04/10/2024

Comentário ao Sobre a Predicação das Três Pessoas de Boécio

Prefácio.

 

As reflexões teológicas de Boécio são magistrais; não somente pelo conteúdo, mas pela forma e pelo método em que apresenta tais reflexões; e, principalmente, porque muitas delas são feitas em pequenos opúsculos; e, como fora dito noutro escrito, dois destes opúsculos são icônicos, a saber, o De Hebdomadibus e o De Trinitate; o primeiro, já fora explicado em outro escrito; e, quanto a explicação do segundo, é precedida pela explicação de um escrito menos conhecido.

E, isto, pois, embora neste escrito não se comente propriamente o tratado principal de Boécio a respeito da Trindade, o texto ora comentado, também versa sobre este assunto; por esta razão Porretanus intitulara estes escritos de Boécio como os dois livros do De Trinitate; no entanto, manter-se-á a designação de dois tratados diferentes, apesar de versarem sobre o mesmo tópico; portanto, este comentário versa sobre o primeiro escrito de Boécio sobre a Trindade, intitulado “Utrum Pater et Filus et Spiritus Sanctus De Divinitate Substantialiter Praedicentur” (abrev., De Predicatione Trium Personarum [Sobre a Predicação das Três Pessoas]).

Este opúsculo de Boécio, direcionado ao diácono João, tal como o De Hebdomadibus, apresenta algumas proposições teológicas fundamentais; por isso, invertendo a ordem propugnada por Porretanus, se pode afirmar que este opúsculo é o primeiro livro a respeito da Trindade; pois, neste opúsculo Boécio investiga o modo de predicar as três Pessoas da Divindade, enquanto que no opúsculo que propriamente leva o título De Trinitate, Boécio investiga a Trindade de Pessoas e a igualdade de essência. Este primeiro opúsculo abaliza o segundo; na verdade, se pode afirmar que o segundo opúsculo, o De Trinitate, é subsequente ao primeiro, e o complementa de maneira mais aprofundada e burilada.

Por isso, antes propriamente de se adentrar a explicação do De Trinitate, é necessário explicar esse opúsculo menor; e, em consonância com a lembrança dos 1.500 anos da morte de Boécio, se comenta mais este opúsculo, um texto menos conhecido, mas igualmente importante, que em conjunto com os outros dois opúsculos menores mencionados anteriormente, constitui-se da base das reflexões teológicas de Boécio, pois este como cristão fiel, pode compreender que a fé, como dissera Tomás, consiste na confissão da Santíssima Trindade.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

03 de outubro de 2024.

 

Proêmio.

 

i. “pois já te foram mostradas muitas coisas que excedem a compreensão humana” (Eclo. 3.25); ora, estas palavras referem-se a doutrina revelada, que está além do alcance da razão humana; logo, existem assuntos que estão além da razão, que a transcendem, os quais, só são conhecidos através da Revelação; pois, como dissera Sirach: “Quem poderá contar o que dele viu? Quem é capaz de louvá-lo, como ele é, desde os primórdios?” (Eclo. 43.35); ora, ninguém pode contar o que de Deus viu, pois, Sua essência está além de toda visão, já que habita numa luz inacessível (cf. 1Tm 6.16) e nunca ninguém viu a Deus (cf. Jo 1.18a).

Portanto, Seu Ser transcende a toda e qualquer possibilidade de compreensão, donde também Sirach afirmar: “Muitos segredos são maiores que tudo isso; só vemos um pequeno número de suas obras” (Eclo. 43.36); logo, os mistérios concernentes ao Ser de Deus, são muito maiores do que tudo que se pode imaginar ou se elucubrar.

ii. Assim, pois, compreende-se a necessidade da doutrina revelada, que dá o conhecimento a respeito dos segredos de Deus através da obra do Espírito, que torna conhecidas as profundezas de Deus (cf. 1Co 2.10-12); logo, na revelação outorgada e inspirada pelo Espírito, é dado a conhecer alguns aspectos sobre as profundidades de Deus; e o assunto por excelência que transcende a razão humana e o ponto fulcral da revelação, é a respeito da Santíssima Trindade; pois, existem coisas sobre Deus que são proposta para serem cridas, tal como Tomás afirma: “as coisas sobre Deus que excedem a razão e que são propostas para ser criadas, tal como a fé na Trindade[1]. Portanto, a fé na Trindade é matéria da revelação e não das doutrinas filosóficas; logo, é doutrina proposta para ser crida.

iii. Deste modo, surge a dúvida que concerne ao modo de conhecer esta verdade proposta para ser crida; ora, ao ser proposta para ser crida, esta verdade da Revelação demonstra-se em dois aspectos: primeiro, na predicação sobre as Pessoas da Divindade; segundo, na compreensão sobre a essência das Pessoas da Divindade.

E, estes dois aspectos, estão interligados e são subsequentes, pelo menos na ordem da compreensão sobre a Trindade no que concerne a obra da redenção; e, Boécio soubera trabalhar estes dois aspectos em consonância, em dois de seus opúsculos: o primeiro, no opúsculo Utrum Pater et Filus et Spiritus Sanctus De Divinitate Substantialiter Praedicentur; o segundo, no opúsculo De Trinitate.

Logo, compete investigar estes dois aspectos, que comportam os princípios fundamentais do entendimento sobre a Santíssima Trindade na ordem do plano eterno de redenção.

iv. Pois, o que primeiro concerne a Trindade, é o modo como se a predica a partir da Revelação; ora, o que se predica de algo, só se predica a partir da essência deste algo; portanto, ao se predicar algo da Trindade, se predica substancialmente o que concerne as três Pessoas, quanto ao Ser do Deus Trino, e se predica relacionalmente o que concerne a cada Pessoa, quanto a obra de cada Pessoa no plano da redenção; por isso, se diz que se predica a Trindade de Pessoas de Deus substancialmente, enquanto que o que se predica de cada Pessoa refere-se ao nome, e, por consequência, a obra de cada Pessoa, no que é comumente chamado de Trindade econômica.

E Boécio analisara propriamente esse pressuposto no primeiro opúsculo ora referido; portanto, é necessário compreender as pressuposições boecianas que concernem a este assunto, o primeiro na ordem da compreensão sobre a Santíssima Trindade em se tratando do plano eterno de redenção, embora de acordo com ordem da eternidade, este aspecto seja parte do que concerne ao segundo tópico a ser investigado.

v. Portanto, tudo que se predica da substância divina, como afirma Boécio, será comum as três Pessoas; e, ainda, disto se infere, que tudo o que provêm da substância divina, isto é, da obra do Deus Trino, está em tríplice perspectiva; pois, o que é predicado da substância divina, o é porque está em tudo quanto fora feito na Criação. “De fato, partindo da grandeza e beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, o seu Criador” (Sb 13.5).

 

Lição 1

Analisa-se a designação de que o que se predica da substância divina é comum as três pessoas.

A. Texto de Boécio (De Pred. Trium Pers., cap. I).

Me proponho a investigar se o Pai, o Filho e o Espírito Santo são predicados substanciais da divindade ou predicados de outra classe. Penso que o caminho da investigação da deve partir do princípio evidente de todas as coisas, isto é, dos mesmos fundamentos da fé católica.

