim sendo, a influência das Igrejas na administração
política é em função de um bem, e não da busca de poder e/ou de domínio; logo,
se existe alguma dentre as Igrejas, ou mesmo todas as Igrejas, que busca
domínio e poder, então, não são mais Igreja, mas antro de perdição, já que o
domínio pertence a Deus (cf. Jó 25.2), e não compete, sob hipótese nenhuma, as
Igrejas o quererem dominar a pretexto de ordenação divina, pois, Deus não
ordena a Igreja o dominar no sentido de poder; Ele ordena, isso sim, que os
homens administrem e cuidem da terra para o bem de todos da sociedade, já que
foi para isso que Ele outorgou a terra aos filhos dos homens (cf. Sl 115.16).
Somente assim, e repita-se, somente assim, se tem uma
Igreja verdadeiramente embasada no Santo Evangelho!
21. [iii] Terceiro, a Igreja e as crises políticas;
ora, a função da Igreja de influenciar a administração política para o bem
comum é mais evidente principalmente de quando de crises políticas; pois,
nestes momentos, ou se mostra a firmeza ou se mostra a decadência das Igrejas;
assim, as Igrejas ou se mantém firmes em sua missão específica, de quando das
crises políticas, ou sucumbe as mesmas e as torna trampolim de movimentos e
agitações políticas; ora, se isto ocorrer, então a Igreja é abandonada por Deus
e se torna em establishment político, e com isso, se torna mutável a medida dos
ventos das agitações políticas, que vão de um lado a outro tanto em convicções
ideológicas quanto em práticas sócio-políticas.
Isto, por sua vez, esquizofreniza a função eclesial na
sociedade bem como corrompe a missão inalterável da Igreja de anunciar o Santo
Evangelho. E, diante desta situação, ou a Igreja se torna em aparato das
agitações políticas ou mantém incólume a liberdade que é preciso conservar de
quando das agitações políticas, a saber, a liberdade enquanto doutrina, a
liberdade como dom da graça; e, quanto a isso, Barth assevera: “a liberdade,
que é preciso preservar, é a liberdade, isto é, a soberania da Palavra de Deus
na proclamação e na teologia”[4].
Logo, diante as crises políticas, fundamentalmente e
inviolavelmente, a Igreja deve manter esta liberdade intocada, e deve continuar
proclamando o Evangelho e afirmando a soberania da Palavra de Deus na
proclamação, na teologia e na vida eclesial. Esta é a função impreterível da
Igreja diante das crises políticas.
22. Portanto, nestes três aspectos se consegue aclarar
o que concerne a incumbência política da Igreja, ou melhor, a incumbência da
Igreja diante da política; assim sendo, diante da política, a Igreja deve se
manter firme em sua missão ordenada por Deus e se manter incólume como coluna e
firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.15); pois, a incumbência política da Igreja deve
ser orientada pela Sagrada Escritura.
E se as Igrejas não tem conformidade plena com a
Sagrada Escritura, então, jamais exercerão sua incumbência política de maneira
plena; pelo contrário, sem conformidade plena com a Sagrada Escritura, as
Igrejas se tornam em viveiros de hipocrisia, mentira e manipulação (cf. Os
12.1), e isto em prol das convicções ideológicas e políticas reinantes.
Ora, a chamada Igreja do Reich fora um exemplo de “igreja”
sem conformidade plena com a Sagrada Escritura; mas as “denominações”
evangélicas no Brasil, em sua maior parte, também são um exemplo incontestável
da falta de conformidade plena com a Sagrada Escritura, e isto em grande parte
como efeito de agitações políticas; etc.
23. Então, surge uma grande preocupação com a
crescente e aparentemente “inofensiva” ideologização da Igreja; as
consequências são por demais terríveis para não ligar o sinal vermelho e deixar
todos alertas, mesmo em se tratando de supostamente um “perigo distante”
ou tido como inexistente pela cegueira espiritual comum do movimento evangélico
brasileiro, e em grande parte nos EUA, já que ao sujeitarem-se a ideologização
acabam por se tornar tudo menos Igreja verdadeira.
Deste modo, se pontuou o que concerne sobre a
incumbência política da Igreja; além disso, ao se reafirmar este tópico, também
se estabelece a necessidade de se falar sobre a influência que os cristãos hão
de ter na administração política, a fim de melhor ordená-la ao bem comum e de
preservar as verdades eternas; mas isso não diz respeito a descrição da
incumbência política da Igreja, conquanto seja algo que advenha logo após.
Porém, quanto a incumbência política da Igreja, em
relação ao que fora designado, basta o que fora dito; todavia, que se saiba que
este é apenas um magro esquema a respeito deste assunto, o qual, quiçá, será
melhor analisado posteriormente.
IV. O Perigo da Igreja Ideologizada.
24. E, tendo compreendido o que concerne a incumbência
política da Igreja, se pode aclarar um terrível problema que a cristandade tem
de enfrentar, a saber, a ideologização das Igrejas; e é um perigo hediondo
quando a Igreja se torna ideologizada, pois a Igreja Ideologizada já não tem
mais ouvidos para os ensinamentos do Santo Evangelho; a Igreja Ideologizada é
um “ajuntamento” ou uma “assembleia” que busca se auto-reformar não de acordo
com a Sagrada Escritura, mas de acordo com o entusiasmo político, o que não
apenas é perigoso, mas é o atestado espiritual de que as Igrejas estão
abandonadas por Deus já que estas abandonaram Sua Palavra.
E, quando as Igrejas abandonam o Evangelho, das duas
uma: ou se tornam voláteis ao ímpeto da ideologia que domina a cultura, ou
então se tornam em “órgão” do Estado ou em função de propósitos estatais.
