24/10/2025

Resposta sobre a Questão da Autoridade em Teologia na Ortodoxia

Prólogo

Infelizmente se tornou costumeiro uma série de críticas, vindas de ortodoxos, a respeito da questão da autoridade em teologia no âmbito da própria Ortodoxia; na verdade, estas críticas parecem demonstrar uma preocupação contra a loucura que em relação a esta questão dominou a cristandade latina; no entanto, apenas parece, pois estas críticas são permeadas pelo mesmo erro o qual tanto criticam; são os dois lados da mesma moeda: muda-se o lado da moeda, mas mantém-se o mesmo valor; logo, etc.

Entendamos a questão por parte.

I

[A questão da autoridade teológica na Santa Igreja]

Antes de tudo, é bom que se saiba, que tudo o que os santos produziram de ensinamentos é útil para todos os fiéis em todas épocas; o testemunho dos santos continua a ecoar por toda a história; e em relação aos que alguns santos produziram quanto ao saber humano, em ciência, filosofia, direito, etc., se deve tomar tais textos em predileção a de autores não-cristãos, principalmente os textos dos santos que também foram intelectuais. E isso é o que ensina o bom senso comum quanto a questão da autoridade, seja nos assuntos teológicos seja nos assuntos filosóficos.

No entanto, a costumeira preocupação com que indivíduos ditos “isolados” arrolem para si tais epítetos, não é tanto quanto a uma suposta tentativa de colocar a Santa Igreja sujeita a autoridade de um homem sozinho; pois, a autoridade teológica plena é algo raríssimo; geralmente, é algo reconhecido só após morte, ainda que possa ter grande influência na Santa Igreja em vida (isto é, o reconhecimento em vida).

Entretanto, do mesmo modo, a autoridade teológica também não é preterida e/ou desmerecida por alguém em vida; ao criticarem os que arrolam para si tais epítetos - o que nem ocorre de facto, pois os “tais” que arrolam isso nem sequer possuem os qualificativos necessários para arrolar para si tal epíteto -, acabam por cometer o mesmo erro; aliás, a Sagrada Tradição é que decide isso; e o excesso de preocupação quanto a isso demonstra orgulho e arrogância.  

Por isso, o demérito para com alguém em relação a isso também não é algo que deva ser feito; se criticam os que supostamente “buscam” isso como orgulho, o que não se dirá dos que ao criticarem estes cometem um erro moral ainda pior; então, que se deixe isso para a Sagrada Tradição; a crítica excessiva quanto a isso demonstra o mesmo que tanto se crítica, pois é expressão de inveja.

Além disso, é bom que se reafirme que a rejeição quanto a autoridade em teologia tem um outro aspecto; pois, não é a simples rejeição a quem supostamente arrola isso ou busca isso, etc.; mas, é fruto da ideologização; sempre que a Santa Igreja é ideologizada, a primeira coisa é a rejeição para com as autoridades teológicas, seja as do passado, os Padres da Igreja e os santos, seja as que possam se formar no presente e/ou no futuro; além disso, segundo a Sagrada Escritura, a rejeição para com autoridade, seja ela de qual tipo for, é evidência de apostasia (cf. Jd 1.8).

Assim sendo, o ato de preterir ou supostamente rejeitar a autoridade em teologia, não é parte do que concerne a verdadeira piedade cristã; aliás, nem a preocupação excessiva com isso faz parte da verdadeira fé ortodoxa; e, que se saiba, uma verdadeira autoridade no âmbito da teologia, não necessariamente precisa se arrolar isso, mas o próprio Espírito Santo dá testemunho de quando surge alguém assim para edificação da Igreja; assim foi com São João o Teólogo, assim foi com São Gregório o Teólogo e assim foi com São Simeão o Novo Teólogo; e assim continuará a ser sempre que o Espirito quiser suscitar verdadeiramente um Teólogo para a edificação da Santa Igreja.

Agora, uma coisa é surgir um Teólogo neste sentido, que é algo especialíssimo e raríssimo; outra coisa é autoridade teológica no quesito de conhecimento; o reconhecimento como Teólogo, se for ocorrer em vida, só é outorgado pelo Santo Sínodo e em concórdia com toda a comunhão ortodoxa; e, após a morte, pela Sagrada Tradição, do mesmo como ocorre com a canonização. E em relação a isso, como fora dito, é algo raríssimo, tanto que somente três santos receberam este título da Sagrada Tradição, um dos quais um autor sacro.

No entanto, quanto a autoridade teológica no quesito de conhecimento, se tem de dois aspectos a serem refletidos: primeiro, de maneira plena, naqueles que movidos pelo Espírito Santo escreverem assuntos teológicos com plenitude de conhecimento e grande piedade; e esses são os santos, a maior parte composta dos que são vocacionados por Deus ao sacerdócio (diáconos, padres e bispos).

Segundo, de maneira derivada, em alguém que pode produzir algo de valor quanto a tópicos teológicos, mesmo que isso não venha a ser utilizado plenamente, mas pode ser útil quanto a conhecimento; e o conhecimento é de suma importância, porque os que rejeitam o conhecimento, mesmo o teológico, seja ele proveniente donde for, são rejeitados por Deus (cf. Os 4.6).

Deste modo, se deve distinguir o que provém da pura autoridade no conhecimento humano, ainda que seja em assuntos teológicos, o que quem vive uma vida santa e em comunhão com a Santa Igreja e tenha conhecimento pode produzir; outra coisa é o que provém de uma autoridade plena neste quesito, o que como fora dito é mais raro e somente o Santo Sínodo e a Sagrada Tradição é quem possuem autoridade para reconhecer, e tal reconhecimento não vem somente assim, as vezes advém até mesmo de elementos fora da fé, ou de assuntos além da fé, como no caso de alguma autoridade em teologia que também é reconhecido por filósofos, intelectuais, e por outras partes da verdadeira cristandade.

Por isso, se deve evitar essas críticas sem sentido, porque isso cheira a inveja e a jactância; a falta de conhecimento faz com se tenha críticas excessivas e sem sentido aos que possuem conhecimento; aliás, a falta de conhecimento conduz a críticas imbecis quanto a autoridades no conhecimento, bem como a falta de conhecimento induz aos tentáculos jactantes do não-conhecimento.

Por isso, a não-aceitação de autoridades no conhecimento, seja ela em qual esfera for, mesmo em teologia, também evidência a ideologização que busca tirar a Santa Igreja do testemunho dos santos e colocá-la sujeita a poderes de mando.

