26/04/2024

O Múnus da Teologia do Terceiro Artigo

I

 

A reflexão sobre a teologia do terceiro artigo, assim como qualquer outra elucubração, requer a ponderação sobre o múnus de tal reflexão; no caso em específico, sobre o múnus da teologia do terceiro artigo; se na proposição da ideia da teologia do terceiro artigo, a teologia está delineada em sua natureza e propósito, então, no múnus da teologia do terceiro artigo está descrito a aplicabilidade da teologia e os princípios práticos da teologia pneumática; no múnus da teologia do terceiro artigo, se orienta a reflexão teológica partir dos princípios do terceiro artigo, que fornece os pressupostos básicos dos aspectos que se concretizam e se desenvolvem a partir da teologia do Espírito Santo; ou dito em outros termos, os aspectos que provêm da teologia pneumática são expressão do múnus da teologia do terceiro artigo.

E o encargo da teologia do terceiro artigo é estabelecido em tríplice perspectiva: primeiro, em relação a existência eclesial; segundo, em relação a existência extra-eclesial; terceiro, em relação as verdades eternas.

1. Primeiro, em relação a existência eclesial; o primeiro aspecto do encargo da teologia do terceiro artigo é em relação a existência eclesial; pois, sendo a Igreja uma comunidade pneumática, existe e é fortificada sob o poder do Espírito; a existencialidade da Igreja é uma existencialidade pneumatológica; a Igreja vive sob o Poder do Espírito; a existência eclesial, da liturgia a proclamação do Evangelho, é permeada pela atuação do Espírito; a liturgia, das orações aos cânticos, os elementos de culto, tudo tem de ser guiado pelo Espírito segundo as normas que Ele estabelecera na Revelação; e a proclamação do Evangelho só encontra eficácia quando feita sob o poder do Espírito, pois é o Espírito quem convence os pecadores e os mostra Cristo como o Salvador (cf. Jo 16.8-11). Logo, a existência eclesial viva, dinâmica, sóbria, é uma existência pneumática.

2. Segundo, em relação a existência extra-eclesial; o segundo aspecto do encargo da teologia do terceiro artigo é em relação a existência extra-eclesial; pois, na medida em que o Espírito age naqueles que creem, e o faz quando estes estão reunidos como communio sanctorum, os fiéis ainda estão neste mundo, e, por isso, a teologia do terceiro artigo também diz respeito a forma bíblica de se viver neste mundo; o próprio Senhor Jesus orara: “Não peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal” (Jo 17.15); no conhecido lugar comum da doutrina da vida cristã se afirma que o cristão é alguém que está no mundo, mas não é do mundo; vive no mundo criado por Deus para glorificar a Deus, mas não faz parte do sistema maligno dominado por Satanás.

Portanto, a teologia do terceiro artigo também diz respeito a forma como o cristão deve viver em relação a esfera extra-eclesial, em relação a existência extra-eclesial, como sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5.13-16), isto é, com suas obrigações naturais com relação a terra, como sal para preservar e cuidar, e com suas obrigações espirituais diante do mundo, como luz para iluminar este mundo tenebroso que jaz no maligno (cf. 1Jo 5.19).

3. Terceiro, em relação as verdades eternas; o terceiro aspecto do encargo da teologia do terceiro artigo é em relação as verdades eternas; o Espírito estabeleceu verdades eternas imbuídas na criação, para servirem de princípios para a vida humana, tanto para preservar a vida humana da completa corrupção do Pecado quanto para que a vida humana possa se desenvolver; estes princípios são chamados de verdades eternas, as quais, em sua Obra na Graça Comum, o Espírito Santo concede e edifica em benefício de todos os homens; e as verdades eternas são: Liberdade, Justiça, Bondade, Beleza, Verdade, Moral, etc.; estas são as verdades eternas, as quais, o Espírito Santo cultiva na ordem das coisas naturais para servirem de instrumento e de sementes para o desenvolvimento da vida humana.

Portanto, a teologia do terceiro artigo também tem um encargo em relação as verdades eternas, pois, estas são amalgamadas com o desenvolvimento cultural do ser humano, já que o ser humano como ser cultural a medida que se desenvolve o faz porque em suas ações tem imbuído algo das verdades eternas (por isso, das verdades eternas se estabelece a reflexão sobre a teologia da cultura e a própria teologia da cultura é estruturada com e a partir das verdades eternas).

 

II

 

Este tríplice encargo, demonstra de maneira específica o que é a teologia do terceiro artigo em seu propósito e escopo; pois, a partir deste tríplice encargo, delineia-se os princípios do múnus da teologia do terceiro artigo; logo, deste tríplice encargo, se estabelece uma orientação teológica quadrilátera, um quadrilátero teológico que é embasado e se desenvolve com e a partir da teologia do terceiro artigo; assim sendo, se estabelece quatro princípios em relação ao múnus da teologia do terceiro artigo, os quais estão em estreita conexão de continuidade-complementariedade com a tríplice perspectiva do encargo da teologia do terceiro artigo, e que constituem-se de quatro amplos aspectos teológicos, que constituem-se de um quadrilátero teológico; e estes aspectos são: (i) primeiro, em relação a Igreja; (ii) segundo, em relação a existência humana; (iii) terceiro, em relação ao testemunho; (iv) quarto, em relação a vida.

1. [i] Primeiro, em relação a Igreja; evidentemente, a teologia do terceiro artigo diz respeito a Igreja; pois, a própria Igreja é açambarcada no símbolo credal sob o terceiro artigo: “Creio no Espírito Santo, e na Igreja”; portanto, o princípio fundamental da teologia do terceiro artigo, é em relação a Igreja; pois, a Igreja sendo a comunidade pneumática, em sua existência, é evidência visível do agir do Espírito; portanto, o Espírito age na Igreja de forma poderosa, principalmente na salvação dos pecadores e na santificação daqueles que creem; logo, a Igreja é lugar onde aqueles que creem se reúnem para glorificar a Deus, em culto lógico (cf. Rm 12.1) - e o Espírito só age em culto lógico (logike latreia) -, o qual, por vez é orientado pelo Espírito Santo, o iluminador da lógica e da logística divina.

Com isso, em relação a Igreja, se desenvolve a teologia do Espírito Santo; e, uma teologia do Espírito Santo, abaliza uma melhor compreensão sobre a eclesiologia; na verdade, é o princípio preponderante para um melhor desenvolvimento de uma eclesiologia bíblica e sem a influência do lixo da apostasia cultural; pois, as mais das vezes, mesmo entre aqueles que se dizem mais avivados, se tem o perigo da apostasia cultural, pois, muitas vezes o fervor espiritual não vem acompanhado com a mesma medida de conhecimento bíblico; então, quando isso ocorre, a eclesiologia se corrompe; a teologia do terceiro artigo, além de proporcionar um melhor entendimento sobre a eclesiologia, também verifica os perigos que rondam a eclesiologia e que as mais das vezes corrompem a eclesiologia bíblica e saudável; na verdade, uma eclesiologia que não é pneumática, acaba por se desfigurar em eclesiologia anti-bíblica. Portanto, a teologia do terceiro artigo infere uma proposição sobre a eclesiologia, e a própria eclesiologia se desenvolve a partir do terceiro artigo.

