15/10/2024

Comentário ao Do Homem como um Microcosmo de Roberto Grosseteste

Prefácio.

 

A vida e a obra de Roberto Grosseteste impressionam não somente por sua obra como teólogo, filósofo, cientista, bispo e professor; mas, principalmente porque ao realizar tanto em vários campos do saber, também influenciou profundamente a época em que viveu; embora o pensamento filosófico de Grosseteste tenha algumas falhas, seu legado continua imenso e profundamente profícuo, principalmente em questões científicas.

Na verdade, os labores de Grosseteste foram um modo de acrescer e de complementar o ímpeto cultural do alto desenvolvimento que se tornara ainda mais incisivo a partir do séc. XI; pois, seguindo a linha do que já havia sido feito desde o Abade Suger de Saint-Denis, com as inovações da arquitetura gótica, que transparecia, lucidamente e de maneira eficaz, a relação entre o cosmos e o ser humano, em princípios hierárquicos, embasados nos preceitos de Pseudo-Dionísio.

Pois, o que o Abade Suger houvera feito no tocante a arquitetura, era o que já havia sendo feito filosoficamente desde Boécio (séc. VI), e que alcançara um fulgor peculiar a partir da renascença carolíngia (sécs. VIII-IX), a saber, entre tantos aspectos, a integração entre cosmologia e antropologia, demonstrado na simbologia natural e religiosa, transcrevendo a glória de Deus em cada aspecto da criação e principalmente na coroa da criação, o homem.

Isto, por si, perfaz alguns aspectos da grandeza da escolástica, a qual Grosseteste em sua época elevará principalmente no desenvolvimento de questões ligadas a filosofia da natureza e de questões científicas, ao mesmo tempo em que novamente recuperava os preceitos do método científico aristotélico, a observação e a experimentação; mas, como se pode observar não somente por seu conteúdo filosófico e científico as obras de Grosseteste chamam a atenção, mas por conseguir concatenar os aspectos naturais numa simbologia plena de sentido e de vigor intelectual.

Na verdade, esta questão que se observa nos escritos de Lincolnense, principalmente em seu interesse por questões da filosofia natural, é parte integrante do desenvolvimento cultural desde Boécio; pois, a concatenação dos princípios da natureza, do sistema astrológico (da astrologia científica), e da antropologia bíblica, tomaram as mais variadas formas, e foram expressas, de maneira contundente, através das artes, das ciências, da filosofia e da teologia; portanto, era um preceito fundamental da alta-cultura a concatenação destes princípios e sua relação com a simbologia natural da ordem cósmica, principalmente a partir dos princípios hierárquicos delineados no Corpus Dionysiacum.  

E, para se entender esta questão se evoca outro exemplo, a saber, o que Sta. Hildergarda de Bingen fizera no livro “Causae et curae - Liber compositae medicinae”; pois, o que as catedrais góticas fizeram arquitetonicamente na relação entre o homem e o cosmos em toda a simbologia natural, Sta. Hildergarda fizera neste ilustríssimo livro de maneira assombrosa; neste icônico livro em que Sta. Hildegarda elucubrara sobre as plantas e suas propriedades para a saúde humana, é descrito a relação concêntrica entre o homem e o universo, não somente do ser humano enquanto mordomo da criação, mas principalmente na proposição de que a criação está presente no próprio homem, ao este ser a coroa da criação.

Este é um preceito fundamental do saber, que infelizmente fora deixado de lado, e atualmente é quase que totalmente desconhecido; e, quanto isso, se observa obviamente que isto nada tem a ver com panteísmo ou coisas similares; mas apenas para aclarar que quanto as coisas naturais, o universo possui uma harmonia tal que tudo está inter-ligado naturalmente, e o ser humano está imbuído nesta harmonia.

No entanto, cumpre designar que esta harmonia tem a ver com as coisas naturais, pois a vida humana não está sujeita aos preceitos moventes dos corpos celestes quanto ao movimento da vontade (ou questões espirituais); mas, tal harmonia permeia totalmente as coisas naturais na ordem da natureza; ou, como dissera Olavo de Carvalho, “o ser humano está livre de todas as influências astrais, embora elas dominem todo o horizonte terrestre no qual ele se move”.

Por isso, a compreensão plena sobre este aspecto, e sua efetivação no saber e na vida cotidiana, é um dos preceitos mais importantes para o desenvolvimento do saber, e da própria vida - da personalidade do indivíduo e de sua compreensão sobre o mundo em que vive, tanto no sentido espacial quanto no sentido ético.

Pois, a não utilização da simbologia natural gerará a possibilidade da aceitação ou da implementação de uma simbologia anti-natural e ideologizadora, tal como por exemplo o fazem a cultura dita “woke”, os comunistas, os globalistas, os liberais, etc.; e a problemática se estabelece justamente na falta de uma simbologia natural, o que impede o desenvolvimento do indivíduo e a formação de sua personalidade.

Deste modo, se compreende toda a problemática em torno da falta desta simbologia; e, por isso, se retoma este breve texto de Grosseteste; pois, este texto, muito provavelmente uma resposta ou uma breve anotação, contém elementos profundíssimos que evocam justamente a relação entre o homem e o cosmos, a qual é a base e o fundamento da simbologia natural, que tanto concerne a ordem da grandeza dos corpos – o heliocentrismo -, quanto a ordem de eminência na criação – o geocentrismo.

Ora, estas perspectivas estão inter-ligadas, pois a primeira refere-se a descrição dos corpos celestes, e a segunda refere-se a representação da vida humana no cosmos; a primeira é insuficiente para representar a vida humana, a segunda insuficiente para representar a ordem dos corpos celestes; por isso, devem ser inter-relacionar de modo concêntrico e complementar, como já esclareci brevemente noutro escrito.

Portanto, a proposição grossetiana, é em si mesma e àquilo a que aponta, de suma importância; pois, como fora dito, o que as catedrais góticas fizeram arquitetonicamente, e o que Sta. Hildegarda fizera no livro supramencionado, entre outros exemplos formidáveis na escolástica, etc., fora o que Grosseteste fizera neste brevíssimo escrito intitulado “Quod homo sit mundus minor”, que acopla todas essas descrições feitas bem como pontifica o caminho para uma correta compreensão sobre o mundo e sobre o homem tanto a partir da natureza quanto a partir da revelação.

Com isso, a descrição de Grosseteste do homem como “mundus minor”, como um mundo menor - ou como um microcosmo -, é adequada para a compreensão sobre o que concerne a necessidade de uma simbologia natural que não rejeite a natureza e a ordem cósmica, mas que também não menospreze a posição do homem no cosmos, bem como que oriente a compreensão sobre a vida humana tanto em relação a ordem cósmica quanto em relação ao valor vida do ser humano.

Por isso, este texto, mais especificamente, é acoplado pelo Dr. Ludwig Baur em conjunção com o “De Luce” (Sobre a Luz), como um texto que está em ordem a cosmologia; e, talvez, tal pressuposição chegue a desconcertar; mas, realmente, tal texto é como um corolário a compreensão cosmológica estabelecida por Grossesteste; e, embora não verse diretamente sobre problemas cosmológicos, toca no assunto quanto a simbologia natural e sua utilização de acordo com a ordem cósmica, e perfaz a concatenação entre cosmologia e antropologia, tornando a própria antropologia, a partir de sua natureza simbólica, um modo para a compreensão do que concerne a cosmologia, formando assim uma cosmologia antropológica ou uma antropologia cosmológica.

