29/06/2025

Breve Explicação sobre a Utilidade e os Limites do Método Escolástico

1. O método escolástico é um modo sobre-excelente de desenvolver reflexões racionais; todavia, não é dos mais fáceis a serem utilizados, pois conquanto seja um método simples requer daqueles que do mesmo se utilizam uma completa aquiescência para com a verdade somado a sinceridade na busca pela própria verdade; todas as críticas infundadas contra este método, geralmente são feitas por aqueles que dizendo buscar a verdade são movidos pela insolência e pela luxúria; e Boécio já houvera afirmado que os insolentes e luxuriosos não compreendem os mistérios da brevidade (cf. De Hebd., prol.), algo inerente ao método escolástico. 

2. Por isso, o método escolástico tem uma grande utilidade, embora também tenha seus limites; grande utilidade, dado a ser um método racional excelente para solucionar problemas teoréticos ao mesmo tempo em que mantém nas reflexões a perspectiva dialogal; limites, porque dado a busca por precisão inerente a este método, isso pode gerar jactância e petulância, pois a vanglória que permanece suscita a jactância, como bem afirmara São Máximo o Confessor; além disso, tal tipo de jactância tende a desconsiderar os limites da capacidade humana, levando a uma confiança demasiada nas potências humanas, numa espécie de idealismo.

3. Portanto, dado sua utilidade e tendo em vista seus limites, a elucubração sobre o método escolástico tem sua validade e importância; pois, como Hans Urs von Balthasar dissera, a teologia da escola é dialógica, isto é, procede por meio do diálogo; a questão (quaestione), tem uma estrutura dialética que é fundamentalmente diálogo; por isso, o método escolástico, por meio da questão, procede de modo similar àquilo que o Filósofo estabelecera em muitos de seus escritos, o procedimento de analisar as principais opiniões sobre determinado assunto a fim de abalizá-lo e melhor estruturá-lo; o método escolástico é apenas uma forma mais precisa e mais adequada de chegar a tais avanços racionais, necessários para a vida humana.

4. Mas, é justamente os contornos dialogais que fazem do método escolástico algo excelente para a resolução de problemas teoréticos, não por vanglória mas em função da própria verdade; neste sentido, seja em qual âmbito for, a utilização do método escolar sempre é benéfica e salutar; e mesmo na teologia, tal procedimento tem muito a contribuir, desde que se saiba seus limites, pois mesmo o mais preciso e excelente entre os métodos de raciocínio já utilizados pelos homens ainda sim é totalmente insuficiente ao lidar com os mistérios da divina revelação; e não saber estes limites e não entendê-los leva a petulância, tal como se mostra evidente em muitos dos escolásticos latinos; assim, em se tratando da filosofia, e da soluções de problemas aporéticos seja em qual área do saber for, o método escolástico tem muito a ajudar e a pontilhar caminhos mais excelentes no lume da luz interior.

5. Deste modo, ao se utilizar deste método na solução de problemas teoréticos, o faço com o único objetivo de abalizar estes problemas e dissolvê-los em ordem a uma melhor compreensão de acordo com a reta razão, e isto, evidentemente, para glorificar ao Senhor em doutrinas; e, quanto a utilização deste método em assuntos teológicos, é devido a que, em certos aspectos se faz necessário um entendimento mais abalizado racionalmente, dado a confusões e heresias que algumas ambiguidades podem gerar, o que, a utilização do método da questão é muito salutar para abalizar.

Com isso, seja na filosofia seja na teologia o método escolástico tem muito a oferecer, seja na lição, seja na questão, ou ainda na quodlibet; aliás, o espírito escolástico sempre é eficaz, desde que não decaia em petulância ou jactância; quando isso ocorre já não é mais espírito escolástico, mas petulância escolástica. E, neste sentido, se tem o grande exemplo de São Gregório Palamas, o qual tivera um espírito escolástico, mas não decaiu no pedantismo, pois manteve-se em honra a verdade na segurança da própria verdade e não de sua sapiência.

6. Assim sendo, em meio aos turbilhões de doutrinas estranhas a reta razão que é propagada em tempos hodiernos, o espírito escolástico é de muita valia; pois, em meio as confusões terríveis que assolam a racionalidade do mundo hodierno, nada melhor do que contrapô-la, com humildade, mas com segurança e resolução, a antiga sabedoria dos verdadeiros filósofos e aos esplendores da sapiência dos Padres da Igreja; e o melhor modo, certamente, seria retomar com sinceridade e devoção a verdade, o espírito escolástico; sem pedantismo e soberba nas coisas espirituais, mas com firmeza e resolução nas coisas racionais.