2. [ii] Segundo, em relação a existência humana; a teologia do terceiro artigo diz respeito ao ser humano, não como objeto central e primordial, mas como objeto secundário e importante; pois, aqueles que crê, não deixa de ser humano porque crê; na verdade, a verdadeira humanidade só é entendida a luz da fé; o verdadeiro humanismo é o humanismo bíblico.

Portanto, o Espírito Santo age no indivíduo moldando-o a imagem de Cristo, e assim passa a implementar os gérmens da santificação, a infundir as virtudes teologais, a conceder dons, e a agir de maneira poderosa no desenvolvimento da salvação do indivíduo; e, não somente em relação a santificação para o relacionamento com Deus, mas em relação a santificação para o relacionamento com o próximo e na vida em sociedade; o Espírito aperfeiçoa aqueles que creem à vida em sociedade, fazendo com que os fiéis semeiem as sementes do reino de Deus.

A teologia do terceiro artigo em relação a existência humana, é a teologia que foca na influência dos cristãos no mundo semeando os valores do reino de Deus; mas não somente isso, a teologia do terceiro artigo estabelece as proposições para uma teologia integral da vida, com todas as complexidades que isto pressupõe e exige.

Com isso, em relação a existência humana, se desenvolve a teologia da vida; a existência humana é uma existência em vida; pois, sem vida há morte; logo, a teologia do terceiro artigo ao se coadunar com a existência humana, possibilita o desenvolvimento de uma teologia integral da vida; pois, sendo o Espírito Santo a fonte da vida (fons vitae), então, evidentemente, no agir do Espírito haverá sempre vida.

Portanto, a teologia pneumática é uma teologia integral da vida, da vida por inteiro; e da vida como um todo, em todas as esferas da vida humana, com todas as complexidades e dilemas da vida humana; sofrimentos, guerra, doenças, catástrofes, desastres, todos os problemas que assolam a vida humana, são assunto da teologia da vida; e, para as quais, a teologia pneumática sempre procura fornecer um entendimento mais apurado e adequado, mesmo diante das contradições da própria vida.

Ora, como se afirmar a teologia da vida diante da guerra? Como se falar em vida diante da fome? Como se falar em vida em meio as doenças? Estes e muitos outros questionamentos existenciais se defrontam com a teologia da vida, e a teologia da vida procura encontrar uma resposta bíblica e racional para estes questionamentos e nestes questionamentos. Como diz o Dr. Moltmann: “é por isso que faz parte dessa mensagem da vida também consolar os tristes, curar os doentes e sanar as recordações, acolher estranhos e perdoar pecados, ou seja, salvar pecadores dos poderes da destruição a vida ameaçada e prejudicada[1].

3. [iii] Terceiro, em relação ao testemunho; a teologia do terceiro artigo diz respeito ao testemunho; é a parte da existência teológica, onde propriamente dito fica evidente a proposição de que todos os cristãos devem testemunhar (cf. At 1.8); na verdade, o testemunho é parte da tríade da existência teológica; e todos os cristãos estão inseridos nesta perspectiva, pois, existe um ministério teológico de todos os fiéis (como afirma Jürgen Moltmann!), embora isso deva ser entendido corretamente e sem os desvios das loucuras protestantes.

Portanto, a teologia do terceiro é uma teologia martirológica, uma teologia do testemunho, em todos os aspectos e modos do testemunho; do ato de evangelismo pessoal, a proclamação do evangelho, a apologia da fé, até mesmo diante do martírio, a teologia pneumática é uma teologia do testemunho, do testemunho com a vida e com as obras, do testemunho que faz reluzir a bendita mensagem do evangelho através daquele que testemunha como sal da terra e luz do mundo.

Com isso, em relação ao testemunho, se desenvolve a teologia da cultura; a teologia pneumática ao se efetivar no testemunho, a partir deste, desenvolve a perspectiva da teologia da cultura; e a teologia da cultura é a reflexão teológica sobre a cultura e sobre como a cultura se desenvolve, mas também sobre os modos da influência do evangelho sob os mais diversos aspectos culturais; o cristão também é um ser cultural, então, em tudo o que produz para a glória de Deus, também está produzindo cultura; pois, as ações humanas, se feitas de maneira racional e sóbria, sempre produzem cultura; e a medida desta racionalidade é a medida da razão imbuída na produção cultural; quanto maior e mais bem burilada for esta expressão racional, mais significativa e importante será a produção cultural.

A teologia do terceiro artigo, pontua os princípios da teologia da cultura, a medida que se desenvolve com e sob os pressupostos bíblicos, e se amalgama com o entendimento sobre a ação humana e sobre os frutos da ação humana; isto, logicamente, é o que constitui a teologia da cultura, que é o testemunho do evangelho em cada aspecto da cultura, ao mesmo tempo em que produz cultura ao se testemunhar do evangelho.

4. [iv] Quarto, em relação a vida; a teologia do terceiro artigo diz respeito a vida; não somente a existência humana, mas a própria vida como dom de Deus e como responsabilidade do próprio ser humano; a teologia do terceiro artigo tem um princípio em relação a vida, e não somente em relação a uma teologia integral da vida, mas em relação ao próprio qualificativo de “vida”; pois, sendo o Espírito Santo a fonte da vida, é Ele mesmo quem outorga o entendimento sobre a vida e sobre o modo de viver; na verdade, a teologia integral da vida pressupõe a questão sobre a vida, sobre o modo como a vida se desenvolve.

Pois, a vida, se desenvolve a partir das leis fundamentais da própria vida; e a preservação das leis fundamentais da vida, é princípio da teologia do terceiro artigo; pois, onde há vida há a obra do Espírito em conservar e preservar a criação (cf. Sl 104.30); e como o próprio Deus é designado como manancial da vida (cf. Sl 36.9), então, onde há o irradiar do Espírito, haverá vida. Mas, esta dupla ênfase, com perspectivas distintas, em relação a vida, perfazem um princípio fundamental da teologia do terceiro artigo, no que concerne a ênfase na vida em relação a existência humana, e no que concerne a ênfase no elemento fundamental para a vida se desenvolver e ser vivida.

