Prefácio.
A compreensão sobre a teologia da
oração é sempre necessária; e, inúmeros são os autores que contribuíram de
maneira significativa sobre a teologia da oração; entre estes, pouco se
menciona ou se estuda sobre os autores inseridos na Filocalia, os quais,
estão entres aqueles que melhor falaram e elucubram sobre a oração; a teologia
da oração da Filocalia é preciosíssima; e os teólogos da Filocalia
preceituaram sobre a oração, porque antes de falar sobre a oração, eles
estiveram e se mantiveram perseverantemente na escola da oração. Por isso, a Filocalia
é um grande compêndio que ensina sobre a oração e sobre como orar.
Deste modo, se pode afirmar que
os autores da Filocalia escreveram como ninguém sobre a oração; e os
fulgurantes preceitos filocálicos, ensinam o que realmente é a oração, a saber,
contemplar a Deus, para recriar a alma com o fulgor de Sua beleza; e, entre os
autores da Filocalia, um dos que mais chamam a atenção é São Gregório
Palamas, o último grande nome da teologia bizantina, e um dos grandes baluartes
da ortodoxia grega, fecundo teólogo que construiu um dos mais belos sistemas
metafísicos da teologia grega; este, que fora chamado de “trompete
alegre da teologia”, e de “pregador da Graça
Divina!”.
Mas, em meio a este elogio, e em
meio a todo o efusivo quadro teológico em que Palamas é relembrado, principalmente
por suas homilias e por suas singulares obras, sobressai-se um opúsculo sobre a
oração, o “De Oratione et Puritate Cordis” (Sobre a Oração e a Pureza do
Coração), que testemunha de maneira grandiloquente de que São Gregório Palamas
fora realmente um poderoso pregador da Graça Divina porque era um homem de
oração.
Pois, quem ora verdadeiramente,
usufrui da fonte inesgotável da graça; e este opúsculo de São Gregório Palamas,
em três capítulos, evoca significativos ensinamentos sobre a oração; pois, Palamas
conseguira sintetizar os mistérios concernentes a oração, e delineá-los em
preciosos insights que transcrevem muito bem o que é a oração, e qual deve ser
a atitude daquele que busca a Deus em oração; por isso, para Palamas, a oração
e a pureza do coração são indissociáveis; só ora quem é puro de coração e só
quem é puro de coração consegue entender e experienciar os benditos mistérios
da oração.
Portanto, se faz necessário
compreender os ensinamentos de Palamas sobre a oração dispostos neste ilustre
opúsculo; e, para isso, se comentará este opúsculo, e, com isso, se evocará as
preciosidades deste texto, não somente para explicar a teologia da oração palamita,
mas principalmente para ensinar sobre a oração e sobre a importância de orar;
assim sendo, apresenta-se um pequeno aspecto do que concerne a teologia
palamita, digna de estudo e de comentários quase em toda sua amplitude, mas que
neste comentário é apresentada em apenas um aspecto, o qual constitui-se do
fundamento de todo o grandioso sistema metafísico palamita, a saber, a oração,
através da qual, nas palavras do próprio Palamas, “descobriremos o
indizível, provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do
intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: ‘Provai e vede que o Senhor é bom’ (Sl 34.9)”.
Soli Deo Gloria!
In Nomine Iesus!
30 de setembro de 2024.
Proêmio.
i. “Provai e vede que o SENHOR
é bom; bem-aventurado o homem que nele confia” (Sl 34.9); estas palavras
concernem a experiência da vida cristã, a vida vivida pela graça, pois, o justo
vive pela fé (cf. Hc 2.4), e só o faz através da graça; portanto, provar e ver
que o Senhor é bom, é algo que é experimentado apenas pela graça, pois, a graça
é o começo da glória, como dizia o adágio escolástico; ora, nesta vida, provar
e ver que o Senhor é bom, é a antessala da glória, pois, segundo Alberto Magno,
o hábito da glória consiste em ver a Deus per se[1],
enquanto provar e ver que o Senhor é bom, nesta vida, é vê-Lo de acordo com os
efeitos da graça.
ii. Por isso, o entendimento do
que concerne a experiência da vida cristã, é feito através da perspectiva
orante, efeito maravilhoso da graça, pois, só prova e vê que o Senhor é bom,
aquele que, por efeito da graça, busca a Deus em oração e tem comunhão com Ele;
a oração é um efeito da graça no fiel, que proporciona o fiel a ter comunhão
com Deus e se relacionar com Ele.
Ora, só desfruta os efeitos da
graça nesta vida, aquele que é puro de coração, pois, sem a santificação, isto
é, sem pureza de coração ninguém verá o Senhor (cf. Hb 12.14), já que aquele
que é puro de coração habitará diante do Senhor, isto é, manterá a comunhão com
Ele, tal como diz o salmista: “Quem subirá ao monte do Senhor ou quem estará
no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não
entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente” (Sl 24.3-4).
iii. Portanto, compete
compreender três coisas sobre a oração: primeiro, a oração é uma maneira de
manter comunhão com Deus. “Então, me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e
eu vos ouvirei. E buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o
vosso coração” (Jr 29.12-13).
Segundo, a oração permite ao fiel
alcançar a unidade e a integração interior. “para que, segundo as riquezas
da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito
no homem interior” (Ef 3.16).
Terceiro, a oração torna o
coração cada vez mais compungido a buscar a Deus. “Os sacrifícios para Deus
são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não
desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17).
iv. Ora, estes três aspectos
sobre a oração, São Gregório Palamas os delineara com apuro, densidade e
concisão na obra “De Oratione et Puritate Cordis” (Sobre a Oração e a
Pureza do Coração); logo, compete compreender a teologia da oração palamita
disposta neste ilustre livro, para aclarar os benditos aspectos sobre a oração
que surgiram da pena e da experiência do último dos grandes luminares da
teologia bizantina.
Lição 1
Analisa-se a designação da oração como modo de unir-se a Deus.
A. Texto de São Gregório Palamas
(De Orat., cap. I).
Uma vez que o divino é a bondade
mesma e propriamente a compaixão e o abismo de doçura, ou antes, é o que abraça
este abismo, na medida em que ultrapassa todo nome que pode ser nomeado (cf. Ef
1.21) e toda coisa concebível, não é possível encontrar a compaixão senão
unindo-se a ele.
Ora, o modo de nos unirmos a ele,
na medida do possível, consiste em partilhar com ele as virtudes semelhantes,
partilhando o pedido e a união na prece a Deus.
A partilha das virtudes torna
naturalmente o menos fervoroso apto a receber o divino por semelhança. Mas ela
não conduz à união. É o poder da oração que celebra esta comunhão e realiza a
tensão do homem em direção ao divino e sua união com ele, pois ela é um laço
que amarra ao Criador as criaturas dotadas de razão quando, por uma ardente
compunção, os movimentos da prece superam as paixões e os pensamentos. Pois é
impossível ao intelecto passional unir-se a Deus.
Assim, o intelecto, na medida em que não se encontra em estado de prece, é incapaz de descobrir a compaixão. Mas quanto mais ele se desembaraça dos pensamentos, mais ele alcança a tristeza. E, na medida desta tristeza, ela participa da compaixão que a consola. Se, com humildade, ela consagra seu tempo a esta ascese, ela transforma a parte passional da alma.
B. Comentário.
1. A elucubração sobre a oração,
se reveste de capital importância porque versa sobre a união do homem com Deus;
pois, a oração coloca o homem diante de Deus, na confiança de que Aquele que
ouve as orações (cf. Sl 65.2), também é Aquele que outorga a graça aos fiéis quando
estes se achegam ao trono da graça (cf. Hb 4.16); por isso, São João Clímaco
afirma que a “oração é, quanto à sua natureza, a conversação e a união do
homem com Deus”[2].
2. E, segundo Tomás de Aquino, “a
oração deve ser segura, correta, ordenada, devota e humilde”[3].
Logo, a oração tem cinco características principais, as quais, devem ser
ponderadas nas elucubrações sobre a oração; ora, a oração com estas
características, fora elucubrada por São Gregório Palamas, ao ponto de se poder
afirmar que a teologia palamita da oração, é uma grandiloquente e efusiva
declaração de amor a Deus através da oração. A síntese palamita é embasada na
oração e se desenvolve com e a partir da oração.
3. Portanto, compete analisar a
teologia da oração palamita, tal como é desenvolvida neste livro, pois, este
ilustríssimo livro, em três breves capítulos, versa sobre a oração e sobre o
que concerne as cinco propriedades inerentes a oração; no primeiro capítulo,
versa sobre a oração como modo de unir-se a Deus; no segundo capítulo, versa
sobre a oração como fonte de alegria espiritual; no terceiro capítulo, versa
sobre a oração como fonte da purificação do coração.
4. Ora, no primeiro capítulo, São
Gregório Palamas faz quatro coisas: (i) primeiro, descreve a fonte da
misericórdia; (ii) segundo, evoca o modo de se unir a Deus; (iii) terceiro,
descreve o poder da oração; (iv) quarto, delineia o desvelar da misericórdia de
Deus e de suas consolações através da oração.
5. [i] Primeiro, descreve a fonte
da misericórdia, onde diz: “Uma vez que o divino é a bondade mesma e
propriamente a compaixão e o abismo de doçura, ou antes, é o que abraça este
abismo, na medida em que ultrapassa todo nome que pode ser nomeado (cf. Ef
1.21) e toda coisa concebível, não é possível encontrar a compaixão senão
unindo-se a ele”; ora, de início, se descreve a fonte da misericórdia,
pois, ao se falar sobre a oração, se fala do contato com Aquele que é
misericordioso e fiel, que age naqueles que a Ele se achegam em fé e contrição.
Pois, a confiança do fiel é que ao se achegar a Deus encontra graça e
misericórdia (cf. Hb 4.16).