Na verdade, este escrito, é uma glosa a toda a grandiloquente e peculiar metafísica da luz desenvolvida no “De Luce” e em seu notabilíssimo “Hexaëmeron”.

Assim, na invectiva de se explicar e comentar alguns dos textos de Grosseteste, se inicia por este breve escrito, que açambarca uma série de aspectos diversos e que discorre sobre vários temas e assuntos importantes, tal como os que foram delineados neste prefácio; pois, muitas são as possibilidades instrumentais e reais presentes nas entrelinhas deste texto, oriundo da pena do precursor do método científico moderno, aquele que exercera profunda influência em Roger Bacon, o cientista que anteviu muitos dos assuntos e tópicos discutidos na ciência hodierna, o primeiro intelectual a servir como chanceler da Universidade de Oxford (salvo o engano!), e aquele que desenvolveu um duplo preceito para o desenvolvimento científico através do método da resolução e composição (o mais remoto preceito metodológico que serve para a elucubração sobre a combinação das duas esferas da natureza, a das operações visíveis e a das operações ocultas); etc.

Por estas e outras razões, é sempre importante consultar o que Grosseteste tem a dizer sobre questões teológicas, filosóficas e científicas.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

14 de outubro de 2024.


Texto de Grosseteste.

O grandioso Deus fez o homem a semelhança de si mesmo. O corpo do homem se compõe de carne e ossos. Deste modo, se divide nos quatro elementos. Pois, em si tem algo do fogo, algo do ar, algo da água, algo da terra. A razão da terra está na carne; a da água no sangue, a do ar no espírito; a do fogo no calor vital. Pois também a razão quadrupla do corpo humano designa as quatro espécies de elementos. Pois, a cabeça se refere ao céu, nonde estão os olhos tal como os luminares do sol e da luz. O peito se relaciona com o ar, porque assim como dele se emite a respiração expirada, assim do ar os sopros dos ventos. O ventre se assimila ao mar pelo conjunto de todos os fluídos, assemelhando-se a conjunção das águas. Por último, os extremos se comparam a terra. Pois os extremos dos membros são áridos como a terra ou secos como a terra.

 

A. Proêmio.

1. “Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (Sl 8.3-5); ora, estas palavras do salmista referem-se a dignidade do ser humano como ser criado a imago Dei; pois, o homem fora feito em perfeição menor do que os anjos, mas fora coroado pelo Criador de glória e de honra, isto é, lhe fora outorgado o ser o mordomo da Criação, já que diferentemente dos anjos, fora criado a imagem e a semelhança da Santíssima Trindade.

2. Por isso, ao homem é dada a ordenança divina para que domine sobre toda a natureza (cf. Gn 1.28), tal como o salmista também afirma: “Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo; as aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares” (Sl 8.6-8); portanto, ao homem compete dominar e sujeitar a natureza, de modo a haurir da natureza tudo quanto é necessário para a vida humana, ao mesmo tempo em que cuida e vela pela natureza (cf. Gn 2.15).

3. Logo, o ser humano, diante do cosmos criado por Deus, e diante de todo o esplendor da Criação, tem uma tarefa estabelecida pelo Criador; por isso, o ser humano, “homem mortal”, diante de todo o cosmos, é um pequeno ser; mas, por sua função, é de suma importância, pois, “de glória e de honra o coroaste”; por isso, como Basílio diz: “Desta sorte, ele nada é, tomando-se em consideração a matéria do que foi feito, mas é grande por causa da honra que lhe foi outorgada[1]; ora, esta é a dialógica que pesa sobre o homem: nada é, quanto ao que é; e é grande, quanto a dignidade que fora lhe outorgada pelo Criador.

4. Além disso, diante de sua função ante a Criação, pondera-se sobre o modo como o homem a executa; ora, sobre isso, as Escrituras dizem duas coisas: primeiro, que o homem cuida e lavra a terra (cf. Gn 2.15), isto é, que faz o necessário para manter e preservar a vida natural; segundo, que o homem desenvolve o saber ao nomear todos os animais (cf. Gn 2.20a), isto é, desenvolve a ciência e a arte de acordo com a própria realidade.

5. Assim, o homem diante do universo tem uma posição peculiar e singular, ao mesmo tempo em que ordena a compreensão sobre o universo a partir da ordem do próprio universo; ora, a ordem do universo designa uma simbologia natural; portanto, tudo o que o homem desenvolve a partir desta ordem, será expresso por uma estrutura simbólica natural, em consonância tanto com a natureza em geral quanto com a natureza humana em particular; portanto, diante do “mundo maior”, isto é, de todo o universo observável e possível, se tem um “mundo menor”, isto é, o observador deste universo, o homem.

6. Por isso, ao se aferir a ordem cósmica, se fala sobre “mundo maior” ou macrocosmo, e ao se compreender quem afere esta ordem, se fala sobre “mundo menor” ou microcosmo; ao se falar do universo como “sistema total das latências” (a expressão é de Olavo de Carvalho!), se o define como um macrocosmo; e ao se falar sobre o ente mais importante do universo criado, aquele que busca assimilar estas latências, se o define como um microcosmo; pois, o macrocosmo só é entendido pelo microcosmo, principalmente em se tratando da assimilação-acomodação da ordem cosmonômica, isto é, da ordem que demonstra que o homem é um “mundo menor” diante do “mundo maior”, e vice-versa.

7. Ora, tal designação é assaz necessária; pois, traz imbuída tudo quanto é necessário para se adentrar a compreensão do universo, quanto para se entender sobre a glória e a honra do homem como conferidas pelo próprio Criador; ou dito em outros termos, sobre a beleza do cosmos, e sobre a posição do homem no cosmos; e isto sempre é expresso em termos simbólicos, tanto em relação a natureza em geral, quanto em relação a natureza humana em particular, e as vezes, na amalgama destas; pois, a realidade sempre é expressa através do simbolismo, e o simbolismo sempre expressa algo da realidade; e, para que esta expressão se coadune com o real - e com a sobriedade psíquica -, é necessário que este simbolismo seja um simbolismo natural.

8. Portanto, a intenção de Grosseteste, no breve escrito “Quod homo sit mundus minor”, é justamente fazer uma declaração a respeito do fato do homem como um “mundo menor”; e, ao fazê-lo, acoplar a explicação de que toda a ordem cósmica é explicada a partir do ser humano, tanto em relação a própria terra quanto em relação aos corpos celestes, donde surge a inter-relação entre geocentrismo e heliocentrismo.

Por isso, Grosseteste amalgama vários princípios e pressupostos que demonstram esta inter-relação, com analogias entre os elementos naturais e as partes do corpo humano, as quais integram todo este simbolismo natural, designado especificamente pelo Lincolnense para a explicação da proposição central que delineara neste breve escrito.

9. Ora, tal proposição, por sua vez, integra vários aspectos, que vão da teologia as ciências naturais, etc.; por isso, Grosseteste conseguira reunir e sintetizar neste escrito tudo aquilo quanto concerne a compreensão sobre o ser humano e sua relação com a natureza; e, pelos preceitos naturais analogados por Grosseteste, se constata uma série de princípios simbólicos fundamentais.