Com isso, em relação a vida, se desenvolve a teologia da liberdade; a teologia do terceiro artigo ao ter uma ênfase na teologia da vida, se coaduna com um princípio preponderante para o desenvolvimento da própria vida; por isso, em relação ao princípio da teologia do terceiro em relação a vida, se desenvolve a teologia da liberdade; pois, a liberdade é princípio preponderante para a vida se desenvolver; tanto que um dos pontos máximos da compreensão do direito, se tem a coadunação da vida e da liberdade como transcendentais dos direitos inalienáveis da pessoa humana (direitos humanos).

Portanto, a teologia da liberdade evoca a própria liberdade como pressuposto para o desenvolvimento da vida, pois, a liberdade é pressuposto estabelecido na ordem da realidade pelo Espírito Santo, e a liberdade é instituída pelo próprio Espírito como lei perfeita para a existência eclesial (cf. Tg 1.25, 2.12).

Deste modo, a teologia pneumática além de evocar uma teologia integral da vida, também evoca uma teologia da vida como dom de Deus e como responsabilidade humana, e assim, pressupõe e edifica a teologia da liberdade. Como diz o Apóstolo: “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17b); e onde o Espírito do Senhor está, aí há vida, porque há liberdade; sem liberdade, a vida se desintegra; sem liberdade, não há defesa da vida; logo, a teologia da liberdade é pressuposta pela teologia da vida, e isto para a defesa e a proteção da própria vida.

 

III

 

Deste modo, a partir destes princípios do múnus da teologia do terceiro artigo, se pode afirmar que a reflexão teológica se desenvolve, como fora dito, sob o agir do Espírito; o princípio preponderante da reflexão teológica, da pesquisa teológica, é compreensão sobre a soberania do Espírito Santo em relação a própria pesquisa teológica; pois, o Espírito age como quer e quando quer (cf. Jo 3.8); portanto, a compreensão deste princípio serve de fanal iluminador para o entendimento de como se deve prosseguir na reflexão teológica, de como se deve efetivar a pesquisa teológica.

Pois, se o Espírito é soberano, então, Sua soberania também é demonstrada na reflexão teológica, e isto livra aqueles que se dedicam a reflexão teológica de cair no pedantismo e na uniteralidade, bem como ensina que tudo de bom que se faz se deve atribuir a Deus (cf. Is 26.13); e isto impede que o coração decaia da graça através da vanglória e do orgulho; como diz São Máximo o Confessor: “atribuir a Deus tudo o que se faz de bom destrói o orgulho[2].

A experiência com a soberania do Espírito na reflexão teológica, ensina a atribuir a Deus tudo de bom que se faz e que se alcança, e, isso, por sua vez, destrói o orgulho; portanto, a experiência com a soberania do Espírito na reflexão teológica impede o orgulho e a vanglória de se assenhorarem do coração daqueles que se colocam nos ínvios caminhos da pesquisa teológica.

E a experiência com a soberania do Espírito, conduz a compreensão da liberdade do Espírito; como diz Barth, “o Espírito Santo é o poder vital que se compadece em liberdade tanto da comunidade com da teologia, a qual necessita e continua necessitando dele sob todas as circunstâncias[3]; portanto, o Espírito se compadece em liberdade, de acordo com Sua soberania; a teologia, que necessita sempre do Espírito, é sempre renovada e ajudada pelo Espírito que se compadece em liberdade; pois, “o Espírito deu forma à Igreja segundo sua fidelidade absoluta à revelação em Cristo e segundo sua liberdade divina de interpretá-la[4].

A liberdade do Espírito, segundo a qual Ele deu forma à Igreja, é a mesma liberdade com a qual o Espírito dá forma à teologia; como o Hermeneuta da Revelação, o Espírito a aplica de maneira sempre nova e de maneiras sempre inesperadas, a partir das quais, a reflexão teológica recebe seu ímpeto, e, assim se estabelecem os insights necessários para a teologia se desenvolver.

Nestes aspectos, se compreende o que é e do que se constitui a teologia do terceiro artigo; por isso, que aqueles que buscam compreender os maravilhosos e gloriosos aspectos revelacionais sobre o Espírito Santo, devem rogar a Deus tal como ensinara Anselmo da Cantuária: “Vem, Espírito Santo, vem, Mestre dos humildes... Vem, glorioso adorno de todos os viventes, de todos os mortais única salvação. Vem, Espírito Santo, comisera-te de nós. Prepara-nos, instrui-nos, dispõe-nos, e concede-nos, com a tua ajuda, o dom de uma caridade humilde, suave e paciente”. 

Bendito seja Deus para sempre. Amém. 



[1] Jürgen Moltmann, A Fonte da Vida: O Espírito Santo e a Teologia da Vida [São Paulo: Edições Loyola, 2002], pág. 29.

[2] São Máximo o Confessor, Capítulos sobre o Amor, 3ª Centúria, cap. LXII.

[3] Karl Barth, Introdução à Teologia Evangélica [11ª ed. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2016], pág. 40.

[4] Hans Urs von Balthasar, Deus, Eternamente jovem e surpreendente: Textos escolhidos sobre Trindade e Cristologia [São Paulo: Paulus, 2023], pág. 37-38. 


18/04/2024

Sobre a Inferência da Liberdade

Nota Inicial.

A ocorrência de fatos e de “fenômeno” diversos necessariamente reclama uma descrição destes fatos e destes “fenômenos” para que se possa posteriormente analisá-los de maneira mais aprofundada e adequada; muitos “fenômenos” da sociedade não foram analisados, porque não foram descritos, seja pelo instrumento do romance – a melhor maneira de se descrever os “fenômenos” humanos -, seja por alguma análise racional-descritiva; na verdade, para se conhecer os “fenômenos” tem-se quatro etapas: descrever, selecionar, avaliar e criticar. Mas, primeiro e fundamentalmente, a primeira etapa é a descrição.

E, um destes “fenômenos” que nunca fora sequer descrito – salvo o engano -, é o desrespeito para com a liberdade, chamado aqui de “inferência” da liberdade; toma-se o termo “inferência” neste escrito não no sentido lógico, de silogismo, mas no sentido descritivo para significar uma ação que desrespeita e interfere de maneira irracional um ato que deveria ser tido por inviolável; portanto, se faz a descrição da “inferência da liberdade”, para significar as ações que desrespeitam e violam a liberdade do indivíduo, mesmo as ações tidas por mais insignificantes.

Com isso, se estabelece um escrito descritivo, que possa servir de base para as etapas posteriores para a análise racional do desrespeito e da violação da liberdade. Portanto, este é um escrito que se enquadra na forma de uma descrição, que pontua o “fenômeno” e suas características fundamentais, para que possa ser conhecido tal como é, e assim se poder pelo menos entendê-lo como realmente é, e estruturar uma base para a possibilidade de uma análise posterior que o aprofunde e o analise de maneira mais aprofundada.