6. Por isso, Palamas faz duas
coisas: primeiro, descreve o que é o divino, onde diz: “Uma vez que o divino
é a bondade mesma e propriamente a compaixão e o abismo de doçura, ou antes, é
o que abraça este abismo, na medida em que ultrapassa todo nome que pode ser
nomeado (cf. Ef 1.21) e toda coisa concebível”; ora, o divino, para Palamas
é conhecido em três características: bondade, compaixão e abismo de doçura;
pois, Ele é o Sumo-Bem, a fonte donde emana toda bondade (cf. Sl 100.5); Ele é
compaixão, porque ama ao mundo de tal maneira (cf. Jo 3.16); e é um abismo de
doçura, porque vela pelas almas dos eleitos e se regozija neles (cf. Sl 37.23).
E, na verdade, Deus está além de
todo este abismo de doçura que açambarca os fiéis, pois, os efeitos da graça
são tão gloriosos que são comparados a um abismo, tamanha a sua dimensão e
extensão; mas, o próprio Deus, que abraça este abismo de doçura, pois, ao mesmo
tempo está além de todo nome que pode ser nomeado e de tudo o que é concebido;
portanto, a medida que se desvela aos fiéis como um Deus bom, misericordioso e
compassivo, ainda sim permanece infinitamente superior. Ou, como dissera
Pseudo-Dionísio: “Ele mesmo, porém, é super-colocado acima de toda mente e
substância, à medida que é dito nem ser conhecido, nem existir, mas existe
super-substancialmente e é conhecido acima da mente, e a perfeita ignorância no
melhor sentido é que é o conhecimento daquele que está acima de tudo que é
conhecido” (Epíst. I).
7. Segundo, demonstra que a única
maneira de encontrar a misericórdia é unindo-se a Deus, onde diz: “não é
possível encontrar a compaixão senão unindo-se a ele”; ora, se Deus abraça
todo o abismo de doçura, compaixão e misericórdia, evidentemente, a única forma
de encontrar esta misericórdia é se achegando a Ele, é buscando a Ele; pois, os
bens espirituais da misericórdia, são outorgados àqueles que se unem-se a Deus;
pois, a estes está reservada maiores bênçãos e maiores favores divinos, posto
que estão diante dAquele que é o tesouro de bens.
8. [ii] Segundo, evoca o modo de
se unir a Deus, onde diz: “Ora, o modo de nos unirmos a ele, na medida do
possível, consiste em partilhar com ele as virtudes semelhantes, partilhando o
pedido e a união na prece a Deus”; ora, após ter descrito sobre Deus, passa
a evocar o modo de se unir a Deus; pois, a união com Deus, ocorre a medida que
se partilha com ele as virtudes semelhantes; e, esta partilha, se dá em
comunhão com Ele; pois, na comunhão com Ele, através de Cristo, Ele faz os
eleitos participantes da natureza da divindade (cf. 2Pe 1.4).
Por isso, existe um modo de
participar das virtudes semelhantes, a saber, na oração, buscando-o e rogando a
Ele que conceda das graças necessárias para se unir a Ele. Pois, como diz o
preceito petrino, Ele já concedeu aos eleitos tudo o que é necessário para a
vida piedosa (cf. 2Pe 1.4).
Portanto, buscar a Ele nas
preciosas promessas que Ele outorgou aos fiéis, é buscá-Lo na certeza de
encontrá-Lo, e de experienciar tudo quanto diz respeito a piedade. Pois, a
união com Deus, é o fim para o qual o ser humano foi criado, bem como, é nesta união
que a alma encontra o deleite indizível no qual se alegra e desfruta das
benesses espirituais da comunhão com Deus.
9. [iii] Terceiro, descreve o
poder da oração, onde diz: “A partilha das virtudes torna naturalmente o
menos fervoroso apto a receber o divino por semelhança. Mas ela não conduz à
união. É o poder da oração que celebra esta comunhão e realiza a tensão do
homem em direção ao divino e sua união com ele, pois ela é um laço que amarra
ao Criador as criaturas dotadas de razão quando, por uma ardente compunção, os
movimentos da prece superam as paixões e os pensamentos. Pois é impossível ao
intelecto passional unir-se a Deus”; ora, ao se compreender que a oração é
o modo de se unir a Deus, a fim de o fiel participar da semelhança das virtudes
com Deus, então, se compreende o poder da oração. E, sobre isso, três coisas
são afirmadas: primeiro, demonstra que a partilha das virtudes é a maneira de
compreender que se tem comunhão com Ele; segundo, evoca a noção do poder da
oração; terceiro, delineia os efeitos da oração.
10. Primeiro, demonstra que a
partilha das virtudes é a maneira de compreender que se tem comunhão com Ele,
onde diz: “A partilha das virtudes torna naturalmente o menos fervoroso apto
a receber o divino por semelhança. Mas ela não conduz à união”; a partilha
das virtudes semelhantes com o Criador, é evidência que se mantém comunhão com
Ele, tal como diz a Escritura: “E qualquer que nele tem esta esperança
purifica-se a si mesmo, como também ele é puro” (1Jo 3.3). E a medida que
se avança nesta partilha, o menos fervoroso passa a receber do fervor do
Espírito Santo, pois, naturalmente instaura no fiel o ardor do fervor
espiritual na busca da presença de Deus; no entanto, esta partilha não conduz a
união com Deus, ela é efeito desta união. Portanto, a partilha das virtudes
semelhantes, demonstra que alguém realmente é nascido de Deus e vive em
comunhão com Ele, pois esta partilha é efeito do novo nascimento e da vida em
comunhão com Ele, e não propriamente o modo de conduzir a união com Ele; é o
efeito e não a causa da união com Ele.
11. Segundo, evoca a noção do
poder da oração, onde diz: “É o poder da oração que celebra esta comunhão e
realiza a tensão do homem em direção ao divino e sua união com ele”; ora, a
causa desta união com Ele, é a oração; e o poder da oração, é que celebra e
demonstra as belezas do banquete desta união; pois, a tensão do homem em
relação a Deus, é a tensão de que por si mesmo não pode se achegar a Ele (cf.
Is 59.2; Rm 3.23); mas, também é a tensão que se consuma ao homem se achegar a
Deus pela fé em Cristo (cf. Rm 3.25-26, 5.1-2); por isso, a oração, feita
através de Cristo com o Espírito Santo, “realiza a tensão do homem em
direção ao divino”, bem como também realiza “sua união com ele”; e
este é o poder glorioso da oração, um meio da graça para conduzir o fiel na
comunhão com Deus e na união com Ele, fazendo com que o fiel desfrute da
partilha das virtudes a medida que o busca em oração. A oração não somente abre
as portas do céu, mas permite ao eleito estar diante de Deus e usufruir dos
tesouros da graça que emanam do trono de Deus.
12. Terceiro, delineia os efeitos
da oração, onde diz: “pois ela é um laço que amarra ao Criador as criaturas
dotadas de razão quando, por uma ardente compunção, os movimentos da prece
superam as paixões e os pensamentos. Pois é impossível ao intelecto passional
unir-se a Deus”; ora, após evocar a noção do poder da oração, e isto de
maneira grandíssima, passa a delinear os efeitos da oração; pois, se a oração
tem poder, então, tem seus efeitos; e, demonstra três efeitos da oração:
primeiro, a oração é como que um laço que amarra ao Criador; ou na descrição
bíblica, é uma corda de amor (cf. Os 11.4). Segundo, a oração permite a união
da criatura com o Criador, ao gerar nas criaturas dotadas de razão, isto é, no
ser humano, a compunção à Ele. Terceiro, a oração transforma e reorienta as
paixões, de modo a estas servirem à prática das virtudes.
Por isso, pela oração, o
indivíduo é transformado pelo Espírito Santo, ao ponto das paixões e dos
pensamentos, se reorientarem de modo santo à comunhão com Deus; pois, o
intelecto passional, isto é, o intelecto dominado pelas paixões, não pode se
unir a Deus; e a oração, transforma as paixões da alma a medida da comunhão com
Deus, tornando o ser inteiro apto a ter comunhão com Deus, pois faz com que o
intelecto não seja dominado nem pelas paixões pecaminosas e nem pelos maus
pensamentos.
13. [iv] Quarto, delineia o
desvelar da misericórdia de Deus e de suas consolações através da oração, onde
diz: “Assim, o intelecto, na medida em que não se encontra em estado de
prece, é incapaz de descobrir a compaixão. Mas quanto mais ele se desembaraça
dos pensamentos, mais ele alcança a tristeza. E, na medida desta tristeza, ela
participa da compaixão que a consola. Se, com humildade, ela consagra seu tempo
a esta ascese, ela transforma a parte passional da alma”; ora, após
descrever o poder da oração, passa a demonstrar o valor da oração para o fiel,
ao delinear o desvelar da misericórdia de Deus e de suas preciosas consolações
através da oração. E, sobre isso, quatro coisas são afirmadas: primeiro, evoca
que o intelecto só encontra a misericórdia de Deus quando se encontra em estado
de prece; segundo, delineia a separação do intelecto dos pensamentos
embaraçados; terceiro, demonstra os efeitos da tristeza segundo Deus; quarto,
descreve os frutos da oração perseverante.
14. Primeiro, evoca que o
intelecto só encontra a misericórdia de Deus quando se encontra em estado de
prece, onde diz: “Assim, o intelecto, na medida em que não se encontra em
estado de prece, é incapaz de descobrir a compaixão”; ora, compaixão e a
misericórdia de Deus só são usufruídas realmente, quando se entra no estado de
prece, isto é, no estado de alma que não sendo mais dominados pelas paixões
pode perfeitamente adentrar a comunhão com Deus e unir-se a Ele. Pois, sem este
estado de prece, é impossível ao intelecto compreender a misericórdia e de
descobrir que o rosto de Deus é o rosto da misericórdia; pois, o distanciamento
de Deus é a rejeição de Sua eterna e infinita misericórdia; mas, em
contrapartida, a proximidade com Ele, é o descobrir e o usufruir das fontes
eternas de Sua misericórdia.
Portanto, o estado de prece, isto
é, da oração sóbria, perseverante e fervorosa, é que permite ao intelecto
descortinar diante de si as maravilhas da misericórdia de Deus, disponíveis às
almas que oram verdadeiramente e sinceramente.