Ora, certamente, a utilidade do método escolástico está em o mesmo servir de guia na busca pela verdade, com temor e humildade; na verdade, diante da luxuria e da insolência da quase totalidade dos filósofos modernos, a humildade do método escolástico certamente gera um grande desconcerto; mas, com certeza, diante das confusões de princípios, da crescente destruição da inteligência por ideologias nefastas, e de tantas outros aspectos que obnubilam a inteligência, a utilização do método escolástico é um fanal para dissolver as negruras que advém da obra maligna de impedir a razão humana de funcionar.

7. Neste sentido, e para este propósito, certamente o espírito escolástico é muito útil e eficaz; contra isso, não há o que falar, apenas o cuidado e a vigilância com o pedantismo e a jactância em relação as coisas da fé; e, escrevo estas breves palavras, como uma espécie de prestação de contas do porque me utilizo do método escolástico em escritos filosóficos, e mesmo em alguns escritos teológicos.

E que isso não cause estranheza, mas imitando o exemplo de São Gregório Palamas, no espírito escolástico, e imitando o exemplo de São Genádio Scholarius, com o aristotelismo, me utilizarei sempre que necessário do método escolástico.

No entanto, ao me utilizar do método escolástico jamais tem por intuito o sobressair-se aos demais, mas pura e simplesmente, através da solução de problemas teoréticos, glorificar ao Senhor em doutrinas. 

θεῷ χάρις


28/06/2025

Nótula sobre Meus Escritos

1. A produção por escrito, as mais das vezes, chamada de produção intelectual, conquanto possa ter algum proveito e alguma utilidade, nunca é por si suficiente, tanto pela limitação do intelecto humano quanto pela própria falta de atenção e/ou falta de busca por tais conhecimentos; assim, quando algum autor, seja em que área do saber for, produz algo por escrito, a humildade que convém ao intelectual prescreve de maneira indiscutível o caminho da revisão dos próprios escritos; muitos o fazem ao fim da vida, e é o mais correto a se fazer, tal como Agostinho fizera em suas “Retratações”, e que permanece sendo um exemplo grandiloquente de humildade intelectual. 

2. No entanto, ainda não cheguei e longe estou de escrever retratações ou revisões; no entanto, já escrevi muito, tanto em relação a teologia quanto em relação a filosofia; observando o meu itinerário pessoal quanto a escrita, isso me leva a surpresa; pois, muito foi produzido em muitos poucos anos; e, somando-se a isso a decisão de tornar pública, sem nenhum impedimento e/ou coerção, a mudança que ocorreu em meu pensamento desde os 19 anos, quando meu coração se virou para a ortodoxia, quando então compreendi os grimórios do protestantismo e me defrontei com a beleza da ortodoxia.

3. Com isso, sendo o tempo de finalmente - e louvado seja Deus por isso -, de declarar publicamente e por escrito esta virada em meu pensamento que me orientará até o fim da vida, sob a boa mão do Senhor, resolvi escrever uma pequena nótula, ainda não retratações, a respeito de tudo aquilo que produzi até o presente momento; não para vaidade ou vanglória, mas para pelo menos dar um panorama de tudo aquilo que o Senhor me conduziu a refletir e a pensar, o que gerou muitos bons frutos por escrito.

4. Certamente, em se tratando da teologia jamais pode-se resumi-la a apenas a produção intelectual; pois, mesmo homens ímpios produzem algo de valor intelectual, o que não é nenhum mistério; no entanto, em relação a teologia, a produção intelectual tem sua utilidade, mas apenas derivada, já que o cerne, o núcleo e a seiva da verdadeira teologia é a experiência de Deus; portanto, tudo aquilo que produzi por escrito, em seus mais variados gêneros literários da ciência sagrada, tem importância apenas derivada, pois foram frutos imperfeitos e parciais da experiência de Deus; e, quanto aos escritos em filosofia possuem valor naquilo que refletem em ordem a apurar a compreensão em seus respectivos assuntos.