Por isso, se afirma em alto e bom tom o que diz o símbolo de Barmen: “Rejeitamos
a falsa doutrina de que a Igreja poderia e deveria, ultrapassando a sua missão
específica, apropriar-se das características, dos deveres e das dignidades
estatais, tornando-se assim ela mesma, um órgão do Estado” (§ 5).
Pois, a Igreja Ideologizada sempre ultrapassa sua
missão específica em função de convicções ideológicas e políticas reinantes e
se transmogrifa de acordo com o gosto do freguês, e geralmente o faz
apropriando-se dos deveres e das dignidades estatais, estando em ordem, direta
ou indiretamente, aos grimórios do Estado Total.
25. Ora, a compreensão sobre a Igreja Ideologizada se
torna evidente através de algumas indagações, as quais são:
(1) se as decisões tomadas em relação a vida interna
da Igreja têm a ver com a Palavra de Deus ou com o entusiasmo político?
(2) a mensagem proclamada tem a ver com a explicação
da Sagrada Escritura ou é doutrinação ideológica?
(3) se se tem uma conscientização, direta ou indireta,
de que há uma nova incumbência à Igreja?
(4) se a teologia se tornou em teologismo?
(5) se a afirmação dos valores pátrios se sobreleva as
verdades eternas?
Assim, responder-se-á e explicar-se-á cada uma destas
indagações, a fim de que se compreenda as nuances da Igreja Ideologizada.
26. [ad. 1] Ora, se deve compreender que a vida
interna da Igreja há de ter conformidade absoluta com a Sagrada Escritura; e,
isto, por sua vez, é suficiente para se entender se as decisões tomadas em
relação a vida interna da Igreja tem a ver com a Palavra de Deus ou com o
entusiasmo político; pois, se for em conformidade com a Palavra de Deus, então,
a vida interna da Igreja não será dominada pelo lixo ideológico; no entanto, se
as decisões tomadas forem a partir do entusiasmo político terá três
características: primeiro, a busca por novidades; segundo, a mesma espécie de
manipulação que a da classe política; terceiro, parâmetros mundanos e
pecaminosos em relação as coisas sagradas (geralmente através de práticas luxuriosas).
Estas são as consequências mais gerais de quando as
decisões eclesiais são permeadas pelo entusiasmo político e não pela Palavra de
Deus; e, assim, as Igrejas se tornam em expressão da vontade de poder da
ideologia dominante ao invés de ser coluna e firmeza da verdade; aliás, se
afirma de maneira categórica que quando as Igrejas são guiadas nas decisões
eclesiais pelo entusiasmo político, serão permeadas pelos ditames da ideologia
dominante e assim deixará a firmeza da verdade de lado, em nome de uma falsa “tolerância”.
Por isso, o entusiasmo político é devastador quando
adentra aos arraiais eclesiais, mesmo quando tido como “inofensivo” e
com “bons propósitos”; e que se relembre sempre, nunca o entusiasmo
político produz algo de bom para a vida interna da Igreja, na verdade sempre
produz malefícios terríveis como a história da Igreja testemunha, e como mais
particularmente a história da cristandade no séc. XX constatou de maneira
aterradora.
27. [ad. 2] A mensagem que é ordenada à Igreja é a que
está na Sagrada Escritura; por isso, a mensagem a ser proclamada pela Igreja é
a que está em conformidade com a Sagrada Escritura; e, sob nenhuma hipótese a
Igreja pode se render a doutrinação ideológica, que advêm não somente de modo
direto, mas também de modo indireto; não somente com doutrinas e preceitos
ideológicos, mas principalmente com a corrupção da ordem bíblica inerente a
existência eclesial.
Pois, a não-conformidade das Igrejas com a Palavra de
Deus em relação aos políticos no âmbito da existência eclesial, é uma
doutrinação ideológica feita de modo indireto, e com isso, ocorre a corrupção
da vida interna da Igrejas e as torna sujeitas a “poderes de mando humano”.
E, em se tratando do âmbito ideológico, isso ocorre não somente em relação aos
marxistas; pois, qualquer viés ideológico que queira ter “voz” na vida interna
da Igreja, na verdade são dominados pela vontade de poder que quer sujeitar as
Igrejas aos “poderes de mando humano”.
28. [ad. 3] A ideologização da Igreja sempre se
demonstra de várias maneiras; a mais costumeira e clarividente, é a aceitação
geral por parte das Igrejas de que há uma nova incumbência às Igrejas; e não há
nada mais terrível e diabólico do que a rendição por parte das Igrejas a esta
fétida conscientização de uma nova incumbência além daquela prescrita e
ordenada na Sagrada Escritura; além disso, se observa que este tipo de nova
conscientização, que está arrolada aos lixos políticos, nunca provêm de Deus; e
que isso nunca seja esquecido: Deus não ordena novas incumbências a Sua Igreja
por meio de políticos e muito menos ordena aquilo que já não está escrito em
Sua Revelação.
Portanto, Deus não requer outra incumbência a Sua
Igreja além daquela já por Ele determina em Sua Palavra (cf. Is 8.20);
portanto, qualquer tentativa de tentar acoplar à Igreja uma nova incumbência
além das que estão prescritas na Sagrada Escritura, é movimento do diabo para
cauterizar as consciências e dominar a vontade do povo de Deus (cf. 2Co 4.4).
Assim, se as Igrejas, que confessam crer na Sagrada Escritura como norma da fé reta,
permitem práticas e ações, principalmente por causa de viés político, que
estejam contra a Sagrada Escritura, então, o que há é a ação demoníaca para
cegar a mente para a Palavra de Deus e sujeitar as consciências ao entusiasmo
político.