Aliás, desde o séc. VI, sempre que se critica ou se rejeita uma autoridade em teologia sem razão concreta para isso, se tem por detrás alguma forma de ideologização ou de assenhoramento político da Santa Igreja.

II

[Uma análise de caso: Orígenes]

E para se explicar este problema, se evoca o caso mais emblemático de rejeição a autoridade em teologia, a saber: a infâmia cometida contra a obra e a autoridade de Orígenes, o maior dos teólogos.

Se sabe pelo testemunho de toda a Igreja Antiga, de todos os Padres da Igreja, e das antigas sedes apostólicas orientais, as que atualmente se chamam Igrejas Ortodoxas Orientais, o berço do cristianismo, que Orígenes é santo e é o maior dos teólogos; todos os Padres da Igreja basearam suas reflexões teológicas a partir de Orígenes, seja os padres capadócios, seja São Jerônimo, seja Santo Agostinho, etc.; a patrística é toda ela muito devedora a Orígenes, em qualquer área da teologia; na verdade, toda a patrística é, em suma, origenista, seja na teologia seja na filosofia.

Orígenes é a maior autoridade teológica em qualquer âmbito da ciência sagrada, e esse é o testemunho que ecoa das sedes apostólicas e dos Padres da Igreja; bem como Orígenes fora um dos maiores filósofos neoplatônicos, sendo um dos maiores platônicos de todos os tempos, maior até mesmo do que Santo Agostinho.

No entanto, ocorrera uma desdita inominável com a obra de Orígenes; veja-se bem, Orígenes escreveu mais de 6.000 livros, alguns dos quais muitos extensos; se sabe que Orígenes durante mais de 40 anos escreveu centenas de páginas por dia; foi Orígenes que abriu os caminhos em todos as áreas da ciência teológica, da exegese a espiritualidade, etc.; absolutamente tudo na teologia tem a influência de Orígenes.

Todavia, alguns homens movidos pela inveja e pelo despeito de não conseguirem galgar tamanha autoridade - diga-se aqui, que a autoridade de Orígenes foi outorgada por Deus -, começaram a tentar encontrar erros na obra de Orígenes para desmerecê-lo e desautorizá-lo; como não conseguiram atacar o homem, atacaram sua obra; e como Orígenes escreveu muito e foi um abridor de caminhos, algumas de suas pressuposições não foram abalizadas plenamente, pois algumas delas ele apenas descreveu e demonstrou possibilidades; justamente em relação a estas pressuposições deixadas em aberto que foram procurar erros, não por conta de supostas heresias, mas para vituperar a autoridade de Orígenes.

E assim, em meio a um Concílio Ecumênico, o Segundo Concílio de Constantinopla, se condenou algumas pressuposições origenistas, não por conta de erro, mas por inveja e ideologização; tanto o é, que após o Sagrado Concílio que nem sequer mencionou Orígenes diretamente, as acusações foram inseridas nas atas do Concílio, pois em relação a isso fora movido pela vontade de poder de um líder político; e depois o próprio líder político, o imperador Justiniano, ordenou a queima e o desparecimento sistemático de toda a obra de Orígenes.

E observe-se bem, as pressuposições origenistas condenadas estavam em cerca de uma dezena de obras de Orígenes, mas o imperador Justiniano ordenou a destruição de toda a extensa obra de Orígenes; ora, se fossem apenas erros, e se fosse o caso de isso ser correto, se destruiria apenas de dez a quinze obras, mas o imperador mandou destruir as milhares de obras de Orígenes, o que também foi seguido pelo papa Gelásio I. Infelizmente, neste quesito, a cristandade grega e a cristandade latina lutaram em conjunto contra a maior autoridade na teologia.

Então, com isso já se consegue compreender que o que motivou tal atitude fora a inveja e não heresias; aliás, como que se acusa alguém de heresia se toda a Santa Igreja reconhecia plenamente sua ortodoxia, seja em relação a doutrina seja em relação a moral, pois Orígenes fora mestre intelectual e fora mestre espiritual.

Ora, Justiniano após fazer isso, galgou a si uma grande honra e foi muitíssimo estimado; o que também evidência que tal atitude foi uma tentativa de usurpar a autoridade de Orígenes; todo usurpador no ato de usurpação sempre é valorado, mas posteriormente as consequências são terríveis, como de fato neste quesito foram assaz terríveis.

Assim, ao se evocar o exemplo de Orígenes, se consegue compreender no que realmente consiste a rejeição a autoridade em teologia; se uma autoridade teológica, a maior das autoridades na teologia, sofreu esta infâmia, o que não se dirá de alguma autoridade teológica que possa surgir em meio as confusões inomináveis dos tempos modernos.

Todavia, ao se observar toda esta bagunça infame quanto a crítica e/ou aceitação de autoridade em teologia, se deve levar em conta o caso de Orígenes, pois os erros continuam a ser mesmos, apenas não se ordena mais a queima de livros, a tortura ou algo similar; mas a inveja e a maledicência contra autoridade em teologia tende a ser mesma, principalmente no âmbito de uma cristandade tão ideologizada; e, pasme-se, inveja até mesmo contra autoridades intelectuais, o que por si já demonstra total imbecilidade (e imbecilidade é evidência de soberba [cf. Sl 10.4]).

Além disso, que se reafirme novamente que essas críticas quanto a autoridade teológica são expressão inconcussa de ideologização. Orígenes sofreu tanto com isso, que ao se iniciar uma perseguição por parte de autoridades políticas, ele foi torturado até quase a morte, deixando-o com a saúde debilitada e bem fragilizado; e morreu poucos anos depois de sofrer estas torturas.

Então, que sempre se relembre que a rejeição a autoridade em teologia provém de ideologização e de tentativa de “poderes de mando” de galgaram autoridade e aceitação no âmbito da Santa Igreja, que as mais das vezes para alcançarem isso tratam de promover, de várias maneiras, a rejeição para com os santos e as autoridades teológicas, principalmente porque os santos e as autoridades teológicas são um baluarte contra os propósitos nefastos das ideologias.

Por isso, sempre que alguém rejeitar as autoridades em teologia, principalmente se for um político, mesmo se for um político que se diz “cristão”, o que está por detrás é inveja e a tentativa de instaurar um poder de mando sobre a Santa Igreja. Justiniano fora canonizado, mas seu erro neste quesito trouxe consequências terríveis para a cristandade grega, que são manifestas até os tempos atuais.