5. Deste modo, se pode afirmar que o que mais importa na teologia, retomando a sentença de São Nicolau Cabásilas, é a vida em Cristo; nada mais importante, nada mais útil, nada mais excelente, pois, nEle, em Cristo, “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2.3), pois, Ele, Cristo, “foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30). Assim, a verdadeira teologia é anunciação da vida em Cristo, fundamentalmente pelo exemplo; e, somente após, e apenas como apêndice, por escrito. Pois, a vida santa fala muito mais e muito mais alto do que milhares de páginas escritas.

6. E, tendo diante de mim este caminho, e procurando segui-lo, como aquele que está a caminho, theologia viatorum, produzi os mais variados escritos durante os anos, tais como: meditações, lições, estudos, reflexões, sermões, análises, artigos, exposições, e mais propriamente nos últimos quatro anos ensaios, questões, comentários teológicos e filosóficos; tudo o que produzi foi ao mesmo tempo fruto do meu testemunho de fé, sustentado pela graça de Deus, e fruto de procurar glorificar ao Senhor em doutrinas quanto as questões racionais; na verdade, estes escritos, em centenas e mais centenas - provavelmente já ultrapassaram os milhares (ainda não contabilizei, pois isso é algo sem importância) -, são uma forma de testemunhar, de modo parcial e imperfeito, o esplendor da fé em Jesus Cristo e tudo o que isto significa.

7. Com isso, considerei por bem descrever estes breves aspectos, tanto no intuito de informar sobre esta parte do que desenvolvi como “atividade” teológica, não só diante de mim mesmo, mas também diante de Deus e à todos aqueles que se interessam por aquilo que tenho escrito; portanto, esta nótula estabelece uma apresentação básica do que produzi por escrito, bem como esclarece brevemente a razão desta produção; com isso, após as declarações públicas desta virada em meu pensamento, que já geraram algumas calúnias e maledicências por parte de homens ímpios e vis, alguns dos quais responderei noutro escrito, espero que continue o interesse pelo que escrevo, mas agora com uma peculiaridade a mais, a saber, ser fiel em tudo a fé ortodoxa. 

θεῷ χάρις


27/06/2025

Breve Explicação sobre o Conceito de Ente

1. Ora, tendo em vista a inerente dificuldade dos assuntos filosóficos, principalmente devido a limitação da inteligência e a limitação da linguagem para expressar as coisas que são de modo correto, se estabeleceu, como que uma tradição, em definir, mesmo que de maneira geral, todas as coisas existentes como ente; por isso, o termo ente passou a ser designado para definir todas as coisas que existem na realidade.

2. Portanto, este designativo geral, em relação as coisas naturais, é muito útil; no entanto, também possui limitações; ao se definir todas as coisas como ente se açambarca um modo de analisar a realidade, que até certo ponto tem alguma utilidade; todavia, ao se definir todas as coisas da realidade como ente, se tem uma definição generalíssima, a qual não significa as particularidades de cada ente.

Por isso, ao se aferir que tudo o que é, é ente, se faz uma descrição geral, a fim de engendrar a compreensão sobre determinado algo num modo adequado de compreensão sobre a realidade.

E, quanto a isso, não se tem problemáticas, já que o próprio desenvolvimento da ciência e da filosofia é algo inerente ao mandamento cultural do Criador à criatura (cf. Gn 1.28, 2.19-20a); e não somente na perspectiva judaico-cristã, mas também na perspectiva árabe, onde também se reafirma o cultivo da racionalidade através do estudo, pois a dignificação dos islâmicos está na busca pelo conhecimento (cf. Al-Qur’án, 58.11).

3. Deste modo, ao se adentrar na explicação da filosofia, a partir de vias aristotélicas, em todo o amplo âmbito do aristotelismo, do antigo helenismo ao averroísmo e ao albertianismo/tomismo, se tem um salutar aspecto para se facilitar a compreensão da análise da realidade; assim, o termo ente é um dos primeiros termos a serem definidos e explicados no âmbito da análise filosófica; e, como tal, sua utilização não impugna os assuntos da fé; todavia, a utilização deste termo tem limites, e os mesmos precisam ser explicados, tanto em função da melhor utilização da filosofia, quanto para se evitar erros filosóficos que vituperam os mais importantes aspectos da fé.

Pois, a má utilização do termo ente, e sua significação errônea, tem gerado uma compreensão despessoalizada da realidade e da vida, quase como uma negação da realidade, tal como na filosofia oriental; pois, se tem tomado os seres, os indivíduos, como se fossem coisas; e, pior, se tem tomado o ser humano como uma coisa, o que é vituperação da dignidade humana, além do que gera uma série de problemas sobre a significação teológica do homem como criado a imagem de Deus; etc.