Assim, pois, ao perguntar se o que é chamado Pai é uma substância, a resposta é afirmativa. Ao perguntar se o Filho é uma substância, se dirá o mesmo. De igual forma ninguém duvidará que o Espírito Santo é uma substância. Mas ao reunir ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, não se apresentam várias substâncias senão uma só. Por conseguinte, a única substância dos três, de nenhuma maneira pode separar-se ou dividir-se, nem consiste em uma espécie de união de partes, senão que é simples e somente uma.

Logo, tudo o que se predica da substância divina, necessariamente é comum as três pessoas; tudo o que se predique da substância da divindade terá esta característica: o que se diz segundo este modo será predicado de cada uma das três pessoas consideradas na unidade [da divindade].

Desta maneira, se dissermos: ‘O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus’, o Pai, o Filho e o Espírito Santo é somente um Deus. Assim, pois, se a deidade única das pessoas é uma única substância, o nome de Deus pode predicar-se substancialmente da divindade. Igualmente o Pai é a verdade, o Filho é a verdade, o Espírito Santo é a verdade; porém, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três verdades, senão uma só verdade. Por conseguinte, se a única substância das pessoas é a verdade, necessariamente a verdade é predicada substancialmente. É evidente que a bondade, a imutabilidade, a justiça, a onipresença e tudo o que predicamos tanto de cada pessoa como de todas, se refere a substância.

 

B. Comentário.

1. A elucubração a respeito da Trindade, além de ser de capital importância, também deve revestir aquele que a estuda de temor e reverências santos, lembrando das palavras do Senhor a Moisés: “tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa” (Êx 3.5); com isso, ao se estudar e elucubrar sobre o mistério altissonante da fé, há de se ter a santa reverência quanto ao assunto e ao modo do estudo, já que a doutrina da Santíssima Trindade é a alma da fé; pois, como afirma Tomás: “a fé cristã consiste principalmente na confissão da Santíssima Trindade[2].

2. Portanto, ao considerar este estudo, em primeiro lugar, se há de compreender o modo do mesmo, tal como fora delineado no proêmio; depois, se há de prosseguir ao primeiro aspecto, o que Boécio faz neste escrito, a respeito da predicação das três Pessoas da divindade; e este escrito está subdividido em duas partes – a partir da subdivisão de Porretanus -, a saber: a primeira, onde analisa o que concerne a predicação da substância divina (cap. I); a segunda, onde evoca a designação da trindade e da unidade em Deus (cap. II).

3. Em relação a primeira parte, a subdivide em dois aspectos: primeiro, evoca a noção do que se predica da substância divina é comum as três pessoas; segundo, delineia a distinção entre o que se predica da substância divina e o que concerne separadamente a cada pessoa.

4. Ora, quanto ao primeiro, faz sete coisas: primeiro, põe a questão a ser investigada; segundo, demonstra que esta investigação se fundamenta sobre o princípio evidente de todas as coisas; terceiro, evoca que as pessoas da divindade são uma substância; quarto, descreve a unidade da substância divina; quinto, demonstra que o se predica da substância divina é comum as três pessoas; sexto, evoca a unidade na trindade; sétimo, delineia que o que se predica da substância divina é predicado substancial da divindade.

5. Primeiro, põe a questão a ser investigada, onde diz: “Me proponho a investigar se o Pai, o Filho e o Espírito Santo são predicados substanciais da divindade ou predicados de outra classe”; ora, em primeiro lugar, Boécio estabelece a questão a ser investigada; pois, ao iniciar um escrito, se deve propriamente descrever sobre o assunto o qual vai analisar; e a proposição de Boécio, é “investigar se o Pai, o Filho e o Espírito Santo”, isto é, se a Trindade, “são predicados substanciais da divindade ou predicados de outra classe”, isto é, se a Trindade se predica da substância divina ou se é outra classe de predicamento.

Pois, se se confessa a fé na Trindade, se deve logo após prosseguir para entender o que se predica e como se predica o que concerne a Santíssima Trindade. Logo, a investigação inicia pela compreensão sobre o modo como a Trindade é predicada, se substancialmente ou se de acordo com alguma das outras categorias, já que tudo o que é predicado se defronta com alguma das categorias, tal como o Filósofo demonstra no livro dos Predicamentos. Esta, pois, é a base pela qual Boécio estabelece a questão a ser investigada, tanto em relação ao assunto quanto ao modo de conhecer que concerne a este assunto.

6. Segundo, demonstra que esta investigação se fundamenta sobre o princípio evidente de todas as coisas, onde diz: “Penso que o caminho da investigação deve partir do princípio evidente de todas as coisas, isto é, dos mesmos fundamentos da fé católica”; ora, tal investigação, se fundamenta sobre o princípio evidente de todas as coisas; pois, toda elucubração sobre a verdade, se deve basear nos princípios apodíticos da realidade; e, ainda que as verdades propostas para serem cridas sejam provenientes da Revelação, o caminho da investigação a respeito destes assuntos é duplo: primeiro, pela autoridade da Escritura (cf. 2Tm 3.16-17); segundo, pelas elucubrações da reta razão (cf. Jó 6.25a). Ora, sendo a investigação sobre uma verdade revelada, então o modo de proceder deve basear-se na elucubração racional, desde que isso não impugne a verdade revelada.

Por isso, Boécio afirma: “penso que o caminho da investigação deve partir do princípio evidente de todas as coisas”, isto é, o princípio dos princípios, ou Primeiro Princípio, já que todas as coisas provêm de uma causa incausada, a quem referimos como Deus; logo, o princípio evidente de todas as coisas, é o que dá base aos próprios fundamentos da fé católica, da fé universal de todos os fiéis (cf. Ef 4.5). Portanto, do Primeiro Princípio se aclara os princípios fundamentais da fé, ao mesmo tempo em que se compreende a evidência de todas as coisas. Assim, a investigação racional sobre a predicação da Trindade, embasada na Escritura, se fundamenta a partir da designação de Deus como Primeiro Princípio.

7. Terceiro, evoca que as pessoas da divindade são uma substância, onde diz: “Assim, pois, ao perguntar se o que é chamado Pai é uma substância, a resposta é afirmativa. Ao perguntar se o Filho é uma substância, se dirá o mesmo. De igual forma ninguém duvidará que o Espírito Santo é uma substância”; ora, após demonstrar o princípio evidente de todas as coisas, demonstra o modo como a Trindade é predicada; e, quanto a isso, duas coisas são ponderadas: primeiro, a respeito do Ser de Deus; segundo, a respeito das Pessoas da divindade.

E, quanto a isso se explica que as Pessoas da divindade - Pai, Filho e Espírito Santo -, são uma só substância: “assim, pois, ao perguntar se o que é chamado Pai é uma substância, a resposta é afirmativa”, isto é, se se indagar se Deus Pai é uma substância se dirá que sim; e o mesmo se diz de Deus Filho e de Deus Espírito Santo; então, o que concerne a substância, diz respeito ao Ser de Deus. Pois, Pai, Filho e Espírito Santo são um Deus e uma mesma substância, ou como afirma o símbolo Atanasiano: “uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo[3]; logo, uma só é a substância.