Assim, se constata algo terrível, já que a usurpação que quase definhou a ortodoxia no segundo milênio é consequência direta da atitude hedionda do imperador Justiniano contra a obra e a autoridade de Orígenes.

III

[Como reconhecer uma autoridade na sagrada teologia?]

Assim, surge a indagação: como reconhecer uma autoridade na sagrada teologia?

Quanto a isso, se estabelecem dois princípios: primeiro, da autoridade teológica de todos os fiéis; segundo, da autoridade teológica de um teólogo.

1. Em relação ao primeiro, se constata biblicamente que todos os fiéis, isto é, toda a Santa Igreja, participa nos mistérios teológicos, já que a vida eclesial é uma vida sacramental (cf. 2Pe 1.4); os sacerdotes e os leigos, neste sentido, participam da mesma vida eclesial, na qual todos os fiéis, sacerdotes e leigos, estão inseridos nos mesmos mistérios; a diferença é que os sacerdotes são vocacionados por Deus para servirem o povo de Deus em nome de Cristo, para administrarem a vida interna da Igreja, conduzir a liturgia, preservar a sacramentalidade da Igreja, proclamar o Santo Evangelho, etc.

Por isso, neste sentido, sejam sacerdotes sejam leigos, possuem alguma autoridade para lidar com questões teológicas, desde que se tenha conhecimento para isso; assim, se constrói uma ampla gama de ensinamentos teológicos que se desenvolvem a medida do estudo e da busca por conhecimento; neste quesito está muito próximo da concepção de autoridade no saber filosófico.

Pois, há de se ter o conhecimento intelectual para desenvolver a inteligência e o raciocínio para a compreensão racional; pois, sem raciocínio sem compreensão, seja em que assunto for; então a leitura de obras ditas intelectuais é de fundamental importância para ajudar no desenvolvimento do ato de raciocinar, principalmente em questões teológicas.

Portanto, todos os fiéis que vivem uma vida santa podem contribuir com algo neste sentido, desde que conheçam o que falam e vivam corretamente a fé; isso é a partilha da fé inerente a vida cristã; quanto a isso, todos os fiéis tem autoridade teológica para partilhar a fé com outras pessoas, mesmo se isso for feito por escrito, em livros, publicações, etc.

Todavia, nem todos os fiéis possuem autoridade de ensino (cf. Tg 3.1); na verdade, na Santa Igreja pouquíssimos são o que possuem autoridade de ensino em teologia, só os que são vocacionados por Deus para o ensino das coisas sagradas (cf. 2Tm 4.2), dos quais, quase todos são parte da hierarquia (raros são os leigos que alcançam autoridade para isso); mas todos os fiéis são exortados a partilhar a fé toda vez que isto se fizer necessário (cf. 1Pe 3.15).

2. Em relação ao segundo, a situação é mais complicada; pois, não é qualquer um que é vocacionado por Deus para ser teólogo; na verdade, pouquíssimos são os que são vocacionados por Deus para a teologia; talvez, um a cada milênio, ou um a cada 700-800 anos, pelos critérios da Sagrada Tradição; além do que, aqueles que são vocacionados por Deus para a teologia, além das qualificações espirituais, também hão de ter as mais excelentes qualificações intelectuais; e isso se comprova tanto através da Sagrada Escritura quanto através da Sagrada Tradição.

Por isso, aqueles que são qualificados para a sagrada teologia, em sentido intelectual, hão de ter dominado o saber e discernido plenamente o amplo escopo da filosofia, seja em relação ao platonismo seja em relação ao aristotelismo, e tenha se desenvolvido capacidades intelectuais para ajuizar o que concerne o saber filosófico, mesmo em se tratando da reflexão teológica; além disso, há de ter desenvolvimento ou de antemão, ou em consonância, ou em conjunto com a obra teológica, um ampla análise filosófica-intelectual, que comprove capacidade racional para discernir as revelações divinas.

Ora, isso é o que ocorrera por exemplo com São Gregório o Teólogo e com São Simeão o Novo Teólogo; ambos dominaram plenamente o saber, e discerniram o que concerne a filosofia e desenvolveram excelentes reflexões intelectuais nas próprias obras teológicas que escreveram; mais propriamente, ambos eram mais platônicos, e desenvolveram insights e perspectivas sobre o platonismo em meio as análises teológicas que evidenciam a mais aguda capacidade intelectual.

E para se entender esta questão, se evoca o exemplo de Tomás de Aquino; pois, São Genádio Escolário houvera afirmado que naquilo em que Tomás não é expressor da latinidade, ele está totalmente correto; e São Genádio Escolário tem total razão; Tomás embora seja latino, sua obra não é expressão apenas da latinidade; e no que é latinidade se deve ponderar e no que é herético se deve rejeitar, mas no que não é se deve aproveitar, pois como o próprio São Genádio Escolário afirmara, Tomás é um sábio inspirado por Deus.

Por isso, se compara por exemplo o que São Simeão o Novo Teólogo fizera com o que Tomás de Aquino fizera; a primeira diferença está no método, um era escolástico e o outro não; a segunda no principium filosófico, um era platônico e o outro aristotélico; a terceira diferença é que Tomás desenvolvera uma obra intelectual com textos filosóficos e São Simeão não o fizera, embora em suas obras contenha inúmeros insights filosóficos de inestimável valor; etc.

Então, se observa a diferença maior está no método e na produção de obras filosóficas a par da obra teológica; e evoca este exemplo com Tomás pois é o maior teólogo latino, e porque serve de base para aclarar uma confusão terrível que assola a compreensão sobre a função do teólogo na Ortodoxia; a função do teólogo não é propriamente desenvolver uma obra intelectual a parte, embora o possa fazer, mas propriamente comunicar de maneira entendível e da forma mais límpida possível a experiência de Deus, adquirida pela Oração, pelo estudo da Sagrada Escritura e pela gloriosa iluminação do Espírito Santo.

Outrossim, é que mesmo que por exemplo São Simeão o Novo Teólogo não tenha desenvolvido especificamente uma obra filosófica-intelectual, ele demonstrara total capacidade para fazê-lo; o mesmo se diz de São Gregório o Teólogo; portanto, é sumamente necessário, e isso deve ser totalmente reconhecível e visível, que aquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo tenha esta capacidade em seu lume mais excelente nas questões filosóficas, manifesto na pré-disposição a erudição desde a mais tenra juventude.