E isto está em acordo com o que os grandes filósofos do passado fizeram; por exemplo, Aristóteles, descrevera inúmeros fenômenos que não haviam sido descritos e estabeleceu reflexões basilares para o desenvolvimento de muitas áreas do saber; o que se propõe fazer com este escrito é basicamente o mesmo. Portanto, eis a descrição do terrível fenômeno da inferência da liberdade.

Proêmio.

1. A liberdade, como afirma Leão XIII, é um excelente bem da natureza; e não somente um bem da natureza, que está imbuído em todos as esferas da vida, mas também um dom da graça; portanto, a liberdade, é uma dádiva da natureza e uma bênção imerecida da graça de Deus; e, entre os princípios que tem sido solapados de maneira terrível está a liberdade; infelizmente, a inferência da liberdade se tornou prática corriqueira; e, isso, sem que ninguém se aperceba da gravidade da inferência da liberdade; portanto, se faz necessário fazer uma análise sobre a questão da inferência da liberdade, e compreender a natureza, os sinais e a evidência de tal prática, para com isso, se entender a gravidade desta prática, diante da realidade, da razão e da revelação. Pois, não somente a revelação condena tal prática, a reta razão condena com a mesma veemência.

2. Deste modo, compreender sobre a inferência da liberdade, é compreender sobre uma prática que é evidência de uma sociedade adoecida; na verdade, a inferência da liberdade é evidência de uma ampla gama de doenças sociais que são quase que imperceptíveis, mas que assolam a vida e a ordem social; portanto, compreender sobre a inferência da liberdade, é de suma importância, tanto para o desenvolvimento social e humanitário, quanto para o desenvolvimento humanístico; pois, não existe desenvolvimento social e humanitário sem o desenvolvimento humanístico; e, afirma de maneira contundente e resoluta que só existe desenvolvimento humanístico com o respeito pleno para com a liberdade; logo, onde há inferência da liberdade, o encargo do verdadeiro humanismo, inerente a vida humana, é destruído; com isso, é de extrema importância entender as nuances e questões sobre a inferência da liberdade, um mal terrível que assola a sociedade.

Capítulo I: A Definição de Inferência da Liberdade.

3. A inferência da liberdade, como fora dito, é um mal terrível que assola a sociedade; mas, o que é “inferência da liberdade”? Qual o significado que se deve ter em mente ao se mencionar “inferência da liberdade”? Na verdade, uma definição básica de inferência da liberdade; e, uma definição que açambarca três aspectos: um racional, um jurídico e um bíblico; pois, a inferência da liberdade deve ser entendida nestas três esferas: a filosófica, a jurídica e a teológica.

4. Em relação ao aspecto racional, inferência da liberdade é tudo que interfira, fira e/ou vilipendie a liberdade do indivíduo, que não por outros meios que os estabelecidos em lei, isto é, de quando se comete um crime; do contrário, a liberdade, racionalmente, não pode ser interferida; a inferência da liberdade, seja no mínimo ato, é sinal de rejeição a razão; e a rejeição a razão ocasiona a morbidade da alma; e, no caso da liberdade, uma morbidade terrível, pois, a inferência da liberdade, denota, em relação a razão, tanto a desfiguração da personalidade de quem comete os atos de inferência da liberdade quanto a destruição da personalidade de quem é acometido dos atos de inferência da liberdade; a inferência da liberdade é o atestado de destruição da personalidade, e isso, per se, é algo alarmante, tanto para quem infere a liberdade quanto para quem tem sua liberdade inferida.

É sinal de doença grave, tão grave quanto a demência em seus estágios avançados; pois, a demência tira a consciência da pessoa e sua racionalidade, ao mesmo tempo em que faz que a pessoa perca o controle de suas capacidades motoras básicas, já inferência da liberdade também tira a consciência da pessoa e sua racionalidade, só não faz com que a pessoa perca o controle de suas capacidades motoras básicas como na demência, mas destrói e corrompe a dignidade, o que, per se, é ainda pior do que a demência.

5. Em relação ao aspecto jurídico, a inferência da liberdade, é proibida por lei, já que a liberdade é um dos direitos fundamentais inalienáveis; se é um dos direitos fundamentais, e um dos princípios imutáveis e irrevogáveis dos direitos humanos, então, a liberdade não pode ser interferida, senão, se tem a destruição dos direitos humanos e a destruição de um dos direitos fundamentais; a liberdade, só pode ser interferido em casos de crimes que requeiram como pena a prisão ou algo similar; do contrário, a liberdade, em sentido jurídico, é intocável, tanto em relação as Constituições dos países desenvolvidos quanto em relação aos direitos humanos; não existe constitucionalidade sem a liberdade, e não existe direitos humanos sem a liberdade; deste modo, a inferência da liberdade é inconstitucional, e a inferência da liberdade é contra os direitos humanos.

6. Em relação ao aspecto teológico, a inferência da liberdade, é condenada na Bíblia; salvo, em casos, onde a lei jurídica humana, por crimes cometidos, requeira a retirada da liberdade; do contrário, na Bíblia, a liberdade é parte da existência dos homens neste mundo, e um atavio peculiar da existência eclesial; em relação a Igreja, os cristãos, existe o dogma da lei da liberdade, onde, a liberdade é uma doutrina fundamental tanto quanto o é a doutrina da Trindade; logo, se cristãos, em suas ações, cometem atos de inferência da liberdade, estão renegando uma doutrina fundamental; e a renegação de uma doutrina fundamental é apostasia, pois, renegar uma doutrina fundamental é renegar a fé; logo, a inferência da liberdade, no sentido teológico, é evidência de apostasia. O que, per se, não precisa se comentar mais nada para se compreender o estado espiritual (apostasia) daqueles que dizendo-se cristãos praticam atos de inferência da liberdade.

7. Deste modo, nestes três princípios consegue-se compreender o que é a inferência da liberdade, e sua descrição a partir dos três pilares da sociedade ocidental; logo, a inferência da liberdade, é anti-racional, é anti-jurídica (desde que não haja descumprimento da lei), e é anti-bíblica. Por isso, a inferência da liberdade é uma morbidade da alma, um terrível mal social e evidência de morte espiritual nas Igrejas.

Capítulo II: A Natureza da Inferência da Liberdade.

8. A inferência da liberdade, a partir da descrição feita anteriormente, possui uma natureza intrínseca; isto é, todo ato de inferência da liberdade possui uma natureza dupla: uma em relação a quem infere a liberdade, outra em relação a quem tem a liberdade inferida; em quem infere a liberdade, se tem delineado aquilo que fora descrito anteriormente, e as consequências que disto resultam; na verdade, a inferência da liberdade ocasiona uma castificação naqueles que inferem a liberdade e ocorre uma castificação naqueles que aceitam a inferência da liberdade; isto é, cria-se um sistema cástico, onde os inferidores da liberdade tornam-se como que “deuses” e que os que tem a liberdade inferida se tornam como que “escravos” da vontade dos inferidores da liberdade.