8. Quarto, descreve a unidade da substância divina, onde diz: “Mas ao reunir ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, não se apresentam várias substâncias senão uma só. Por conseguinte, a única substância dos três, de nenhuma maneira pode separar-se ou dividir-se, nem consiste em uma espécie de união de partes, senão que é simples e somente uma”; ora, sendo a substância divina una, então, se estabelece o preceito sobre a unidade da substância divina; pois, a fé consiste, como dissera Atanásio, em adorar a unidade na trindade e a trindade na unidade.

Por isso, “ao reunir ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, não se apresentam várias substâncias senão uma só”, isto é, a unidade da Trindade não apresenta três deuses, mas um só Deus em três Pessoas. Logo, “a única substância dos três, de nenhuma maneira pode separar-se ou dividir-se”, isto é, a substância da divindade não é dividida em três, mas é una; e, “nem consiste em uma espécie de união de partes”, como se fossem três partes distintas em substância, mas a substância divina “é simples e somente uma”, isto é, o Deus verdadeiro em sua substância divina é uno. Por isso, a respeito do no que consiste a fé, se estabelece um axioma a respeito da substância divina, a saber, que ao se analisar a Trindade se deve proceder “sem confundir as Pessoas nem separar a substância[4]. 

9. Quinto, demonstra que o se predica da substância divina é comum as três pessoas, onde diz: “Logo, tudo o que se predica da substância divina, necessariamente é comum as três pessoas; tudo o que se predique da substância da divindade terá esta característica: o que se diz segundo este modo será predicado de cada uma das três pessoas consideradas na unidade [da divindade]”; ora, o que se predica da substância divina, é parte do Ser de Deus; por isso, é comum as três Pessoas: “logo, tudo o que se predica da substância divina, necessariamente é comum as três pessoas”. Pois, tudo o que se predica da substância é inerentemente propriedade da substância; portanto, em se tratando da divindade, o mesmo se aplica: “tudo o que se predique da substância da divindade terá esta característica”, isto é, o que é comum ao que é predicado da substância.

Por isso, “o que se diz segundo este modo será predicado de cada uma das três pessoas consideradas na unidade [da divindade]”, isto é, o que é predicado de cada uma das três pessoas é comum a substância divina, já que Pai, Filho e Espírito Santo são um Deus, mas não são a mesma Pessoa; logo, o que se predica da unidade concerne a substância divina, e assim, é comum as três pessoas, o que se demonstra a partir da designação antiga dos teólogos escolásticos a respeito do Deus Uno; pois, tudo o que se afirma no âmbito dogmático a respeito do Deus Uno, se afirma de cada uma das três Pessoas da divindade.

10. Sexto, evoca a unidade na trindade, onde diz: “Desta maneira, se dissermos: ‘O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus’, o Pai, o Filho e o Espírito Santo é somente um Deus”; ora, como tudo o que é predicado da substância divina é comum as três Pessoas, então, se tem a proposição da “unidade na trindade”; pois, “se dissermos: ‘O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito é Deus’”, isto é, se se afirmar a deidade de cada uma das três Pessoas, não se fala de três deuses, mas de um só Deus, já que “o Pai, o Filho e o Espírito Santo é somente um Deus”; portanto, se o que se predica da substância divina é comum as três Pessoas, então, na Trindade se tem a unidade; e o primeiro aspecto da consistência da fé, sob a autoridade da Escritura, e de acordo com Atanásio, é justamente a confissão da “unidade na trindade”.

11. Sétimo, delineia que o que se predica da substância divina é predicado substancial da divindade, onde diz: “Assim, pois, se a deidade única das pessoas é uma única substância, o nome de Deus pode predicar-se substancialmente da divindade. Igualmente o Pai é a verdade, o Filho é a verdade, o Espírito Santo é a verdade; porém, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três verdades, senão uma só verdade. Por conseguinte, se a única substância das pessoas é a verdade, necessariamente a verdade é predicada substancialmente. É evidente que a bondade, a imutabilidade, a justiça, a onipresença e tudo o que predicamos tanto de cada pessoa como de todas, se refere a substância”; ora, o que se predica da substância divina, como é comum as três Pessoas, não é predicado de uma Pessoa somente, mas predicado concernente ao Ser de Deus; logo, se afirma que o que é predicado da substância divina, é predicado substancial da divindade, o que precede em ordem de compreensão tudo o que concerne ao estudo sobre Deus de acordo com a revelação e a reta razão.

Por isso, “se a deidade única das pessoas é uma única substância”, isto é, se a deidade da substância divina é una, então, “o nome de Deus pode predicar-se substancialmente da divindade”, isto é, o que se predica a respeito da deidade se pode afirmar como nome de Deus, ou como nomes de Deus; pois, “igualmente o Pai é a verdade, o Filho é a verdade, o Espírito Santo é a verdade”, isto é, de todas as três Pessoas se predica a verdade; logo, “o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três verdade, mas uma só verdade”, já que a verdade é predicado substancial da divindade, tal como se diz nas Escrituras a respeito das Pessoas da divindade (cf. Dt 32.4b; Jo 14.6, 16.13).

12. Logo, “se a única substância das pessoas é a verdade, necessariamente a verdade é predicada substancialmente”, o que per se é evidente; com isso, se se afirma a verdade como predicado substancial da divindade, então, outros atributos ou propriedades também serão do mesmo modo afirmados, já que o que concerne a substância da divindade, concerne igualmente a cada uma das três Pessoas, na mesma medida e na mesma infinitude de perfeição.

Portanto, “é evidente que a bondade, a imutabilidade, a justiça, a onipresença”, isto é, os atributos da divindade, bem como “tudo o que predicamos tanto de cada pessoa como de todas”, isto é, tudo aquilo que é predicado do Ser de Deus, logicamente, “se refere a substância”; deste modo, o que é predicado substancial da divindade, se refere as três Pessoas e é entendido como os atributos concernentes ao Ser de Deus, os quais demonstram a “unidade na trindade”.

 

C. Dúbias.

Em relação ao que fora explicado nesta lição, surgiram duas dúbias:

Primeiro, se é coerente haver dois modos de predicar a divindade.

Segundo, se é conveniente os atributos da divindade serem predicados juntos e separados.

 

<Dúbia I>

 

Acerca da primeira, procede-se assim: se é coerente haver dois modos de predicar a divindade.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. A predicação tem vários modos, mas quando é efetivada, se dá apenas de um modo; pois, só se predica um predicamento a cada predicação; logo, não se pode ter mais de um modo de predicar ao mesmo tempo; portanto, não é coerente haver dois modos de predicar a divindade.

2. Ademais, o Apóstolo afirma que o poder e a divindade de Deus são manifestos a todos os homens (cf. Rm 1.19-20), isto é, os atributos da divindade são conhecidos por todos os homens; logo, se é manifesto a todos os homens, é predicado por todos os homens; e como os atributos se referem a substância divina, então, não é necessário haver dois modos de predicar a divindade, já que em um modo já se conhece algo sobre Deus; portanto, etc.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, Tomás afirma que há dois modos de predicação (cf. In De Hebd., I); logo, se há dois modos de predicação, então tudo o que é predicado será predicado sob e a partir destes dois modos; portanto, é coerente haver dois modos de predicar a divindade.