29. [ad. 4] E, quando ocorre a ideologização da
Igreja, a teologia se torna em teologismo, isto é, em teologia ideológica, em
teologia que não se submete a Palavra de Deus, em teologia movida pelo
entusiasmo político; e que triste estado é o da teologia quando a mesma se
torna em teologismo; além disso, quando a teologia se torna em teologismo, a
teologia e os que a ele se dedicam acabam adormecidos espiritualmente; e assim,
a teologia se torna acomodada com autoritarismos e totalitarismos políticos, o
que, por si, demonstra a completa derrocada do propósito e da natureza da
teologia. Por isso, se a teologia se tornar em teologismo, então há uma grave e
terrível ideologização da Igreja, que quando chega neste ponto, já é uma
ideologização que se entranhou em todos os aspectos da vida eclesial.
30. [ad. 5] E a ideologização da Igreja proporciona
uma série de terríveis e tenebrosos desvios quanto a compreensão sobre os
valores pátrios; a própria Escritura prescreve que os fiéis hão de seguir os
valores da pátria em que habitam (cf. Jr 29.4-7), desde que estes não
contradigam as verdades eternas e nem as Sagradas Escrituras; se os valores
pátrios estão contra a Palavra de Deus e contra as verdades eternas, então,
importa mais obedecer a Deus do que aos homens (cf. At 5.29). Portanto, se
houver uma valoração dos valores pátrios, no âmbito eclesial, em detrimento ou
em contrariedade as verdades eternas e a Palavra de Deus, então, certamente há
ideologização da Igreja. Pois, a afirmação de valores pátrios jamais deve se
sobrelevar as verdades eternas.
31. Com isso, através das proposições evocadas nestas
respostas a estas cinco indagações se constata algumas características da
ideologização da Igreja; e, além disso, nestas cinco respostas também
poder-se-iam evocar alguns exemplos históricos que evidenciam as consequências
terríveis da ideologização da Igreja; assim sendo, se constata que sempre que o
entusiasmo político domina uma sociedade despersonalizada, este certamente
adentrará aos arraiais eclesiais, os quais, por sua vez, ao serem ideologizados,
começam a aceitar, a propagar e a promover práticas anti-bíblicas.
Assim, a aceitação, a propagação e a promoção de
práticas anti-bíblicas, demonstra que as Igrejas se esqueceram e rejeitaram a
Palavra de Deus; e se as Igrejas se esquecerem e/ou rejeitarem da Palavra de
Deus, então são abandonadas pelo próprio Deus. Pois, uma Igreja ideologizada é
uma Igreja abandonada por Deus.
32. E, quanto aos exemplos que podem ser evocados a
este respeito, toma-se como exemplo apenas o chamado caso Barth-Hirsch, isto é,
a disputa entre Karl Barth e Emanuel Hirsch a respeito da ideologização da
Igreja; como se sabe, Barth se opôs ferrenhamente a chamada Igreja do Reich,
que fora formada como uma Igreja em ordem ao nacional-socialismo, e uma “Igreja”
que deveria servir aos propósitos estatais; em contrapartida, Emanuel Hirsch,
que era um brilhante teólogo luterano, e que se tornara membro do partido
nazista e conselheiro do bispo do Reich, era totalmente favorável a esta ideia,
a ponto de afirmar que era incumbência da Igreja aceitar tal tipo de
ideologização.
33. E, quanto ao que Hirsch fez em relação a seu apoio
a infame Igreja do Reich, uma Igreja ideologizada, se pode sumariá-la naquilo
que o próprio Hirsch chamou de “vontade eclesiástica dos cristãos alemães”;
ora, os verdadeiros cristãos não possuem vontade eclesiástica; isso é
ferramenta ideológica; pois, a vontade que deve prevalecer na Igreja é a
vontade de Deus tal como está em Sua Palavra; somente assim há verdadeiramente
Igreja; mas, os propósitos de Hirsch, e de outros, servem para aclarar as
consequências da aceitação da ideologização da Igreja, ao ponto de líderes
eclesiásticos se acharem no poder de mudar as práticas eclesiais de acordo com
o lixo ideológico.
Com isso, se constata que quando ocorre a
ideologização da Igreja, o que passa a acontecer é que surge uma suposta “vontade
eclesiástica”, um eclesiasticismo ideológico, que sempre se estabelece em
contrariedade a vontade de Deus para a Igreja; ora, quando se fala em “vontade
eclesiástica”, ou algo similar, seja de modo explícito seja de modo implícito,
se tem a aceitação e propagação de práticas vis e anti-bíblicas; e, quando esta
vil “vontade eclesiástica” não é inicialmente propagada pelo povo, é
propagada pela liderança e assim permeia o povo; ou então, inicia pelo povo e
acaba por influenciar a liderança eclesiástica. Aliás, se afirma que quando
ocorrem manifestações em prol da “vontade eclesiástica”, e de quando
esta está em consonância com as políticas ideológicas reinantes, então as
Igrejas estão abandonadas por Deus.
34. Por isso, que Karl Barth sentenciara contra Hirsch
e a suposta vitória dos “cristãos alemães” em relação a uma “vontade
eclesiástica”, as seguintes palavras: “para o caso talvez já consumado
de uma vitória dos ‘cristãos alemães’, parece que estaremos diante de uma
espécie de época de terror eclesiástico teológico (em que os tambores tomarão
conta do culto e em que E. Hirsch determinará o que é teologia)”[5]; ora,
esta sentença de Barth demonstra alguns aspectos do que concernia esta “vontade
eclesiástica” dos cristãos alemães, a saber, a instituição de uma época em
que somente aqueles que estavam ligados aos aparatos estatais é que definiriam
o que é teologia e que os “tambores tomarão conta do culto”, isto é,
haverá uma corrupção total do culto a Deus; ou seja, tudo aquilo que estivesse
em contrariedade com os propósitos ideológicos, seria logo silenciado; e fora
isso que realmente ocorrera, demonstrando que a ideologização da Igreja sempre
é algo terrível.
