05/11/2025

O Modo Dialético de Pensar

A maneira dialética de pensar, ou o modo dialético de pensar, é o pior dos males que atinge os homens modernos, os homens crepusculares, os homens do crepúsculo do pensamento ocidental; pois, ao se instaurar o modo dialético de pensar, e sendo isto instaurado nos seres humanos, a consequência direta fora a desintegração da mente; os homens modernos são, em primeira instância, homens com a mente desintegrada; e as consequências disso são tão terríveis e tão abruptas que no todo são indescritíveis. Em suma, e quase sem exceção, isso define a vida do homem moderno.

Portanto, ao se buscar compreender no que consiste o modo dialético de pensar, se deve entender que desde que Hegel instaurou seu domínio no “eu” da cultura, a cultura e todas as suas expressões passaram a emanar e a impregnar tudo e todos com o modo dialético de pensar; isto se entranhou de modo tão profundo que chegou ao ponto de quase não se ter possibilidade de se aperceber ou de se compreender a loucura total que é instaurada pelo modo dialético de pensar.

Mas, como isso se entranhou? Simples, pela transmissão do modo dialético de pensar instaurado por Hegel, e que foi inoculado através do “eu-poético” da cultura, o qual permeia todas as manifestações da inteligência em determinado povo ou sociedade, ou num geral, em todos os povos e em todas as sociedades; ou seja, é transmitido tanto no particular quanto no universal.

E como isso se transmite? Ora, isso se transmite, como afirmara Olavo de Carvalho, “por impregnação passiva de hábitos, de símbolos, de reações emocionais, de giros de linguagem, sem necessidade de aprendizado consciente nem possibilidade de filtragem crítica”; assim, as manifestações culturais, tais como livros, cinema, filmes, novelas, desenhos, redes sociais, etc., são utilizadas como instrumentos para impregnar o modo dialético de pensar; e quanto mais influência tem algum destes meios, o mesmo se torna em instrumento mais eficaz para impregnar o modo dialético de pensar.

E isso se constata pelo fato de que, após isso se instaurar, em quase todas as manifestações culturais não se tem aprendizado consciente e nem filtragem crítica de certo ou errado (no sentido da verdade) e nem filtragem crítica do que pode ou não pode (no sentido da moral); ou seja, não se tem mais verdade e nem moralidade; a verdade se torna em mentira, e a mentira se torna em verdade; o errado se torna certo e o certo se torna errado; a moral se torna em imoralidade e a imoralidade se torna em moral; etc.

Deste modo, se faz necessário compreender de maneira mais específica no que concerne e quais as consequências do modo dialético de pensar e como ele perverte e subverte totalmente o funcionamento da mente, tornando os seres humanos em seres irracionais, e sujeitando-os aos ímpetos da vontade de poder da ideologia dominante. Pois, um indivíduo com mente desintegrada é apenas um idiota útil para a ideologia dominante.


I


A primeira e mais fundamental definição para se compreender as consequências terríveis do modo dialético de pensar, é compreender o modo como a mente funciona; pois, para se compreender a desintegração da mente a partir do modo dialético de pensar se deve entender como a mente funciona, para com isso se compreender as consequências da falsa dialética na mente.

Ora, existem dois modos de compreender como a mente funciona - e mente aqui como signo para designar todo o cérebro -, a saber: primeiro, a partir da compreensão sobre a consciência; segundo, a partir da compreensão sobre o intelecto.

1. Primeiro, a partir da compreensão sobre a consciência; ora, a mente se subdivide em duas partes, ou dois lados: a primeira é a consciência; a consciência, em suma, é a consciência-de-si (não no sentido hegeliano), isto é, é quando o indivíduo toma consciência de si, de quem é; e a consciência ou reflexiona uma vida integrada ou uma vida desintegrada; por isso, a consciência é a porta de entrada para a formação da personalidade, bem como é a chave para a lucidez, tanto em relação a si quanto em relação ao outro; é na consciência que se atina a formação da personalidade, da vida integrada e da lucidez diante da realidade.