Pois, Grosseteste conseguira demonstrar a posição do homem no cosmos, tanto em ordem aos preceitos naturais, quanto em ordem as preceituações simbólicas que destes emergem, já que isto concerne, evidentemente, ao preceito do saltério: “pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (Sl 8.5); pois, o homem é um ser físico-espiritual-moral; e ao sê-lo, também é um ser cultural; e tudo o que é cultural é simbólico; logo, o homem ao ser um animal cultural, também é um animal simbólico; portanto, o que concerne a proposição do Lincolnense neste escrito, está em ordem ao preceito de que o homem é um animal simbólico.

 

B. Comentário.

1. A dignidade do ser humano se dá tanto por ter sido criado a imago Dei (cf. Gn 1.26), quanto por ser instituído como mordomo da criação (cf. Gn 1.28); mas, a isto se acrescenta que, a dignidade do ser humano se demonstra tanto em seu relacionamento com o Criador (cf. Gn 2.16-17), quanto em seu cuidado para com a criação (cf. Gn 2.15); e em relação ao cuidado para com a criação, se estabelecem dois princípios: primeiro, que o homem ao cuidar e velar pela criação demonstra tanto sua dignidade como mordomo da criação, quanto a importância da própria criação; segundo, que o homem ao cuidar da criação, extrai da inter-relação com a mesma, os preceitos e os símbolos básicos de como deve organizar a vida neste mundo quanto as coisas naturais. E ambos os aspectos estão inter-relacionados, pois, são subsequentes e complementares; por isso, quando um destes aspectos é desfigurado, o outro também é.

2. Assim, se constata de maneira mais evidente que o segundo aspecto tem sido paulatinamente desfigurado; portanto, a dignidade humana tem sido solapada justamente porque se tem renegado e/ou desprezado os saberes que emergem da inter-relação do homem com o cosmos, e, por consequência, se tem a não-compreensão e/ou não-valoração dos preceitos e símbolos naturais que emergem desta inter-relação.

E, quanto a isso, se compreende uma problemática assaz aporética, pois, esta não-compreensão se estabelece tanto sobre questões em relação ao conhecimento quanto sobre questões em relação a vida interior do próprio indivíduo; em suma, obnubila o ímpeto para o saber, bem como despersonaliza.

No entanto, a raiz desta problemática está no desconhecimento da causa primeira, da qual provêm o homem e tudo o que existe; pois, sem o conhecimento da causa, não se compreende o que é necessário sobre os causados; ora, sem o conhecimento de Deus, não se pode conhecer o homem e nem a natureza de maneira adequada, pois, o próprio Deus é quem outorga o conhecimento. “E o que dá ao homem o conhecimento, não saberá?” (Sl 94.10b).

3. Portanto, o homem perdeu o conhecimento de si, do cosmos e de sua inter-relação com o cosmos, quando perdeu o conhecimento de Deus, tal como Dooyeweerd constatou: “O homem perdeu o verdadeiro autoconhecimento desde que perdeu o verdadeiro conhecimento de Deus[2]. Pois, o verdadeiro conhecimento de si, se dá a medida do conhecimento de Deus, ou causa primeira; Agostinho afirmara: “o que sei de mim, eu o conheço graças à tua luz[3]; por isso, os homens, ao buscarem o conhecimento das causas, acabam por chegar ao conhecimento de uma causa incausada, ou causa primeira.

4. Assim, se pode constatar que somente sob a luz superior, se pode conhecer adequadamente o homem, o cosmos e a inter-relação do homem com o cosmos; pois, embora a luz interior seja muito útil neste quesito, ela permite apenas organizar o que concerne a inter-relação do homem com o cosmos a partir da reta razão, e não aclara totalmente a natureza humana, a qual só é conhecida plenamente a partir daquele que a criou; logo, da luz superior se emana o conhecimento primeiro a respeito do homem e do cosmos, e da luz interior se emana o conhecimento a respeito do homem enquanto ser relacional com o cosmos.

5. Ora, em relação a esta perspectiva, Grosseteste elaborara um breve escrito, que açambarca estes aspectos e os abaliza a partir tanto da luz superior, quando a partir da luz interior; portanto, neste escrito, Grosseteste especificamente trabalha a noção da inter-relação do homem com o cosmos, ou numa proposição mais burilada, na designação do homem como microcosmo, e nas nuances que vem amalgamadas; com isso, Grosseteste pontilha os preceitos fundamentais que devem permear essa reflexão, ao mesmo tempo em que a demonstra de maneira grandiloqüente, tanto em ordem a luz superior, quanto em ordem a luz interior.

6. E, neste escrito, Grosseteste faz nove coisas: primeiro, evoca a obra do Criador; segundo, delineia a natureza corpórea do ser humano; terceiro, evoca a analogia entre o corpo humano e os elementos da natureza; quarto, demonstra a comparação entre os elementos da natureza e o corpo humano; quinto, delineia as partes do corpo e a sua respectiva analogia com as quatro espécies de elementos; sexto, evoca a primeira parte do corpo e sua analogia com o céu; sétimo, evoca a segunda parte do corpo e sua analogia com o ar; oitavo, evoca a terceira parte do corpo e sua analogia com as águas; nono, evoca a quarta parte do corpo e sua analogia com a terra.

7. Primeiro, evoca a obra do Criador, onde diz: “O grandioso Deus fez o homem a semelhança de si mesmo”; em primeiro lugar evoca a obra do Criador, demonstrando quem é o Criador: “O grandioso Deus”; o Criador é definido como Grande, tanto por Seu Ser quanto por Ser poder (cf. Sl 95.3; 96.4); pois, a natureza do Criador, demonstra a excelência de Sua obra, a Criação (cf. Sl 104.24); e a mais importante entre as criações de Deus é o homem, pois, “fez o homem a semelhança de si mesmo”; Deus criara o homem a sua imagem e semelhança (cf. Gn 1.26), e o homem fora coroado de honra e glória pelo próprio Criador devido a esta imagem e semelhança (cf. Sl 8.3-8).

Portanto, ao evocar a obra do Criador, tanto demonstra a grandeza infinita do Criador, quanto demonstra a beleza da obra da criação, principalmente da coroa de toda a criação, a saber, o homem; logo, sendo o Criador grande, criou o homem com uma grandeza acima de toda a criação; e em relação aos seres criados menor apenas do que os anjos (cf. Sl 8.5). A grandeza do Criador demonstra o modo e a forma do que concerne a grandeza da criatura.

8. Segundo, delineia a natureza corpórea do ser humano, onde diz: “O corpo do homem se compõe de carne e ossos”; ora, o homem é criado com uma forma corpórea; por isso, o corpo do homem se compõem de duas partes principais, carne e ossos: carne como princípio da vida orgânica, e ossos como princípio da sustentação de sua vida orgânica; logo, a natureza corpórea do ser humano, sua forma, é o ponto de contato do mesmo com o restante da criação; pois, é pelos sentidos corporais que se tem o contato com a realidade. Além disso, através do amor pelo conhecimento sensível, diz o Filósofo, se observa que os homens tendem ao saber (cf. Met. 980a22-24).

Logo, a natureza corpórea do ser humano, pela qual se demonstra a dupla proveniência do homem: a do criador, donde advêm sua dignidade; e do pó da terra, onde advêm sua miséria. Assim, o ser humano tem uma dupla realidade a qual lida em si mesmo: grandeza e miséria; e em sua natureza corpórea isso é demonstrado, já que ao ser formado de carne e ossos, respectivamente, se tem a mesma significação: carne para demonstrar a miséria e fragilidade; ossos para demonstrar a firmeza e a dignidade.