35. Mas, esta descrição de Barth em seu imorredouro
ensaio “Existência Teológica Hoje” (1933), deixou Hirsch indignado; e,
em relação ao desmonte que Barth fez em relação aos “cristãos alemães” e
aos propósitos totalitários do Führer, Hirsch respondeu com as seguintes
palavras: “Para nós, cristãos alemães, não faz sentido falar com Karl Barth.
Ele nos chama de ‘hereges abertos e selvagens’. Ele considera o pastor do
distrito militar Müller eclesiasticamente impossível porque ele foi responsável
por nossas novas diretrizes e, portanto, por todos os nossos erros: foi uma
violação da responsabilidade eclesiástica que os três representantes da igreja
estivessem preparados para trabalhar com tal homem com um espírito de
confiança, eles deveriam ter fechado fundamentalmente os ouvidos para ele como
teólogo. Ele fala com referência a nós, cristãos alemães, dos ‘bad boys’ cuja
tentação a igreja deve resistir. Não há como conversar com Karl Barth.
Consciente de sua responsabilidade eclesiástica, ele fechou os ouvidos. É
difícil falar sobre Karl Barth com outras pessoas, entre as quais ele se
esforça para desacreditar nosso bom nome cristão [...] O que resta fazer nessa
situação? A coisa mais simples e óbvia: dar conta da própria vontade
eclesiástica, dar conta da fé da qual provém o risco dessa vontade”[6].
Ora, a resposta de Hirsch, mesmo demonstrando um total
desagrado com relação a crítica de Barth, demonstra a veracidade desta critica;
pois, Hirsch ao atacar Barth em relação ao ensaio “Existência Teológica Hoje”,
comprovou e atestou tudo aquilo que fora denunciado por Barth neste ensaio; na
verdade, Barth, de modo cirúrgico, comprovou que a existência teológica, a vida
da Igreja, está diante da Palavra de Deus e na obediência a Deus e não a
homens; e contra a corrupção ideológica da Igreja, os teólogos hão de estar despertos
e atentos para enfrentar tal corrupção em fidelidade a Sagrada Escritura.
36. E a atitude de Hirsch é a mesma de todos aqueles
que buscam ideologizar a Igreja ou mantê-la ideologizada; pois, os falsos
cristãos, nos movimentos inventados pelo diabo, buscam acoplar outras práticas
e outras doutrinas, que não as que estão no Santo Evangelho; além disso, os que
propagam práticas errôneas sempre tentarão desmerecer ou vituperar aqueles que
os criticam ou denunciam tais práticas; e, ao fazê-lo, os “cristãos
ideológicos”, sejam pastores ou não, principalmente desta nova onda de
castificação feminista que tem procurado subverter a Igreja em função de
ordenação feminista ao sacerdócio (ou ao pastorado), e que já dominou e fez
decair muitas Igrejas, sempre buscarão reafirmar seus “convicções” através de
práticas anti-bíblicas; isto é, ao serem atacados e denunciados em seus erros,
tratarão de reafirmar estes erros e de condenar com hereges e errados aqueles
que os criticam e denunciam.
37. E fora isso que Hirsch fizera; e é isso que os “cristãos
ideológicos” continuarão a fazer; a atitude dos “cristãos ideológicos”
que não são movidos pela Escritura, mas pelo entusiasmo político, será sempre a
indagação de Hirsch: “o que resta fazer nessa situação?”, e a resposta
sempre será a continuidade no erro e nas práticas erradas e anti-bíblicas; e
não é de se assustar que da ideologização da Igreja tenham surgidos tantas
teologias que são tudo, menos verdadeiramente teologia.
Ora, as teologias da libertação marxistas, as
teologias feministas, as teologias raciais (teologia negra, teologia branca, ou
algo similar), as teologias queer, etc., são teologias ideológicas, são
teologias pútridas; e, por isso, devem ser totalmente rejeitadas; pois, na
verdade, são parte do programa de um teologismo hediondo que corrompe e corrói
a racionalidade e desfigura a vida eclesial, imbecilizando os “cristãos”,
e tornando a noiva de Cristo em algo pior do que uma prostituta.
E este exemplo evocado fornece um simples panorama das
ações dos “cristãos ideológicos”, aqueles que conscientes ou não,
promovem a diabólica ideologização da Igreja.
38. E, outro aspecto, é que a ideologização da Igreja
sempre torna os “cristãos ideologizados” sujeitos aos efeitos morais e
intelectuais das ideologias nefastas; os “cristãos ideologizados” são
permeados pela soberba; e se há soberba, então, direta ou indiretamente, haverá
sujeição e subserviência ao comunismo; e onde há soberba, arrogância,
principalmente em se tratando da política, logo o comunismo irromperá contra o
soberbo ou o arrogante com todos seus instrumentos de domínio, tal como Vilmar
houvera alertado: “quanto mais arrogância você tiver, mais certo será que a
tempestade do comunismo irromperá contra você”[7].
Os “cristãos ideologizados” estão calcinados
nesta soberba, de tal modo que o comunismo irromperá, de maneira abrupta ou
não, para dominá-los e sujeitá-los aos ditames do comunismo, através da
inculturação comunista através da soberba.
Esta também é uma das consequências terríveis da
ideologização da Igreja, a qual, infelizmente se tornara um caractere indiscutível
da Igrejas Evangélicas ao redor do mundo, e em parte também do catolicismo e da
ortodoxia, pois, nas Igrejas as práticas ideológicas dominaram e colocaram de
lado as práticas bíblicas.