III. [Solução].

1. Os modos de predicar são dois; logo, tudo quanto diz respeito a predicação, estará imbuído nestes dois modos; no entanto, o que concerne aos seres compostos, se dará em um destes dois modos, ou nas formas de predicar; mas o ser simples, o ser absolutamente simples – Deus -, ao ser predicado defronta-se não com dois modos de predicar distintos como se fosse duas predicações, mas com dois modos de predicar quanto a Seu Ser; pois, o Ser Perfeitíssimo não é esgotado num modo de predicar, pois, em relação aos homens Ele não apenas tem algo de semelhança (cf. Gn 1.26), univocidade em termos predicamentais, mas também tem algo de dessemelhança (cf. Is 55.9), equivocidade em termos predicamentais. Logo, é conveniente que se tenha dois modos de predicar a divindade, o que não tolhe a unidade divina, mas demonstra que Deus é um em três pessoas.

2. Além disso, a respeito da predicação da divindade, se constatam duas coisas: primeiro, sobre a existência de Deus, que é conhecida até mesmo pela luz interior; segundo, sobre o Ser de Deus, que é conhecido apenas pela luz superior. E, quanto ao Ser de Deus, se sabe que o mesmo é de uma mesma substância, em três modos de ser em relações mútuas de subsistência[5]; logo, quanto ao Ser de Deus se afirma a unidade, tal como a unidade da substância evoca e como a Escritura o afirma (cf. Dt 6.4), e se afirma a trindade, tal como as relações mútuas evocam, e como demonstra a Escritura (cf. Gn 1.1-2; Jo 1.1-3; Mt 3.16-17; Ap 5.6). Portanto, a predicação da divindade convém que seja de dois modos, de acordo com dois dos predicamentos, a saber: a substância e a relação; a primeira, quanto a substância divina, a segunda, quanto as Pessoas da divindade.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que a proposição predicamental é correta quanto ao ato predicatório, mas enquanto noção lógica; pois, quando realmente se predica algo, tanto se pode convergir na univocidade quanto na equivocidade, e em alguns na inter-relação de ambas gerando algo cognominado; assim, se pode ter mais de um modo de predicar ao mesmo tempo, pois se tem coisas que tem algo de semelhança e dessemelhança com algo complexo já predicamentado; logo, o mesmo se pode aplicar a Deus; portanto, é coerente haver dois modos de predicar a divindade, não para demonstrar duas ou mais divindades, mas para aclarar tudo quanto é possível conhecer nesta vida dada a super-perfeição da substância divina.

2. Quanto ao segundo se responde que a proposição do Apóstolo diz respeito a indesculpabilidade dos homens de não adorarem a Deus como Deus (cf. Rm 1.21); pois, os atributos gerais da divindade, do Ser Superior, são conhecidos pelo lume da razão natural; por isso, estas coisas são manifestas a todos os homens; mas, o que é manifesto, diz respeito do que está declarado a todos os homens, não que todos os homens tenham predicado algo desta natureza; pois, nem tudo o que é manifesto a todos os homens é predicado por todos os homens; no entanto, isto não refere a um modo de predicar a divindade, pois o que é manifesto já está totalmente predicamentado; logo, quanto a isso não há necessidade de predicar; mas, como tal conhecimento é imperfeito e errôneo, então, compete predicar o que concerne a divindade de acordo com a Revelação; e, nisto, convém haverem dois modos de predicar a divindade, tal como fora anteriormente descrito.

V. [Resposta ao Em Contrário].

1. E, quanto a isso, se afirma que a proposição de Tomás se refere a predicação em geral; pois, todo ato predicatório está imbuído nas regras predicamentais; logo, se se estabelece as regras com dois modos de predicar, então, tal regra também se aplica a predicação da divindade; no entanto, ao se predicar algo a respeito de Deus, necessariamente se defronta com algo dos dois modos de predicar, já que Deus é a uma conhecido e desconhecido, predicável e não-predicável - ou dito em termos teológicos, Deus é imanente e transcendente; então, logicamente, convém que ao se predicar algo da divindade, se o expresse em duas formas categóricas.

 

<Dúbia II>

 

Acerca da segunda, procede-se assim: se é conveniente os atributos da divindade serem predicados juntos e separados.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. A predicação dos atributos da divindade se dá de dois modos: o que concerne ao Ser da divindade se predica junto, e o que concerne a suas obras, se predica separado; logo, não é conveniente os atributos da divindade serem predicados juntos e separados.

2. Ademais, o Apóstolo diz que Deus é Deus dos judeus e dos gentios (cf. Rm 3.29); ora, os judeus predicam a respeito de Deus diferente dos gentios, tal como o próprio Apóstolo afirmara (cf. 1Co 1.22); logo, são dois modos de predicar distintos; e, os mesmos se predicam separados e não juntos; logo, não é conveniente os atributos da divindade serem predicados juntos e separados.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, diz o salmista: “os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de tuas mãos” (Sl 19.1); ora, se na criação se manifesta a glória de Deus, o que concerne ao seu Ser, e se anuncia o que Ele fizera, o que concerne a Sua obra, então, a partir da criação os atributos da divindade são predicados juntos, na manifestação da glória de Deus, e são predicados separados, no anúncio de Suas obras. Portanto, é conveniente que os atributos da divindade sejam predicados juntos e separados.

III. [Solução].

1. Os atributos de Deus são predicados na mesma medida e na mesma proporção; pois, a perfeição de Deus é tal, que ao se aferir seus atributos, se os designa como “perfeições”; por isso, no que se predica da substância divina, se fala das perfeições da perfeição divina; estas perfeições são os atributos de Deus, comuns as três Pessoas da divindade; logo, se demonstra que o Ser de Deus é perfeitíssimo, em seus modos de ser ao estar em relações mútuas, e possui perfeições que demonstram sua natureza perfeitíssima.

2. Deste modo, o que concerne a substância divina é tido como a perfeição do Ser de Deus, e isto é predicado de modo junto, pois, concerne as três Pessoas da divindade; mas, quanto as relações das Pessoas divinas, se predica as perfeições do Ser de Deus, e isto é predicado de modo separado, já que concerne as Pessoas individualmente, ainda que consista em igualdade de honra. Portanto, como as perfeições divinas são engendradas em Sua natureza perfeitíssima, então, são predicadas juntas e separadas, e mesmo quando predicadas separadas demonstram a unidade da substância divina.