15. Segundo, delineia a separação
do intelecto dos pensamentos embaraçados, onde diz: “Mas quanto mais ele se
desembaraça dos pensamentos, mais ele alcança a tristeza”; ora, a oração,
também permite que o intelecto se separe dos pensamentos impuros e embaraçosos;
pois, a medida que se desembaraça destes pensamentos, alcança a tristeza; e
existem dois tipos de tristeza: a segundo o mundo, que é pecaminosa e conduz a
morte, e a segundo Deus, que conduz ao arrependimento, a vida e a verdadeira
alegria (cf. 2Co 7.9). E a medida que se desembaraça dos pensamentos vãos e
vis, se alcança a tristeza segundo Deus, na qual, e a partir da qual, os
efeitos da comunhão com Ele começam a agir na alma, para transformar as paixões
pecaminosas e implementar os gérmens da santificação e da novidade de vida.
16. Terceiro, demonstra os
efeitos da tristeza segundo Deus, onde diz: “E, na medida desta tristeza,
ela participa da compaixão que a consola”; ora, os efeitos da tristeza
segundo Deus que conduzem ao arrependimento, é o que conduz aos consolos
divinos; pois, somente aqueles que se entristecem segundo Deus é que são
consolados; esta é a ventura dos eleitos: “bem-aventurados os que choram,
porque eles serão consolados” (Mt 5.4). Pois, a medida desta tristeza, é a
medida da participação nas consolações divinas. A compaixão que consola, é
disponível àqueles que tendo a tristeza segundo Deus, encontra no próprio Deus
o consolo, a alegria e disposição de viverem de modo santo. Pois, o coração
movido pela tristeza segundo Deus, é o coração que encontrará as maravilhas da
graça, fluindo abundantemente do trono de Deus a todos quantos se achegam a Ele
em fé, compunção e perseverança (cf. Hb 4.16).
17. Quarto, descreve os frutos da
oração perseverante, onde diz: “Se, com humildade, ela consagra seu tempo a
esta ascese, ela transforma a parte passional da alma”; ora, a participação
na compaixão que consola, é somente àqueles que buscam a comunhão com Deus em
oração perseverante; pois, isto demonstra a humildade do fiel diante de Deus,
bem como da resolução de seu coração em buscar a Deus; portanto, nesta humildade,
o fiel consagra seu tempo a esta ascese, isto é, a esta oração e a vida
piedosa, e a medida que o faz de maneira perseverante, a parte passional de sua
alma, é transformada de glória em glória a imagem de Cristo (cf. 2Co 3.18).
Logo, os frutos da oração perseverante são aqueles que transformam a parte
passional da alma de acordo com a glória de Deus na imagem de Cristo; e isto se
demonstra pela sentença do Apóstolo: “Porque também nós éramos, noutro
tempo, insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias
concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos, odiando-nos
uns aos outros” (Tt 3.3). Ora, estes são os efeitos da graça, na conversão
e regeneração do pecador, transformando-o em uma nova criatura, e transformando
a parte passional da alma, na qual se engendram os pecados.
18. Assim, pois, se compreende os
quatro aspectos que São Gregório Palamas descrevera a respeito da oração como
modo de unir-se a Deus; e, com isso, se tem preciosos insights e pressuposições
que abalizam e demonstram as glórias da vida em oração, ou como o próprio
Palamas afirma, daqueles que usufruem o estado de prece. A síntese palamita tem
sua fonte e base na oração e na escuta da Palavra de Deus; principalmente na
oração, pois, é a fonte donde brota a energia que, após a regeneração, vai
transformando, de glória em glória, a essência pecaminosa do ser humano a
imagem de Cristo pela ação do Espírito Santo.
Lição 2
Analisa-se a oração como modo de se alcançar a fonte da alegria espiritual.
A. Texto de São Gregório Palamas (De
Orat., cap. II).
Quando a unidade do pensamento se
torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma, então ela se une à Unidade
trinitária da divina Origem, depois de haver fechado rodas as entradas do erro
e de se ter colocado acima da carne, do mundo e daquele que mantém o mundo sob
seu domínio. Escapando assim aos seus projetos, ela permanece em si e em Deus:
na medida em que ela permanece sendo o que é, ela desfruta da alegria
espiritual que brota do coração.
Mas a unidade do intelecto se
torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma quando este se volta para si
mesmo e quando, através de si próprio, se eleva a Deus. Ora, o retorno do
intelecto sobre si mesmo é sua própria proteção. Sua elevação para Deus de
início é operada pela prece e, na medida em que a prece se desenvolve, pode
acontecer que ele se expanda subitamente, o que exigirá mais trabalho.
Mas se perseverarmos neste
desdobramento do intelecto e na sua tensão em direção ao divino, à custa de nos
violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina, será assim
que, por meio do intelecto, nos aproximaremos de Deus: descobriremos o
indizível, provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do
intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: “Provai e vede que o Senhor é bom” (Sl 34.8).
Descobrir o intelecto triplo ao
mesmo tempo em que se conserva a identidade única, guardando e orando por sua
guarda, não é, portanto, uma coisa muito difícil. Mas perseverar longamente
neste estado pela geração do indizível é da mais alta dificuldade. Todos os
outros esforços exigidos pelas demais virtudes são mínimos e suportáveis
comparados a este. É por isso que muitos, por recusarem o que existe de mais
estreito e estrito nas virtudes orantes, não alcançam além dos carismas. Mas
aos que perseveram, os socorros divinos os protegem, tornando-os maiores e,
transportando-os e sustentando-os, os conduzem adiante com prazer, e assim
tornam a eles mais acessível a difícil capacidade de orar, a fazem por assim
dizer angélica e dão à nossa natureza a força de dialogar com o sobrenatural,
como disse o profeta: “Os que esperam no Senhor renovarão as suas forças e
subirão com asas como águias” (Is 40.31).
B. Comentário.
19. Após elucubrar sobre a oração como modo de unir-se a
Deus no primeiro capítulo, Palamas prossegue, e vai ao segundo capítulo, no
qual versa sobre a oração como modo de se alcançar a fonte de alegria
espiritual.
20. Ora, no segundo capítulo, São Gregório Palamas faz
cinco coisas: (i) primeiro, descreve a alegria espiritual que permeia o coração
orante; (ii) segundo, demonstra a oração como elevação a Deus; (iii) terceiro,
evoca a perseverança na oração e seus frutos; (iv) quarto, evoca a concentração
como virtude necessária a oração; (v) quinto, delineia a relação entre a oração
e os maiores socorros divinos.
21. [i] Primeiro, descreve a alegria espiritual que
permeia o coração orante, onde diz: “Quando a
unidade do pensamento se torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma,
então ela se une à Unidade trinitária da divina Origem, depois de haver fechado
rodas as entradas do erro e de se ter colocado acima da carne, do mundo e
daquele que mantém o mundo sob seu domínio. Escapando assim aos seus projetos,
ela permanece em si e em Deus: na medida em que ela permanece sendo o que é,
ela desfruta da alegria espiritual que brota do coração”; ora, o coração que ora, é um coração alegre; pois,
a comunhão com Deus enche o coração de alegria, pois, traz a própria presença
do Espírito Santo para o coração; e o fruto da presença do Espírito no coração
é a alegria (cf. Gl 5.22); e alegria completa e verdadeira (cf. Jo 15.11); e,
sobre isso, faz quatro coisas: primeiro, descreve a unidade do pensamento;
segundo, evoca a união do pensamento integrado com o Deus Uno e Trino;
terceiro, descreve a vitória da fé através da vida de oração; quarto, evoca o ato
de permanecer em si e em Deus.
22. Primeiro, descreve a unidade
do pensamento, onde diz: “Quando a unidade do pensamento se torna tripla ao
mesmo tempo em que permanece uma”; ora, o primeiro efeito da oração é a
unidade do pensamento, isto é, o indivíduo toma posse da integridade de seu
pensamento na e a partir da comunhão com Deus; pois, o Pecado corrompera a
unidade do pensamento, ao inocular neste a desobediência a Deus; logo, o
pensamento, a partir da comunhão com Deus, se torna triplo, pois coexiste de
três modos, do mesmo modo como o Deus Trino; ora, a unidade tripla do
pensamento, é a unidade da consciência, que é permeada pela presença de Deus, e
proporciona esta unidade que integra todo o ser a imagem de Deus. A oração
proporciona cada vez mais o indivíduo a se tornar renovado no homem interior
para alcançar ao máximo possível a perfeição original; pois, o homem foi criado
para ter esta unidade de pensamento, mas o Pecado corrompeu-a, e ao ser
recriado em Cristo pelo Espírito, volta novamente a experienciar esta unidade.
23. Segundo, evoca a união do
pensamento integrado com o Deus Uno e Trino, onde diz: “então ela se une à
Unidade trinitária da divina Origem”; ora, a unidade do pensamento, ao ser
tripla ao mesmo tempo que una, proporciona a união do pensamento integrado com
o Deus Uno e Trino; pois, assim, esta unidade de pensamento, se une ao mistério
da unidade trinitária de Deus, a Origem de todas as coisas; pois, o pensamento
integrado, tem a ação sobre si do Deus Uno e Trino, ao passo que, em sua
unidade o próprio pensamento expressa-se e manifesta-se em categorias
trinitárias. É o mistério altissonante de toda a Criação, a saber, tudo está em
tríplice perspectiva; e o ser humano, como mordomo e coroa da Criação, também é
constituído em tríplice perspectiva, mesmo em seu pensamento; pois, o ser
humano, na proposição grossetiana, é um microcosmo, já que é responsável por
velar pela Criação. A unidade do pensamento expressa a unidade e a trindade de
Deus, pois, é alcançado na comunhão com a “Unidade trinitária da divina Origem”.