V. O Perigo do Religiosismo do Estado.
39. Além do perigo da Igreja Ideologizada, se tem um
perigo maior e mais hediondo, a saber, o perigo do religiosismo do Estado; se
sabe pela reta razão que o Estado deve ser laico, isto é, não deve se
intrometer e/ou querer regular a vida interna da Igreja ou das religiões; mas,
a não-compreensão sobre o Estado laico gerou o Estado laicista, que é uma forma
de Estado religioso, pois, a tentativa estatal de laicizar a religião e a
sociedade, em suma, também é um ato religioso só que de acordo com os propósitos
de ideologias nefastas.
Deste modo, se tem o religiosismo do Estado, que é a
desfiguração do propósito e da função da religião em razão de propósitos
estatais, seja de maneira afirmativa, afirmando a interferência do Estado em
assuntos da vida interna da Igreja ou das religiões, seja de maneira negativa,
na propagação dos tentáculos do laicismo; estes dois aspectos, são os dois
lados da mesma moeda do religiosismo do Estado.
Pois, a corrupção da religião, propugnada
filosoficamente por Kant, e encarnada na perspectiva sócio-cultural por Marx,
permeou quase que completamente a existência do Estado na contemporaneidade, e
assim, gerou o religiosismo estatal (neologismo para descrever a corrupção da
religião nos aparatos estatais e suas consequências).
40. Ora, para compreender este religiosismo do Estado,
são apresentadas algumas indagações que tornam mais evidentes este perigo com a
qual os cristãos e as Igrejas tem de ser defrontar em tempos hodiernos:
(1) se os aparatos estatais estão imbuídos com a
crítica a religião?
(2) os aparatos estatais tem se coadunado para violar
a liberdade religiosa?
(3) se a laicidade do Estado tem sido transmutada em
laicismo do Estado?
(4) o Estado tem procurado interferir na vida interna
da Igreja?
(5) o aparato jurídico do Estado tem militado em
função da usurpação da vida interna da Igreja?
Assim, responder-se-á e explicar-se-á cada uma destas
indagações, a fim de que se compreenda as nuances do religiosismo do Estado.
41. [ad. 1] Ora, isto geralmente tem uma resposta
negativa; todavia, na prática, nas ações dos aparatos estatais, geralmente os
mesmos estão imbuídos com a crítica a religião, tal como se demonstra em ações
que deliberadamente inferem a liberdade religiosa e/ou a liberdade crença e de
culto; e, quanto a isso, se afirma também que a crítica a religião, promovida e
propagada através dos aparatos estatais é um vilipêndio contra a ordem social;
pois, a sociedade é sempre religiosa, e mesmo com manifestações religiosas
diversas, sempre tem um tronco religioso em comum; e o respeito a este tronco
religioso comum é parte impreterível da ordem social; agora, se os aparatos
estatais permitem, propagam e promovem atos e ações contra a liberdade
religiosa, particularmente da religião predominante, então, há crítica a
religião imbuída nos aparatos estatais, o que, por si, os corrompe de sua
função e dignidade.
42. [ad. 2] A crítica a religião, imbuída nos aparatos
estatais, é talhada e inculturada para que o Estado possa violar, de maneira
velada e indireta, a liberdade religiosa; por isso, se se tem a crítica a
religião nos aparatos estatais, então, haverá a inferência da liberdade,
principalmente em se tratando da liberdade religiosa; ou dito de outro modo,
haverá liberdade religiosa para quem atacar a religião predominante, mas haverá
perseguição contra a religião predominante quanto esta se utilizar da liberdade
religiosa. Isto, por sua vez, demonstra que os aparatos estatais foram
paulatinamente coadunados e amalgamados para violar a liberdade religiosa; e
isto, evidentemente, é evidência inegável do religiosismo do Estado.
43. [ad. 3] A crítica a religião imbuída nos aparatos
estatais é demonstrada através da transmutação da laicidade do Estado em
laicismo do Estado; pois, a laicidade do Estado é evidenciada através da
não-intromissão ou não-violação da vida interna da Igreja e/ou das religiões,
desde que estas estejam em acordo com a lei; no entanto, de quando da crítica a
religião nos aparatos estatais, então, haverá não a laicidade do Estado, mas o
laicismo do Estado, isto é, os aparatos estatais trabalhando para laicizar a
religião e a liberdade religiosa; a crítica a religião, em seus diversos tipos
e modos, imbuída nos aparatos estatais, é a tentativa direta e indireta de
tornar o Estado laico em Estado laicista.
Portanto, com a crítica a religião, a laicidade do
Estado tem sido transmutada em laicismo do Estado; e as consequências disso são
terríveis, pois, quando isso ocorre haverá esquizofrenização lógico-jurídica
quanto aos preceitos da liberdade religiosa, o que sempre colocará os aparatos
estatais contra a religião, particularmente contra a religião cristã.
44. [ad. 4] Ora, a crítica a religião, a partir das
características que foram descritas, são evidenciadas nos modos pelos quais o
Estado busca interferir na vida interna da Igreja e/ou das religiões; no caso,
geralmente é interferência contra Igreja; pois, a repentina acusação de “machismo”,
“homofobia”, “intolerância” e similares, contra a proclamação da
Igreja, que lhe é inerente dado a liberdade religiosa, e a aceitação destas
acusações sem provas concretas e reais de que realmente assim ocorrera, é evidência
de que o Estado tem procurado interferir a vida interna da Igreja; e esta é
apenas a mais visível e perceptível das evidências; assim, se constata que o
Estado, seja por qual meio for, tem procurado interferir na vida interna da
Igreja, já que tem procurado retirar desta a liberdade religiosa que lhe é
assegurada pela lei.