Pois, aqueles que foram reconhecidos pela Sagrada Tradição como Teólogo, tiveram esta capacidade totalmente reconhecida e plenamente manifesta. E o mesmo se diz da cristandade latina, embora na modernidade isso tenha se tornado algo infernoso na latinidade, especialmente em tempos hodiernos, e particularmente no protestantismo. A bagunça teológica do protestantismo é algo hediondo e terrível.

No entanto, não é só erudição fora do comum; por exemplo, São Genádio Escolário, São João de Kronstadt, entre outros, possuíam erudição fora do comum, e não foram reconhecidos como teólogos; pois, não é somente a erudição fora do comum, é erudição especial e extraordinária, manifesto no direcionar do Espírito Santo para os assuntos filosóficos; esta é a erudição especial que concerne a alguém que Deus vocaciona para ser Teólogo; portanto, não é só a grande capacidade intelectual e o conhecimento enciclopédico, mas a erudição intelectual guiada pelo Espírito Santo.

Assim, estas pressuposições são o mínimo que se espera, no sentido intelectual, daquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo; sem estas capacidades intelectuais, se pode ter a certeza que não se terá um teólogo no sentido correto do termo; além do que, raros são aqueles que ao adquirirem tamanho conhecimento não se perdem na arrogância ou na vaidade; por isso, nem todos são por Deus vocacionados para tal função, senão acabariam por se perder em meio aos penhascos nos quais se põe a inteligência e a consciência daquele que se põe na escola do saber filosófico.

No entanto, como é óbvio não é somente isso que faz de alguém um teólogo, mas fundamentalmente a verdadeira e gloriosa experiência de Deus e com Deus; e aqui se evoca as qualificações espirituais daquele a quem Deus vocaciona para ser teólogo; e qualificações espirituais não somente nas disciplinas espirituais, e não somente em relação a manifestação dos dons espirituais, mas na experiência que Deus outorga e no direcionar divino específico e manifesto à quem o Espírito Santo conduz para ser um Teólogo (cf. Is 28.26, 48.17), através de iluminações especiais sobre os assuntos espirituais. E este último aspecto demonstra verdadeiramente quem é por Deus vocacionado para ser um teólogo.

Além disso, as qualificações espirituais se desenvolvem em concórdia com o desenvolvimento intelectual; pois, para quem é vocacionado para ser teólogo quanto mais profunda for a espiritualidade, mais aguda tem de ser a capacidade intelectual; e a mais aguda capacidade intelectual tem de ser demonstrada com a mais profunda vida espiritual.

Ademais, a quem o Espírito Santo vocaciona para ser Teólogo, desenvolverá maestria e sapiência extraordinárias no manejo da Sagrada Escritura; aquele a quem o Espírito vocaciona para ser Teólogo será reconhecido como um homem de “mente escruturística”, de “intelecto bíblico”, como alguém que tem o raciocínio totalmente dominado pelos preceitos bíblicos; na escolástica latina era chamado de “magister in sacra pagina”; etc.

Assim sendo, a quem o Espírito Santo vocaciona para tal propósito haverá uma sobre-excelência intelectual e espiritual, não no sentido de ser melhor do que outrem, ou de galgar honra mundana na Igreja ou de buscar posições hierárquicas, mas o Espírito assim o faz para tornar manifesto e conhecido quando esta rara vocação surge na Santa Igreja.

***

E, para concluir, certamente estas palavras devem ser suficientes para dar uma resposta, mesmo a alguns ortodoxos desajuizados, quanto a compreensão da autoridade em teologia no âmbito da Santa Igreja Ortodoxa; e que isso seja entendido corretamente, para que não se crie o espírito de perfídia inerente ao protestantismo causado justamente pela rejeição as autoridades teológicas e pela falta de critério para discernir quem é teólogo e quem não é; discernir quem não é teólogo é fácil; todavia, reconhecer quem é, certamente se tornará algo difícil, principalmente porque já não surge um Teólogo a mais de mil anos; entretanto, se surgir um Teólogo vocacionado por Deus, que a Santa Igreja saiba reconhecê-lo e valorizá-lo para a glória de Deus. 

θεῷ χάρις


21/10/2025

Nótulas sobre a Risada

Proêmio

Ao ter refletido sobre a distinção entre riso e sorriso noutro escrito, a fim de tornar mais fácil a compreensão de uma distinção revelacional e racional a este respeito, surgiram uma série de imbecilidades para tentar contestar as afirmações feitas neste e em outros escritos; tendo em vista isso, resolvi, de maneira breve, evocar algumas nótulas a mais a respeito da risada, para comprovar alguns princípios que foram de antemão afirmados, e outros que ficaram imbuídos nas entrelinhas.

§ 1

A distinção entre riso e sorriso provém da Sagrada Escritura, embora nem sempre as traduções captaram isso corretamente; todavia, na língua de Camões fica mais fácil observar tal distinção; por exemplo, em Ec 7.6 se fala sobre o riso do tolo, para designar que é propriedade da tolice o dar risada; além disso, em Lc 6.25 se fala um “ai” para os que dão risadas, o que significa que o dar risada é estar sob o justo juízo de Deus; etc.; por isso, seja em relação a reta razão, seja em relação a revelação, existe a distinção entre riso e sorriso; o sorriso como expressão de alegria verdadeira e virtude, o riso como expressão de soberba e de vícios na alma.

§ 2

A propriedade do riso é a irracionalidade; por isso, onde há riso se teve alguma forma de impedimento da razão; e o impedimento da razão é obra de Satanás, como afirma Tomás de Aquino; então, onde há riso se tem evidência de obra demoníaca, bem como se tem a demonstração de como o demônio vela as consciências dos indivíduos para que estes não se apercebam da própria miséria; o riso, no sentido pascalino, é manifestação de um divertissement.

§ 3

A risada expressa zombaria, escárnio e arrogância; zombaria contra o objeto da risada; escárnio contra o “eu” que é escarnecido; e arrogância posto ser a risada a soberba pessoal se instaurando sobre outrem, o assenhoramento a partir da soberba, também chamado de libido dominandi. Portanto, a risada é uma tríplice manifestação infernal.