E, por exemplo, é por esta razão que quando se diz da humilhação do Senhor Jesus Cristo, dada sua divindade, afirma-se que não foram quebrados os seus ossos (cf. Sl 34.20; Jo 19.36), pois, mesmo em Sua humilhação manteve sua grandeza já que era inocente, ou como diz o Príncipe dos Apóstolos: “o justo pelos injustos” (1Pe 3.18); etc.

9. Terceiro, evoca a analogia entre o corpo humano e os elementos da natureza, onde diz: “Deste modo, se divide nos quatro elementos”; ora, tendo o corpo humano esta natureza específica, se observa que na constituição do mesmo além de ter algo elementar e em ordem a designação dos elementos da natureza, o próprio corpo é afetado por estes elementos; pois, tudo o que é corpo está em algum modo de relação com os elementos da natureza, já que possui algo dos mesmos, como afirma o Filósofo no livro II do Sobre a Geração e a Corrupção (cf. De Ger. et Corrup., II, 8); ora, em analogia se pode aplicar este preceitos dos corpos com relação ao corpo humano, e se demonstrar a relação entre o corpo humano e os elementos da natureza, já que a matéria de que fora feito o corpo humano é o pó da terra (cf. Gn 2.7), no qual se encontram alguns dos elementos da natureza; por isso, se pode evocar uma analogia, isto é, uma relação de semelhança e dessemelhança entre o corpo humano e os elementos da natureza, tanto em relação ao corpo humano quanto em relação aos elementos da natureza.

10. Quarto, demonstra a comparação entre os elementos da natureza e o corpo humano, onde diz: “Pois, em si tem algo do fogo, algo do ar, algo da água, algo da terra. A razão da terra está na carne; a da água no sangue, a do ar no espírito; a do fogo no calor vital”; ora, tendo sido explicado a relação analógica entre o corpo humano e os elementos da natureza, se estabelece a demonstração da comparação entre ambos; pois, tendo estabelecido a regra de tal pressuposição, a analogia, se pode fazer uma comparação; pois, o corpo, “em si tem algo do fogo, algo do ar, algo água, algo da terra”; assim, se compreende que a razão da analogia está na natureza do próprio corpo, em que, se constata tanto ontologicamente quanto fisicamente a presença dos elementos da natureza. Logo, no corpo se tem a razão de cada um dos quatro elementos, donde ser deveras correto a proposição de que há uma comparação entre os mesmos e o corpo humano.

11. Portanto, se constata esta afirmação do seguinte modo: “A razão da terra está na carne”, isto é, a analogia entre a terra e o corpo está numa das partes constitutivas do corpo, a saber, a carne, que é feita do pó da terra, e a própria terra possui uma natureza que provêm da carne, o que é constatado pela ciência, pois, o ser humano provém do pó e ao pó retorna (cf. Gn 3.19).

Outrossim, é que na constituição da terra, tem muitos elementos que estão presentes na constituição do corpo; o que, cientificamente, demonstra que o ser humano tem certa similitude com a natureza da terra; pois, alguns dos minerais e os elementos constitutivos da terra, também estão nos elementos constitutivos do corpo, embora de modo diverso (o que per se é evidente!).

Assim, a natureza corpórea do ser humano tem relação com a terra, não somente pelo contato sensível com a terra, pois os elementos constituintes da mesma também estão no corpo; o que indica tanto a proveniência do corpo - do pó -, quanto sua natureza - de carne (em comparação: terra mole, ou pó) e de ossos (em comparação: terra firme, ou estrutura rochosa); pois, tanto a carne quanto os ossos, a dupla natureza do corpo, tem similitude com a dupla natureza da terra, estrutura térrea e estrutura rochosa; etc.

12. Além disso, “a da água no sangue”, isto é, a razão da água está no sangue já que este é liquido e flui dentro do corpo humano tal como o fluir das águas; e se observa que o ser humano tem a maior parte do seu corpo composto de água; portanto, em relação a constituição do corpo humano, o homem tem a razão da água em sua natureza corpórea; no caso da analogia evocada, a razão da água se demonstra através da constituição sanguínea do ser humano.

Outrossim, é que a vida da carne está no sangue (cf. Lv 17.11), isto é, a vida natural; logo, ao se comparar analogicamente a água enquanto elemento natural e a natureza sanguínea do corpo humano, se percebe a importância impreterível dos mesmos ao ser humano; tanto que se fala do coração, órgão que bombeia o sangue em todo o corpo, como princípio do movimento animal (cf. STh Ia IIae, q. 17, a. 9, arg. 2), e o mesmo se dá com a água, sem a qual não há vida natural, a qual também é imprescindível para a vida humana; aliás, até se afirma um adágio científico: “água é vida”; etc.

13. Além disso, “a do ar no espírito”, isto é, a razão do ar está no espírito; isto é, analogia entre o ar e o corpo humano se mostra através do espírito; tanto o é, que a mesma palavra era utilizada pelos antigos para descrever tanto o ar, como elemento natural, quanto o espírito, como parte da constituição do ser humano; pois, o Criador após ter feito o homem do pó da terra, soprou em suas narinas o ar da vida ou fôlego da vida (cf. Gn 2.7a); o ar que Deus soprou que fez o homem ser alma vivente (cf. Gn 2.7b), isto é, o fizera ser um “ser desejante”.

E isto também se constata pela natureza do ar; pois, o ar move-se sem que ninguém o veja; assim também é o espírito, é o princípio de toda a vida humana, e ninguém o vê; pois, o ser humano é composto de uma unidade, corpo e alma (ou espírito); logo, nesta unidade, o espírito é nonde está o folego de vida, e este fôlego permeia toda sua natureza corpórea dando-lhe vida natural, a qual permeia sua carne e sangue, já que a vida de sua carne está no sangue; e, quando a vida acaba, o sangue para de se mover no corpo, e aos poucos a carne apodrece, demonstrando que a vida do corpo está no princípio do movimento animal e na animalidade.

Pois, o ar, que para Anaximandro era o princípio de todas as coisas - e, quanto a natureza humana em parte está correto -, pois, o ar diferencia-se nas substâncias por rarefação e condensação (cf. DK 13 A 5), já que o ar possui a vantagem de ser o mais liberto da forma (a expressão é de Hegel!); por isso, se diz que a razão do ar está no espírito, já que o espírito em si não possui forma corpórea; assim, o espírito humano é o princípio da vida humana como um todo, tanto em relação a vida natural, no corpo, quanto em relação a vida espiritual, no espírito, bem como da vida psíquica, na alma.

Portanto, se compara o ar com a alma, pois tanto o ar quanto a alma não possuem limites físicos; pois, segundo o dito atribuído a Heráclito, se se procurasse os limites da alma não seriam encontrados (cf. DK 22 B 45); logo, como o ar não possui limites (delimitações físicas), assim como a alma (embora a alma esteja no corpo), então, é correto se fazer uma analogia entre o ar e a alma.