Outrossim, é por esta razão que a Sagrada Escritura, por exemplo, fala daqueles que tem a consciência cauterizada (cf. 1Tm 4.1-2), isto é, daqueles que estando despersonalizados por causa de lutarem contra a lei da consciência, desintegram a própria vida, prostituem a personalidade, e ficam totalmente dementes ou retardados quanto a realidade (embora, na maior parte das vezes não são tidos como doentes mentais); assim, existe o perigo da consciência ser estrupada por vários meios, os quais acabam por cauterizar a consciência e impedir que a mesma funcione corretamente.

Portanto, a primeira parte da mente, ou o primeiro lado do cérebro, é a consciência; e primeiro também no sentido de importância; pois, somente com a consciência desperta e consciente de si, é que o “eu” se forma de modo racional e integrado; do contrário, a personalidade se sujeita a todo tipo de prostituição, desfigurando-a; na verdade, a consciência só se atina ao se encontrar com a realidade tal como a mesma é, sem lentes ideológicas; com isso, a consciência que é consciente de si, se torna consciente do outro, e de que está indubitavelmente diante do Totalmente Outro (Deus); e ao se tornar assim, a consciência passar a sentir e a assentir corretamente (isto é, o sentimento consciente e o assentimento consciente se atinam de maneira sóbria ao que é verdadeiro e ao que é bom).

Ademais, a consciência se desenvolve plenamente e sobriamente, a partir da experiência real, da experiência com a realidade, e a medida do auto-conhecimento; só quem se conhece, se sabe, é que desenvolve a consciência-de-si; a lógica que permeia a consciência não tem a ver com mecanismo de raciocínio, tal como no intelecto, mas com o funcionamento sóbrio e em tudo consciente; e consciência-de-si diante da presença do Ser, o qual abaliza a consciência e a torna participe em toda a realidade como parte da própria realidade.

Por isso, a consciência é consciência desenvolvida quando tem consciência-de-si, diante de si, do outro, do mundo e de Deus; e quando tem consciência de si, do outro, e de que está na presença de Deus, desenvolve as propriedades da autoconsciência. Ou mais propriamente, nisto concerne o desenvolvimento pleno da autoconsciência.

A consciência, portanto, funciona de maneira circular e “cíclica” de acordo com esta estruturação, que se cristaliza na dialógica entre a síntese formal e a síntese real a partir da experiência com a realidade; e esta experiência é o que abaliza o desenvolvimento do intelecto.

2. Segundo, a partir da compreensão sobre o intelecto; ora, a segunda parte da mente é o intelecto; e o intelecto é o que abstrai a experiência da realidade, a partir da consciência, e dá forma adequada a esta experiência de acordo com o funcionamento do próprio intelecto; o intelecto tem três operações fundamentais: a abstração dos indivisíveis, ou simples intelecção; a abstração dos divisíveis, ou a demonstração, ou o compor e o dividir; e o raciocínio. Estas três operações são o fundamento da lógica; por isso, a lógica é expressão da coesão de raciocínio, o que por sua vez é a demonstração da continuidade de uma personalidade bem formada; etc.

Com isso, o intelecto funciona de maneira lógica; a ilogicidade e a irracionalidade são parte do mal-funcionamento ou da obstrução do intelecto; portanto, o que a consciência experiencia da realidade, o intelecto entende e compreende; a autoconsciência só é plena, quando é autoconsciência entendível e explicável; assim, existe uma estreita e indissolvível relação entre a consciência e o intelecto, já que a consciência abstrai a experiência, e o intelecto compreende logicamente esta experiência; deste modo, o funcionamento do intelecto se dá a medida que a consciência se desenvolve, e vice-versa.

Ademais, a natureza do intelecto, ao assentir da consciência a experiência real, torna o intelecto como um todo aperfeiçoável através do estudo e da constante atividade intelectiva; a própria alma como um todo se descobre a si mesma pelo estudo, como afirmara corretamente Alberto Magno; e este estudo, sendo expressão da experiência real, atina o intelecto para suas verdadeiras funções, não somente a compreensão intelectiva ou intelectual, mas à vida na virtude, o verdadeiro fim do saber, o qual demonstra o fim teleológico da vida humana, a vida feliz.