§ 4

Além disso, no antigo oriente, era comum se expressar sentimentos e/ou emoções na alma através de sons vocálicos, bem como através de ironias elogiosas (deboche ou escárnio); por exemplo, o salmista afirma que os ímpios, aqueles que tem a alma dominada por vícios, dão ganidos como cães (cf. Sl 59.6); e outro exemplo, o salmista evoca o escárnio de seus inimigos que era expresso de dois modos (cf. Sl 70.3): primeiro, com uma ironia elogiosa (no caso aqui, escárnio), tal como “muito bem”, “bom”, etc., mas no sentido de escárnio, não de elogio sincero; segundo, através da risada. Ora, se tem várias formas de risada; e qualquer forma de risada, seja por som vocálico, por escárnio, por escrito, etc., de maneira formal ou informal, é manifestação infernosa.

§ 5

Ademais, se fala da risada como expressão de luxuria, manifesto nos desejos insanos pelo que é de outrem; na verdade, a Escritura fala dos homens (e mulheres) que adulteravam em bandos, e manifestavam a luxuria rinchando cada um à mulher de seu próximo (cf. Jr 5.7-8), ou seja, o riso é expressão de desejo desordenado e de desejo movido pelo demônio; ora, isto demonstra que a risada é demonstração de luxuria, bem como também pode ser manifestação de desejo pelo que pertence a outrem.

***

Ora, estas são algumas nótulas evocadas a mais a respeito da risada; espero que, em concórdia com outros escritos sobre este assunto, sirva para aclarar ainda mais este tema importantíssimo, e que confute as imbecilidades que foram afirmadas a este respeito.

θεῷ χάρις


17/10/2025

Pedância e Uniteralidade no Dogma da Supremacia Papal

I

[No que concerne a verdadeira religião]

Schleiermacher houvera afirmado que a religião é inimiga jurada de toda pedância e de toda uniteralidade[1]; portanto, a religio vera, a verdadeira religião é inimiga da pedância e da uniteralidade; onde há pedância e uniteralidade não há verdadeira religião, e vice-versa.

Na verdade, a piedade, a verdadeira piedade, o caminho da verdadeira divinização é o oposto total de pedância e uniteralidade; por isso, a pedância e uniteralidade são o caminho da infernização.

Ora, desde o início do séc. XIX, o que mais tem havido na religião é justamente pedância e uniteralidade; logo, aquilo que mais tem dito ser de religião é o que menos tem de religião; além disso, se há pedância, então há arrogância e/ou charlatanismo (ou usurpação); e se há uniteralidade, então há jactância e/ou presunção.

Assim, se somatizou à religião algum princípio e/ou perspectiva inconsciente que tornou a própria religião a pior caricatura de si mesma, tornando as expressões religiosas em “concurso” de pedantes e de unilaterais. E religião com pedância e uniteralidade é pasto de demônios.

E por que? Porque a pedância e a uniteralidade são manifestações da vanglória; e, como afirmara São Máximo o Confessor: “Quer seja destruída, quer permaneça, a vanglória engendra o orgulho. Se ela é destruída, suscita a presunção; se permanece, suscita a jactância[2]; ora, como a vanglória manifesta-se em pedância e uniteralidade, então, se se destrói a vanglória, fruto do orgulho, será suscitado a presunção, e se permanece a vanglória, que gesta o orgulho, será suscitado a jactância. E, ambos os casos é manifestação de soberba.

Por isso, a pedância e uniteralidade gestam presunção e jactância, seja em relação a si seja em relação a outrem; aliás, onde há orgulho há obra demoníaca; o orgulho, seja manifesto em qual forma for, sempre é evidência da obra de Satanás; pois, a obra de Satanás é germinar, cultivar e gestar o orgulho, para que através dele possa dominar as ações humanas.

Com isso, se constata que a religião que provém de Deus e que é pura e imaculada (cf. Tg 1.26-27), é a que talhada na humildade e auto-consciência da dependência de Deus; entretanto, a religião que provém dos demônios e que é impura e maculada, é a que talhada na pedância e na uniteralidade; portanto, a religião verdadeira diverge da religião falsa dado sua proveniência e suas propriedades inerentes.

Ora, sendo esta a simples distinção entre a verdadeira religião e a falsa religião não se torna difícil constatar e averiguar onde se tem verdadeira religião e onde se tem falsa religião; os frutos demonstram, de maneira irrefutável, se se é de Deus ou de Satanás. “Por seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16a), ensina o Senhor Jesus Cristo ao exortar cautela contra os falsos profetas; e o mesmo deve ser aplicado ao se averiguar e constatar se a religião é verdadeira ou falsa.

II

[A pedância e a uniteralidade em dogmas anti-patrísticos]

Ao se procurar averiguar esta questão, se tem um meio de buscar compreender se a verdadeira religião não fora desfigurada e/ou se tornara em falsa religião; e este meio é analisar e elucubrar sobre a proclamação dos dogmas, principalmente dos dogmas proclamados no segundo milênio da era cristã; pois, a pedância e a uniteralidade se tornam manifestos na proclamação de dogmas anti-bíblicos e anti-patrísticos.

E no segundo milênio, a cristandade latina acoplou muitos dogmas anti-bíblicos e anti-patrísticos; na verdade, por serem anti-bíblicos são anti-patrísticos e por serem anti-patrísticos são anti-bíblicos; e não só no catolicismo romano, o próprio protestantismo que arrolou o sofisma de princípio de que mantinha-se somente na Escritura, também inventou vários dogmas estranhos a fé apostólica e contradizentes ao testemunho dos Santos Padres, conquanto no protestantismo não tenham adquirido formalidade dogmática como no catolicismo, mas os erros são tão heréticos quanto.

Outrossim, é que na cristandade latina, em suas crises inerentes, as mais das vezes, sempre desemboca em alguma tentativa de acrescentar algo a mais, seja na Sagrada Escritura seja na tradição imutável da fé; sempre alguém, arrolando alguma nova forma de revelação, de maneira direta ou de maneira indireta, busca acrescentar alguma novidade demoníaca para desfigurar e corromper a fé apostólica; os chamados “ventos de doutrina” de que fala o Apóstolo (cf. Ef 4.14).

Portanto, se pode observar duas classes de dogmas anti-patrísticos na cristandade no segundo milênio, a saber: (a) em dogmas proclamados formalmente; e, (b) em práticas dogmais instauradas informalmente.

Analisemos estes dois aspectos.

a. Em dogmas proclamados formalmente.