14. Além disso, “a do fogo no calor vital”, isto é, a razão do fogo está no calor vital; pois, do mesmo modo como fogo emana calor, assim o corpo possui um calor vital, dado a vida natural no mesmo, a qual é significada pelo sangue que corre por todo o corpo; logo, o calor vital é entendido como o bom funcionamento do corpo, pelo fato do corpo está bombeando sangue em toda sua extensão, o que torna o corpo numa temperatura térmica adequada para a vida.

Outrossim, é que se compara o fogo ao calor vital, devido as propriedades do fogo; o Teólogo afirma que entre as coisas sensíveis, o fogo é a com maior nobreza, a com maior brilho, o mais ativo[4], etc.; logo, o fogo, com estas e outras características, é comparado ao calor vital, pois, este também tem estas características, conquanto em relação ao princípio do movimento animal; logo, o calor vital é nobre e é o mais ativo, pois demonstra a força e vitalidade do corpo humano quanto ao seu funcionamento natural.

Portanto, do mesmo modo como o fogo está para a natureza, o calor vital está para o corpo; na verdade, em uma comparação bem simples e genérica, se pode afirmar que o que o fogo é para a natureza, o calor vital é para o corpo; o que fogo faz na natureza, o calor vital faz no corpo; etc. Logo, a razão do fogo, um dos elementos naturais, está no calor vital, propriedade inerente a natureza corpórea do ser humano. Pois, como dissera o Filósofo, a vida e a posse de alma dependem de um certo grau de calor (cf. Resp. 474a25-26).

15. Quinto, delineia as partes do corpo e a sua respectiva analogia com as quatro espécies de elementos, onde diz: “Pois também a razão quadrupla do corpo humano designa as quatro espécies de elementos”; ora, tendo compreendido a analogia do corpo com os elementos, se prossegue para compreender a relação entre as partes do corpo e sua analogia com as quatro espécies de elementos; pois, do mesmo modo como o corpo se relaciona com os quatro elementos da natureza, assim também as partes gerais do corpo também se relacionam; e o mesmo princípio analógico que fora aplicado com relação a natureza corpórea do homem e os elementos da natureza, também pode ser aplicado em relação as partes do corpo e os quatro elementos naturais.

Por isso, diz: “a razão quadrupla do corpo humano”, isto é, a constituição geral do corpo humano; e, quanto a isso, duas coisas são afirmadas: primeiro, a razão do corpo humano é delineada de acordo com o modo com que foi formado; segundo, a razão do corpo humano é quadrupla, tanto em relação a sua dignidade, quanto em relação a sua função perante a natureza.

Portanto, a “razão quadrupla” do corpo humano, diz respeito a natureza humana em particular, bem como diz respeito ao contato do ser humano com a natureza em geral. Pois, o ser humano só pode velar pela natureza em geral, tendo em si algo desta natureza; pois, o que é natural se defronta com o que é natural, e a natureza só pode ser entendida a partir da natureza e do contato com a mesma.

Por isso, a razão quadrupla do corpo humano “designa as quatro espécies de elementos”, isto é, significa analogicamente as quatro espécies de elementos; pois, esta razão quadrupla, se defronta com a razão quadrupla que está na natureza, a saber, as quatro espécies de elementos; portanto, há uma relação natural dada a similitude dos elementos na natureza e no corpo humano, conquanto estejam de modo distintos em ambos; mas, como estão em ambos, então, se inter-relacionam, o que está em ordem tanto em relação a função do homem como mordomo da criação (cf. Gn 1.28), quanto está em ordem ao desenvolvimento saber (que está interligado com o desenvolvimento da personalidade, da vida, etc.).

16. Sexto, evoca a primeira parte do corpo e sua analogia com o céu, onde diz: “Pois, a cabeça se refere ao céu, nonde estão os olhos tal como os luminares do sol e da luz”; ora, tendo demonstrado a relação entre as partes do corpo e os quatro elementos da natureza, prossegue e demonstra cada uma das partes do corpo e sua relação com os elementos da natureza; em primeiro lugar, evoca a primeira parte do corpo, a cabeça, e sua analogia com o céu; pois, “a cabeça se refere ao céu”, isto é, a primeira parte do corpo, a cabeça, com a primeira obra da Criação, o céu (cf. Gn 1.6-8); logo, o que a cabeça é para o corpo, o céu é para a criação, pelo menos, quanto a ordem dos elementos.

Por isso, a comparação é feita também tendo em vista outro aspecto, a saber: “nonde estão os olhos tal como os luminares do sol e da luz”, isto é, como os olhos são os luminares do corpo (cf. Mt 6.22-23), assim o sol e a lua são os luminares que estão nos céus (cf. Gn 1.16). Logo, há similitude entre a cabeça como parte do corpo e os olhos com o céu e os seus dois luminares (sol e lua). Pois, do mesmo modo como os dois luminares no céu cumprem o propósito específico para o qual foram criados, tanto em relação a terra quanto em relação ao universo específico (ao nosso sistema planetário), do mesmo modo os olhos também tem uma função importantíssima, tanto em relação aos sentidos naturais quanto em relação a alma.

17. Sétimo, evoca a segunda parte do corpo e sua analogia com o ar, onde diz: “O peito se relaciona com o ar, porque assim como dele se emite a respiração expirada, assim do ar [se expelem] os sopros dos ventos”; ora, tendo evocado a primeira parte do corpo, prossegue para evocar a segunda, a saber, o peito; e “o peito se relaciona com o ar”, isto é, a parte do corpo onde estão os órgãos respiratórios se relacionam com o ar; e isto é algo evidente quanto a natureza do elemento e a natureza do corpo humano; pois, o próprio modo de funcionar do peito demonstra isso: “porque assim como dele se emite a respiração expirada”, isto é, a saída do ar, pois, o peito, mais propriamente os pulmões (em relação com o coração), possuem a respiração de dois modos, a aspiração e a expiração; a entrada do ar é chamada de aspiração, e sua saída, expiração (cf. Resp. 480b9-10).

E do mesmo modo como o peito expele o ar, “assim do ar os sopros dos ventos”, isto é, do ar se expelem os sopros dos ventos, que são uma forma do ar; portanto, a segunda parte do corpo se relaciona com o ar ao modo da respiração expirada, pois assim o ar se dá no sopro dos ventos. Logo, um efeito natural, o sopro dos ventos, possui a mesma estrutura de um efeito corporal, a respiração expirada; e ambos com relação ao ar. Por isso, no que concerne ao fôlego de vida, se compara o mesmo com o ar, elemento fundamental para a vida do mundo, por assim fizer, o “fôlego do mundo”.

18. Oitavo, evoca a terceira parte do corpo e sua analogia com as águas, onde diz: “O ventre se assimila ao mar pelo conjunto de todos os fluídos, assemelhando-se a conjunção das águas”; ora, tendo evocado a segunda parte do corpo e sua analogia com o ar, passa a evocar a terceira parte do corpo, o ventre, e sua analogia com as águas; pois, se o mundo fosse tomado simbolicamente como um corpo, seu ventre seriam os mares; logo, “o ventre se assimila ao mar pelo conjunto de todos os fluídos”, pois, o ventre era tido pelos antigos como o conjunto de todos os fluídos corporais, já que ao ventre, ou as entranhas, eram assimilados as emoções (cf. Sl 73.21); além disso, os fluídos corporais num olhar geral parecem ter sua razão justamente no ventre, já que o estomago e o intestino realizam tudo quanto é necessário nos processos orgânicos pós-nutrição.