45. [ad. 5] E, de quando da crítica a religião nos
aparatos estatais, se observa o grau da mesma; pois, se o aparato jurídico do
Estado busca militar em função da usurpação da vida interna da Igreja, então,
não somente há crítica a religião, mas desfiguração e corrupção do próprio
propósito do Estado e de seus aparatos; e, lembrando que a Igreja e a teologia,
tal como afirmara Barth, são a fronteira natural do Estado Total[8]; logo,
se os aparatos estatais estiverem militando em função da usurpação da vida
interna da Igreja, então, o que há por detrás são os tentáculos do Estado
Total, pois, naturalmente a última fronteira antes de se procurar implementar
um Estado Total é a Igreja e a teologia; portanto, quando se tem a crítica a
religião imbuída nos aparatos estatais, ou então mesmo no eclesiasticismo
estatal ou na busca por tal eclesiasticismo, se busca usurpar a vida interna da
Igreja em função de propósitos estatais ou propósitos ideológicos, então, obviamente
se tem uma “mão invisível” que aos poucos está procurando corromper a
última fronteira natural do Estado Total. E, quando isso ocorre, ou começa a
ocorrer, é um sinal de alerta de que algo está sendo feito algo para
implementar alguma forma de Estado Total ou de seu preâmbulo, o Estado Autoritário.
46. Com isso, através das proposições evocadas nestas
respostas a estas cinco indagações se constata algumas características do
religiosismo do Estado; e, poder-se-iam evocar alguns exemplos a respeito
disso; mas o que fora dito, e o exemplo evocado anteriormente a respeito da
ideologização da Igreja, são suficientes também para aclarar o desequilíbrio e
as consequências do religiosismo do Estado; assim sendo, se constata que ao
entusiasmo político dominar uma sociedade despersonalizada, além de corroer os arraiais
eclesiais, também açambarcará os aparatos estatais, os quais, quando dominados
culturalmente por alguma ideologia nefasta, vão aceitar, propagar e promover a
crítica a religião, gestando e formando o religiosismo do Estado; e a medida
que se castifica este religiosismo do Estado, o aparato estatal vai aos poucos
se estabilizando em ordem a formação do Estado Total.
47. No entanto, engana-se quem pensa que o
religiosismo do Estado é somente para implementar o Estado Total cruel e
hediondo; pois, desde a morte de Stálin e o fim do stalinismo como norte
doutrinário do comunismo após Khrushchov,
o comunismo não busca deliberadamente, salvo em alguns resquícios do stalinismo
ao redor do mundo, o domínio com o Estado Total cruento; mas, a partir do
comunismo chinês, o norte orientador do comunismo é a busca do Estado Total sob
a fachada de uma “democracia popular”, tal como ocorre na China; ora,
para isso eles se utilizam da dialética da contradição, a fim de velarem que
estão implementando um Estado Total, sem as práticas cruentas diretas, mas com alguns
benefícios para o povo, dando a ideia de uma “democracia popular”.
Em se
tratando da ciência política, se sabe em si não existe “democracia popular”,
embora seja o sonho de muitos ativistas políticos, mesmo aqueles que não são do
viés político de esquerda; portanto, o grimório do Estado Total em tempos
hodiernos não somente advém com a crueldade, mas com a contradição de querer
implementar algo utópico em função do povo, mas que mantém o Estado com
controle absoluto sob o que o povo deve ter ou deve buscar. Em suma, isto é o
comunismo chinês.
48.
Deste modo, o religiosismo do Estado se estabelece em função do Estado Total,
em tempos hodiernos, não sob formas cruentas, mas velado sob os grimórios da “democracia
popular”, o que faz com que os comunistas dominem não mais diretamente
tirando a liberdade, mas aos poucos dopam a consciência pessoal e social para a
percepção da violação da liberdade que aos poucos vão implementando; e isto,
fazem não de maneira abrupta, mas de maneira velada e paulatina, ao ponto de
conseguirem a longo prazo retirarem da sociedade qualquer percepção e valoração
da inviolabilidade da liberdade. Isto, ao se coadunar com o religiosismo do
Estado, proporciona aos comunistas o instrumento ideal de domínio a longo
prazo, sem precisarem se utilizar da luta armada e sanguinária.
49.
Assim, o religiosismo do Estado com o qual os cristãos e as pessoas de bem hão
de se defrontar é justamente este; o qual, é tão terrível quanto o da práxis
sanguinária; todavia, é muito mais difícil de ser combatido e em muitos casos é
quase que imperceptível; as consequências finais são as mesmas, mas os meios e
os instrumentos para a implementação são totalmente diferentes; e, se observa
que, através da correta implementação da contradição no seio do povo, se
corrompe aos poucos qualquer possibilidade de resistência e percepção para os
propósitos sempre nefastos do comunismo.
E,
consequentemente, isto também atinge os arraiais eclesiais, ao ponto de haverem
muitas Igrejas e muitos cristãos, que são dominados por esta contradição, a
qual, de modo geral, se demonstra da seguinte maneira: a aceitação de doutrinas
e práticas anti-bíblicas, que vão desde perspectivas sociais e políticas as
músicas utilizadas nas Igrejas, ao mesmo tempo em que lutam veementemente para
o mantenimento, de modo obstinado, destas práticas como se fossem parte de uma
nova incumbência à Igreja ou como se diz num adágio que se tornou corriqueiro
no meio evangélico, como se fosse parte do “novo de Deus” ou da
necessidade de não se lembrar das coisas antigas, e coisas similares.
50. Esta
perspectiva é parte da implementação deste tipo de religiosismo do Estado ora
descrito, o qual não se dá de maneira imediata com o controle comunista abrupto,
mas institui a busca por novidade e a mesma se instaura em muitas Igrejas, e,
com isso, o comunismo domina indiretamente estas Igrejas, já que a busca por
novidades faz com que as Igrejas percam a identidade de Igreja, o que as torna
sujeitas ao ímpeto ideológico que domina a cultura – no caso do Brasil, o
comunismo.