Aqui se tem em vista principalmente o catolicismo, já que o protestantismo após os documentos confessionais dos sécs. XVI e XVII, não teve mais dogmas proclamados formalmente, pelo menos não do ponto de vista puramente dogmático.

Assim, se constata os seguintes dogmas proclamados pelo catolicismo que contradizem a tradição escriturística e a tradição patrística: (1) o filioque; (2) o dogma da imaculada conceição; (3) o dogma da supremacia papal; etc.

Estes são alguns dos dogmas proclamados formalmente, mas que são anti-patrísticos, que são contrários a fé da Igreja desde sua constituição por Cristo.

b. Em práticas dogmais instauradas informalmente.

E quanto as práticas dogmais instauradas informalmente, se tem de fazer uma distinção entre as práticas dogmais no catolicismo e no protestantismo.

[No catolicismo] Eis algumas práticas dogmais instauradas informalmente no catolicismo: (1) a devoção ao sagrado coração de Jesus, que depois se tornou em prática formal, e aqui acopla também outros tipos de devoção que são heréticas segundo a fé dos Santos Padres; (2) a perversão do senso estético na vida eclesial e, por consequência, na vida extra-eclesial, seja em qual das artes for; (3) a destruição da liturgia verdadeira em função da aceitação cada vez maior de abusos litúrgicos; etc.

[No protestantismo] Eis algumas práticas dogmais instauradas informalmente no protestantismo: (1) a vontade do pastor, sacerdote ou líder, como uma espécie de gnose revelacional; (2) a perversão da autoridade da Sagrada Escritura, mesmo que se afirme constantemente o sola Scriptura; (3) a total perversão da sagrada liturgia por cultos e/ou reuniões emocionalistas que destroem a inteligência e putrificam a vontade; (4) a discórdia e a rebeldia como características inerentes a falta da verdadeira doutrina apostólica e a falta da verdadeira disciplina apostólica; (5) a aceitação deificatória de práticas que são totalmente contra os preceitos morais; (6) a destruição do verdadeiro sacerdócio com a ordenação de mulheres como “sacerdotisas”; etc.

[...]

Deste modo, se tem a partir destas breves descrições um panorama geral de dogmas anti-patrísticos instaurados na cristandade latina, que pervertem o senso da fé verdadeira e corroem sua imutabilidade manifesta de maneira ininterrupta durante a história; os dogmas anti-patrísticos da cristandade latina são expressão inconcussa de pedância e uniteralidade.

E os que aqui foram evocados são apenas um simples escopo de toda esta corrupção doutrinária e, por conseguinte, de toda a corrupção moral que disto emana.

III

[A pedância e a uniteralidade no dogma da supremacia papal]

Ora, em específico, se estabeleceu analisar mais propriamente a pedância e a uniteralidade no dogma da supremacia papal.

A ideia da “supremacia papal” é algo estranho a fé apostólica; por exemplo, São Gregório Magno afirma que se um bispo atribuir a si a supremacia universal, então é precursor do anticristo[3]; etc.

Na verdade, isso começou mais propriamente a ser propugnado de maneira mais incisiva a partir de Gregório II, o bispo de Roma que ao invés de seguir a palavra de Cristo: “Tu és Pedro”, seguiu outro dito, a saber: “Tu és César”; e isso tomou forma final com o “Dictatus Papae” de Gregório VII, no qual se estabeleceu a supremacia papal absoluta; isso abriu o caminho para a proclamação muito depois do dogma da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I, que em suma é um resquício nada tímido do documento de Gregório VII; etc.

Na verdade, a ideia da supremacia papal é toda ela abalizada a partir do documento de Gregório VII; e Dante afirma que Gregório VII ao chegar no céu e descobrir que estava errado, de si mesmo riu[4]; e realmente a ideia da supremacia papal como por ele fora propugnado, e depois aceito em toda a cristandade latina, se for aferida pela autoridade da Sagrada Escritura e pela autoridade da Sagrada Tradição, é algo irrisório.

A verdadeira experiência de Deus evidencia isso de maneira inconcussa; e o próprio Hildebrando, na descrição dantesca, descobriu isso ao chegar no céu.

Assim, o dogma da supremacia papal é pedância porque, (1) atribui uma autoridade que o próprio Deus nunca atribuiu aos apóstolos; (2) porque é uma busca por vanglória, pela glória deste mundo, o que contradiz o princípio bíblico da autoridade eclesiástica; (3) porque é a aceitação de uma glória mundana, de um “sucesso” mundano, que vitupera a verdadeira honra e dignidade da sucessão apostólica; (4) porque ao se evocar uma supremacia absoluta, se busca concorrer com o próprio Cristo, pois a supremacia absoluta só pertence a Cristo e não aos sucessores dos apóstolos ou a qualquer líder neste mundo; (5) porque a transmogrifação do conceito de autoridade, nas coisas espirituais, ocasiona secularização, seja em relação ao sagrado seja em relação a própria secularidade; etc.

Além disso, o dogma da supremacial papal é uniteralidade, (1) porque põe um princípio unilateral, enquanto na verdade tal princípio, no âmbito da vida eclesial, é sinfônico ou multilateral; (2) porque expressa a “vontade de poder” temporal que se encarna na sucessão apostólica desfigurando-a de seu propósito espiritual; (3) porque evidencia inconcussamente a comutação do império romano de temporal em espiritual; (4) porque transmuta a proclamação do Santo Evangelho em práticas ideológicas em vista apenas de propósitos políticos; (5) porque torna a sucessão apostólica subserviente a líderes com poderes de mando que acabam por “mandar” na esfera eclesial; etc.

Portanto, o dogma da supremacia papal é evidência de pedantismo e uniteralidade, o que torna a própria religião cristã desfigurada; além, obviamente, de contradizer plenamente o princípio bíblico e a Sagrada Tradição, estando em contrariedade a fé apostólica e em contrariedade a fé dos Santos Padres.

Por isso, se rejeita completamente este dogma, tanto do ponto de vista da exegese escriturística quanto do ponto de vista da tradição dos Padres da Igreja, bem como se rejeita o dogma da supremacia papal a partir do escrutínio da reta razão.

Assim sendo, não há como haver união com a Igreja de Roma, o catolicismo, posto este dogma, e outros, estarem completamente contrários a fé apostólica e a fé patrística; e como a fé verdadeira está em concórdia com o testemunho dos apóstolos e de seus sucessores, e como tal fé não tem em si a ideia da supremacia papal, então cumpre a fé verdadeira a rejeição do dogma da supremacia papal.