Portanto, o sóbrio funcionamento do intelecto conduz a felicidade natural; por esta razão, o Filósofo houvera afirmado que os homens naturalmente tendem ao saber (cf. Met. 980a22); pois este tender, é o tender à felicidade natural, adquirida mediante a compreensão de si através do desenvolvimento do lume da luz interior, já que a perfeição natural da alma se alcança através do desenvolvimento do intelecto.

Outrossim, é que o intelecto existe para que o homem conheça a si mesmo no que naturalmente pode conhecer, e assim, ascenda aos graus de compreensão sobre os objetos mais perfeitos, dos entes finitos até o Ente Infinito.

O intelecto, portanto, funciona de maneira tríplice, atinando a compreensão sobre as outras partes da alma, as quais são compreendidas e estão em ordem a relação consciência-intelecto; portanto, o que não está em conformidade com as três operações do intelecto não condiz com a reta razão, ou seja, é irracionalidade. E a irracionalidade destrói o propósito da vida feliz, pois a irracionalidade é o brado de vitória de Satanás ao efetivar, por qual meio for, o impedimento da razão.  

[...]

Ora, a mente sóbria se dá no funcionamento correto tanto da consciência quanto do intelecto; o funcionamento consciência-intelecto é o funcionamento da mente; portanto, se houver alguma desfuncionalidade, seja na consciência seja no intelecto, haverá desfuncionalidades nas atividades mentais; e isto tanto em graus menores quanto em graus maiores. Por isso, mente funcionamento sobriamente é evidência de saúde mental, enquanto as desfuncionalidades nas atividades mentais são evidência de morbidade na alma.

Assim sendo, se deve ponderar e elucubrar sobre toda e qualquer prática e/ou doutrina também no sentido de esquadrinhar se a mesma está em conformidade com a realidade e com o modo da mente funcionar; pois, a instauração de uma prática e/ou doutrina irreal ocasiona obstrução na mente, tanto na consciência quanto no intelecto.

Portanto, como a função da mente é funcionar tal como tem de funcionar, o que por si é óbvio, se assim não ocorre, há de se averiguar quais as consequências do não-funcionamento da mente, para se compreender quais as causas do não-funcionamento da mente.

Aliás, que se saiba que o não-funcionamento da mente também é chamado, em sentido tomasiano, de impedimento da razão ou impedimento da mente. Por isso, o que não está em ordem ao funcionamento da consciência ou do intelecto, ocasiona ou mantém o não-funcionamento da mente ou o impedimento do uso da razão.

Por isso, práticas e/ou doutrinas irracionais pavimentam o piche da irracionalidade na mente, tornando-a sujeita aos tentáculos do impedimento da razão; na verdade, irracionalidade deliberada e consciente é evidência do não-funcionamento da mente.

E com isso o que passa a valer para o indivíduo não é mais o que é verdadeiro e bom, mas o que está em conformidade com os gostos pessoais; e uma vez que a mente está infuncional, os gostos pessoais irracionais serão expressão inconcussa de doença na consciência e de doença no intelecto; não existe gosto pessoal racional que contradiga a própria lei da consciência ou as operações do intelecto, mas gosto pessoal irracional é luta de morte contra a lei da consciência e o erguimento de trincheiras contra as operações do intelecto.

Assim, se se tem gosto pessoal irracional, então o que há na verdade, é o estabelecimento na mente de uma muralha que impede a razão de funcionar; e os defensores mais ferrenhos desta muralha são os demônios.

 

II

 

A maior das artimanhas, ou o mais eficaz dos instrumentos, para instaurar o não-funcionamento da mente é o modo dialético de pensar, estabelecido por Hegel a partir de seu sistema da ciência; embora a raiz do modo dialético de pensar esteja em Hegel e seja da mais alta dificuldade de se compreender, se deve compreender o modo dialético de pensar por suas consequências, não tanto por suas diretrizes; pois, as diretrizes filosóficas no sistema da ciência são ínvias, enquanto que os modos de instaurar o modo dialético de pensar são mais fáceis de serem compreendidos.