3. Ora, o que concerne a perfeição, está em ordem a unidade; e o que concerne as perfeições, está em ordem a pluralidade; por isso, quanto a perfeição se fala da “unidade na trindade”, e quanto as perfeições se fala da “trindade na unidade”; pois, ao se predicar a divindade, tal como afirma o símbolo Atanasiano, se deve proceder “sem confundir as Pessoas nem separar a substância”, e isto tanto ao que é predicado junto quanto ao que é predicado separado.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que a predicação dos atributos da divindade, ao se dar de dois modos, se inter-relaciona de acordo com estes dois modos; pois, ao se predicar os atributos juntos, e ao se predicá-los separados, então, se predica a mesma substância, todavia, espelhados de modo diverso; o que concerne a predicação dos atributos juntos estão em ordem a infinitude de Deus, que espelha Sua simplicidade e a unidade de substância; e o que concerne a predicação dos atributos de modo separado, diz respeito ao que é espelhado na infinitude, donde também ser predicados de acordo com Suas obras, já que estas refletem necessariamente o Criador (cf. Sb 13.5); assim, tanto no que se predica junto quanto no que se predica separado são espelhados na infinitude que diz respeito a ordem e a perfeição concernentes aos atributos divinos. Logo, o que se predica junto concerne tanto ao Ser quanto as obras da divindade, e o mesmo se diz do que se predicada separado.

2. Quanto ao segundo se responde que a diferença entre os modos de predicar dos judeus e o dos gentios, diz respeito a entendimentos errôneos quanto a Deus; pois, os judeus buscam sinais, logo, predicam a Deus a partir dos sinais, enquanto que os gentios buscam sabedoria, logo, predicam a Deus a partir da sabedoria humana; e, estes sentidos, como bem diz o Apóstolo, estão errados, pois no modo correto de predicar a Deus, a partir de Cristo e em Cristo, se demonstra que é escândalo para judeus e loucura para gentios (cf. 1Co 1.23); logo, são dois modos de predicar distintos, mas de acordo com a carnalidade concernente a pecaminosidade destes povos; no entanto, ao se predicar o que concerne a Deus de modo verdadeiro, Deus se mostra Deus tanto de judeus quanto de gentios, pois, não faz acepção de pessoas (cf. At 10.34; Gl 3.28), ao passo que, o verdadeiro conhecimento a respeito de Deus demonstra como Ele é predicado; e, nisto, concerne que de acordo com sua substância seja predicado de modo junto e de modo separado, tanto para demonstrar a sobre-excelência de Sua perfeição, super-perfeição, quanto para demonstrar a suma-grandeza das perfeições de Seus atributos.

V. [Resposta ao Em Contrário].

1. E, quanto a isso, se compreende que duas coisas são ditas a respeito da divindade: uma quanto ao que a reta razão pode conhecer, outra quanto ao que a revelação dá a conhecer; quanto a reta razão, se pode conhecer a existência de Deus, sua divindade e seu eterno poder demonstrado na criação (cf. Sl 19.1; Rm 1.19-20); quanto a revelação, se pode conhecer o Ser de Deus (cf. Jo 14.9b, 10.30; Hb 1.1-2). Ora, quanto ao que se pode conhecer pela reta razão, no que está demonstrado na criação, se entende os atributos de Deus de dois modos: primeiro, de modo separado, ao se demonstrar o poder, a sabedoria, a majestade do Criador na criação; segundo, de modo junto, ao se compreender que o Deus Criador possui estes atributos na mesma medida, já que é o ser simples, e no ser simples não há composição (cf. STh Ia, q. 3, a. 7, co.).

 

Lição 2

Analisa-se a diferença entre o que concerne a substância divina e o que concerne separadamente a cada pessoa.

A. Texto de Boécio (De Pred. Trium Pers., cap. I).

Disto se deduz que aquilo que convém aplicar separadamente a uma pessoa e não pode se dizer de todas, não se predicamente substancialmente senão de outra maneira. Na continuação investigarei qual seja esta maneira.

O que é o Pai não transmite este vocábulo ao Filho e nem ao Espírito Santo. Por isso, se conclui que o nome que leva não é substancial, porque se fosse substancial - como Deus, a verdade, a justiça, a noção mesma de substância - se aplicará aos outros. Assim mesmo, só o Filho recebe este nome e não o compartilha, como era o caso de Deus, da verdade e todos os demais atributos. O Espírito tampouco é o mesmo que o Pai e o Filho.

Disto que fora dito deduzimos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não se predicam substancialmente da divindade senão de alguma outra maneira; se se predicam substancialmente, todos estes títulos se aplicariam a todas e a cada uma das pessoas.

 

B. Comentário.

1. Após ter evocado a noção do que se predica da substância divina é comum as três pessoas, Boécio prossegue e passa a delinear a distinção entre o que se predica da substância divina e o que concerne separadamente a cada pessoa.

2. Ora, quanto a isso, faz três coisas: primeiro, evoca a distinção entre o que convém separadamente a cada pessoa e o que convém a substância da divindade; segundo, delineia a diferença entre o nome concernente a cada pessoa e os nomes substanciais da divindade; terceiro, demonstra que o que predica substancialmente da divindade é título comum as três pessoas.

3. Primeiro, evoca a distinção entre o que convém separadamente a cada pessoa e o que convém a substância da divindade, onde diz: “Disto se deduz que aquilo que convém aplicar separadamente a uma pessoa e não pode se dizer de todas, não se predicamente substancialmente senão de outra maneira. Na continuação investigarei qual seja esta maneira”; ora, após a compreensão sobre o que é predicado substancial da divindade, prossegue e estabelece a correta distinção entre o que convém separadamente a cada pessoa e o que convém a substância da divindade; pois, “se deduz que aquilo que convém aplicar separadamente a uma pessoa e não pode se dizer de todas”, isto é, se algo é predicado apenas de uma Pessoa e não das três igualmente, “não se predica substancialmente senão de outra maneira”, isto é, não se predica substancialmente da divindade, mas se predica de outro modo (de acordo com outra categoria); logo, o que convém a substância da divindade, é predicado substancial, e o que convém separadamente a cada pessoa é predicado de outra ordem predicamental.

E, como isso se demonstra, Boécio estabelece que investigará este aspecto posteriormente, ao afirmar: “na continuação investigarei qual seja esta maneira”, a saber, no capítulo II deste tratado e depois no De Trinitate.

4. Segundo, delineia a diferença entre o nome concernente a cada pessoa e os nomes substanciais da divindade, onde diz: “O que é o Pai não transmite este vocábulo ao Filho e nem ao Espírito Santo. Por isso, se conclui que o nome que leva não é substancial, porque se fosse substancial - como Deus, a verdade, a justiça, a noção mesma de substância - se aplicará aos outros. Assim mesmo, só o Filho recebe este nome e não o compartilha, como era o caso de Deus, da verdade e todos os demais atributos. O Espírito tampouco é o mesmo que o Pai e o Filho”; ora, o que concerne a cada pessoa, é próprio de cada Pessoa, e o que concerne a substância da divindade, é comum as três Pessoas; e isto se afere também pelos nomes: os nomes de Deus, comuns a substância divina, e os nomes específicos de cada Pessoa, no que concerne a obra de cada Pessoa no plano de redenção.