Portanto, o conjunto de todos os fluídos corporais, assemelha-se a conjunção das águas, aos mares e oceanos; e é interessante que para os mestres da literatura, a natureza, principalmente os mares, era um dos ananke (necessidade, fatalidade, fado, destino) que pesa sobre os homens; donde, a braveza e o terror dos mares, pois não podiam ser domados pelos navios e pelos trabalhadores do mar; assim, ao se comparar o ventre com os mares, demonstra-se um caractere imprescindível do ventre para os antigos, a saber, sua natureza volátil, tal como os mares. Nisto, também se acoplava o saber dos antigos a respeito do ventre como sede das emoções; pois, mesmo que se saiba que o ventre não seja a sede das emoções, todavia, qualquer emoção não-sóbria afeta diretamente o ventre, do mesmo modo como qualquer mudança de estado na conjunção das águas afeta os mares.

19. Nono, evoca a quarta parte do corpo e sua analogia com a terra, onde diz: “Por último, os extremos se comparam a terra. Pois os extremos dos membros são áridos como a terra ou secos como a terra”; ora, tendo evocado a terceira parte do corpo e sua analogia com os mares, passa a evocar a quarta parte do corpo, os pés (isto é, tudo abaixo do ventre), e sua analogia com a terra; pois, os pés, são o que dão sustentação ao corpo, já que o permite ao corpo ficar em pé e se manter ereto; por isso, “os extremos”, isto é, os pés, “se comparam a terra”, tanto no sentido da função quanto no sentido da posição entre as partes; pois, do mesmo modo como o pé está para sustentar e manter o corpo, assim a terra sustenta e mantém a vida humana neste mundo em firmeza.

Portanto, “os extremos”, os pés, “são áridos”, isto é, são firmes, como a terra ou secos como a terra”; os pés se comparam a terra por sua firmeza e aridez; e aridez no sentido de firmeza, já que a terra é árida dando a mostrar sua natureza firme proveniente das rochas; logo, os pés estão para o corpo como a terra, a crosta terrestre, está para os elementos naturais; pois, na terra se observam os elementos naturais e suas ações ao longo do tempo, na qual os próprios elementos agem e produzem o que necessário para a própria terra; e isto de uma maneira cíclica, cumprindo um ciclo natural, já que a natureza não falha no que lhe compete (cf. Eclo. 16.27); etc.

20. Ora, esta subdivisão do corpo em quatro partes gerais, cumpre um modo da simbologia bíblica; pois, no livro profeta Daniel está escrito que Deus deu um sonho ao rei Nabucodonosor, de uma estátua de um homem com cinco partes distintas (cf. Dn 2.31-35); e as cinco partes da estátua justamente são essas: cabeça, peito, ventre, pernas e pés; e este é um simbolismo básico para designar as partes do corpo humano, e que Deus se utilizou para dar a conhecer a Nabucodonosor o que concerne a história humana (cf. Dn 2.28-30); logo, a designação do homem em cinco partes gerais (ou numa descrição mais geral, em quatro partes) serve de simbolismo básico para tudo quanto concerne a vida natural, seja em relação a história, como no livro no profeta Daniel, seja em relação a natureza em geral, como o Lincolnense faz neste escrito, e como outros houveram feito em outros escritos.

21. Deste modo, ao se fazer estas comparações, concomitantemente, se demonstra do que o homem é constituído, a saber, não somente demonstra as partes do corpo, mas também a constituição humana tal como descrita nas Escrituras; pois, segundo o cronista da criação, o homem é um ser é desejante (alma), deliberante (coração), contingente (carne) e vivente (espírito). E em cada uma das partes do corpo e em suas analogias com os elementos naturais, se evoca uma destas partes que concernem biblicamente ao que o homem é, tanto em relação a natureza corpórea quanto em relação a natureza interior outorgada por Deus ao soprar o fôlego de vida (cf. Gn 2.7). Embora, na descrição grossetiana, se estabeleça uma comparação ainda mais geral, mas imbuídas nesses aspectos ora evocados.

22. Além disso, se constata que tal comparação, é feita desde os primórdios da humanidade; e os primeiros filósofos gregos (que também eram físicos), sempre procuraram evocar a compreensão sobre a realidade a partir do homem e sua relação com a natureza; pois, desde os cantores e os poetas, tais como Homero e Hesíodo, se estabeleceram obras poéticas que narravam a relação entre o homem e o cosmos, em consonância com os elementos da natureza e com o panteão sagrado que possuíam e de acordo com o sistema astrológico; no período áureo da poesia romana também fora feito isso, principalmente por Virgílio; o maior dos poetas, Dante, também fizera isso de maneira magistral em sua obra magna (A Divina Comédia); etc.

Portanto, é preceito do saber, e da compreensão sobre o cosmos, o homem e a inter-relação entre ambos, que esta inter-relação seja expressa de modo simbólico, de modo a este simbolismo expressar algo da realidade e manter o que concerne para a compreensão da própria realidade.

23. Assim sendo, toda a estrutura que Grosseteste sintetiza neste escrito, demonstra três coisas: primeiro, a natureza do conhecimento; segundo, a estrutura simbólica da natureza do conhecimento; terceiro, que o simbolismo natural é parte da essência da racionalidade. Logo, os preceitos grossetianos, ao evocar o homem como um microcosmo (mundo menor), amalgamam a relação entre estas três preceituações, bem como demonstra que a natureza do conhecimento, ao defrontar-se com o simbolismo, demonstra que o ponto fulcral neste simbolismo, sempre imbuído do simbolismo astrológico (da astrologia científica), é o homem, o mundo menor, que é o centro de honra e dignidade do mundo maior, o universo.

24. Pois, o grande Deus, em toda a sua obra esplendorosa na criação, em ordem e harmonia, dignou ao homem, a quem coroou de honra e glória (cf. Sl 8.5), o descortinar e compreender toda a grandeza que imbuiu na criação e em todo o simbolismo natural que emerge da mesma; logo, em tudo o que o homem é e faz, tanto em si quanto em seu contato com a realidade, em sua posição espacial e temporal, consegue compreender o cosmos, e isto de duas maneiras: primeiro, a partir de si mesmo, já que a estrutura do corpo se coaduna com a estrutura do universo e dos elementos naturais, como o próprio Grosseteste demonstrara neste escrito; segundo, a partir do cosmos, já que a máquina do mundo está em ordem e é ordenada a partir do movimento, quanto a grandeza dos corpos, mas em relação ao ser humano, quanto a ordem de importância na natureza.

25. E isto basta quanto a compreensão geral do que Grosseteste delineia neste escrito.

 

C. Dúbias.

Em relação a algumas proposições delineadas na explicação deste texto, surgiram três dúbias:

Primeiro, se os elementos naturais estão em toda a natureza.

Segundo, se o homem deve dominar sobre os elementos naturais.

Terceiro, se existe uma determinação divina quanto a simbologia natural.

 

<Dúbia I>

 

Acerca da primeira, procede-se assim: se os elementos naturais estão em toda a natureza.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. O Filósofo, no livro II da Física, afirma que a natureza é chamada de princípio do movimento (cf. Phys., 192b20); ora, parece que no movimento não estão os elementos naturais, pois nem tudo na natureza produz movimento; logo, os elementos naturais não estão em toda a natureza.