24. Terceiro, descreve a vitória
da fé através da vida de oração, onde diz: “depois de haver fechado rodas as
entradas do erro e de se ter colocado acima da carne, do mundo e daquele que
mantém o mundo sob seu domínio”; ora, a unidade do pensamento, demonstra a
excelência da fé através da vida de oração; pois, esta unidade proporciona a
mente e o coração de se guardarem da contaminação já que são por Deus mesmo
guardadas (cf. Fp 4.7); logo, a unidade do pensamento, ao evidenciar a fé
através da vida de oração, proporciona ao fiel vencer os três inimigos: a
carne, o mundo e o Diabo; pois, se fecha as portas ao erro e aos desejos da
carne, do mundo e do poder daquele que atua no mundo (cf. 1Jo 5.19), a fim de
demonstrar que pela unidade do pensamento se consegue vencer os desejos da
carne (cf. Gl 5.16), a corrupção que há no mundo (cf. 1Jo 2.17), e se tem a
força necessária para se resistir ao Diabo (cf. Tg 4.7), tudo isso fortalecido
pela oração (cf. Ef 6.10).
25. Quarto, evoca o ato de
permanecer em si e em Deus, onde diz: “Escapando assim aos seus projetos,
ela permanece em si e em Deus: na medida em que ela permanece sendo o que é,
ela desfruta da alegria espiritual que brota do coração”; ora, a unidade do
pensamento faz o indivíduo permanecer em si mesmo, isto é, a ter consciência de
si e do que faz; pois, a unidade do pensamento demonstra um indivíduo em posse
de si a luz da comunhão com Deus, que manifesta-se na prática das virtudes e
das boas obras; pois, assim, o pensamento escapa dos intentos pecaminosos, que
Palamas chama de “projetos”, e permanece em si mesma, isto é, em sua unidade e
em Deus; pois, sendo o que é, ou seja, conforme Deus criou para ser, e ao estar
em comunhão com Deus, a unidade do pensamento permite ao fiel de desfrutar da
alegria da presença de Deus (cf. Sl 16.11), a qual passa a brotar do próprio
coração; isto é, a sede do ser, o coração, passa a ser uma fonte donde emana
alegria para a vida quando está em comunhão com a fonte da vida (fons vitae).
26. [ii] Segundo, demonstra a
oração como elevação a Deus, onde diz: “Mas a unidade do intelecto se torna
tripla ao mesmo tempo em que permanece uma quando este se volta para si mesmo e
quando, através de si próprio, se eleva a Deus. Ora, o retorno do intelecto
sobre si mesmo é sua própria proteção. Sua elevação para Deus de início é
operada pela prece e, na medida em que a prece se desenvolve, pode acontecer
que ele se expanda subitamente, o que exigirá mais trabalho”; ora, após
descrever a alegria espiritual que permeia o coração orante, passa a demonstrar
a oração como elevação a Deus; pois, a oração eleva o intelecto das coisas
mundanas às coisas celestes, de modo ao orante, pensar e elucubrar sobre as
coisas do alto (cf. Cl 3.1s); portanto, a oração é elevação a Deus, a medida
que conduz o intelecto na contemplação de Deus e na vida em união com Ele; por
isso, após descrever a alegria que permeia o coração orante, descreve o próximo
passo, a saber, a elevação do intelecto a Deus; e, sobre isso, faz três coisas:
primeiro, descreve o modo como se obtém a unidade do intelecto; segundo, evoca
a unidade do intelecto como sua própria proteção; terceiro, delineia a elevação
a Deus e a expansão do intelecto.
27. Primeiro, descreve o modo
como se obtém a unidade do intelecto, onde diz: “Mas a unidade do intelecto
se torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma quando este se volta para
si mesmo e quando, através de si próprio, se eleva a Deus”; ora, a unidade
do intelecto, ao ser alcançada pela união com Deus, se torna tripla de dois
modos: primeiro, quando se volta para si, isto é, para o eu interior; segundo,
quando, através do eu, se eleva a Deus. Ora, esta foi a experiência de Santo Agostinho,
que ao se voltar para si mesmo, encontrou a Deus dentro de si[4];
pois, a voz de Deus ecoa na consciência, que livre das paixões, pode escutar a
voz do Criador e de Seu Espírito. A unidade do intelecto se torna tripla ao
mesmo tempo que una, a medida que encontra a Deus dentro de si, nos sussurros
do Espírito na consciência desperta pelo encontro com a Verdade.
28. Segundo, evoca a unidade do
intelecto como sua própria proteção, onde diz: “Ora, o retorno do intelecto
sobre si mesmo é sua própria proteção”; e, a unidade do intelecto, não
somente produz este efeito glorioso que fora descrito, mas também produz um
fruto precioso no próprio intelecto, a saber, ser sua própria proteção; a
unidade do intelecto serve para proteger o próprio intelecto dos desejos da
carne, da corrupção do mundo e da ação do Diabo; pois, estes atuam para colocar
o indivíduo debaixo do jugo do Pecado e mantê-lo obscurecido pelo deus deste
século (cf. 2Co 4.4); logo, a unidade do intelecto proporciona os instrumentos
necessários, e torna a consciência consciente destes instrumentos (cf. 2Co
10.4) para que possa viver diante de Deus em sinceridade e verdade.
29. Terceiro, delineia a elevação
a Deus e a expansão do intelecto, onde diz: “Sua elevação para Deus de
início é operada pela prece e, na medida em que a prece se desenvolve, pode
acontecer que ele se expanda subitamente, o que exigirá mais trabalho”;
ora, a unidade do intelecto alcançada pela oração, na própria oração, se eleva
a Deus; pois, a oração é a elevação de todo ser, em seu âmago, a Deus; e a
primeira operação da elevação a Deus é a prece, a oração; e, “na medida em
que a prece se desenvolve”, isto é, a medida que se progride no caminho da
perfeição orante, o intelecto, tende a também se desenvolver; por isso, Palamas
afirma que a medida que o intelecto cresce no caminho da oração, “pode
acontecer que ele se expanda subitamente”; pois, a oração, ao colocar o
intelecto em união com Deus, expande o próprio intelecto; ora, este expandir,
diz respeito a dilatar cada vez mais o intelecto (cf. Sl 119.32), para a
presença de Deus para poder açambarcar os efeitos gloriosos desta união; pois,
enquanto que fisicamente a dilatação do coração é uma doença, espiritualmente a
dilatação do coração é a preparação deste para receber cada vez mais dos
efeitos gloriosos da presença de Deus, donde o salmista afirmar: “Preparado
está o meu coração, ó Deus, preparado está o meu coração” (Sl 57.7a). E, a
medida que o coração se dilata, “exigirá mais trabalho”, isto é,
ocasionará mais dificuldade para se manter no estado de prece e na unidade do
intelecto.
30. [iii] Terceiro, evoca a
perseverança na oração e seus frutos, onde diz: “Mas se perseverarmos neste
desdobramento do intelecto e na sua tensão em direção ao divino, à custa de nos
violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina, será assim
que, por meio do intelecto, nos aproximaremos de Deus: descobriremos o
indizível, provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do
intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: ‘Provai e vede que o Senhor é bom’ (Sl 34.8)”; ora, após descrever a oração como elevação a Deus,
prossegue e evoca a perseverança na oração e seus frutos; pois, após o
intelecto se defrontar com sua expansão na elevação a Deus, terá mais trabalho;
e, por isso, será necessário a perseverança na oração, a qual possui seus
frutos viçosos e preciosos; portanto, no desenvolvimento da união com Deus
através da oração, o fiel se defrontará com dificuldades que exigirão
perseverança na oração; e, a respeito disso, faz duas coisas: primeiro,
descreve o propósito da perseverança na oração; segundo, delineia os efeitos
graciosos da perseverança na oração.
31. Primeiro, descreve o
propósito da perseverança na oração, onde diz: “Mas se perseverarmos neste
desdobramento do intelecto e na sua tensão em direção ao divino, à custa de nos
violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina, será assim
que, por meio do intelecto, nos aproximaremos de Deus”; ora, ao intelecto
se dilatar, isto, evidentemente, gerará mais trabalho espiritual, o que se
evidencia com a necessidade mais incisiva da perseverança na oração; pois,
quando o intelecto se dilata, para se manter no estado de prece será necessário
palmilhar as dificuldades da perseverança na oração; por isso, se houver a
perseverança nisto que Palamas chama de “desdobramento do intelecto e na sua
tensão em direção ao divino”, necessariamente, a perseverança se defrontará
tanto com os efeitos deste desdobramento quanto em sua tensão; pois, o
desdobramento do intelecto há de se defrontar com a tensão em direção ao divino,
isto é, com seu tender em direção ao divino, de modo a encontrar em Deus, a
fonte e a pacificação deste desdobramento; pois, todo crescimento gera dor e
tensão; logo, ao intelecto crescer e se desenvolver no progresso do estado de
prece, será temperado justamente nesta tensão; e, em relação a isso, Palamas
utiliza-se de um termo forte e incisivo, a saber, que isto ocorre “a custa
de nos violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina”,
isto é, a custa de mortificarmos a carne (este é o sentido da expressão “nos
violentarmos”, que na acepção hodierna do termo tem uma conotação terrível,
mas, evidentemente, não é neste sentido hodierno que Palamas emprega esta
expressão); pois, somente assim que se terá a aproximação de Deus, já que
somente com a mortificação da carne, o intelecto será o meio de nos
aproximarmos de Deus, pois, neste sentido, o intelecto, o coração se encontra
contrito e quebrando; e um coração assim, Deus não despreza (cf. Sl 51.17). E
isto se alcança com a perseverança na oração, sumamente necessária a medida que
o intelecto se dilata na união com Deus.
32. Segundo, delineia os efeitos
graciosos da perseverança na oração, onde diz: “descobriremos o indizível,
provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do intelecto
que o Senhor é bom, como disse o Salmista: ‘Provai e vede que o Senhor é bom’ (Sl 34.8)”; ora, a perseverança na oração, necessária a medida
que o intelecto se dilata, produz alguns efeitos graciosos no fiel; pois, a
medida que se persevera na oração e se mantém o intelecto na união com Deus,
esta perseverança produz alguns efeitos maravilhosos, os quais estão dispostos
de três modos: primeiro, para o pensamento; segundo, para a alma; terceiro,
para o coração.