9. A natureza da inferência da liberdade, tem imbuída em si a escravidão moral, intelectual e psíquica; a escravidão moral, porque a inferência da liberdade sendo um vício, acaba por se tornar viciante, e torna sujeitos a vícios terríveis tanto os inferidores da liberdade quanto aqueles que tem a liberdade inferida.

A escravidão intelectual, porque a inferência da liberdade é um ato anti-razão, e, assim, é um ato de destruição da personalidade, e por isso, torna os inferidores da liberdade e aqueles que tem a liberdade inferida, despersonalizados; na verdade, uma das consequências da inferência da liberdade, é a predominância da imbecilidade; com isso, a inferência da liberdade, tem imbuída tudo aquilo que provêm da escravidão intelectual.

A escravidão psíquica; ou mais propriamente, a morbidade da alma; a inferência da liberdade escraviza a psique, e torna a própria psique sujeita a todo tipo de lixo que rompe com a saúde psíquica; pois, a inferência da liberdade, sendo uma doença da alma, ao se efetivar e se tornar ato vicioso, acaba por calcificar a doença, e toda calcificação de doença na alma, gera outras doenças, e assim sucessivamente; portanto, a inferência da liberdade escraviza a psique num ato vicioso, que corrompe a própria dignidade e destrói a personalidade individual, o que, per se, é algo alarmante.

Capítulo III: Os Tipos de Inferência da Liberdade.

10. Deste modo, em complemento a compreensão sobre a natureza da inferência da liberdade, como anti-racional, anti-jurídica e anti-bíblica, se faz necessário entender os tipos de inferência da liberdade; na verdade, compreender os modos que a inferência da liberdade se manifesta; embora, todo ato de inferência de liberdade seja anti-racional, anti-jurídico e anti-bíblico, a inferência da liberdade se torna manifesta de modos e de maneiras diferentes; pois, nem sempre alguns atos de inferência da liberdade são facilmente perceptíveis; logo, todo ato ou ação que infira a liberdade do indivíduo, é inferência da liberdade, mesmo os atos e ações que aparentemente sejam inofensivos.

11. Assim sendo, existe duas classes gerais dos tipos de inferência da liberdade: os atos ou ações mais perceptíveis; e os atos ou ações menos perceptíveis.

Os atos ou ações mais perceptíveis; neste sentido, são aqueles atos ou ações que desveladamente são descritos como inferência da liberdade; e são os atos que “descaradamente” são inferência da liberdade, tais como: privar a liberdade de ir e vir, ou tentar surrupiar esta liberdade; censura; retirada de direitos fundamentais sem que haja crime que a pena assim requeira; e outras coisas mais que são açambarcadas nestas descrições gerais.

12. Os atos ou ações menos perceptíveis; neste sentido, são aqueles atos ou ações que veladamente escondem, por qualquer meio, que são atos de inferência da liberdade; e são atos “mascarados” que são inferência da liberdade, tais como: perseguir e/o ultrajar outrem para que pratique o que não quer (os chamados abusos volitivos); extravio ou manipulação de correspondência; os grampos e câmeras para vigiar e retirar a liberdade do indivíduo em sua propriedade privada; o vigiar publicamente, de maneira escondida ou manifesta, quem não cometera crimes; a violação da privacidade do indivíduo e da propriedade particular; além disso, entre os atos ou ações de inferência da liberdade menos perceptíveis, está tirar fotos e/ou gravar vídeos sem que haja permissão da pessoa para isso, ou a utilização destas fotos e/ou vídeos para algum fim; entre outras coisas que são açambarcadas nestas descrições.

Capítulo IV: As Ações dos Inferidores da Liberdade.

13. A inferência da liberdade, portanto, sempre é um mal terrível, mesmo nas ações tidas por “inofensivas”; todavia, todos os atos de inferência da liberdade têm sempre uma tríplice estrutura; todo ato de inferência da liberdade sempre é anti-racional, e por isso, uma morbidade da alma; sempre é anti-jurídico, e por isso, contra a constitucionalidade e contra os direitos humanos; sempre é anti-bíblico, porque é renegação de uma doutrina fundamental, e por isso, é evidência de apostasia. Portanto, as ações dos inferidos da liberdade sempre são ações viciosas, são ações que corrompem a dignidade humana e são ações apostasiosas.

14. Com isso, as ações dos inferidores da liberdade são permeadas pelos ditames inerentes a estes aspectos; portanto, se pode fazer uma descrição dos inferidores da liberdade através de suas ações; isto é, se pode compreender qual o estado existencial dos inferidores da liberdade; as ações dos inferidores da liberdade, portanto, estão calcificadas de três modos:

Primeiro, as ações dos inferidores da liberdade, demonstra o estado de alma do inferidor da liberdade; e, como a inferência da liberdade é uma morbidade da alma, então, os inferidores da liberdade são doentes psíquicos; logo, os inferidores da liberdade estão em suas consciências no mesmo estado de doença do que aqueles que possuem a demência; todavia, como fora dito anteriormente, a demência se manifesta prontamente e tira as capacidades motoras cerebrais, enquanto que a inferência da liberdade calcifica-se e aos poucos vai destruindo a consciência e a personalidade, ocasionando consequências ainda piores do que a demência. As ações dos inferidores da liberdade, em sentido psíquico, são ações calcinadas num estado de alma doentio e adoecedor.

15. Segundo, as ações dos inferidores da liberdade, demonstram o estado da sociedade através da degradação e da destruição da Lei Fundamental de uma nação; ora, uma sociedade onde a inferência da liberdade se torna pratica corriqueira, é sinal evidentíssimo de que não há mais consciência de justiça numa sociedade; e sempre que isso ocorre, logo, haverá a injustiça sendo prática comum, tornando esta sociedade uma sociedade que caminha para a destruição da moral e dos bons costumes; os inferidores da liberdade, praticam todo tipo de injustiça; e, como o senso de justiça foi desfigurado, logo, em todas suas ações e práticas, os inferidores da liberdade acabarão por praticar todo tipo de injustiça e de males contra a lei natural.

Portanto, os inferidores da liberdade amam a injustiça e acabam por tornar-se em destruidores do senso de justiça que outras pessoas possuem; os inferidores da liberdade se tornam em sementeira da injustiça, e corrompem todos os bons costumes e as boas práticas da justiça natural, em injustiça e em evidência de destruição da ordem jurídica da realidade. As ações dos inferidores da liberdade, em sentido sócio-cultural, são ações calcinadas por todas as formas de injustiça.