Deste modo, para uma melhor compreensão do modo dialético de pensar a partir dos modos de instaurá-lo, se estabelece três axiomas anatômicos: primeiro, os princípios para se instaurar o modo dialético de pensar; segundo, as perspectivas para se instaurar o modo dialético de pensar; terceiro, os instrumentos para se instaurar o modo dialético de pensar.

1. Primeiro, os princípios para se instaurar o modo dialético de pensar; a primeira coisa que Hegel efetua para instaurar o modo dialético de pensar é a transmutação dos princípios; pois, muda-se os princípios, muda-se o modo de inteligir; assim, se se cria princípios não-reais se vai inteligi-los e não se vai desenvolver a inteligência, que só se desenvolve ao inteligir princípios reais; e como os princípios não-reais escondem dentro de si uma mão-invisível, então quem os intelige sem compreender que são não-reais se sujeita a manipulação desta mão dentro do próprio intelecto; ou mais propriamente para compreender melhor esta simples analogia: se torna como uma marionete.

Além disso, a transmutação dos princípios muda a ordem dos princípios, isto é, desfigura a ordem de eminência e a ordem de dependência dos princípios reais; se se muda esta ordem, então os princípios mais importantes não serão valorados, enquanto que as coisas não-importantes se tornarão em coisas importantes; e isso se aplica a tudo; com isso, a transmutação dos princípios afeta desde o funcionamento do intelecto, até as decisões diárias dos seres humanos; e a loucura que emana da desordem causada pela transmutação dos princípios permeia, sem exceção, toda a sociedade; a transmutação dos princípios gera uma loucura de valores, ou inversão de valores, em toda a sociedade.

Por isso, se há a transmogrifação dos valores, o ocorrerá as seguintes loucuras: o que é certo passa a ser errado e a ser chamado de errado, e o que é errado para a ser certo e a ser chamado de certo; bem como a mentira passa a ser a verdade e ser chamada de verdade, e a verdade passa a ser mentira e a ser chamada de mentira; etc.

Enfim, essa é a raiz da inversão de valores da sociedade moderna, uma raiz tão profunda que tem causas espirituais cimentadas pela apostasia.

2. Segundo, as perspectivas para se instaurar o modo dialético de pensar; a segunda coisa que Hegel efetua para instaurar o modo dialético de pensar é a transmutação das perspectivas; pois, se se muda os princípios, então se mudará as perspectivas; ora, o modo da transmutação dos princípios, será o modo da transmutação das perspectivas; e se a transmogrifação dos princípios gera inversão de valores, a transmogrifação das perspectivas gerará supressão dos valores.

Por isso, a inversão de valores gera esquizofrenia sócio-cultural, enquanto que a supressão dos valores induz a criação de uma nova ordem de valores, totalmente distinta dos valores reais da vida (ou verdades eternas); além disso, a supressão dos valores criará a repressão da virtude, a tal ponto da virtude ser tida como vicio e o vício ser tido como virtude; e assim os virtuosos serão suprimidos ou relegados ao ostracismo, e os viciosos serão valorados e promovidos e legados aos mais altaneiros pedestais; a supressão dos valores tradicionais ocasiona o sucesso e a promoção de indivíduos sem nenhuma qualidade moral e intelectual.

Deste modo, a transmogrifação das perspectivas induz a esta mudança de maneira inconsciente; muda-se as perspectivas, muda-se os gostos e induz a certos gostos programados para serem tidos como certos; além disso, a própria sociedade passa a ter perspectivas esquizofrenizadas; e isto, por sua vez, sempre gerará desvios morais e intelectuais; não haverá perspectiva moral, e assim não haverá mais padrões morais; e não haverá perspectiva intelectual, e assim não haverá mais padrões intelectivos.

Isso, por sua vez, proporciona a sociedade a ser dominada por seres vis, imorais, pérfidos, imbecis, etc.; ou seja, a sociedade será dominada por tolos, fraudes e militantes.

3. Terceiro, os instrumentos para se instaurar o modo dialético de pensar; a terceira coisa que Hegel efetuar para instaurar o modo dialético de pensar é a subcriação de instrumentos para manipular a transmogrifação dos princípios e das perspectivas; pois, se se transmogrifou os princípios, e isso gerou a inversão total dos valores, e se transmogrifou as perspectivas, e isso gerou a supressão dos valores, para se utilizar dos efeitos destas transmogrifações, há de haver algum instrumento que canalize estes efeitos para algum fim; os instrumentos que Hegel estabelece são justamente para canalizar estes efeitos aos seus propósitos, os quais estão manifestos no sistema da ciência (Phänomenologie des Geistes).