Portanto,
a maior parte das Igrejas tem de tudo menos a correta existência eclesial, pois
foram dominadas pelo religiosismo do Estado e se tornaram, mesmo que de maneira
indireta, parte de uma forma pouco elucubrada de eclesiasticismo estatal já que
promovem a vontade de domínio comunista, muitas das vezes sem sequer apoiarem o
comunismo; mas, como são açambarcadas pelo entusiasmo político, então, mesmo
que inconscientemente, acabam por ceder ao princípio comunista da mudança dos
bons costumes, que vem recheado de práticas marxistas que se infiltram de
maneira sorrateira e desfiguram totalmente a vida eclesial.
VI. A Unidade da Fé e a Decisão Política.
51. Assim, tendo visto brevemente dois problemas
terríveis quanto a desfiguração das funções da Igreja e do Estado, cumpre
indagar se a incumbência política da Igreja tem a ver com a unidade da fé? Ou
se a unidade da fé se dá em ordem a incumbência política? Ora, esta indagação,
que parece simplória, é uma das grandes brechas que as Igrejas tem deixado para
as grandes raposas ideológicas adentrarem e destruírem a vinha do Senhor. Pois,
se tem tomado a decisão política como algo preponderante para a unidade da fé;
grandíssimo engano; a unidade da fé não depende de decisão política, embora a
decisão política possa ser tomada a partir da unidade da fé, em função do bem
comum.
52. E, no que tange a incumbência política da Igreja,
se compreende que no âmbito desta incumbência jamais é permitido que os
cristãos definam a unidade da fé a partir de categorias ideológicas; quem assim
o faz é açambarcado na descrição dos “cristãos ideológicos”; ora, a fé
não permite assenhoramento ideológico; se alguém que se diz cristão é
assenhorado por uma ideologia, então, a fé é deixada de lado, é relegada a
não-importância; pois, o assenhoramento ideológico semeia o entusiasmo
político, que sempre produz efeitos negativos, já que o entusiasmo político
acaba por se sujeitar aquilo que Nietzsche chamara de “vontade de poder”.
53. Portanto, se deve aclarar a descrição da relação
entre a unidade da fé e a decisão política a partir do princípio da sobriedade;
sobriedade na relação entre fé e política; e, principalmente sobriedade na
compreensão entre o que concerne a unidade da fé, na vida eclesial e na vida
extra-eclesial, e o que concerne a administração política, na vida pública;
pois, a administração política não deve buscar a unidade da fé, embora deva
respeitar a integridade da fé na sociedade e mesmo na vida pública; no entanto,
a administração política, se for feita por homens de fé, deve ser em função do
bem comum.
54. E, conquanto no âmbito doutrinário exista apenas
uma fé verdadeira, a fé em Jesus Cristo (cf. Ef 4.5), a administração política
não é feita apenas para as pessoas desta fé ou de qualquer outra fé, ou mesmo às
pessoas que dizem não acreditar em nada; a administração política, mesmo sendo
feita por pessoas de fé, deve visar o bem comum e o benefício do povo; por
isso, não é uma decisão em função disto ou daquilo quanto a crença religiosa,
mas em função do bem da coisa pública, que pertence ao povo, o qual tem uma
religião comum.
Ora, isto demonstra que a unidade da fé há de ser
evidente na Igreja e não na política; no entanto, na vida pública há de ser
evidente a decência, a honra e o senso de dever, pois quando isso ocorre então
a sobriedade da decisão política é demonstrada e sublimada através dos
políticos que se dizem cristãos. Logo, em princípio não é questão de fé, mas
sim de correta administração e de um plano adequado para o desenvolvimento
integral.
Por isso, um homem ou uma mulher de fé, isto é, que
seja da confissão cristã, que exerça a política pode e deve demonstrar sua fé,
mas na vida pública não em termos religiosos, mas sim em suas decisões sóbrias
na administração política e para o bem do povo e não em querer formar um
eclesiasticismo estatal ou em propagar o religiosismo do Estado.
55. Deste modo, o princípio da sobriedade estabelece
três pressuposições[9]:
(i) primeiro, a decisão política deve envolver coragem e humildade; (ii)
segundo, a decisão política deve envolver boa disposição; (iii) terceiro, a
decisão política deve envolver responsabilidade diante de Deus e senso de dever
diante do povo.
56. [i] Primeiro, a decisão política deve envolver
coragem e humildade; ora, coragem e humildade, já que dever e responsabilidade
estão amalgamados na decisão política; por isso, coragem, determinação,
resolução, a fim de se ter a virtude necessária para a decisão política sóbria;
e humildade, modéstia, simplicidade, a fim de se suportar com dedicação as
ambiguidades da decisão política; coragem para poder exercer corretamente a
administração política diante dos desafios da mesma; humildade para enfrentar estes
desafios sem decair em desequilíbrios.
Portanto, a decisão política, principalmente por parte
de políticos que se dizem cristãos, deve envolver coragem e humildade: coragem
para desenvolverem uma boa administração política, humildade para não decaírem
nos erros do eclesiasticismo estatal; além do que, humildade para não serem
açambarcados no “jogo da soberba” engendrado pelo comunismo.
Por isso, estas são as características fundamentais
que devem permear a decisão política, posto que, coragem e humildade são duas
características fundamentais para quem tem a vocação para a administração
política.
57. [ii] Segundo, a decisão política deve envolver boa
disposição; além de coragem e humildade, a decisão política deve envolver boa
disposição, bom ânimo; ora, ter boa disposição independe de adversidades, já
que é a decisão de uma personalidade integrada; a boa disposição é ainda mais
evidente em tempos de adversidades; por isso, àqueles que tem vocação à
administração política, devem ser homens e mulheres de personalidade integrada,
para que diante dos momentos de adversidades permaneçam com boa disposição, a
qual ajuda a preservar a coragem e a humildade no exercício da administração
política; portanto, a boa disposição deve ser o “remédio” e a “nutrição” para
aqueles que se dedicam a administração política; o “remédio” de quando as
vicissitudes da vida política acutilam de modo agudo; e a “nutrição” de quando
precisam de mais vigor e incentivo para continuarem em meios aos erros e
desacertos. Por isso, só há decisão política sóbria quando há boa disposição.