2. Ademais, Xenófanes afirma que tudo vem da terra e tudo termina na terra (cf. DK 21 B 27); ora, se tudo está em ordem a terra, então, os elementos naturais só estão em terra; no entanto, o fogo e o ar não estão em terra; logo, os elementos naturais não estão em toda a natureza.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, Sirach assevera que Deus criou suas obras e determinou as tarefas e o domínio de cada uma em suas gerações (cf. Eclo. 16.27a); ora, o que concerne a geração, que está em toda a natureza, está em ordem aos elementos naturais; logo, os elementos naturais estão em toda a natureza.

III. [Solução].

1. A universalidade dos elementos naturais, os fazem estar presentes em toda a natureza; e como o princípio da natureza é o movimento, como afirma o Filósofo, então, no movimento se engendra o que necessário para a geração natural dos elementos naturais; por exemplo, o ar, pode servir para aumentar ou diminuir a intensidade do fogo; logo, nos elementos naturais está o que concerne a outro elemento e para a geração ou diminuição das formas do mesmo na natureza.

2. Além disso, como os elementos naturais estão em ordem a tudo quanto existe na natureza, então, tudo na natureza contém alguma forma dos elementos naturais; pois, como diz o Filósofo, todo corpo contém os quatro elementos (cf. De Gen. et Corrup., 334b33); assim sendo, em toda a vida natural no planeta terra, assim como nos corpos celestes, se tem os quatro elementos; e, em se tratando da terra, onde há a vida humana, isto é ainda mais evidente, dada a necessidade destes elementos para a vida natural.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que a proposição do Filósofo refere-se ao movimento de todas as coisas que estão na natureza; pois, tudo na natureza, tem o princípio do movimento animal, quanto aos seres vivos, ou o princípio do movimento corporal, quanto aos corpos celestes; logo, tudo que está em movimento está consonância com os elementos naturais, seja em suas formas básicas ou em outras formas; portanto, na própria compreensão sobre o que é a natureza se compreende que os elementos naturais estão em toda a natureza, diferindo apenas o modo como estão de acordo com a espécie de movimento.

2. Quanto ao segundo se responde que a pressuposição de Xenófanes está em parte correta; pois, quanto a natureza corpórea dos seres vivos, tudo vem da terra e tudo termina na terra, como bem afirma a Escritura (cf. Gn 3.19; Ec 12.7), e como o atesta a natureza dos seres vivos (sejam animais, sejam vegetais); logo, quanto a isso, se observa algo concernente a natureza constituinte dos seres vivos; no entanto, já que a natureza constituinte dos seres vivos tem algo em razão da terra, e a terra está em relação com os elementos naturais, pois, é o habitat dos seres vivos, então, os elementos naturais estão em toda a natureza, já que estão sob a terra; logo, os elementos naturais estão em toda a natureza, pois são parte substancial da própria natureza; e a natureza é a amalgama das mais variadas formas dos elementos naturais em relação com os seres vivos, seja do reino animal seja do reino vegetal.

 

<Dúbia II>

 

Acerca da segunda, procede-se assim: se o homem deve dominar sobre os elementos naturais.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. Os elementos naturais não podem ser dominados pelo homem; pois, algumas das formas dos elementos naturais, como os ventos impetuosos e os mares bravios, não podem ser dominadas; logo, o homem não pode dominar os elementos naturais.

2. Ademais, Empédocles diz que os quatro elementos são as quatro raízes de todas as coisas (cf. DK 31 B 6); ora, as raízes de todas as coisas são os primeiros princípios de todas as coisas; e os primeiros princípios de todas as coisas não podem ser dominados pelos homens; logo, o homem não pode dominar os elementos naturais.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, Sirach afirma que Deus deu ao homem autoridade sobre tudo o que há na terra (cf. Eclo. 17.3); ora, autoridade diz respeito ao domínio sobre as coisas naturais que lhe convém; logo, tudo quanto há na natureza deve ser dominado pelo ser humano; portanto, o homem deve dominar sobre os elementos naturais.

III. [Solução].

1. O Filósofo afirma que na terra se tem os quatro elementos (cf. De Gen. et Corrup., 334b33); logo, tudo quanto concerne a vida tem algo em relação com os quatro elementos, pois, o próprio corpo tem algo dos quatro elementos em sua constituição natural; assim, se a vida se desenvolve na terra, então se desenvolve com os quatro elementos e na utilização destes, já que tudo na vida natural está em ordem aos elementos naturais.

2. E como compete ao homem dominar sobre a natureza, então, compete ao mesmo dominar sobre os elementos naturais; pois, ao dominar estes elementos, os utiliza para algum bem da vida humana, como por exemplo, a utilização da água para plantio ou para fins higiénicos, ou então do fogo para aquecer e cozinhar alimentos e carne de animais, etc.; logo, quando o homem sujeita a terra, também sujeita os elementos naturais, não como senhor destes, mas como cultor dos bens naturais que destes provêm tal como estabelecidos pelo Criador.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que em um sentido os elementos naturais podem ser dominados pelo homem, em suas formas básicas, já que fazem parte da vida natural, pois concerne a sobrevivência humana, e isto está em ordem ao instinto animal; e em outro sentido os elementos naturais não podem ser dominados pelo homem, em suas formas abruptas, tais como os ventos impetuosos e os mares bravios, pois estes não estão em ordem ao que concerne ao instinto animal, mas são acidentes naturais, causados por diversos fatores. Logo, quanto a vida natural, o homem pode dominar os elementos naturais, já que isto faz parte da própria vida na natureza.

2. Quanto ao segundo se responde que a proposição de Empédocles refere-se a um preceito físico como se fosse um preceito metafísico; logo, os quatro elementos estão em todas as coisas, como parte da natureza das coisas, quanto a sua realidade física, mas não como as raízes metafísicas da coisa; pois, se assim o fosse, os quatro elementos seriam as causas de todas as coisas; no entanto, como se sabe que a causa de todas as coisas, a causa incausada, é apenas uma, então, os quatro elementos não são as raízes de todas as coisas; logo, os elementos naturais podem ser dominados pelo homem, e os primeiros princípios de todas as coisas podem ser conhecidos pelo homem, pois, as raízes de todas as coisas, quanto a física, estão em ordem ao movimento, e os primeiros princípios de todas as coisas, estão em ordem a causa primeira que causa o movimento, e isto tanto no sentido real quanto no sentido formal.

V. [Resposta ao Em Contrário].

1. Em relação a isso, compete dizer que há dois tipos de domínio: primeiro, o domínio entendido como sujeitar a natureza; segundo, o domínio entendido como utilizar os elementos da natureza. E é neste segundo sentido que se afirma que o homem deve dominar sobre os elementos naturais, para destes se utilizar em benefício da vida humana; pois, como fora dito, existem formas dos elementos naturais que o homem não consegue dominar; mas, a forma básica dos elementos, o homem pode e deve dominar, como parte da ordenança que lhe fora conferida pelo Criador (cf. Gn 1.26, 28).

 

<Dúbia III>

 

Acerca da terceira, procede-se assim: se existe uma determinação divina quanto a simbologia natural.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. A designação de símbolos está em ordem aos signos já que destes provêm; e, segundo o preceito platônico entre os signos uns são naturais e outros são inventados; e, como a simbologia emerge dos signos inventados não precede de uma determinação divina, mas da vontade humana; logo, não existe uma determinação divina quanto a simbologia natural.