15. Terceiro, as ações dos inferidores da liberdade, demonstra o estado espiritual das Igrejas; pois, a inferência da liberdade, quando ação praticada por um cristão, é evidência de apostasia; e assim, as práticas eclesiais, que antes eram permeadas pela fidelidade absoluta para com as Escrituras, se torna em expressão de práticas anti-bíblicas calcinadas sob a apostasia ocasionada pela inferência da liberdade; cristãos que apostatam da fé por praticarem atos de inferência da liberdade, se tornam em instrumentos do Diabo para semear entre o povo de Deus as sementes da apostasia e de práticas que desonram a Deus. Por isso, quando os cristãos se tornam inferidores da liberdade, passam a não ser mais cristãos, mas apostatas que andam semeando o caminho do inferno. As ações dos inferidores da liberdade, em sentido espiritual, são ações calcinadas pelas labaredas do inferno.

Capítulo V: As Consequências da Inferência da Liberdade.

16. Deste modo, pode-se falar sobre as consequências da inferência da liberdade; embasado nas descrições anteriores, se enumera uma série de consequências, tanto nos inferidores da liberdade, quanto naqueles que, de maneira consciente, têm sua liberdade inferida; ei-las:

i. A inferência da liberdade castifica a consciência, e a torna em expressão da libido dominandi do inferidor, isto é, onde se tem inferência da liberdade se tem a tentativa consciente ou não, de se assenhorar da consciência e da liberdade (personalidade) de outrem; ora, somente Deus é Senhor da consciência; logo, se alguém, através dos atos de inferência da liberdade, busca se assenhorar da consciência de outrem, como tais atos demonstram de maneira apodítica, então, os inferidores da liberdade, acabam por querer se tornar como “deus”.

ii. A inferência da liberdade, torna tanto os inferidores quanto aqueles que tem a liberdade inferida, sujeitos a males psíquicos e morais, os quais, por sua vez, ao serem calcificados na alma, tornam o indivíduo um ser vicioso em práticas vis e que vilipendiam a dignidade humana; os atos de inferência da liberdade, tornam aqueles que praticam tais atos e aqueles que se sujeitam a tais atos, presos sob um sistema que coloca as ações humanas sob os ditames do erro, da irracionalidade, da injustiça e da apostasia.

iii. A inferência da liberdade, ocasiona a destruição dos bons costumes; e nos bons costumes estão dispostas as virtudes cardeais; logo, a inferência da liberdade ocasiona a destruição das virtudes, tanto aqueles que inferem a liberdade, tornando estes em seres viciosos e viciantes, quanto naqueles que tem a liberdade inferida, tornando estes em seres viciados.

iv. A inferência da liberdade, é um vilipêndio a natureza humana; pois, corrompe e destrói esta natureza; pois, como a personalidade se desenvolve com a liberdade, ao se ter os atos de inferência da liberdade, se tem a destruição da personalidade, ou mais especificamente, a despersonalização; logo, a inferência da liberdade despersonaliza e acaba por tornar o ser humano um ser irracional, as mais das vezes, pior que os animais irracionais.

v. A inferência da liberdade, vicia tanto os inferidores quanto os que têm a liberdade inferida em práticas errôneas, e como todo vício, os dopa com o vício da prática errônea como se fosse algo bom; e assim, os atos de inferência da liberdade, tornam estes, supostamente satisfeitos com estes atos, os quais, na verdade, cada vez mais destroem e corrompem a dignidade humana e transmutam a personalidade.

vi. A inferência da liberdade torna os seres humanos subservientes a vontade de domínio que se estabelece através dos atos de inferência da liberdade; logo, onde há inferência da liberdade, se terá todos os tipos de vícios que provêm da soberba calcificada que quer dominar tudo; e, pior, esta vontade de domínio destrói a personalidade a tal ponto que gera nos seres humanos o tender a práticas viciosas, tornando-os em animais irracionais.

17. Estas são as consequências da inferência da liberdade; na verdade, foram enumeradas apenas algumas consequências, as quais, são, por si mesmas, suficientes para descrever os terríveis aspectos e proposições que são parte dos atos de inferência da liberdade; na verdade, a simples compreensão sobre a inferência da liberdade e sobre suas consequências, são, já motivo de aterrar todas as pessoas de bem; pois, além de doença, e ser descrita pela Lei como crime nos mais diversos dispositivos legais, a inferência da liberdade é evidência de apostasia.

Logo, estas consequências acima enumeradas dão um norte das consequências sociais da inferência da liberdade.

Capítulo VI: A Inferência da Liberdade e os Males Sociais.

18. Deste modo, se pode falar que a inferência da liberdade ocasiona terríveis males sociais; não somente males na ordem social propriamente dita, mas em todas as esferas da vida sócio-cultural, já estes males são provenientes da contaminação inerente a inferência da liberdade; por isso, tanto o ímpeto para o desenvolvimento cultural, quanto as próprias manifestações culturais, se tornam contaminados; pois, uma fonte contaminada jorrará contaminação; portanto, se as fontes do ímpeto para os desenvolvimentos culturais estão contaminadas pela inferência da liberdade, então, as manifestações culturais serão expressão dessa contaminação; e o qualificativo inerente a esta contaminação são os males sociais.

19. E os males sociais provenientes da inferência da liberdade, são subdivididos em dois grupos: primeiro, os males sociais individuais; segundo, os males sociais coletivos.

Primeiro, os males sociais individuais são aqueles que provêm diretamente dos inferidores da liberdade e que são entendidos a partir da descrição acima elencada (cap. V), e que se tornam sementes que são semeadas por onde os inferidores da liberdade passam e onde exercem alguma influência; os males sociais individuais provenientes da inferência da liberdade se propagam mais do que um vírus transmissível pelo ar.

Segundo, os males sociais coletivos são aqueles de quando grande parte da sociedade passa a agir de acordo com os parâmetros instaurados pela inferência da liberdade; quando se instaura a coletividade da inferência da liberdade, é evidência de que a sociedade foi dominada pelos ditames da não-liberdade, e que estes ditames se tornaram em expressão de uma sociedade doente e adoecedora.