58. [iii] Terceiro, a decisão política deve envolver
responsabilidade diante de Deus e senso de dever diante do povo; ora, além de
envolver coragem e humildade, e de envolver boa disposição, a decisão política
deve envolver responsabilidade diante de Deus e senso de dever diante do povo;
responsabilidade diante de Deus, ao saberem para o que foram vocacionados e
diante de quem hão de prestar contas, já que os políticos que se dizem cristãos
devem ter o temor a Deus para evitar que deifiquem o Estado ou estatizem as
Igrejas; e senso de dever diante do povo, posto que, ao saberem da
responsabilidade que tem diante de Deus, hão de trabalhar e laborar para o bem
do povo; por isso, responsabilidade diante de Deus, a fim de não se
sobrelevarem além do que são, e senso de dever diante do povo para lhes servir
e lhes proporcionar bens e melhorias a fim de usufruírem do bem-estar social, a
fim de que Deus seja honrado e louvado através de uma boa administração
política.
Portanto, a decisão política envolve a dialógica da
responsabilidade diante de Deus e senso de dever diante do povo, que são
subsequentes, mas também são uma aferidora de medida da outra: se há
responsabilidade diante de Deus, então há de haver senso de dever diante do
povo; e pelo senso de dever diante do povo há de se constatar se há
responsabilidade diante de Deus, e vice-versa.
59. E, diante do tríplice encargo do princípio da
sobriedade que permeia a decisão política, se compreende adequadamente a
dialética que é inerente a relação entre a decisão política e a unidade da fé,
pois jamais a unidade da fé pode se basear em decisão política, e a decisão
política jamais deve beneficiar apenas uma fé ou crença. Mas, também se
compreende adequadamente a dialógica que é inerente a relação entre a decisão
política e a unidade da fé, pois a unidade da fé deve influenciar da melhor
maneira a decisão política, como fora dito, em função do bem comum e a fim de
se ter uma virtuosa administração política, que tem por parâmetros a defesa da
liberdade, a dignidade do indivíduo, a busca da felicidade, o bem-estar social,
uma boa administração pública e o crescimento econômico equilibrado.
60. Além do que, se deve compreender esta dialógica
para que se saiba integrar de maneira correta na vida pública a relação entre
política e religião, posto que tem havido inúmeros desequilíbrios nesta relação
na vida pública, principalmente por parte das Igrejas e dos políticos que se
dizem cristãos, e isto, por sua vez, tem gerado um terrível desequilíbrio que
tem inoculado nas Igrejas o lixo ideológico da ideologia dominante (comunismo),
bem como tem enfraquecido os políticos para o correto exercício de suas
funções.
Ora, esta dialógica evocada é justamente para evitar
que tanto as Igrejas se tornem em curral ideológico, quanto para evitar que os
políticos que se dizem cristãos sejam imbecilizados e enfraquecidos para
enfrentarem os desafios da administração política. Pois, se houver esse
desequilíbrio, então, haverá a corrupção da missão específica tanto da Igreja
quanto do Estado, e, com isso, ambos procurarão, de maneira direta ou indireta,
ocupar as funções que competem ao outro, isto é, ocasionará aquilo que anteriormente
fora dito: ou a Igreja ideologizada ou o religiosismo do Estado; e, novamente
se afirma, as consequências de ambos são terríveis.
61. E que o Deus Altíssimo ajude aqueles que são da fé
e testemunham dEle na vida pública, a ter sobriedade, bom senso, boa disposição
e senso de dever diante do povo, para demonstrarem que são íntegros e sinceros
diante da responsabilidade que assumiram diante de Deus de servi-lo na
administração política e de honrar a lei; e que também as Igrejas estejam
despertas para evitar que o entusiasmo político as domine e as façam ser
abandonadas por Deus (cf. Is 59.2), já o entusiasmo político-ideológico na
esfera eclesial leva os fiéis a cometerem iniquidades.
Além disso, que os cristãos, e, neste quesito,
principalmente os teólogos, estejam atentos e despertos e não indolentes e
adormecidos, lembrando sempre que vez ou outra os perigos do Estado Total
começam a ser novamente ventilados, não somente com roupagem sanguinária
(comunismo leninista e stalinista), mas nos últimos decênios com a roupagem da “dialética
da contradição” (comunismo chinês, maoísmo), e que por estas razões nunca
se devem esquecer que a última fronteira natural do Estado Total é a Igreja e a
teologia[10].
Deo Gratias.
62. E termina aqui esta análise sobre religião e política a partir da perspectiva teológica. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.
[1] cf. Tomás
de Aquino, De Regno Ad Regem Cypri, I, cap. 1.
[2] Karl Barth,
Dádiva e Louvor: Ensaios de Teologia [3ª ed. São Leopoldo, RS:
Sinodal/EST, 2006], pág. 143.
[3]
Pio XI, Mit Brennender Sorge, n. 31.
[4]
Barth, Op. Cit., pág. 163.
[5] Ibidem. Pág. 162.
[6] Emanuel Hirsch, Das kirchliche Wollen der Deutschen Christen
[Berlin, 1933], pág. 5-6.
[7]
August C. F. Vilmar, Schulreden über Fragen der Zeit [Marburg: Elw. Univers. Buchhandlung, 1846], pág.
144.
[8] cf. Barth, Op. Cit., pág.
166.
[9] Estas pressuposições são talhadas
a partir dos aspectos delineados por Barth em seu ensaio “Decisão Política
na Unidade da Fé” (Barth, Op. Cit., pág. 384-388).
[10] Vd. nota 8.
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