Ora, se se transmogrifou os princípios, então se gerará grimórios em relação as verdades eternas; assim, se procurará mudar as verdades eternas; se procurará paulatinamente se mudar a religião, não para deixar de ser religião ou algo similar, mas para ser religião sujeita ao sistema hegeliano; se procurará paulatinamente mudar a verdade, a liberdade, a beleza, o bem, etc., para sujeitá-los ao sistema hegeliano; com isso, se terá religião, verdade, liberdade, beleza, etc., mas de acordo com as normas do sistema hegeliano.

E se se transmogrifou as perspectivas, então se gerará grimórios em relação aos axiomas; assim, se procurará paulatinamente mudar os axiomas inevitáveis da vida, tais como: a estática da vida em movimento despersonalizador; o silêncio da prudência em barulho da luxuria; o casamento em leito maculado; a substância de algo em algum símbolo; etc. No mais, os axiomas da vida, os axiomas básicos da vida vão sendo mudados, e assim se cria uma sociedade adoecida, de seres doentes, mas que se sequer se apercebem que estão doentes.

Assim, em todos os meios possíveis para instaurar gostos e axiomas para a vida, se busca instaurar o modo dialético de pensar; ao ter sido efetivada a transmogrifação dos princípios e das perspectivas, se obterá sucesso para implementar o modo dialético de pensar em qualquer meio que tiver acesso as grandes massas ou que produzir o “efeito manada” nas grandes massas; na verdade, os meios de acesso às grandes massas, as mais variadas mídias, de livros até jornais, artes cênicas, imprensa, mídias sociais, etc., se tornam em meio para manipular e controlar as massas; um controle total, mas imperceptível; um controle absoluto, mas velado as ocultas.

Por isso, se querem criar uma nova perspectiva, colocam este algo a partir destas mídias, e depois de um tempo se instaura o que querem; pois, se se instaurou o modo dialético de pensar, então, não se terá nenhum padrão e/ou filtragem crítica para o quer que seja, mesmo para coisas simplórias; e com isso se sujeitará tudo e todos as consequências da transmogrifação dos princípios e das perspectivas, não somente destas por si mesmas, mas de acordo com os propósitos nefastos da ideologia dominante.

O domínio é de Hegel, mas a instrumentalização deste domínio está nas mãos da ideologia histórica dominante que se estabelece a partir de Hegel, a saber, o marxismo-comunismo. Assim, os instrumentos para instaurar o modo dialético de pensar serão utilizados de acordo com a vontade de poder do marxismo-comunismo.

 

III

 

Ora, em suma, é assim que se instaura o modo dialético de pensar; mas, depois de instaurado, há de se entender como se manifesta; pois, uma vez instaurado, dificilmente será compreendido pelos modos como foi instaurado, porque estes parecerão irrisórios para aqueles que já foram por isto totalmente dominados; se chamar de loucura uma prática de um louco já tornada em “hábito” será pelo próprio louco chamada de loucura. O mesmo se dá ao se falar do modo dialético de pensar e de suas consequências.

Por isso, ao se falar no modo dialético de pensar, se fala ao mesmo tempo de outro aspecto; pois, a definição do modo dialético de pensar é um signo com duplo escopo: se se fala do modo dialético de pensar, se deve falar de sua consequência mais terrível, a saber, a desintegração da mente. O modo dialético de pensar ocasiona a desintegração da mente.

E, uma vez que a mente está desintegrada, suas duas partes ou os dois lados do cérebro serão adoecidos, ou seja, doença na consciência e doença no intelecto; e a doença na consciência ocasiona várias doenças espirituais, que se assomam ao intelecto; e a doença no intelecto ocasiona várias doenças intelectuais, as mais das vezes, consequência direta das doenças espirituais, e que podem se tornar em doenças psíquicas.