20. Com isso, se enumera os seguintes males sociais coletivos:

i. A rejeição a todo e qualquer desenvolvimento significativo; a sociedade se torna castificada para o desenvolvimento, onde a mediocridade e a imbecilidade inerentes aos inferidores da liberdade, se torna o instrumento de aferição de medida, com os quais, nada que estiver além da imbecilidade e da mediocridade será aceito e/ou aprovado.

ii. A formação de uma casta, de um sistema que ações, que tornará os homens sujeitos a práticas sociais estabelecidas pela vontade dos inferidores da liberdade; a sociedade se torna um grande conglomerado de ações que refletem as consequências individuais da inferência da liberdade e que se padronizam como as únicas ações aceitas e tidas por certas pelos inferidores da liberdade, que inclusive perseguem e ridicularizam aqueles que, por algum motivo, não se tornaram subservientes as consequências da inferência da liberdade.

iii. A instauração de uma série de práticas que corrompem a dignidade do indivíduo, tanto em suas próprias ações quanto nas ações de outros indivíduos, as quais, por sua vez, vituperam a personalidade e a pessoalidade, tornando os seres humanos em seres despersonalizados e despessoalizados. Uma sociedade despersonalizada e despessoalizada, eis um dos males sociais coletivos provenientes da inferência da liberdade.

iv. A transmutação de seres que são humanos em seres que se julgam sobre-humanos; pois, como o ato de inferência de liberdade são evidência de que os homens se julgam acima da humanidade que lhes é intrínseca, então, os atos de inferência da liberdade são a demonstração de que os inferidores da liberdade, em suas ações, se consideram como “deus”; pois, como a liberdade pertence a Deus, então quem infere a liberdade quer se tornar como “deus”. E uma sociedade em que os homens se julgam deuses, acabará por ser uma sociedade que se autodestruirá.

21. Portanto, com a descrição destes males sociais, se consegue compreender a gravidade da inferência da liberdade, tanto no individuo (cf. cap. V), quanto na sociedade; principalmente em relação a sociedade, já que uma sociedade adoecida pela inferência da liberdade, se tornará uma sociedade que não se desenvolverá e que ficará castificada sob as consequências espirituais da inferência da liberdade. Isto é, uma sociedade castificada sob as consequências da inferência da liberdade, se tornará uma sociedade sujeita a vontade de domínio de algum mago ou de algum feiticeiro, ou de algum xamã.

Capítulo VII: A Natureza Espiritual dos Atos de Inferência da Liberdade.

22. A inferência da liberdade não somente ocasiona terríveis males sociais; a inferência da liberdade tem uma natureza espiritual; os atos de inferência da liberdade são permeados por uma influência espiritual diabólica; pois, se a liberdade pertence a Deus, então, a inferência da liberdade, é tentar ser como “deus”; e, nas Escrituras, o tentar ser como “deus” é evidência de obra do Diabo; pois, o Diabo fora quem procurara ser como “deus” (cf. Is 14.14ss; Ez 28.12ss), e é o Diabo quem tenta os homens a serem como “deus” (cf. Gn 3.1ss), que é a raiz do pecado original. Portanto, a inferência da liberdade tem uma natureza espiritual diabólica, sujeita a obra demoníaca.

23. Na verdade, se pode fazer esta descrição da natureza espiritual dos atos de inferência da liberdade, através de uma figura poética, a saber, através da descrição de Virgílio da “comoção do Aqueronte[1]; a comoção do Aqueronte, uma descrição poética para inferno, causa a subversão dos povos; então, ao se compreender a natureza espiritual dos atos de inferência da liberdade, se torna clarividente que os atos de inferência da liberdade causam a subversão da sociedade (como fora anteriormente demonstrado); na verdade, os inferidores da liberdade causam a comoção do Aqueronte, causam a comoção no habitat dos demônios, trazendo estes para agirem a partir dos atos de inferência da liberdade.

24. Portanto, os atos de inferência da liberdade possuem uma natureza espiritual que “abre” as portas para a ação diabólica; onde há inferência da liberdade, há a ação dos demônios; e os inferidores da liberdade, se não forem endemoninhados (com os demônios fazendo ninho dentro deles), são encapelados (com os demônios agindo através deles). Logo, a natureza espiritual dos atos de inferência da liberdade é a descrição precisa da ação diabólica, da ação dos principados e potestades do mal e das hostes malignas, que buscam dominar os homens acorrentando estes sob as práticas apostasiosas e sob o domínio do Pecado.

A inferência da liberdade não somente é entendida a partir da ótica filosófica, sociológica e jurídica, mas também a partir da ótica espiritual, demonstrando que os inferidores da liberdade estão sob ação demoníaca, pois, os inferidores da liberdade enquadram-se nas descrições bíblicas que demonstram a natureza e o ser do Diabo e da ação dos demônios.

Capítulo VIII: A Inferência da Liberdade e a Consciência.

25. Além da natureza espiritual diabólica dos atos de inferência da liberdade, estes atos, evidentemente, corroem a consciência; na verdade, os atos de inferência da liberdade, corrompem e desfiguram a consciência; e os seres humanos com a consciência corrompida, na verdade, se tornam em animais irracionais, ou pior, em animais brutos, que perderam o qualificativo principal da dignidade humana; a inferência da liberdade faz com que o ser humano perca sua consciência, e a consciência perdida, desfigura a personalidade, e torna o ser humano em animal bestializado; a desfiguração da consciência é o que ocasiona a despersonalização e a despessoalização.

26. E, com a consciência desfigurada, não se conseguirá se ter a percepção da gravidade dos atos de inferência da liberdade; na verdade, se a consciência estiver desfigurada, quanto mais atos graves e destruidores forem cometidos mais se terá uma forma de “satisfação” que vela o entendimento para a compreensão do verdadeiro estado da consciência; Pascal chamara isso de divertimento; quanto mais atos de inferência da liberdade mais os homens se debruçarão nos divertimentos; e, se observa isso na prática, pois, as mais das vezes, os inferidores da liberdade, ao praticarem atos de inferência da liberdade, sempre como “recompensa” evocarão para si alguns divertimentos; assim sendo, onde houver inferência da liberdade, pode haver divertimentos como evidência de que algum ato de inferência de liberdade fora cometido.

27. Portanto, como os divertimentos são expressão da consciência corrompida, então, se compreende a relação entre os divertimentos e os atos de inferência da liberdade. A inferência da liberdade desfigura a consciência, nos termos bíblicos, torna a consciência cauterizada para o entendimento da verdade; e, o que surge da consciência cauterizada é o ímpeto para os divertimentos. E assim, os próprios atos de inferência da liberdade, passam a ser uma forma de divertimento para aqueles que ficaram viciados nas ações da não-liberdade.

Os atos de inferência da liberdade que destroem a consciência e que tornam os seres humanos subservientes aos divertimentos, acabam por se tornar os próprios divertimentos nos quais os seres humanos cada vez mais se tornam despersonalizados e despessoalizados; a fonte de perdição se torna para os inferidores da liberdade a razão de seus divertimentos; esta é a consequência inominável para os inferidores da liberdade, a qual, ao desfigurar a consciência, torna o homem um ser abjeto e pior do que um animal irracional.

Capítulo IX: A Inferência da Liberdade e a Escravidão da Consciência.