Ademais, se coloca contra este dogma a partir destas simples descrições sem muitas citações das Escrituras e dos Padres da Igreja, a fim de que se clarifique que este dogma é tão errôneo, que uma simples análise e descrição racional é suficiente para demonstrar a heresia terrível que se entranhou em tal dogma no âmbito da cristandade latina. 



[1] cf. Friedrich Schleiermacher, Sobre a Religião [São Paulo: Fonte Editorial, 2002], pág. 41-42.

[2] São Máximo o Confessor, Capítulos sobre o Amor, 3ª centúria, cap. 61.

[3] cf. São Gregório Magno, Epistolarum, livro VII, epístola XXXIII.

[4] cf. Dante, A Divina Comédia, Paraiso, Canto XXX, 134-135. 


12/10/2025

Sobre o Comentário a Nietzsche

A filosofia de Nietzsche possui singularidade no templo da filosofia; e embora não seja propriamente um discípulo de Nietzsche, tenho alta estima por Nietzsche; confesso minha predileção por Nietzsche em relação a quase todos os filósofos da modernidade; não evoco aqui minha grandíssima estima e admiração por Platão e Aristóteles, o que por si já está clarividente em outros escritos, pois esses são superiores a Nietzsche, agora quase todos os outros não; aliás, se se perguntar se no séc. XX tem algum filósofo maior ou tão grande como Nietzsche, apenas dois nomes seriam colocados em voga: Husserl e Lavelle.

Além disso, ao ler a filosofia moderna, desde o renascimento até as obras mais atuais de filosofia, constatei que Nietzsche é muito melhor e muito mais adequado do que Descartes, Voltaire, Kant, Hegel, Heidegger, Sartre, Foucault, e cia.

E, embora a obra de Nietzsche tenha a suma dificuldade do método utilizado, a ínvia metodologia dialética utilizada de maneira originalíssima por Nietzsche, se sobrelevar a esta dificuldade é garantia de compreensão de uma das mais belas filosofias; o fulgor da filosofia de Nietzsche esconde-se por detrás da carranca dialética da crítica aguda.

E, digo mais, no templo de filosofia, Husserl admitiria Nietzsche a entrar e a sentar-se logo atrás de Platão e Aristóteles; e digo isso em honra a Nietzsche, sem nenhum exagero; Nietzsche é digo de estar no templo da filosofia, enquanto muitos filósofos mais badalados e mais estudados pela classe universitária não o são; pois, Nietzsche é muito citado, mas muito pouco compreendido; é muito ideologizado, mas muito pouco eficazmente utilizado.

Por isso, considero de suma importância a correta explicação de Nietzsche; aliás, é uma das maiores necessidades da filosofia contemporânea; e poucos são o que fizeram isso de maneira adequada; tendo isso em vista, resolvi escrever sobre a filosofia de Nietzsche; e isto de três maneiras: primeiro, em artigos e ensaios sobre aspectos da filosofia de Nietzsche; segundo, num livro sobre a filosofia de Nietzsche, seguindo o exemplo de Eugen Fink; terceiro, explicar as obras de Nietzsche, através de comentários que possam ser lidos em concórdia com a leitura das obras do próprio Nietzsche.

E em relação a estes três aspectos, iniciarei pelo primeiro e pelo último, com escritos sobre a filosofia de Nietzsche e com comentários as obras de Nietzsche; e ao fazê-lo, aproveito também para fornecer um quadro geral da filosofia de Nietzsche, a fim de compreender realmente o que Nietzsche fizera como filósofo; e a medida da explicação de cada obra de Nietzsche, se tornará mais fácil de se entender no que realmente consiste a filosofia de Nietzsche, e assim se ter uma introdução adequada para poder escrever de modo adequado um livro sobre a filosofia de Nietzsche.

Pois, no sentido correto, uma análise da filosofia de Nietzsche não seria fácil de se entender; por isso, ao ter estes escritos antes de uma análise mais aprofundada, é de fundamental importância, não só para abalizar o que será apresentado nesta análise, mas também para se ter outros instrumentos, disponíveis a todos quantos tiverem algum interesse, sobre o todo da filosofia de Nietzsche.

§ 1. A Estrutura da Obra de Nietzsche.

Ora, em primeiro lugar se apresenta um quadro incompleto da obra de Nietzsche, no qual se tem se tem a filosofia de Nietzsche de acordo com o seu desenvolvimento linear; não são evocadas todas as obras, mas as principais; pois, os outros escritos de Nietzsche estão de uma forma ou de outra ligados a estes; e para compreender isso, é só acoplar os escritos de mesmo assunto ou de data próxima, aos escritos que estão dispostos neste quadro.

Assim, eis a estrutura formal da filosofia de Nietzsche:

α. A PERSPECTIVA FILOSÓFICA.

I. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos (1873).

II. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral (1873).

III. Considerações Extemporâneas (1873/74).

β. A FILOSOFIA, EXERCÍCIO DOS ESPÍRITOS LIVRES.

IV. Humano, Demasiadamente Humano (1878-80).

V. Aurora (1880/81).

VI. A Gaia Ciência (1881/82).

γ. AS CAUSAS E AS CONSEQUÊNCIAS DA CRISE DA HUMANIDADE.

VII. Assim Falou Zaratustra (1883/85).

VIII. Para Além do Bem e do Mal (1885/86).

IX. A Genealogia da Moral (1887).

δ. A SOLUÇÃO PARA CRISE, A FILOSOFIA CRÍTICA.

X. Crepúsculo dos Ídolos (1888).

XI. O Anticristo (1888).

XII. Ecce Homo (1888).

XIII. A Vontade de Poder (póstumo).

Esta é a estrutura formal da obra de Nietzsche, de acordo com a ordem que ele desenvolvimento sua filosofia, num período de cerca de 15 anos (1873-1888); embora o pensamento de Nietzsche não reduza apenas a este período, é neste período que sua maturidade filosófica se cristaliza e toma forma final; e conquanto tenha sofrido vários revezes com a saúde e problemas outros, a filosofia de Nietzsche atingiu uma completude nestas obras; não uma completude total, mas uma completude concernente a um verdadeiro filósofo.