Portanto, ao se observar o fenômeno da desintegração da mente, e ao se procurar descrevê-lo, se encontrará uma série assustadora de patologias, numa variegação imensa de sintomas, que são manifestos cotidianamente nos homens modernos como se fossem algo normal; e como são muitas, descrevê-las todas se torna quase algo impossível; no entanto, se deve evocar um panorama a este respeito.

Antes, porém, convém mencionar que o que Cícero descreve sobre a “rejeição a razão” e suas consequências, é utilíssimo para se compreender as consequências da desintegração da mente (cf. Disp. Tusc., IV, 23-32); pois, o modo dialético de pensar, em suma, é efeito da total rejeição a razão; logo, a “aspernatio rationis” ciceroniana é uma definição mais antiga para o mesmo problema, o impedimento da razão.

E neste mesmo sentido, também convém mencionar o que Pascal fala sobre o divertimento (cf. Pens., 11, 137, etc.), já que tal conceito contêm inúmeros insights formidáveis a respeito das consequências da desintegração da mente; pois, mente desintegrada é mente sujeita aos divertimentos, e mente desintegrada é mente que procurará para si divertimentos.

Cícero e Pascal apenas não o definiram como modo dialético de pensar, mas evocaram várias características das consequências da desintegração da mente; como fora dito, para Cícero isto se definia como rejeição a razão, e para Pascal, divertimento; aliás, quanto a isso também se poderia evocar a glosa tomasiana sobre o impedimento da razão (cf. In II Thess., cap. II, lect. 2), que em suma é o que ocorre quando se instaura o modo dialético de pensar; etc.

Tendo dito isso, se evoca um brevíssimo panorama dessas consequências ou manifestações; pois, o modo dialético de pensar ocasiona a desintegração da mente, e se tem várias manifestações distintas desta desintegração; e entre estas, se evoca apenas duas, a saber: primeiro, em relação a vida pessoal; segundo, em relação a religião.

1. Primeiro, em relação a vida pessoal; ora, a desintegração da mente afeta tudo quanto diz respeito a vida pessoal, a vida individual; pois, a desintegração da mente, como fora dito, calcifica o impedimento da razão; e isto por sua vez, torna o “eu” do indivíduo totalmente sujeito a tudo aquilo que é anti-humano; todavia, a partir da efetivação da desintegração da mente, como ocorre a total inversão dos valores, tudo aquilo que for anti-humano e destruir a dignidade humana, será valorado como se fosse algo bom, e pior, tais práticas e/ou doutrinas serão defendidas ferrenhamente por quem as pratica.  

Por isso, a vida pessoal se torna anti-pessoal a partir da desintegração da mente; por esta razão, os “gostos” pessoais passam a ser a medida de todas as coisas; e os “gostos” pessoais, a medida que ocorrera o impedimento da razão, serão sem exceção irracionais; ou dito de outro modo, não serão mais ‘gostos” pessoais, isto é, “gostos” evocados pelo indivíduo por si mesmo, mas serão “modas” instituídas para se tornarem “gostos” pessoais, ou para tornar o indivíduo sujeito a algum preceito ideológico, ou então algum divertimento para velar qualquer possibilidade de entendimento da miséria que o domina na vida pessoal.

Assim sendo, a vida pessoal se torna totalmente dominada por práticas e/ou doutrinas que são contra a própria dignidade do indivíduo; e tais práticas se tornam naquilo que se tornou comum falar nos ambientes religiosos como “pecados de estimação”, ou seja, os pecados mortais que são estimados e valorados como se fossem virtudes, e que são defendidos como se fossem obra divina; na verdade, em sentido racional, se assoma ao indivíduo tudo o que é irracional, e em sentido espiritual, tudo que é pecaminoso; pois, irracionalidade e pecaminosidade estão em estreita consonância.

2. Segundo, em relação a religião; ora, se a desintegração da mente afeta todo o “eu” do indivíduo, então permeará totalmente a esfera religiosa; o religar e o reler se tornam totalmente sujeitos ao que domina a mente de um indivíduo; por isso, se alguém está com a mente desintegrada, então, a religião que faz parte de sua vida se tornará não mais em expressão de religião pura e simples, mas manifestação dos “gostos” pessoais; assim, a religião passa a ser “vivida” de acordo com gostos pessoais irracionais.