Pois, “o que é o Pai não transmite este vocábulo ao Filho e nem ao Espírito Santo”, isto é, o Pai é Deus conjuntamente com o Filho e com o Espírito Santo, mas o Pai não é o Filho e nem o Espírito Santo, e nem o Espírito é o Pai e nem é o Filho; logo, “se conclui que o nome que leva não é substancial, porque se fosse substancial - como Deus, a verdade, a justiça, a noção mesma de substância - se aplicará aos outros”, isto é, se o nome Pai, ou Filho, ou Espírito Santo, fosse nome substancial, se aplicaria a todas as Pessoas da divindade, mas como o nome Pai se aplica a uma das Pessoas da divindade, então, o que concerne ao Pai não é predicado substancial da divindade, tais como o atributos concernentes ao Ser de Deus. E, do mesmo modo, “só o Filho recebe este nome e não o compartilha”, isto é, o nome Filho concernente somente ao Filho e não Pai ou ao Espírito Santo, tal “como era o caso de Deus, da verdade e todos os demais atributos”, isto é, tal como os atributos de Deus. E, da mesma maneira, “o Espírito tampouco é o mesmo que o Pai e o Filho”, isto é, o que se diz quanto ao nome do Pai e do Filho, também se diz do nome Espírito; etc.

Com isso, se conclui que, o nome de cada Pessoa concerne a cada Pessoa, enquanto que os atributos do Ser de Deus, concerne a todas as três Pessoas enquanto atributos da divindade, ou como predicados substanciais da divindade. Por isso, ao se falar dos nomes de Deus, se fala dos predicados substanciais da divindade, e ao se falar do nome de cada Pessoa, se fala da obra de cada Pessoa no que concerne a Criação, a Reconciliação e a Redenção.

5. Terceiro, demonstra que o que predica substancialmente da divindade é título comum as três pessoas, onde diz: “Disto que fora dito deduzimos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não se predicam substancialmente da divindade senão de alguma outra maneira; se se predicam substancialmente, todos estes títulos se aplicariam a todas e a cada uma das pessoas”; ora, o que se predica da substância divina, necessariamente, é título comum as três Pessoas; pois, como “fora dito deduzimos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não se predicam substancialmente da divindade senão de alguma outra maneira”, isto é, o que se predica de cada Pessoa não são predicados substanciais, mas predicados categoriais de outro tipo; pois, “se se predicam substancialmente, todos estes títulos se aplicariam a todas e a cada uma das pessoas”, isto é, o que se predica substancialmente, é título que se aplica a todas as três Pessoas; logo, como o nome Pai, Filho e Espírito Santo não são predicados substanciais da divindade, então, não são títulos comuns a todas as Pessoas, mas apenas a cada uma das Pessoas da divindade.

6. E, é neste sentido que Karl Barth afirmara: “o Deus que se revela de acordo com a Escritura é Um em três modos distintos de subsistência em suas relações mútuas: Pai, Filho e Espírito Santo[6]. O ser um em três modos distintos de subsistência em suas relações mútuas, demonstra tanto o predicado substancial da divindade, o ser um, quanto demonstra o predicado relacional da divindade, os três modos distintos de subsistência em suas relações mútuas.

7. Deste modo, quanto a predicação das três pessoas se estabelece a distinção entre o que se predica substancialmente da divindade, e o que se predica especificamente em relação a cada pessoa; o que concerne a unidade, predicados substanciais da divindade; e o que concerne a cada Pessoa, predicados categorias de outro tipo a respeito das Pessoas da divindade.

8. E termina aqui esta breve lição, da qual não surgira nenhuma dúbia.

 

Lição 3

Analisa-se no que consiste a trindade e a unidade da divindade.

A. Texto de Boécio (De Pred. Trium Pers., cap. II).

Pois, é evidente que esses se aplicam segundo a relação, porque o Pai é o Pai de alguém, o Filho é o Filho de alguém, e o Espírito é o Espírito de alguém.

Disto resulta que nem sequer a Trindade se predica substancialmente de Deus, porque o Pai não é a Trindade - posto que quem é o Pai, não é o Filho e nem o Espírito Santo - nem o Filho é a Trindade nem o Espírito Santo é a Trindade segundo a mesma maneira.

A Trindade consiste na pluralidade de pessoas, enquanto que a Unidade, na simplicidade da substância. E já que as pessoas são distintas e a substância é indivisa, necessariamente a palavra que se origina das pessoas não pode pertencer a substância.

Como a diversidade de pessoas faz a Trindade, a Trindade não se atém a substância. Disto resulta que nem o Pai, nem o Filho nem o Espírito Santo nem a Trindade se predicam substancialmente de Deus, senão como já se disse, segundo a relação.

Por outro lado, Deus, a verdade, a justiça, a bondade, a onipotência, a substância, a imutabilidade, a força, a sabedoria e todos os demais atributos que se podem pensar, se predicam substancialmente da divindade.

Te peço que me informes se tudo isto é conforme a verdade e a fé; se por causalidade opinas de maneira distinta do que fora expresso, examina com atenção o escrito e, se possível, concilie a fé e a razão.

 

B. Comentário.

1. Após demonstrar no primeiro capítulo o que concerne a predicação da substância divina, Boécio prossegue e vai ao segundo capítulo, onde analisa a proposição da trindade e da unidade e da divindade.

2. Ora, quanto a isso, faz seis coisas: primeiro, evoca a compreensão da relação entre as pessoas da divindade; segundo, demonstra que nem a proposição da Trindade se predica substancialmente de Deus; terceiro, delineia o que consiste a pluralidade e a unidade em Deus; quarto, demonstra que a Trindade se predica de Deus segundo a relação; quinto, evoca que os atributos se predicam substancialmente da divindade; sexto, evoca a necessidade de se conciliar a fé e a razão na explicação do que concerne a Deus.

3. Primeiro, evoca a compreensão da relação entre as pessoas da divindade, onde diz: “Pois, é evidente que esses se aplicam segundo a relação, porque o Pai é o Pai de alguém, o Filho é o Filho de alguém, e o Espírito é o Espírito de alguém”; ora, o outro modo de predicar concernente a divindade, além da predicação substancial, ou é pela quantidade, ou pela relação, ou pela qualidade, etc.; ora, se tratando de pessoas, é óbvio que é pela relação; pois, o que se dá entre pessoas, é relação; além do que, “é evidente que esses se aplicam segundo a relação”, isto é, é evidente que o que não se predica substancialmente, em relação as três Pessoas, se predica relacionalmente; e isto, “porque o Pai é o Pai de alguém, o Filho é o Filho de alguém, e o Espírito é o Espírito de alguém”, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito, estão em relação de comunhão e de processão; de comunhão porque é uma comunhão eterna e infinita; de processão, porque o Pai é o Pai do Filho, e é quem outorga o Espírito por meio do Filho, pois o Espírito procede tanto do Pai como do Filho; etc.

Com isso, o que se fala a respeito do Filho, se diz apenas do Filho; o mesmo se dá com o Pai e o Espírito Santo; logo, o que não se predica substancialmente, se predica segundo a relação entre as Pessoas da divindade e segundo o modo desta relação, que é duplo: primeiro, em si mesmo, em comunhão (cf. Jo 17.5); e, segundo, quanto a economia da salvação, em processão (cf. Sl 2.7; Mt 3.16-17; Jo 14.26, 20.22).