Ora, quanto ao primeiro, o
pensamento passa a descobrir o indizível: “descobriremos o indizível”;
pois, ao se perseverar na oração, se terá mais prazer na lei do Senhor, e se o
descobrirá a medida que se conhece e se cumpre os seus mandamentos, tal como
Marcos o Eremita afirma: “O Senhor está escondido em seus mandamentos. Os
que o procuram descobrem-no na medida em que o procuram”[5].
Logo, aqueles que buscam ao Senhor, acabam por encontrá-lo, e assim descobrem o
indizível.
Ora, quanto ao segundo, a alma
passa a provar da eternidade mesmo nesta vida: “provaremos do século futuro”;
pois, a alma ao provar da eternidade pelo hábito da graça nesta vida, torna-se
consciente das excelsas maravilhas da glória, antevista nesta vida pela graça (e
se evoca aqui o conhecido adágio escolástico, a graça é o começo da glória);
portanto, o experienciar nesta vida o século futuro, é um dos benefícios
concedidos por Cristo aos que nEle creem (cf. Ef 1.3).
Ora, quanto ao terceiro, o
coração conhece pela experiência que o Senhor é bom: “e conheceremos pelo
próprio sentido do intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: ‘Provai
e vede que o Senhor é bom’ (Sl 34.8)”; pois, o coração, ao se dilatar na
presença de Deus, passa a ter o sentimento da graça, isto é, a auto-consciência
da graça, a fim de que possa, pelos sentidos do intelecto dilatado na união com
Deus, provar e ver que o Senhor é bom, isto é, tanto o paladar espiritual
quanto a visão espiritual passam a provar e ver que o Senhor é bom, tal como o
salmista também assevera: “Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presença
há abundância de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente” (Sl
16.11).
33. [iv] Quarto, evoca a
concentração como virtude necessária a oração, onde diz: “Descobrir o intelecto triplo ao mesmo tempo em que se
conserva a identidade única, guardando e orando por sua guarda, não é,
portanto, uma coisa muito difícil. Mas perseverar longamente neste estado pela
geração do indizível é da mais alta dificuldade. Todos os outros esforços
exigidos pelas demais virtudes são mínimos e suportáveis comparados a este. É
por isso que muitos, por recusarem o que existe de mais estreito e estrito nas
virtudes orantes, não alcançam além dos carismas”; ora, após descrever a perseverança na oração, evoca um elemento
fundamental para esta perseverança, a saber, a virtude da concentração, sem a
qual não se alcança uma perfeita e eficaz perseverança na oração; assim, a
oração, ao se estabelecer como elevação a Deus e ao ser palmilhada com
perseverança diante das dificuldades da vida de oração, se exigirá o
desenvolvimento de uma concentração granítica e resoluta a fim de que o caminho
da perseverança na oração seja eficaz; e, a respeito disso, faz quatro coisas:
primeiro, evoca a unidade do intelecto e a conservação do mesmo através da
oração; segundo, evoca a extrema dificuldade de se perseverar no estado da
prece; terceiro, delineia que a perseverança no estado de prece é o maior
esforço exigido do fiel na oração; quarto, evoca a razão do porque muitos no
desenvolvimento das virtudes orantes não alcançam nada além dos carismas.
34. Primeiro, evoca a unidade do
intelecto e a conservação do mesmo através da oração, onde diz: “Descobrir o
intelecto triplo ao mesmo tempo em que se conserva a identidade única,
guardando e orando por sua guarda, não é, portanto, uma coisa muito difícil”;
ora, alcançar a unidade do intelecto e a conservação do mesmo através da
oração, para os eleitos, não é algo tão dificultoso; embora, para os ímpios,
espiritualmente seja algo impossível (cf. Is 57.20-21); todavia, se compreende
que a unidade do intelecto proporcionada pelo meio de graça da oração, tanto
serve para manter quanto para conservar esta unidade; por isso, compreender
este intelecto triplo ao mesmo tempo uno, através da oração e na oração, ao
passo que se mantém sua identidade única, não é algo dificultoso para o fiel.
Mas, manter-se perseverantemente neste estado, isso sim é dificultoso; por
isso, esta unidade do intelecto triplo, ao mesmo tempo que se conserva em sua
identidade única pode ser equiparada as águas que o profeta Ezequiel experimentou
em seus pés (cf. Ez 47.3); logo, etc.
35. Segundo, evoca a extrema
dificuldade de se perseverar no estado da prece, onde diz: “Mas perseverar
longamente neste estado pela geração do indizível é da mais alta dificuldade”;
ora, alcançar a unidade do intelecto e a conservação do mesmo através da oração
não é dificultoso, mas perseverar neste estado de prece, é algo de extrema
dificuldade; pois, se manter neste estado, que proporciona a “geração do
indizível” no coração, como afirma Palamas, “é da mais alta dificuldade”;
portanto, a perseverança neste estado, em que se gera o indizível no coração, a
fim de emanar os efeitos da graça em todo o ser é dificultoso, pois, a carne
milita contra o espírito (cf. Mt 26.41); logo, a medida que se avança no estado
de prece, se encontra mais dificuldades interiores e exteriores (cf. 2Co
11.28). Ora, a dificuldade em se perseverar é medida em relação ao objeto no
qual se persevera e/ou pelo qual se persevera; portanto, em relação a questão
mais sublime, a perseverança é a mais dificultosa. Logo, é preceito palamita
que se perseverar no estado de prece é da mais alta dificuldade.
36. Terceiro, delineia que a
perseverança no estado de prece é o maior esforço exigido do fiel na oração,
onde diz: “Todos os outros esforços exigidos pelas demais virtudes são
mínimos e suportáveis comparados a este”; ora, entre todos os esforços
exigidos do fiel em relação a sua fé, o maior é em relação a oração; pois, a
perseverança no estado de prece, sem sombra de dúvida, é o maior esforço
exigido do fiel na oração; pois, ao se comparar os outros esforços necessários
tanto nas virtudes naturais quanto nas virtudes da piedade, em relação ao
esforço exigido do fiel na oração, tais esforços são tidos como mínimos
comparados a este; por isso, o Apóstolo emprega termos bélicos para designar a
vida espiritual (cf. Ef 6.10-20); logo, o esforço exigido pela vida espiritual
é tal como o esforço exigido em uma guerra; e, o Apóstolo procede nesta
descrição, tanto porque é facilmente entendível, quanto porque a partir de
questões naturais se concebe melhor o entendimento a respeito dos assuntos
espirituais. Portanto, o esforço de perseverança exigido do fiel na oração, é
tal como aquele pela sobrevivência em uma guerra.
37. Quarto, evoca a razão do
porque muitos no desenvolvimento das virtudes orantes não alcançam nada além
dos carismas, onde diz: “É por isso que muitos, por recusarem o que existe
de mais estreito e estrito nas virtudes orantes, não alcançam além dos carismas”;
ora, esta perseverança, por ser da mais alta dificuldade, não é seguida por
muitos fiéis, que ao defrontarem-se com as dificuldades inerentes ao
perseverarem no estado de prece, acabam por não alcançar os efeitos gloriosos
da perseverança firme e constante no estado de prece; pois, muitos, como diz
Palamas, ao “recusarem o que existe de mais estreito e estrito nas virtudes
orantes”, isto é, ao rejeitarem a perseverança necessária, a mortificação
da carne, e os preceitos inerentes as virtudes orantes não alcançam as maiores
bênçãos divinas, pois, as maiores dádivas e bênçãos divinas são outorgadas por
aqueles que trilham os caminhos estreitos e estritos das virtudes orantes;
logo, esta é a razão do porque muitos fiéis contentam-se apenas com os “carismas”,
com os dons mais comuns; na verdade, não avançam para os caminhos mais
excelentes; se contentam apenas com manifestações visíveis dos dons; logo, “não
alcançam nada além dos carismas”.
E, o estado da prece não termina
nos carismas; pelo contrário, os carismas são os frutos mais simples e pequenos
do estado de prece; na verdade, os carismas são alcançados no primeiro estágio,
ou nas primeiras escadas, da ascendência ao estado de prece. Os dons não são um
fim em si mesmos; nem são o fim da prece; pelo contrário, os dons são
concedidos por Deus para a edificação da Igreja (cf. Ef 4.11-13); pois, os dons
devem mostrar o caminho mais excelente que o estado de prece anuncia, o qual é
o fim da prece, a saber: a participação na natureza da divindade (cf. 2Pe 1.4),
nesta vida como hábito da graça, na eternidade como hábito da glória.
38. [v] Quinto, delineia a
relação entre a oração e os maiores socorros divinos, onde diz: “Mas aos que perseveram, os socorros divinos os
protegem, tornando-os maiores e, transportando-os e sustentando-os, os conduzem
adiante com prazer, e assim tornam a eles mais acessível a difícil capacidade
de orar, a fazem por assim dizer angélica e dão à nossa natureza a força de
dialogar com o sobrenatural, como disse o profeta: ‘Os que esperam no Senhor
renovarão as suas forças e subirão com asas como águias’ (Is 40.31)”; ora, após evocar a necessidade da concentração como
parte da perseverança na oração, passa a delinear a relação entre a oração, a
vida no estado de prece, e as bênçãos gloriosas dos socorros divinos; pois,
Deus vem ao auxílio daqueles que em sinceridade e verdade, o buscam
perseverantemente (cf. Jr 29.13); por isso, àqueles que perseveram na oração,
recebem dos maiores socorros divinos, inclusive a gloriosa obra de Deus em
sustentar e firmar os passos do fiel na vida de oração (cf. Sl 37.23); e, sobre isso,
faz três coisas: primeiro, descreve o efeito da perseverança na oração;
segundo, evoca que é obra divina a
sustentação do fiel na perseverança da vida de oração; terceiro, delineia os
efeitos da graça na oração para a oração.