Ora, uma das razões da despessoalização, da compreensão despessoalizada do ser humano está na não-compreensão e na má utilização do termo ente, pois se tomara o termo ente como se fosse um dogma, enquanto na verdade não o é. O termo ente é simplesmente um vocábulo para ajudar na compreensão filosófica, não um dogma; por isso, se se utilizar o termo ente, é apenas para melhor clarificar algumas ponderações e elucubrações racionais, não para criar dogma filosófico.

4. Com isso, e a fim de que o conceito de ente seja corretamente utilizado, se deve ter três aspectos, os quais devem ser muito bem abalizados, a saber: primeiro, a definição de ente; segundo, as distinções inerentes a ente; terceiro, as divisões inerentes ao estudo filosófico.

5. Primeiro, a definição de ente; em suma, se define ente como a descrição de todas as coisas existentes; pois, tudo o que é, é o que primeiro o intelecto concebe; por isso, no dizer de Avicena, ente é o que é primeiro concebido pelo intelecto (cf. Met., I, 6); por isso, tudo aquilo que é, é o que atina aos sentidos, e estes para a intenção da coisa presente na alma, a fim de que ao captar algo da realidade, o intelecto racional abstraia os indivisíveis, na simples intelecção; ora, ao fazer isso, a inteligência começa a se desenvolver a partir da abstração sensível e racional dos costumes, das definições dos entes tal como eles são na realidade.

Portanto, ao se definir ente, se faz em suma, a definição generalíssima das coisas que são apreendidas ao serem atinadas pela percepção sensível. Logo, ente, pode ser corretamente definido, como Avicena propugnara, como aquilo que é primeiro concebido pelo intelecto, não porque o intelecto concebe ente pura e simplesmente como tal, mas porque o termo ente é usado para designar as coisas existentes, as quais, por sua vez, são realmente o que primeiro o intelecto capta através da experiência sensível.

6. Segundo, as distinções inerentes a ente; ora, as distinções concernentes ao ente, a partir de sua definição geral, dizem respeito a se distinguir os entes em coisas e seres; as coisas, os objetos inanimados; os seres, os objetos animados; nas coisas, se tem muitas subdivisões, que não convém por ora evocar; no entanto, quanto aos seres, se os subdivide primeiro através da distinção entre ente infinito e os entes finitos; e, os entes finitos, ou seres, se os distingue em animais, seres humanos e seres espirituais (substâncias separadas ou anjos).

Portanto, estas são as distinções mais fundamentais ao se elucubrar sobre o ente; pois, ao se distinguir o ente finito em coisas e seres, se sabe o modo como se deve designar de modo mais particular tanto as coisas quanto os seres; pois, jamais se deve confundir ou não distinguir corretamente, e por definições, a diferença entre coisas e seres, já que o primado ontológico do indivíduo é preceito constituinte da ordem da realidade; logo, nunca uma coisa será mais importante do que um ser.

Assim, tendo estas distinções de forma clara e precisa, e observando os limites das mesmas, se consegue se utilizar adequadamente do termo ente no que concerne a reflexão filosófica e às exposições racionais.

7. Terceiro, as divisões inerentes ao estudo filosófico; ora, tendo compreendido os dois aspectos mais primordiais a respeito de ente, cumpre entender o modo como estes aspectos inerem no estudo filosófico; pois, o modo como se define e o modo como se distingue o termo ente dá a base para o próprio estudo filosófico, já que constitui a própria ordem das disciplinas filosóficas; assim sendo, primeiro se dá a predicação, ou a abstração de ente, o que está na lógica; logo após, se dá a predicação do ente mais em geral, ou o ente móvel e suas espécies, o que é a física em geral, por isso mesmo é tida como o prólogo da filosofia; depois, o ente enquanto ente, a metafísica, a filosofia propriamente dita.

8. Deste modo, se observa que nesta tríplice distinção se tem a compreensão sobre o estudo filosófico, a saber: primeiro, o instrumento da reflexão filosófica, a lógica; segundo, a base da reflexão filosófica, a física; terceiro, a filosofia em si, a metafísica.