4. Segundo, demonstra que nem a proposição da Trindade se predica substancialmente de Deus, onde diz: “Disto resulta que nem sequer a Trindade se predica substancialmente de Deus, porque o Pai não é a Trindade - posto que quem é o Pai, não é o Filho e nem o Espírito Santo - nem o Filho é a Trindade nem o Espírito Santo é a Trindade segundo a mesma maneira”; ora, nem sequer a designação da trindade se predica como substância, pois, “disto”, isto é, o que fora afirmado anteriormente (n. 3), “resulta que nem sequer a Trindade se predica substancialmente de Deus”, ou seja, a Trindade não é predicado substancial, mas predicado relacional; e isto, “porque o Pai não é a Trindade - posto que quem é o Pai, não é o Filho e nem o Espírito Santo - nem o Filho é a Trindade nem o Espírito Santo é a Trindade segundo a mesma maneira”, isto é, o Pai, o Filho e o Espírito, não são predicados substanciais, mas relacionais, posto que são um único Deus em três Pessoas; mas, cada Pessoa não é a trindade, mas a trindade é a comunhão eterna e infinita das três Pessoas da divindade. Portanto, o que se predica de cada pessoa não é predicado substancial, mas predicado próprio da obra e do modo de processão de cada Pessoa em Deus. Assim, se compreende que a trindade se predica segundo a relação e não segundo a substância.

5. Terceiro, delineia o que consiste a pluralidade e a unidade em Deus, onde diz: “A Trindade consiste na pluralidade de pessoas, enquanto que a Unidade, na simplicidade da substância. E já que as pessoas são distintas e a substância é indivisa, necessariamente a palavra que se origina das pessoas não pode pertencer a substância”; ora, tendo compreendido o que concerne a predicação substancial e o que concerne a predicação relacional, a partir disso se pode delinear no que consiste a pluralidade e a unidade em Deus; pois, “a Trindade consiste na pluralidade de Pessoas”, isto é, nas três Pessoas da divindade, “enquanto que a Unidade, na simplicidade de substância”; logo, o que concerne a trindade, se predica pela relação das Pessoas da divindade, e o que concerne a unidade, se predica da substância divina, que é simples e indivisa.

Portanto, “já que as pessoas são distintas e a substância é indivisa”, isto é, já que a trindade demonstra pluralidade e a unidade demonstra simplicidade, então, “necessariamente a palavra que se origina das pessoas não pode pertencer a substância”, ou seja, o que se predica de cada Pessoa não é predicado substancial, pois não concerne ao mesmo tempo sobre as três Pessoas, embora que o que se predique substancialmente seja igual nas três Pessoas.

6. Quarto, demonstra que a Trindade se predica de Deus segundo a relação, onde diz: “Como a diversidade de pessoas faz a Trindade, a Trindade não se atem a substância. Disto resulta que nem o Pai, nem o Filho nem o Espírito Santo nem a Trindade se predicam substancialmente de Deus, senão como já se disse, segundo a relação”; ora, como a trindade não se predica substancialmente, então se predica segundo a relação; pois, “como a diversidade de pessoas faz a Trindade, a Trindade não se atem a substância”, isto é, a pluralidade de Pessoas não se diz substancialmente; portanto, “nem o Pai, nem o Filho nem o Espírito Santo nem a Trindade se predicam substancialmente de Deus”, ou seja, os modos de Ser em relações mútuas não se predicam substancialmente de Deus, mas, “como já se disse, segundo a relação”; pois, os modos de Ser em relações mútuas, demonstram a relação das Pessoas da divindade, quanto ao que é dado a conhecer na Revelação; por isso, se predica substancialmente de Deus o que concerne a unidade, e se predica segundo a relação o que concerne a trindade.

7. Quinto, evoca que os atributos se predicam substancialmente da divindade, onde diz: “Por outro lado, Deus, a verdade, a justiça, a bondade, a onipotência, a substância, a imutabilidade, a força, a sabedoria e todos os demais atributos que se podem pensar, se predicam substancialmente da divindade”; ora, enquanto o que concerne a cada Pessoa se predica segundo a relação, o que se predica da substância da divindade, se predica substancialmente; donde, como nem o Pai, nem o Filho nem o Espírito Santo e nem a Trindade se predica substancialmente, “por outro lado, Deus, a verdade, a justiça, a bondade, a onipotência, a substância, a imutabilidade, a força, a sabedoria e todos os demais atributos que se podem pensar, se predicam substancialmente da divindade”, isto é, os atributos de Deus, que concernem a Seu Ser, são predicados substanciais da divindade e são declarados tanto no Pai, quanto no Filho e no Espírito Santo.

Logo, se compreende que em Deus há atributos indivisos, quanto a Seu Ser; por isso, se diz que estes são parte do que concerne a substância divina. Mas também há os nomes de cada Pessoa, quanto aos modos de Ser em suas relações mútuas; por isso, se diz que são parte do que concerne a relação das Pessoas divinas, tal como os nomes Pai, Filho e Espírito Santo; etc.

8. Sexto, evoca a necessidade de se conciliar a fé e a razão na explicação do que concerne a Deus, onde diz: “Te peço que me informes se tudo isto é conforme a verdade e a fé; se por causalidade opinas de maneira distinta do que fora expresso, examina com atenção o escrito e, se possível, concilie a fé e a razão”; ora, quanto a compreensão sobre a predicação das três Pessoas, Boécio elencara os preceitos básicos neste escrito; e, por fim, evoca a necessidade de se conciliar a fé e a razão na explicação dos mistérios concernentes a Revelação, não de certo para provar a fé, mas para melhor explicar os mistérios da doutrina revelada (cf. STh Ia, q. 1, a. 5, ad. 2).

Por isso, Boécio esclarece ao diácono João, “te pelo que me informes se tudo isto é conforme a verdade e a fé”, isto é, se o que foi expresso racionalmente está em concórdia com a verdade e a fé, pois, a verdade da fé não contradiz a verdade racional, embora a sobreleve; além disso, o que concerne a verdade, tanto diz respeito a razão quanto a fé; e, “se por causalidade opinas de maneira distinta do que foi expresso”, isto é, se há algum termo causal que talvez possa delinear algo diverso do que Boécio elucubrara, o diácono João deve examinar “com atenção do escrito”, e, no que for possível, conciliar “a fé e a razão”. Pois, o que fora expresso é uma verdade da fé explicada a partir das categorias racionais; ou seja, Boécio utilizou dos termos aristotélicos para explicar os mistérios da fé tal como revelados nas Escrituras.

9. E, diante disso, se o diácono João encontrasse algumas dúvidas, devia seguir o conselho final de Boécio, a fim de melhor compreender o que fora afirmado neste escrito e o que concerne ao mistério central da fé, já que em tudo quanto não impugna os assuntos da fé, a utilização da explicação racional sempre contribui para o melhor entendimento da fé, bem como para a própria edificação da fé.

Por isso, a fé, a medida que amadurece em graça e conhecimento (cf. 2Pe 3.18), procurará ser fé em busca de compreensão, como se expressa no conhecido preceito do doctor magnificus, da fé em busca de entendimento (cf. Prosl., I); e quanto mais glorioso é o assunto, mais a fé busca compreender e contemplar as glórias do objeto que lhe é próprio, a saber, a verdade primeira (cf. STh IIaIIae, q. 1, a. 1, co.); e quão grandes glórias estão imbuídas na verdade primeira.