39. Primeiro, descreve o efeito da perseverança na
oração, onde diz: “Mas aos que perseveram, os
socorros divinos os protegem”; ora, o efeito primordial da
perseverança na oração, é experienciar os socorros divinos; pois, aquele que
busca a Deus em oração, mesmo em meio as tribulações, experimentam os socorros
divinos: se não for em livramento da tribulação (cf. Sl 40.1-2), certamente o é
em recebimento de graça para suportar a tribulação (cf. 2Co 12.9). Logo, os que
perseveram na oração, “os socorros divinos”, isto é, a multiforme graça
de Deus em socorrer os fiéis, “os protegem”, isto é, guarda as almas e
os corações dos fiéis em meio as tribulações e em meio as lutas espirituais. Os
socorros divinos sempre são protetores (cf. Fp 4.7), consoladores (cf. 2Co 1.4)
e fortificadores (cf. Rm 5.3-5).
40. Segundo, evoca que é obra
divina a sustentação do fiel na perseverança da vida de oração, onde diz: “tornando-os
maiores e, transportando-os e sustentando-os, os conduzem adiante com prazer, e
assim tornam a eles mais acessível a difícil capacidade de orar”; ora, os
socorros divinos que são experimentados a partir da perseverança na oração,
demonstram que a própria perseverança na vida de oração, é obra divina; é o
próprio Deus quem sustenta o fiel na perseverança na vida de oração; e os
socorros divinos produzem quatro efeitos: primeiro, torna os fiéis maiores,
isto é, com o coração mais dilatado para a presença de Deus; segundo,
transporta-os, isto é, os leva ao trono de Deus; terceiro, sustenta-os, isto é,
os preserva da corrupção que há no mundo; quarto, os conduz adiante, isto é, os
leva a palmilhar o caminho do estado de prece.
Portanto, os socorros divinos, ao
serem experienciados, demonstram que Deus mesmo sustenta os fiéis na prática da
oração, para que eles prossigam neste caminho “com prazer”, isto é, com
os deleites incomparáveis da vida espiritual; e, estes deleites produzem um
efeito glorioso na alma, a saber, “tornam a eles”, isto é, aos fiéis, “mais
acessível a difícil capacidade de orar”. Ora, o bondoso Deus é quem
sustenta os fiéis na perseverança na oração, a fim de que a difícil capacidade
de orar se torne mais acessível e deleitável na experiência dos socorros
divinos.
41. Terceiro, delineia os efeitos
da graça na oração para a oração, onde diz: “a fazem por assim dizer
angélica e dão à nossa natureza a força de dialogar com o sobrenatural, como
disse o profeta: ‘Os que esperam no Senhor renovarão as suas forças e subirão
com asas como águias’ (Is 40.31)”; ora, a acessibilidade mais proveitosa e
deleitosa da difícil capacidade de orar, demonstra que Deus efetua nos fiéis a
obra da graça da oração; por isso, produz nestes os efeitos da graça na oração
e, por consequência, para a oração; pois, o deleite na vida de oração, “a
fazem por assim dizer angélica”, isto é, quase como a natureza angélica na
contemplação de Deus; e fazem isso, ao mesmo tempo em que “dão à nossa
natureza a força de dialogar com o sobrenatural”, isto é, proporciona a
capacidade de diálogo com aquilo que vai além da natureza, a saber, com o
próprio Deus; e isto se confirma pela proposição do Príncipe dos Profetas de
que aqueles que esperam no Senhor renovarão as suas forças, isto é, aqueles que
usufruem dos socorros divinos e esperam no Senhor em perseverança na oração,
terão suas forças renovadas tal como a da águia (cf. Is 40.31). Este é o efeito
da graça na oração para a oração. O Espírito Santo, pela graça, conduz o fiel à
oração, dá-lhe a força necessária para perseverar em oração e lhe outorga a
virtude necessária para a vida de oração.
42. Assim, pois, ficara delineado os cinco aspectos que
Palamas propusera a respeito da oração como modo de alcançar a fonte de alegria
espiritual; logo, a síntese palamita, ao abalizar que a oração proporciona ao
coração a união com Deus e energia necessária para a santificação pelo poder do
Espírito Santo, também abaliza a compreensão de que a oração proporciona ao
fiel os maiores socorros divinos, de tal modo que estes socorros demonstram que
a oração efetua no fiel o efeito glorioso de lhe outorgar a alegria espiritual
da perseverança na comunhão com Deus a medida da mortificação da carne.
Lição 3
Analisa-se a oração como modo de se alcançar a fonte da purificação do coração.
A. Texto de São Gregório Palamas (De
Orat., cap. III).
O que é chamado de intelecto é a
energia desta inteligência suscitada nos raciocínios e nos pensamentos. O
intelecto é também a potência que coloca em movimento estes pensamentos, e que
a Escritura chama de coração. Por intermédio do coração, a mais importante das
nossas potências interiores, o intelecto é a alma dotada de razão que está em
nós.
É claro que a energia do
intelecto nos pensamentos se estabelece e se purifica facilmente naqueles que
se consagram à oração, em especial à prece do nome único de Deus. Mas o poder
que suscita esta prece não pode se purificar se não o forem as demais potências
da alma, pois a alma constitui uma única e mesma atividade com múltiplas
potências. Assim, ela se mancha inteira quando sobrevém o mal, por qualquer uma
das potências que existem nela, uma vez que todas comunicam com a potência
única na unidade da alma.
Uma vez que cada uma das
potências dispensa uma energia diferente, é possível, vigiando-a, purificar
qualquer uma delas no momento em que ela age, mas nem por isso esta potência se
tornará pura. Pois, comunicando-se com as demais, esta potência pura pode se
tornar outra vez impura. É por isso que quando alguém, dedicando-se à oração,
purifica a energia do intelecto e se torna numa certa medida iluminado pela luz
do conhecimento ou pela iluminação intelectual, esta pessoa se perde se enganar
a si própria pensando estar por causa disso purificada; por sua presunção ela
estará abrindo de par em par a porta àquele que tenta nos enganar todo o tempo.
Mas se, conhecendo a impureza de seu próprio coração, ele não se satisfizer com
esta pureza mitigada e solicitar a ajuda das demais potências da alma, ele verá
com mais pureza sua impureza e progredirá na humildade, acrescentando a
tristeza e encontrando o remédio que convém a cada potência da alma: ele
purificará por si própria a potência prática por meio da ação, a potência
cognitiva pelo conhecimento, a potência contemplativa pela oração, e chegará
assim à perfeita, verdadeira e certíssima pureza do coração e do intelecto que
só pode ser concedida pela perfeição na ação, pela constante aplicação, pela
contemplação e pela prece na contemplação.
B. Comentário.
43. Após elucubrar sobre a oração
como modo de se alcançar a fonte de alegria espiritual no segundo capítulo, São
Gregório Palamas, prossegue e vai ao terceiro capítulo, no qual versa sobre a
oração como modo de se alcançar a fonte de purificação do coração.
44. Ora, no terceiro capítulo, Palamas
faz quatro coisas: (i) primeiro, demonstra que o coração é a mais importante
das potências interiores; (ii) segundo, evoca a oração monológica; (iii)
terceiro, descreve os remédios apropriados a cada potência da alma; (iv)
quarto, evoca o itinerário à pureza perfeita.
45. [i] Primeiro, demonstra que o
coração é a mais importante das potências interiores, onde diz: “O que é
chamado de intelecto é a energia desta inteligência suscitada nos raciocínios e
nos pensamentos. O intelecto é também a potência que coloca em movimento estes
pensamentos, e que a Escritura chama de coração. Por intermédio do coração, a
mais importante das nossas potências interiores, o intelecto é a alma dotada de
razão que está em nós”; ora, sendo a oração um modo de se alcançar a
alegria a partir da união com Deus, então, verdadeiramente, a oração toca o
coração, pois, o coração, a mais importante das potências interiores, é como
dissera Isaac de Nínive, “o sentido dos sentidos”; por isso, ao definir
o coração como tal, Palamas faz uma descrição adequada para se entender a
importância da compreensão, da oração como uma questão do coração; e, sobre
isso, faz três coisas: primeiro, evoca uma definição de intelecto; segundo,
demonstra que o intelecto é o que a Escritura chama de coração; terceiro,
delineia que o coração é a sede de todo o ser.
46. Primeiro, evoca uma definição
de intelecto, onde diz: “O que é chamado de intelecto é a energia desta
inteligência suscitada nos raciocínios e nos pensamentos”; ora, a definição
de intelecto, propriamente, se estabelece em dois prismas: primeiro, como a
sede do ser; segundo, como a parte racional da alma; ora, nestes dois aspectos,
o mais utilizado por Palamas é o primeiro aspecto, o qual, demonstra que o intelecto
é a “energia”, isto é, um poder vital, que é suscitado “nos raciocínios e
nos pensamentos”; logo, é algo que está além do pensamento racional; por
isso, neste sentido se chama o coração de intelecto; pois, do coração procedem
as entradas e as saídas da vida (cf. Pv 4.23), as quais, emanam do coração e
permeiam os raciocínios e os pensamentos. Portanto, o estado do coração será o
estado dos raciocínios e dos pensamentos, e das outras potências da alma.
47. Segundo, demonstra que o
intelecto é o que a Escritura chama de coração, onde diz: “O intelecto é
também a potência que coloca em movimento estes pensamentos, e que a Escritura
chama de coração”; ora, o intelecto é o coração; pois, o coração é o que
põem em movimento os raciocínios e os pensamentos; na verdade, tanto no sentido
natural, em relação ao movimento vital, quanto no sentido espiritual, em
relação a vontade, o coração é a fonte donde provêm os movimentos físicos e os
movimentos espirituais; portanto, o coração é a potência que coloca em
movimento as potências da alma, assim como coloca em movimento a vontade de
acordo com aquilo que a domina (no caso dos homens naturais, o Pecado);
portanto, o preceito sapencial é que o coração é a sede dos movimentos do ser
humano (tanto o movimento vital-corpóreo, quanto o movimento da vontade).