Na lógica, a medida da abstração dos entes da realidade, se compreende o próprio modo da mente funcionar; na física, a medida da compreensão sobre os fenômenos naturais, se compreende as leis que os regem, que estão em consonância com o modo do intelecto funcionar, e assim se compreende o próprio modo como saber é disposto; na metafísica, a medida da compreensão das coisas tal como elas são, se compreende o que concerne a natureza dos entes e sua posição na ordem da realidade, o que por sua vez, demonstra os graus de dignidade ontológica dos entes.

9. Portanto, para uma melhor compreensão do saber, e dos aspectos amalgamados ao saber, se utiliza do termo ente em função desta compreensão e para o desenvolvimento filosófico; e, lembra-se, isto no âmbito do helenismo aristotélico, que perpassou a história; e, mesmo que tenha havido muita rejeição ao aristotelismo após a escolástica latina, não foi tanto por causa de reflexões filosóficas errôneas, mas dado que os mesmos elevaram tais reflexões a patamares muitos altos, o que por si gerou certa estratificação, posto que pensou-se que estava encerrada toda reflexão sobre a filosofia aristotélica dado a qualidade das exposições filosóficas desta época.

10. No entanto, mesmo que neste sentido os escolásticos tenham elevado a compreensão sobre a filosofia aristotélica, a mesma não se resume apenas as sínteses escolásticas, embora estas tenham extraído inúmeras riquezas do corpus aristotelicum.

Por isso, quanto ao aristotelismo, se deve sim se utilizar das descobertas e ampliações corretas que provêm dos escolásticos latinos; todavia, não se pode decair na petulância de evocar que todo o aristotelismo se resume aos mesmos.

Pois, mesmo que Alberto, Tomás, Scotus, e outros, tenham elevado o aristotelismo, e mesmo que Tomás seja tido como o Expositor do Filósofo, ainda sim a filosofia aristotélica não se resume ao escolasticismo; há inúmeros outros comentaristas e muitos comentadores que precisam ser resgatados para a compreensão mais apurada do Filósofo.

Os escolásticos deram precisão a muitos pontos soltos e solucionaram muitas aporias, mas existem ainda muitos outros pontos soltos e ainda muitas outras aporias, provenientes inclusive dos próprios escolásticos, as quais devem ser solucionadas, tais como a própria ambiguidade no conceito de ente, a questão da analogia, etc.

11. Deste modo, se compreende que ao se ponderar sobre a correta utilização do termo ente, se compreende uma série de outros aspectos que vem amalgamados, posto que tal questão é açambarcada em todo o âmbito da elucubração filosófica; embora, a filosofia não se resuma apenas ao aristotelismo, o mesmo é um dos dois pontos da filosofia - o outro é o platonismo. 

Pois, como dissera Coleridge, todos os homens ou são platônicos ou são aristotélicos; na verdade, se pode afirmar que os dois pulmões da filosofia são o platonismo e o aristotelismo; assim, o conceito de ente, mais comum ao aristotelismo, sendo utilizado corretamente, pode ser entendido inclusive a partir de categorias platônicas, já que o que se define como ente a partir do aristotelismo, se define como coisas existentes no platonismo e nas outras escolas filosóficas helênicas.

Com isso, basta apenas evitar desvios conceituais, analógicos e metafísicos provenientes da não-compreensão do termo ente, que a reflexão filosófica continua a se desenvolver de maneira sóbria, e se for utilizada em algum ponto em questões da fé, a fim de se ter uma melhor compreensão e explicação da fé, não gerará nenhum problema e/ou heresia.

Ora, quanto a questão do conceito de ente e sua correta utilização, o que fora dito basta para uma compreensão adequada sobre o assunto, principalmente tendo por parâmetro as lentes da fé. 

θεῷ χάρις


11/06/2025

Breve Resposta aos Aferidores de Chatice

1. Tendo em vista a crescente e numerosa onda de críticas e exortações por parte de sacerdotes, tanto padres quanto pastores, quanto a cristãos “intragáveis”, “chatos”, e similares, tem acendido um alerta, tanto em relação a própria crítica quanto em relação as razões destas exortações.