Na verdade, a desintegração da mente torna os indivíduos em buscadores de criar uma religião a imagem de si; não o criar uma religião a partir do nada, ou criar uma religião que ainda não existe; mas, transmogrifar a religião existente (principalmente o cristianismo), em expressão da vontade e dos “gostos” pessoais.

Ora, isto se comprova de muitos modos, mas se observa uma característica peculiar em todos aqueles que buscam moldar ou “viver” o cristianismo a partir dos gostos pessoais, a saber: as práticas de um cristianismo moldado a partir dos gostos pessoais serão totalmente contra os preceitos morais da Sagrada Escritura, e ao se criticar tais práticas, aqueles que as praticam procurarão argumentos religiosos e “teológicos” para comprovar tais erros.

Além disso, este tipo de cristianismo, que é a maior parte do que se diz cristianismo em tempos hodiernos, é um cristianismo água com açúcar (a expressão é de C. S. Lewis!), é um cristianismo diluído; pois, ao se criticar os gostos pessoais instaurados em uma mente desintegrada, as mais das vezes a manifestação não será abrupta ou violenta, mas sim em obstinação e soberba, ou seja, na permanência insidiosa nas práticas errôneas, e pior, na arrogância desvelada em cultivar a doutrina dos demônios na vida pessoal enquanto se evoca a suposta “fé”; não existe fé verdadeira onde há obstinação; pois, em se tratando da fé a obstinação é fruto da mente desintegrada e/ou da vontade corrompida e não da experiência com a verdade.

Pois, a instauração dos gostos pessoais como se fosse cristianismo é aquilo que o Apóstolo chama de doutrina de demônios (cf. 1Tm 4.1); e a principal manifestação deste tipo de “cristianismo” é a vida pessoal totalmente contrária aos preceitos morais, bem como uma vida pessoal permeada por gostos irracionais. Portanto, a desintegração da mente afeta totalmente a prática religiosa, principalmente em relação ao cristianismo que em si é uma religião racional.

Por isso, quem mais perde com a desintegração da mente é o verdadeiro cristianismo, e quem mais ganha é o falso cristianismo. Com isso, a valoração de práticas irracionais é evidência de que o que se tem é falso cristianismo e não verdadeiro cristianismo.

Pois, a fé verdadeira não tolera irracionalidade e não comporta irracionalidade; portanto, como a desintegração da mente ocasiona irracionalidade absoluta, então onde há desintegração da mente não há fé verdadeira.

E, em suma, esta é, quanto a esfera religiosa, a consequência da desintegração da mente.

[...]

Assim, a desintegração da mente ocasiona efeitos terríveis tanto na vida pessoal, quanto nas manifestações religiosas, etc.; e por causar efeitos terríveis na alma do indivíduo, por conseguinte causará efeitos terríveis na alma da sociedade; as consequências no indivíduo se tornam posteriormente em consequências sociais; com isso, a desintegração da mente primeiro permeia os indivíduos e os desintegra, depois domina toda uma sociedade e a corrompe de tal modo a fim de que não haja possibilidades de se resolver este inominável problema.

Deste modo, se constata que a vida na modernidade é uma vida com a mente desintegrada, a religião na modernidade é expressão dos gostos subjetivos do freguês; vida pessoal irracional e religião irracional, eis a sina que permeia os homens na contemporaneidade; e quanto mais se afundam em tais práticas, mais difícil se torna de se conscientizar os homens deste estado inumano no qual estão vivendo; ou mais propriamente, quanto mais destruído está um indivíduo mais difícil se torna mostrá-lo os efeitos desta destruição.

Além disso, ao calcificar esta destruição, a estrutura pública, o estamento público, existirá contra as estruturas da consciência, isto é, manterá a desintegração da mente, só que elevada a nível estatal; ou seja, o aparato público, até mesmo a dita “opinião” pública, gerará estruturas estatais para reprimir as estruturas da consciência, causando total desordem sócio-política e em alguns casos também desordem jurídica. Numa sociedade em desordem, o inconsciente público é expressão inconcussa de desintegração da mente já cristalizada a no mínimo três gerações passadas (isto é, a no mínimo 150 anos). Isto, por si, define os homens modernos e as sociedades modernas.