48. Terceiro, delineia que o
coração é a sede de todo o ser, onde diz: “Por intermédio do coração, a mais
importante das nossas potências interiores, o intelecto é a alma dotada de
razão que está em nós”; ora, sendo o coração a sede do ser, então, do
coração, se pode analisar toda a constituição do ser, tanto no corpo, quanto na
alma; pois, “por intermédio do coração”, a sede do ser - ou como afirma
Dooyeweerd, o “centro supra-temporal do ser” - todas as potências
interiores são permeadas pelo que emana desta sede; por isso, o coração, “a
mais importante das nossas potências interiores”, além de ser o princípio
do movimento vital (cf. STh Ia IIae, q. 17, a. 9, ad. 2), e de ser o centro do
movimento da vontade, também é o elemento unificador das potências da alma; por
isso, o coração orante, efetua a unidade do intelecto; mas além disso, o
coração, o intelecto, “é a alma dotada de razão que está em nós”, isto
é, é alma racional, pois, o intelecto, a inteligência, é permeada pelo coração,
ao ponto de se confluírem; portanto, o intelecto enquanto inteligência é
permeado pelo intelecto enquanto coração, ao ponto de deste intelecto influenciar
aquele, pois, “é a alma dotada de razão que está em nós”. Portanto, se
afere que o coração, é tanto a sede do ser racional, quanto a sede do ser
sentimental (e toma-se o termo sentimento como auto-consciência).
49. [ii] Segundo, evoca a oração
monológica, onde diz: “É claro que a energia do intelecto nos pensamentos se
estabelece e se purifica facilmente naqueles que se consagram à oração, em
especial à prece do nome único de Deus. Mas o poder que suscita esta prece não
pode se purificar se não o forem as demais potências da alma, pois a alma
constitui uma única e mesma atividade com múltiplas potências. Assim, ela se
mancha inteira quando sobrevém o mal, por qualquer uma das potências que
existem nela, uma vez que todas comunicam com a potência única na unidade da
alma”; ora, após demonstrar que o coração é a mais importante das potências
interiores, prossegue e evoca o preceito fundamental da espiritualidade
hesicasta, a saber, a oração monológica, a “oração pura”; pois, esta
oração, ao ser feita de modo simples, fortalece a concentração e permite ao
fiel buscar a Deus de modo a orar lembrando Seu bendito nome, o qual, nos
preceitos dos padres do deserto, serve para purificar a mente de todo
pensamento mau; em suma, nisto consiste a oração monológica; e, a respeito
disso, faz três coisas: primeiro, demonstra o modo da purificação da energia do
intelecto; segundo, delineia a unidade das potências da alma; terceiro,
descreve que a contaminação de uma potência da alma é a contaminação de toda a
alma.
50. Primeiro, demonstra o modo da
purificação da energia do intelecto, onde diz: “É claro que a energia do
intelecto nos pensamentos se estabelece e se purifica facilmente naqueles que
se consagram à oração, em especial à prece do nome único de Deus”; ora, o
intelecto, isto é, o coração, é permeado por uma energia, tanto a vital quanto
a espiritual; quanto a energia vital não se precisa elucubrar aqui; mas quanto
a energia espiritual, o intelecto encontra-se pútrido pelo Pecado, e por isso,
carece de purificação; e o modo da purificação da energia do intelecto nos
fiéis é através da oração, pois, a energia do intelecto “se estabelece e se
purifica facilmente naqueles que se consagram à oração”, isto é, naqueles
que buscam a união com Deus em oração; portanto, a energia pecaminosa que
permeia o intelecto, é purificada a medida que se consagra a oração, que de
modo paulatino vai tornando o intelecto novamente cheio da graça de Deus. A
energia do intelecto é purificada pela graça de Deus em Cristo através do Espírito.
E, em relação a isso, Palamas evoca um tipo de oração em especial, que
contribui neste quesito, a saber, “a prece do nome único de Deus”; pois,
esta prece, axioma da espiritualidade hesicasta, além de ensinar a
concentração, também evoca a necessidade da mente escriturística no que
concerne as coisas de Deus, os assuntos espirituais.
51. Segundo, delineia a unidade
das potências da alma, onde diz: “Mas o poder que suscita esta prece não
pode se purificar se não o forem as demais potências da alma, pois a alma
constitui uma única e mesma atividade com múltiplas potências”; ora, tendo
sido feito tal purificação do intelecto, as potências da alma se unificarão,
isto é, entrarão em unidade; pois, esta prece, a oração, só efetua o poder
purificador, a medida que se purifica todas as potências da alma, tanto no que
concerne a natureza, isto é, no vigiar, quanto no que concerne a graça, isto é,
na oração; com isso, o poder desta prece permeia todas as potências da alma;
pois, fundamentalmente, a alma “constitui uma única e mesma atividade com
múltiplas potências”, isto é, a alma é indivisa, e opera de modo unificado;
deste modo, somente com a purificação das potências interiores, o poder da
prece traz os efeitos adequados para todas as potências da alma.
52. Terceiro, descreve que a
contaminação de uma potência da alma é a contaminação de toda a alma, onde diz:
“Assim, ela se mancha inteira quando sobrevém o mal, por qualquer uma das
potências que existem nela, uma vez que todas comunicam com a potência única na
unidade da alma”; ora, a necessidade da purificação de todas as potências
da alma, se dá principalmente pelo fato de que a contaminação de uma potência,
é a contaminação de toda a alma; pois, “ela”, isto é, a alma, “se
mancha inteira quanto sobrevém o mal”, isto é, quando é dominada por
pecados, e isto “por qualquer uma das potências que existem nela”, isto
é, quando estas são contaminadas; e, quando uma potência é contaminada todas
são contaminadas, “uma vez que todas comunicam com a potência única na
unidade da alma”, a saber, o intelecto. Por isso, é necessário a
purificação de cada potência da alma, ao mesmo tempo em que purifica o coração
através da oração; logo, é um processo conjunto e contínuo.
53. [iii] Terceiro, descreve os
remédios apropriados a cada potência da alma, onde diz: “Uma vez que cada
uma das potências dispensa uma energia diferente, é possível, vigiando-a,
purificar qualquer uma delas no momento em que ela age, mas nem por isso esta
potência se tornará pura. Pois, comunicando-se com as demais, esta potência
pura pode se tornar outra vez impura. É por isso que quando alguém,
dedicando-se à oração, purifica a energia do intelecto e se torna numa certa
medida iluminado pela luz do conhecimento ou pela iluminação intelectual, esta
pessoa se perde se enganar a si própria pensando estar por causa disso
purificada; por sua presunção ela estará abrindo de par em par a porta àquele
que tenta nos enganar todo o tempo”; ora, após delinear a oração
monológica, volve-se a descrição dos efeitos desta oração, a saber, os remédios
apropriados a cada potência da alma, para que a alma possa se manter e
perseverar no caminho da oração; e, sobre isso, faz três coisas: primeiro,
evoca a necessidade de se vigiar a energia das diversas potências da alma;
segundo, delineia a necessidade de se vigiar em todas as potências da alma;
terceiro, demonstra os enganos que podem surgir de quando da purificação do
intelecto através da oração.
54. Primeiro, evoca a necessidade
de se vigiar a energia das diversas potências da alma, onde diz: “Uma vez
que cada uma das potências dispensa uma energia diferente, é possível,
vigiando-a, purificar qualquer uma delas no momento em que ela age, mas nem por
isso esta potência se tornará pura”; ora, sendo necessário a purificação de
todas as potências da alma, o primeiro aspecto necessariamente se refere ao ato
de vigiar; portanto, é necessário vigiar em cada potência da alma; mais
precisamente, se vigiar a energia de cada potência da alma; pois, quando a
energia concernente a cada potência da alma é contaminada, se deve vigiar e
purificar esta potência ao mesmo tempo em que se busca a união com Deus através
da oração; e, isto é perceptível, pois, “cada uma das potências dispensa uma
energia diferente”, isto é, possui uma função diferente; por isso, “é
possível, vigiando-a, purificar qualquer uma delas no momento em que ela age”,
isto é, é possível purificar cada potência da alma, no momento em que a mesma é
contaminada, através do ato de vigiar, que torna a consciência desperta para a
percepção da contaminação, do mesmo modo como o sentido corporal é desperto ao
se bater alguma parte do corpo. No entanto, “nem por isso esta potência se
tornará pura”; pois, o ato de vigiar é necessário para a percepção da
contaminação da potência da alma, mas em si, é insuficiente para purificar a
potência da alma, o que só ocorre efetivamente com a energia espiritual
proveniente da oração no coração pelo poder do Espírito Santo nas virtudes
santificantes.
55. Segundo, delineia a
necessidade de se vigiar em todas as potências da alma, onde diz: “Pois,
comunicando-se com as demais, esta potência pura pode se tornar outra vez
impura”; ora, tendo compreendido a necessidade de se vigiar a energia das
diversas potências da alma, também se compreende a necessidade de se vigiar em
todas as potências da alma; pois, uma vez que uma potência contaminada,
contamina as outras potências, então, “comunicando-se com as demais, esta
potência pura pode se tornar outra vez impura”; pois, uma potência
contaminada, acaba por contaminar uma potência purificada, e assim, a
contaminação vai um caminho cíclico, contaminando toda a alma e emanando esta
contaminação através de todo o ser; portanto, é necessário se vigiar em todas
as potências da alma, e não apenas em uma ou em outra, para que toda a alma
seja purificada.