2. Ademais, quanto a simbologia natural, parece que não há uma determinação divina, já que o próprio Deus proíbe fazer imagens de escultura (cf. Êx 20.4); e, como a simbologia natural também se refere a expressões artísticas, então, não há uma determinação afirmativa quanto a simbologia natural, embora haja uma determinação negativa quanto a simbologia natural.

3. Ademais, o Filósofo afirma que os homens tendem ao saber porque tem estima pelos sentidos (cf. Met. 980a22-23); ora, os símbolos não são abstraídos pelos sentidos, mas pela inteligência; logo, não estão em ordem ao saber; e, como tudo que não está em ordem ao saber não procede da determinação divina, então, fica claro que não há uma determinação divina quanto a simbologia natural.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, diz a Escritura: “mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.16b); ora, se Deus outorgou a terra aos filhos dos homens, então, tudo na vida humana está sob a determinação criacional de Deus, a qual é imbuída e permeia tudo quanto diz respeito a vida natural; e, como a simbologia concerne a vida natural, logo, existe uma determinação divina quanto a simbologia natural.

III. [Solução].

1. O Filósofo, no livro I da Física, afirma que quando os objetos de uma investigação têm princípios, causas ou elementos, é por meio destes que o conhecimento e a compreensão são alcançados (cf. Phys., 184a10-12); ora, um dos princípios fundamentais do conhecimento é o axioma sobre a simbologia; pois, tudo que existe é ente; e os entes finitos são simbólicos; logo, como o saber se inicia pela compreensão do que concerne ao ente e a essência, então, o que concerne ao saber em geral, é simbólico, já que os entes finitos são simbólicos; por isso, se estabelece o preceito filosófico de que “todo conhecimento é simbólico[5].

2. Deste modo, como um dos princípios fundamentais do conhecimento é de que “todo conhecimento é simbólico”, e como o conhecimento é outorgado por Deus (cf. Sl 94.10b), então, a simbologia natural é preceito e é preceituada como parte do que concerne ao conhecimento, sempre em ordem a bondade divina; pois, a simbologia é um axioma concernente a própria racionalidade; e, como fora Deus quem dera racionalidade ao homem como parte da imago Dei, então, a natureza simbólica do conhecimento é preceito da natureza estabelecido por Deus como parte de seus mandamentos como Criador. Pois, o homem, como animal racional, também é um animal cultural; e, por isso, também é um animal simbólico.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que os símbolos não necessariamente provêm dos signos, embora todo signo expresse algo em consonância com algum símbolo; por isso, mesmo os signos inventados estão em ordem a esta preceituação, pois, os signos inventados são de algum ente de razão, o qual, por si, também é simbólico, mesmo sendo não-real, já que a própria possibilidade de se pensar sobre os entes finitos está imbuída com a preceituação simbólica; assim, a simbologia pode emergir de signos inventados, porque existe nos signos naturais; logo, procede de uma ordenança natural, que pode ser evocada artificialmente; e, como o que procede da natureza está em ordem ao mandamento de Deus com relação as coisas naturais, então, a simbologia, seja em relação aos signos naturais seja em relação aos signos inventados, procede de uma determinação divina imbuída no núcleo de sentido de Criação.

2. Quanto ao segundo se responde que a determinação negativa é em relação a se fazer imagens de escultura de Deus, e não quanto a simbologia, mesmo a expressa em formas artísticas; logo, se há uma determinação divina quanto a simbologia natural, a mesma pode ser expressa em termos artísticos, desde que a estética não contradiga a natureza, no que concerne as questões naturais, e nem atente contra a graça, no que concerne as questões espirituais. Logo, existe um preceito geral quanto a simbologia natural, que pode ser açambarcado nos preceitos específicos das formas artísticas, o que os preceitos sapenciais prescrevem de maneira incisiva.

3. Quanto ao terceiro se responde que o tender natural ao saber, indica tanto o modo deste tender, pelos sentidos, quanto o que concerne ao próprio saber, pela inteligência; logo, tanto os sentidos quanto a inteligência estão em ordem ao saber, e com isso, os símbolos também estão, já que concernem tanto aos sentidos quanto a inteligência; portanto, como está em ordem ao saber, procede da determinação divina, já que o tender ao saber é preceito divino estabelecido na natureza humana, que toma várias formas diferentes em relação as espécies diversas de saber, e com isso, demonstra as várias preceituações que concernem a simbologia natural. Logo, o que resulta disso é compreendido facilmente; etc.

V. [Resposta ao Em Contrário].

1. Em relação a determinação criacional de Deus quanto ao ser humano se distinguem quatro aspectos: primeiro, Deus estabelece uma ordenança quadrupla ao homem, quanto a mordomia em relação a criação (cf. Gn 1.28); segundo, Deus ordena ao homem o cuidar e o velar pela criação (cf. Gn 2.15); terceiro, Deus estabelece uma ordenança pactual com o homem (cf. Gn 2.16-17); quarto, Deus designa ao homem o ímpeto para desenvolvimento do saber e da ciência (cf. Gn 2.20a). E, como a simbologia natural está em ordem a estes aspectos, especificamente em relação ao quarto aspecto, então, existe uma determinação divina quanto a simbologia natural, pois, todo saber está em ressonância com a simbologia, e vice-versa. E, em relação ao quarto aspecto, se pode afirmar que o homem é um animal cultural; ora, se é um animal cultural, então, é um animal simbólico, pois, tudo o que é cultural também é simbólico; então, se constata que, na natureza em geral e na natureza humana em particular, existe uma preceituação divina quanto a simbologia natural, pois está em ordem a determinação criacional de Deus.

***

E termina aqui este comentário. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém!



[1] Basílio de Cesareia, Homilia sobre Lucas 12 - Homilias sobre a Origem do Homem - Tratado sobre o Espírito Santo [São Paulo: Paulus, 2019], pág. 63.

[2] Herman Dooyeweerd, No Crepúsculo do Pensamento Ocidental: Estudo sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico [1ª ed. Brasília, DF: Monergismo, 2018], § 30, pág. 244.

[3] Agostinho, Confissões [Coleção Clássicos de Bolso. São Paulo: Paulus, 2002], livro X, cap. 5, n. 7, pág. 274.

[4] cf. Tomás de Aquino, Super Epistolam ad Hebraeos, cap. 12, lect. 5.

[5] Este é um preceito apodítico a respeito do conhecimento; mas, infelizmente tal preceito ficara esquecido e fora deixado de lado, e quase não é mais mencionado; mas, em relação ao pensamento brasileiro, se pode falar do resgate que Olavo de Carvalho fizera em relação a este preceito e sobre a designação geral da simbologia, em vários escritos, principalmente nos que constam no livro “O Saber e o Enigma” (cf. Olavo de Carvalho, O Saber e o Enigma: Introdução ao estudo dos esoterismos [Campinas, SP: Ecclesiae, 2021], pág. 54-56). Quanto a compreensão sobre o simbolismo, indica-se a leitura deste livro e o aprofundamento das questões nele trabalhadas com maestria por Olavo de Carvalho. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Explicação do “Epigrama sobre Hegel” de Karl Marx

Proêmio   O “ Epigrama II ” ou “ Epigrama sobre Hegel ” (1837) [1] é um texto fundamental da filosofia marxiana, e é um dos textos mais...