10. Portanto, diante disto se constata que a razão tem utilidade para a fé de dois modos: primeiro, para dar maior clareza dos assuntos da fé (cf. STh Ia, q. 1, a. 5, ad. 2); segundo, para abalizar a compreensão sobre o entendimento da fé (cf. Prosl., I). Pois, a fé diz respeito tanto a confiança (fiducia) em Cristo (cf. Jo 1.12; Rm 10.9), quanto ao conjunto das verdades reveladas (notitia [cf. Jd 1.3]).

Logo, a razão tem uma grande utilidade para a fé, tanto para esclarecer melhor o que concerne a esta confiança, quanto para abalizar o que concerne ao conjunto das verdades reveladas; pois, a fé, uma vez esclarecida na mente e no coração pelo Espírito (cf. Ef 1.18; Rm 5.5), receberá como efeito da graça o ímpeto do Espírito (cf. Ez 1.20b; Rm 8.14) para crescer em entendimento e racionalidade (cf. Is 7.9b; Cl 2.6-7).

11. Pois, a glória da fé é conhecer o que pode ser compreendido dos mistérios de Deus, e, assim, a medida que entende e compreende, o fiel prosterna-se e irrompe em sincera e profunda adoração (cf. Rm 11.33-36), pois o esplendor da verdadeira fé é se gloriar em conhecer a Deus, tal como diz a Escritura: “Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor(Jr 9.24).

12. E o que fora dito basta quanto a compreensão necessária sobre este breve opúsculo de Boécio.

 

C. Dúbia.

Em relação ao que fora explicado nesta lição, surgira uma dúbia: se a categoria relação convém de ser utilizada para predicar a divindade.

 

<Dúbia Única>

 

Acerca da dúbia, procede-se assim: se a categoria relação convém de ser utilizada para predicar a divindade.

E parece que não.

I. [Argumentos].

1. A categoria relação, segundo o Filósofo, refere-se aos termos relativos, pois se se diz que algo é, isto se dá porque este algo é dependente de outra coisa que não a si mesmo (cf. Cat. 6a37-38); ora, Deus não é relativo; logo, a categoria relação não convém de ser utilizada para predicar a divindade.

2. Ademais, a relação entre três pessoas indica que há distintamente três pessoas; mas, em Deus a substância é una; logo, não pode ser predicado segundo a relação, pois senão seria dito que há três deuses; portanto, não convém utilizar a categoria relação para predicar a divindade.

II. [Em Contrário].

1. Mas, em contrário, diz a Escritura: “Recitarei o decreto: O SENHOR me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei” (Sl 2.7); ora, a geração indica relação, e o modo desta geração, filiação, indica o modo desta relação, a saber, entre pessoas; logo, se em Deus há relação de filiação - e, logicamente, de paternidade -, então, a categoria relação convém de ser utilizada para predicar a divindade.

III. [Solução].

1. A relação em Deus, se dá quanto as Pessoas divinas; não só quanto aos modos de Ser, no que concerne a obra de cada Pessoa, no que é comumente chamado de trindade econômica, mas também quanto as relações Pessoais, como por exemplo, paternidade, filiação; portanto, sobre a relação em Deus, se a demonstra tanto em ordem ao tempo, a trindade econômica, quanto em si mesmo, em ordem a eternidade, a trindade imanente. Assim, convém que a categoria relação seja utilizada para predicar a divindade, embora, na ordem dos assuntos propostos pela revelação, seja o segundo modo de predicar a divindade, já que o primeiro modo é o que concerne a substância; e isto, para que não se misture a substância e nem se confunda as Pessoas, tal como está no § 3 do símbolo Atanasiano.

2. Além disso, a relação evoca a processão; e, tudo que procede, é procedente do mesmo princípio daquilo de que procede; por isso, segundo Tomás, “quando algo procede do princípio da mesma natureza, é necessário que ambos, isto é, o procedente e o princípio da processão, se encontrem na mesma ordem” (STh Ia, q. 28, a. 1, co.); ora, o se o Filho provém do Pai, então, o Filho está na mesma ordem do Pai; logo, se o Pai é Deus, então, o Filho é Deus; portanto, sendo da mesma natureza, a relação de ambos demonstra a deidade tanto do Pai quanto do Filho, mesmo em relação aos modos de processão. Logo, é conveniente se utilizar da categoria relação para predicar a divindade.

IV. [Respostas aos Argumentos].

1. Quanto ao primeiro se responde que a definição da categoria relação nestes termos diz respeito ao modo primeiro de predicação que não está na substância; mas, quanto a uma predicação que já está na substância, se predica a relação segundo a substância, tal como se faz com as Pessoas da divindade; portanto, a categoria relação convém de ser utilizada para predicar a divindade, já que a substância divina é simples e na mesma não há composição tal como nos relativos do acidente já que nos relativos da substância não há acidente, e, por isso, é dependente apenas de si.

2. Quanto ao segundo se responde que em relação as Pessoas da divindade, há de se ater ao modo da relação, que se dá de duas maneiras: primeiro, em unidade, pois, a substância divina é una; segundo, em pluralidade, dada as relações das Pessoas divinas. Portanto, a divindade ao ser predicada segundo a relação, é espelhada na substância, donde se afirmar que é um Deus em três Pessoas, e não três deuses; pois, a unidade da substância demonstra a unidade do Ser, enquanto que a pluralidade na relação demonstra a trindade de Pessoas. E, como tanto a unidade quanto a trindade se dão em Deus, então, convém utilizar a categoria relação para predicar a divindade, mais especificamente no que concerne a trindade.

V. [Resposta ao Em Contrário].

1. E, quanto a isso, se observa que em Deus não somente há uma processão, a do Verbo, mas também a do envio do Espírito pelo Pai em nome do Filho (cf. Jo 14.26). Assim sendo, há a geração do Filho (cf. Sl 2.7), e o envio do Espírito (cf. Jo 20.22; At 1.8) - que se dá em dois modos (cf. Sl 104.30; Jo 16.13; Gl 4.6); e estas são as duas processões em Deus (cf. STh Ia, q. 27, a. 3, co.). E, onde há processão, evidentemente, há relação tanto de acordo com os modos de processão, quanto com o princípio da processão. Por isso, quanto a processão em Deus, se afere que a relação em Deus, quanto ao Seu Ser, se dá em Comunhão Eterna e Infinita (cf. Jo 17.5). Pois, nas processões estão imbuídos veladamente todos os artigos da fé. Logo, ao se falar sobre as processões em Deus, se fala ao mesmo tempo sobre todos os artigos de fé; e os artigos da fé, evidentemente, estão em relação. Portanto, o que resulta disso é clarividente; etc.  

***

E termina aqui este comentário. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios [2ª ed. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017], livro IV, cap. I, n. 9, pág. 601.

[2] Tomás de Aquino, De Rationibus Fidei, cap. 1.

[3] Credo Atanasiano, § 6.

[4] Ibidem, § 4.

[5] cf. Karl Barth, Church Dogmatics I/1 [T. & T. Clark, 1975], § 9, pág. 348.

[6] Karl Barth, Church Dogmatics I/1 [T. & T. Clark, 1975], § 9, pág. 348. 


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