56. Terceiro, demonstra os
enganos que podem surgir de quando da purificação do intelecto através da
oração, onde diz: “É por isso que quando alguém, dedicando-se à oração,
purifica a energia do intelecto e se torna numa certa medida iluminado pela luz
do conhecimento ou pela iluminação intelectual, esta pessoa se perde se enganar
a si própria pensando estar por causa disso purificada; por sua presunção ela
estará abrindo de par em par a porta àquele que tenta nos enganar todo o tempo”;
ora, no caminho da purificação do intelecto através da oração, ou dito em
outros termos no palmilhar a senda da piedade, existem alguns enganos que podem
ser engendrados na consciência e tomar conta do coração, sem que se aperceba
dos mesmos; pois, a medida que que alguém, “dedicando-se à oração”, isto
é, vivenciando alguns estágios do estado de prece, “purifica a energia do
intelecto e se torna numa certa medida iluminado pela luz do conhecimento ou
pela iluminação intelectual”, ou seja, experimenta alguns efeitos iniciais
da vida de oração, isto, infelizmente, pode engendrar no coração a falsa
percepção sobre a santidade, a ponto da pessoa se enganar a si mesma; pois, “esta
pessoa se perde se enganar a si própria pensando estar por causa disso
purificada”, isto é, tal pessoa termina por se perder ao se deixar levar
pela presunção, a qual sempre tem por raiz o orgulho e a soberba; por isso, “por
sua presunção ela estará abrindo de par em par a porta àquele que tenta nos
enganar todo o tempo”, isto é, se se deixar dominar pela presunção, que é
soberba, a pessoa passa a se sujeitar a Satanás. Ora, assim, o caminho da vida
piedosa se perde, e desemboca ou no farisaísmo, ou numa libertinagem que nega a
eficácia da piedade, mas procura manter as formas da mesma (cf. 2Tm 3.5), que
converte em dissolução a graça de Deus (cf. Jd 1.4).
57. [iv] Quarto, evoca o
itinerário à pureza perfeita, onde diz: “Mas se, conhecendo a impureza de
seu próprio coração, ele não se satisfizer com esta pureza mitigada e solicitar
a ajuda das demais potências da alma, ele verá com mais pureza sua impureza e
progredirá na humildade, acrescentando a tristeza e encontrando o remédio que
convém a cada potência da alma: ele purificará por si própria a potência
prática por meio da ação, a potência cognitiva pelo conhecimento, a potência
contemplativa pela oração, e chegará assim à perfeita, verdadeira e certíssima
pureza do coração e do intelecto que só pode ser concedida pela perfeição na
ação, pela constante aplicação, pela contemplação e pela prece na contemplação”;
ora, após descrever os remédios apropriados a cada potência da alma, tanto para
a oração quanto para a perseverança na oração, passa a evocar o itinerário à
pureza perfeita, o propósito da vida piedosa; e, sobre isso, faz quatro coisas:
primeiro, evoca o reconhecimento da própria impureza do coração; segundo,
delineia o estado do coração que vê sua própria impureza; terceiro, descreve o
modo como se purifica cada potência da alma; quarto, evoca que ao se purificar
cada potência da alma se chega a verdadeira pureza do coração e do intelecto.
58. Primeiro, evoca o
reconhecimento da própria impureza do coração, onde diz: “Mas se, conhecendo
a impureza de seu próprio coração, ele não se satisfizer com esta pureza
mitigada e solicitar a ajuda das demais potências da alma, ele verá com mais
pureza sua impureza e progredirá na humildade”; ora, para não se decair na
presunção em meio a vida de oração, é necessário se ter o reconhecimento da
própria impureza, da própria pecaminosidade; e isto mesmo nas virtuoses da vida
piedosa; pois, “conhecendo a impureza do seu próprio coração”, isto é,
tendo a consciência do própria pecaminosidade, certamente fará o fiel “não
se satisfazer com esta pureza mitigada”, isto é, com as falsas percepções
do caminho rumo ao estado de prece; e isto, por sua vez, o fará “solicitar a
ajuda das demais potências da alma”, isto é, procurará corrigir as falhas
de uma potência com as virtudes de outra, e procurará equilibrar as potências
mais fracas amparado nas potências mais fortes, e assim, “verá com mais
pureza sua impureza”, isto é, conseguirá compreender e perceber a própria
impureza, principalmente a medida que progredir nas virtudes orantes; e, com
isso, “progredirá na humildade”, ou seja, viverá conforme a vida
piedosa, em humildade diante de Deus (cf. Mq 6.8). O primeiro axioma da
humildade é o reconhecimento da própria impureza, a fim de não deixar engendrar
no coração o orgulho e a vaidade, efeitos tenebrosos da meritocracia diante de
Deus.
59. Segundo, delineia o estado do
coração que vê sua própria impureza, onde diz: “acrescentando a tristeza e
encontrando o remédio que convém a cada potência da alma”; ora, tendo
alcançado o estado da sinceridade consigo mesmo e diante de Deus, o fiel passa
a contemplar e a conhecer sua própria impureza; e o coração que vê sua própria
impureza, rompe-se em tristeza; mas, a tristeza segundo Deus, isto é, a
tristeza concernente as coisas espirituais ao se contemplar a própria impureza;
por isso, quem vê sua própria impureza, ao progredir na humildade, que é um
caminho sempre ascendente, terminará “acrescentando a tristeza”, ou como
diz o Apóstolo, a tristeza que opera arrependimento para a salvação (cf. 2Co
7.10); e, assim, se terá mais evidente o remédio para potência da alma, “encontrando
o remédio que convém a cada potência da alma”, isto é, descobrindo os
remédios divinos para a impureza de cada potência da alma. Portanto, quem se
defronta com sua própria impureza e se entristece segundo Deus, acaba por
lamentar a própria pecaminosidade, e assim, alcança o caminho da bem-aventurança,
tal como diz o Evangelho: “bem-aventurados os que choram, porque eles serão
consolados” (Mt 5.4).
60. Terceiro, descreve o modo
como se purifica cada potência da alma, onde diz: “ele purificará por si
própria a potência prática por meio da ação, a potência cognitiva pelo
conhecimento, a potência contemplativa pela oração”; ora, tendo
compreendido o modo de se encontrar o remédio apropriado a cada potência da
alma, através do conhecimento das Sagradas Escrituras, descreve o modo como se
purifica cada potência da alma; e, para exemplificar isso, subdivide as
potências da alma em três: prática, cognitiva e contemplativa; a potência
prática se purificará pela ação, isto é, pela vida correta e digna diante de
Deus; a potência cognitiva pelo conhecimento da verdade, isto é, pelo correto
conhecimento a respeito de Deus e de si mesmo; a potência contemplativa pela
oração, isto é, pela união com Deus no estado de prece. Ora, estes são os
remédios para as potências da alma: oração (cf. 1Ts 5.17), conhecimento a
respeito de Deus (cf. Rm 15.4) e viver uma vida digna do evangelho (cf. Fp
1.27); pois, isto concerne a ação, a cognição e contemplação, no que estão
engendradas as potências da alma, as quais são coordenadas e comandadas pelo
movimento do coração, tanto na natureza animal quanto na vontade.
61. Quarto, evoca que ao se
purificar cada potência da alma se chega a verdadeira pureza do coração e do
intelecto, onde diz: “e chegará assim à perfeita, verdadeira e certíssima
pureza do coração e do intelecto que só pode ser concedida pela perfeição na
ação, pela constante aplicação, pela contemplação e pela prece na contemplação”;
ora, após descrever o modo como se purifica cada potência da alma, Palamas
evoca que ao se purificar cada uma das potências da alma se chega a verdadeira
pureza do coração e do intelecto; pois, em contrapartida existe uma falsa
pureza do coração, a que engendra a presunção a partir dos “atos de piedade”;
e, contrariamente a falsa pureza do coração, se tem a “perfeita, verdadeira
e certíssima pureza do coração e do intelecto”, isto é, a verdadeira pureza
que permeia todas as potências da alma ao mesmo tempo, a qual “só pode ser
concedida”, ou seja, a que é experienciada, “pela perfeição na ação,
pela constante aplicação, pela contemplação e pela prece na contemplação”;
ora, quatro são os aspectos: vida correta, perseverança, contemplação-oração e
oração-contemplação; com isso, se chega a verdadeira pureza do coração e do
intelecto, isto é, a pureza necessária para todas as potências da alma; e esta
é a cristalização do caminho da perfeição no estado de prece.
62. Assim, pois, ficara delineado
os quatro aspectos que Palamas propusera a respeito da oração como modo de se
alcançar a fonte de purificação do coração; portanto, se compreende que a
síntese palamita, se estabelece como uma síntese orante, da oração e para a
oração, pois, engendra o aspecto fundamental da oração na vida do fiel, a
saber, como modo de unir-se a Deus, e nos efeitos que isto produz, a saber,
levar o fiel rumo ao caminho da pureza perfeita; pois, o coração foi criado
para existir pneumaticamente, mas o Pecado corrompeu isso; então, pela
regeneração, o coração volta a ter
acesso a Deus; e pela santificação, o coração volta a desfrutar da presença de
Deus, para ser novamente recriado para a vida pneumática.
63. Por isso, a partir da síntese
palamita, se pode aclarar a designação, oriunda das Sagradas Escrituras, da
oração como questão do coração, porque o coração redimido, nas coisas
espirituais, se move pneumaticamente, de acordo com o Espírito a partir da
Sagrada Escritura. E, disto se inferem vários aspectos fundamentais para o
entendimento da piedade e da vida de oração; mas, o que fora dito basta quanto
a compreensão sobre o preceito tríplice de Palamas quanto a oração e a pureza
do coração, tal como delineado nos três breves capítulos deste ilustre livro.
64. E termina aqui o comentário a este livro. Bendito seja Deus por todas as coisas! Amém!
[1] cf. Alberto Magno, Commentaria in Librum B. Dionysii De
Mysticam Theologiam, cap. I, § 6, dubium 1, ad. 6, In: Albertus
Magnus Opera Omnia Vol. 14 [Paris: Ed. Borgnet, 1892], pág. 834.
[2] São João Clímaco, A Escada do Paraíso, 23, 1.
[3] Tomás de Aquino, Expositio in Orationem Dominicam, proem.
[4] cf. Santo Agostinho, Confissões [Coleção
Clássicos de Bolso. São Paulo: Paulus, 2002], livro X, 27, n. 38, pág. 299.
[5] In: Pequena Filocalia: O Livro Clássico da Igreja Oriental [São Paulo: Paulus, 2017], pág. 50.
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