2. Pois, em se tratando das coisas da fé, se pode falar em cristãos chatos ou intragáveis, quando estes permitem o que a Escritura proíbe e/ou quando proíbem o que a Escritura permite; além disso, não há chatice ou intragabilidade nas coisas da fé; portanto, se compreende que a maior parte das criticas e/ou exortações feitas em relação a cristãos intragáveis se deve, em grande parte, não a que estes realmente assim o sejam, mas pelo fato de que se tem arrolado tantos falsos epítetos sobre o que significa ser cristão, e se tem aceitados tantas práticas infames como algo normal, e se tem cometido tantos abusos litúrgicos, etc., que ao ocorrer alguma firmeza na fé, mesmo a mais simples, sob a sobriedade que as Escrituras ensinam, logo, os fiéis firmes na fé passam a ser rotulados de chatos, intragáveis, etc.

3. Além disso, para se evitar tanto a libertinagem quanto o farisaísmo em relação a fé, se deve ter em mente pelo menos dois princípios gerais: primeiro, não esquizofrenizar a compreensão sobre as coisas da fé, isto é, não perverter a consciência de santidade, pois, como diz a Escritura: “não chameis de impuro o que Deus tornou puro” (At 10.15); ora, não se pode chamar o que é santo de pecaminoso, e nem chamar de pecaminoso o que é santo; e isto em tudo o que diz respeito as coisas da fé. A firmeza da fé está em não enveredar por vias além das que Deus revelou em Sua Santa Palavra.

Segundo, não deixar de guardar e cumprir a Palavra de Deus, pois, quem ama a Deus guarda e cumpre os seus mandamentos (cf. Jo 14.21), isto é, vive de acordo com a Sua Palavra; até mesmo, porque aqueles que dizendo-se cristãos, mas negam os preceitos bíblicos, em palavras e ações, na verdade, são aqueles que na teologia veterotestamentária são tidos como os que se esquecem de Deus; e os que se esquecem de Deus, ou seja, os que não cumprem seus mandamentos, são lançados no inferno (cf. Sl 9.17).

4. Portanto, há de se distinguir entre a firmeza da fé e o farisaísmo; o farisaísmo busca engendrar princípios e preceitos aos outros, além daqueles que estão na Escritura, ao mesmo tempo em que buscam estes preceitos nos outros enquanto os próprios não os praticam; são aqueles que o Senhor Jesus chama de sepulcros caiados (cf. Mt 23.27); no entanto, se tem também o perigo de criticar de farisaísmo, os que buscam viver na firmeza da fé, e, até pior, geralmente se critica de farisaísmo aqueles que exortam os que já estão calcinados nas labaredas da libertinagem.

Pois, os libertinos, isto é, aqueles que permitem o que as Escrituras proíbem, na verdade, não suportam ver e ouvir as críticas daqueles que tem a firmeza na fé, e, as mais das vezes, os libertinos se vociferam contra os que buscam a firmeza na fé com as seguintes expressões: “só você está certo”, “somente você é dono da verdade”, “você é o santão”, e coisas similares, que pelo tom do escárnio, se dá para perceber que provém de um libertino.

5. Assim, não se deve cair nem no farisaísmo, proibir o que a Escritura permite, nem na libertinagem, permitir o que a Escritura proíbe; sem se incorrer nestes dois erros, não se tem cristãos chatos e/ou intragáveis. Por isso, a firmeza na fé depende de estar em concórdia com a Sagrada Escritura; pois, o fiel deve ter fé em tudo quanto está escrito na Sagrada Escritura; Santo Tomás de Aquino diz que devemos ter fé quanto a tudo o que é transmitido na Sagrada Escritura (cf. STh IIaIIae, q. 1, a. 1, ad. 2).

Portanto, se está em conformidade com a Escritura, seja uma proibição, seja uma permissão, o que cumpre ao fiel é obedecer e seguir o que está escrito, e ponto; não é a incapacidade hermenêutica de sacerdotes (padres ou pastores), ou a falta de conhecimento bíblico de leigos, que muda os parâmetros bíblicos, principalmente em questões morais; tendo isto em mente, se consegue compreender que os aferidores da chatice alheia, as mais das vezes, são ou libertinos vorazes, ou então fariseus disfarçados com uma falsa misericórdia; estes são os verdadeiros intragáveis, porque causam “náuseas” em Deus (cf. Ap 3.15-16). 

E parece isto ser suficiente para o presente momento, como uma breve, suscinta e adequada resposta aos aferidores de chatice nas coisas referentes a fé. 

θεῷ χάρις! 


Explicação do “Epigrama sobre Hegel” de Karl Marx

Proêmio   O “ Epigrama II ” ou “ Epigrama sobre Hegel ” (1837) [1] é um texto fundamental da filosofia marxiana, e é um dos textos mais...