28. A inferência da liberdade, ao desfigurar a consciência, acaba por aprisionar a mesma; na verdade, a inferência da liberdade, ao desfigurar a consciência, efetiva a escravidão da consciência; e uma consciência cativa, ocasionará vícios terríveis na alma; o estado da consciência é a medida do estado da alma; e, uma consciência escravizada, tornará a alma escravizada em vícios e coisas similares; pois, a inferência da liberdade, ocasionando a sujeição da consciência a um princípio auto-destruidor, gerará não somente a auto-destruição, mas a destruição semeada por onde se tiver a auto-destruição causada pela escravidão da consciência.

29. Deste modo, a inferência da liberdade, prende a consciência sob as correntes da não liberdade; e as correntes da não-liberdade possui alguns elos; e os elos das correntes da não-liberdade, que ao se manifestar em atos de inferência da liberdade, efetua a escravidão da consciência, são descritos a partir de uma tríplice conceituação: primeiro, os elos dos vícios, que viciam a alma; segundo, os elos da práticas viciantes, que inoculam o veneno dos vícios em outrem; terceiro, os elos das obras malignas, que semeiam o encapelamento onde há a prática da inferência da liberdade. Estes três elos, e muitos outros, são o que compõe as correntes que aprisionam a consciência de quando da prática de atos de inferência da liberdade.

30. E, uma vez que a consciência está aprisionada, a gravidade das doenças que emanarão deste aprisionamento, é medida de acordo com a gravidade dos atos que geraram este aprisionamento; e, como são os atos de inferência da liberdade que geraram este aprisionamento, e a gravidade destes atos, em sentido de sobriedade psíquica-espiritual é quase que absoluto, então, as doenças que emanarão da gravidade inominável destes atos, serão doenças terríveis, que ocasionarão os mais terríveis e mais graves estados na alma humana, ocasionando a despersonalização e a despessoalização; e, o que há pior que pode acontecer a um ser humano é a despersonalização e a despessoalização; portanto, a consciência aprisionada, aprisiona a própria dignidade humana, ao mesmo tempo em que “tortura” esta dignidade com golpes terríveis através dos atos de inferência da liberdade; a inferência da liberdade leva a consciência para os campos de concentração psíquicos-espirituais.

31. Estas são as consequências da escravidão da consciência ocasionada pela inferência da liberdade; pois, a inferência da liberdade deixa a consciência inquieta, e quanto mais inferência da liberdade, mais inquietação; e esta inquietação da consciência, leva os homens a buscarem indulgências do Diabo; tal como Victor Hugo sabiamente descrevera: “Há consciências tão inquietas que chegam a procurar indulgências do Diabo[2]; estas imorredouras palavras de um dos mestres da literatura francesa, demonstram o estado de consciência dos inferidores da liberdade; quanto mais praticam atos de inferência da liberdade, mais se envolvem da escravidão da consciência, e, com isso, ficam tão atormentados, que pedem indulgências ao Diabo ao praticarem cada vez mais, e cada vez de maneira mais crescente, os atos de inferência da liberdade.

Capítulo X: A Inferência da Liberdade e o Sistema Comunista de Domínio Sócio-Cultural.

32. A inferência da liberdade, se torna este mal terrível na sociedade, porque ideologias nefastas, como por exemplo o comunismo, principalmente o comunismo, buscam implementar aspectos de um sistema para o domínio sócio-cultural; pois, como os atos de inferência da liberdade trazem consequências terríveis, o comunismo busca inocular o veneno de tal prática, para a medida que os seres humanos enveredarem por estes caminhos, crie-se um ciclo vicioso; pois, os atos de inferência da liberdade, criam um ciclo vicioso, no qual se aprisiona as consciências, e, por consequência, as ações humanas, o qual, por sua vez, serve de instrumento para o domínio comunista.

O ciclo vicioso de práticas viciantes que se institui a partir da inferência da liberdade, coloca a sociedade em um sistema de práticas viciosas que fica sujeito a vontade de domínio do comunismo. Donde, o comunismo se utilizar da implementação da inferência da liberdade para dominar as ações humanas em determinada sociedade.

33. Deste modo, o comunismo, que em si é uma doutrina anti-liberdade, sempre procurará implementar meios para que a não-liberdade seja instaurada; um destes meios, a maneira mais eficaz de viciar uma sociedade nas práticas da não-liberdade, é inocular a prática viciosa da inferência da liberdade; pois, a medida que se vai praticando os atos de inferência da liberdade, a sociedade se torna expressão de apostasia, a qual gera a apostasia cultural; e uma vez que a apostasia cultural está inoculada na sociedade, quase tudo que este sociedade produzir, seja na esfera das artes, da política, etc., será expressão de apostasia cultural; e, isto influencia quase que absolutamente a existência eclesial; pois, as mais das vezes, os cristãos não conseguem se aperceber, por falta de conhecimento e de percepção, dos princípios da apostasia cultural, os quais, permeiam todos os aspectos da existência eclesial uma vez que os cristãos estão subservientes aos ditames da apostasia cultural. Mas este é apenas um aspecto das consequências da apostasia cultural proveniente da inferência da liberdade, a qual permeia todas as esferas e camadas da ordem social.

[Logo, uma vez que é instaurada a inferência da liberdade como parte da existência de uma sociedade, como consequência ocorrerá a apostasia cultural, a qual, influenciará em grande medida a existência eclesial (música, roupas, princípios, ações, modos de agir, comportamentos, elementos de manipulação de massas, etc.); pois sempre que há a apostasia cultural os elementos de expressão da existência eclesial são permeados por esta apostasia].

34. Portanto, os atos de inferência da liberdade, de maneira consciente ou não, acabam por servir aos propósitos do comunismo; o comunismo, ao implementar o domínio sobre a cultura, para manter este domínio, ou para efetivá-lo cada vez mais, semeia a inferência da liberdade, e aos poucos, a medida da apostasia crescente e contínua, vai se auto-implementando e dominando as camadas da sociedade, a medida que os atos de inferência da liberdade se tornam cada vez mais a carranca de uma sociedade doente.

Uma sociedade que tem por identidade os atos de inferência da liberdade, na verdade, é uma sociedade sujeita a vontade do comunismo, e que se torna em instrumento de castificação a partir dos axiomas do comunismo, criando assim um grande sistema de domínio que automaticamente subjuga e suprime qualquer ação que se sobreleve as ações instituídas como as únicas corretas, no caso, as mais clarividentes, as ações de inferência da liberdade; então, cria-se um ciclo vicioso que açambarca tudo, e que torna a sociedade uma sociedade calcinada sob as labaredas da não-liberdade.

35. Termina aqui esta explicação sobre o fenômeno da “inferência” da liberdade. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] cf. Virgílio, Eneida, livro VII, 312.

[2] Victor Hugo, Os Trabalhadores do Mar [Campinas, SP: Editora Sétimo Selo 2021], parte 1, livro V, cap. IV, pág. 104.

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