Por isso, de suas análises sobre o espírito na música, dos primeiros filósofos, até sua autobiografia filosófica (Ecce Homo), Nietzsche conseguiu dispor tudo aquilo que entendeu como seu propósito como filósofo; e, ao fim da vida preparou sua magnus opum, que ficou incompleta, a “Vontade de Poder”, sua melhor obra, a mais enigmática, a mais genial e a mais profunda; esta é a summae de Nietzsche; do mesmo como na teologia se afirma que as summae ficam incompletas, na filosofia também: as maiores obras geralmente ficam incompletas e inconclusas.

E nesta obra Nietzsche desvendou e desvelou os mistérios que dominam a cultura moderna, e os explicou; embora seja uma obra dificílima, e tenha ficado incompleta e em grande parte fragmentária, com esta obra Nietzsche atingiu seu verdadeiro propósito como filósofo; e a estrutura formal da obra de Nietzsche termina justamente neste livro, que deve ser a última obra de Nietzsche a ser lida, posto ser a mais dificultosa de suas obras.

Assim, se constata que Nietzsche concluiu sua obra como filósofo; e devemos dar a graças a Deus por isso; pois, ele conseguiu tornar clarividente o que ninguém conseguiu ver e compreender, a “vontade” que move o inconsciente cultural, e que passou a dominar todos os homens inconscientemente; por isso, a compreensão sobre a estrutura formal da obra de Nietzsche fornece um panorama da crise que assola os homens na modernidade, que se tornou mais aguda e abrupta na contemporaneidade, isto é, depois das guerras mundiais. 

§ 2. A Ordem do Comentário a Nietzsche.

Embora, a estrutura da obra de Nietzsche, inclusive para a análise da mesma, esteja disposta na estrutura evocada acima, para uma melhor compreensão da obra de Nietzsche se deve seguir em outra ordem; pois, como para compreensão se deve ir do mais fácil ao mais difícil, então, se procurará fazer o mesmo com relação a obra de Nietzsche; e conquanto a dificuldade das obras de Nietzsche, num geral, tenha o mesmo grau de dificuldade, ao propor uma ordem para análise e compreensão, se compreenderá melhor o que Nietzsche fizera como filósofo.

Pois, Nietzsche não desenvolvera uma filosofia sistêmica; como se sabe ele tinha grande aversão por filosofia sistêmica; então ele foi escrevendo, e a medida que aparecia um problema ele escrevia e procurava apresentar uma solução a este problema; por isso, a ordem que ele publicou os escritos não está exatamente numa ordem sistemática; a ordem de análise proposta aqui tem justamente este propósito identificar a linha orgânica de pensamento de Nietzsche e explicá-la.

Por isso, para quem quer compreender a Nietzsche, se aconselha a seguir esta ordem e não a estrutura evocada acima; embora, após concluir o comentário a estas obras eles devam ser dispostos na estrutura que evoquei acima, a da estrutura formal, mas para o entendimento inicial se aconselha a seguir esta ordem abaixo.

Assim, eis a estrutura orgânica da filosofia de Nietzsche:

α. A CRÍTICA COMO FORMA DE ANATOMIA DAS CAUSAS DA CRISE.

I. Ecce Homo (1888).

II. Crepúsculo dos Ídolos (1888).

III. O Anticristo (1888).

β. A FILOSOFIA DA CRISE.

IV. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral (1873).

V. Considerações Extemporâneas (1873/74).

VI. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos (1873).

γ. O FILÓSOFO DIANTE DA CRISE.

VII. Humano, Demasiadamente Humano (1878-80).

VIII. Aurora (1880/81).

IX. A Gaia Ciência (1881/82).

δ. A FILOSOFIA DO PORVIR.

X. Assim Falou Zaratustra (1883/85).

XI. Para Além do Bem e do Mal (1885/86).

XII. A Genealogia da Moral (1887).

ε. O DESVELAR DO MOTIVO-BASE DA CULTURA.

XIII. A Vontade de Poder (póstumo).

Agora, se observe algo, a saber, que a ordem de análise está em concórdia com a disposição das obras, apenas com a perspectiva da estrutura orgânica diante do todo da filosofia de Nietzsche; embora as obras estejam dispostas em forma diversa, é nesta ordem que o núcleo da filosofia de Nietzsche se desenvolve. No § acima, se tem a estrutura formal da obra de Nietzsche, neste § se tem a estrutura orgânica da obra de Nietzsche; e ambos estão em inter-relação, e que se saiba corretamente integrá-las.

Na verdade, se deve entender a obra de Nietzsche de acordo com esta estrutura orgânica, e depois acoplar tal entendimento na estrutura formal; assim sendo, se seguirá esta ordem na publicação dos comentários a obra de Nietzsche, ao mesmo tempo em vista esta dialógica entre a estrutura formal e a estrutura orgânica; se se conseguir compreender adequadamente o que Nietzsche escrevera, então, se entenderá corretamente o que concerne a esta dialógica, imprescindível para se entender Nietzsche.

***

Deste modo, ao se colocar em pauta a explicação das obras de Nietzsche, suas principais obras, diga-se de passagem, que não serão comentários muito profundos, senão seriam necessárias milhares de páginas para explicar cada um destes livros de maneira aprofundada; especificamente, meu objetivo não é esse, até porque seria algo inalcançável.

Todavia, meu objetivo é fornecer as chaves de leitura e as explicações basilares para se entender o que Nietzsche fizera e porque fizera, a fim de que num futuro, talvez não muito distante, se possa ter os instrumentos necessários para se extrair os ensinamentos de Nietzsche e entendê-los corretamente.

E quando isso ocorrer de maneira correta, certamente se retirará os epítetos de ateu, anti-cristão, anti-cristianismo de Nietzsche; e, se poderá constatar, em consonância com outros escritos, que Kant e Hegel são muito mais ateus do que Nietzsche; Kant e Hegel são satanazes, enquanto Nietzsche é um homem, um simples ser humano que não temeu refletir criticamente sobre todos os assuntos, ao mesmo tempo em que submeteu conscientemente Àquele que lhe era Superior, a saber, Cristo. Isto certamente causará espanto em todos, mas essa é a verdade sobre Nietzsche.

E que este projeto que aqui é evocado seja concluído, a fim de que o Senhor Jesus Cristo seja glorificado através de doutrinas, e aqui na explicação da filosofia de um homem que lhe estimou profundamente mesmo estando longe da religião; com fé em Seu auxílio, e confiante de Sua graça para levar a cabo tal projeto, concluo esta nótula informativa sobre o comentário a Nietzsche.

θεῷ χάρις


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