***

Assim, concluo esta reflexão, dir-se-ia uma meditação anamnésica, a fim de explicar brevemente e de maneira mais simples possível o fenômeno do modo dialético de pensar, ou mais propriamente sua consequência, a desintegração da mente; na verdade, o que se conclui agora é uma breve e simplória tentativa, utilizando da pressuposição voegeliana, de explorar aspectos da consciência existencial, a qual nos homens modernos é dominada pela desintegração da mente. Deste modo, compreender no que concerne e quais as consequências do modo dialético de pensar é tarefa dos intelectuais e filósofos hodiernos, que encontrarão neste tema o tronco comum de quase todos os males da modernidade.

Que o Deus Altíssimo outorgue intelectuais e filósofos para lutar contra o modo dialético de pensar, e assim recuperar aos homens aquilo que eles têm de mais belo nesta vida, a racionalidade.

θεῷ χάρις


02/11/2025

Meu Santo de Devoção

§ 1

A devoção aos santos consiste parte preponderante da fé; a honra devida aos fiéis do passado, que iluminados pelo Espírito Santo deram o testemunho da fé verdadeira, sempre é um fanal de bênçãos para os fiéis de todas as épocas; àquilo que se comemora no primeiro domingo da Quaresma, o Domingo da Ortodoxia ou o Triunfo da Ortodoxia, é justamente uma afirmação eclesial da importância da vida dos santos; do mesmo modo como é costume das pessoas de bem e das boas famílias a preservação da história pessoal e/ou familiar através de fotos, álbuns, etc., é costume inalterável da piedade cristã estar em concórdia com o testemunho dos santos, os quais são rememorados e honrados através da veneração de seus ícones.

Pois, a vida dos santos é o que ensina os fiéis, sob o testemunho da Santa Igreja e sob a autoridade da Sagrada Escritura, a como viver de maneira santa neste mundo; por isso, São João o Teólogo afirmara: "Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam" (Ap 14.13); ora, as obras dos santos são seu testemunho, pois são boas obras que glorificam ao Pai Celestial (cf. Mt 5.16); portanto, a devoção aos santos deve ser parte preponderante da piedade cristã, não para adorá-los, decerto, mas para com eles aprender a viver de modo a agradar a Deus e a glorificá-Lo (cf. 1Co 11.1).

Ora, tendo isto em vista, decidi, de boa vontade e sem a preocupação em escrever um tratado extenso, responder a indagação sobre qual é o meu santo de devoção; evidentemente, a piedade cristã se coaduna com a vida de todos os santos em todas as épocas; mas, existem alguns santos que se tornam mais próximos, quase como amigos, seja por seus dons e virtudes, seja por suas obras, ou outra razão, pois nos engendram admiração, e a partir do conhecimento sobre suas vidas acabam por nos atinar alguma proximidade vivencial; e é justamente sobre estes santos mais próximos, tidos por muitos como principais santos de devoção, que escrevo neste breve escrito.

§ 2

Em suma, e de bom grado, informo que meu santo de devoção principal é São Gennadius Scholarius (ou aportuguesado, São Genádio Escolário); e busco seguir o exemplo de vida, tanto em relação a fé quanto em relação a intelectualidade, deste que fora um inigualável intelectual bizantino bem como fora um lendário patriarca, um dos maiores patriarcas da sé de Constantinopla, verdadeiramente um pilar da ortodoxia; na verdade, o mais importante pilar da ortodoxia após a Queda de Constantinopla.

A vida de Genádio Escolário, ou Jorge Curtésio, é um daqueles mistérios da Divina Providência em relação a utilização de vasos escolhidos para a edificação da Santa Igreja; formado para servir em funções seculares ou civis, se tornou um dos mais notáveis juristas bizantinos, chegando a ocupar o cargo de juiz-geral do Império Bizantino; além disso, ao assomar sua fé ao conhecimento enciclopédico, combateu muitos sofismas e erros, tornando-se um filósofo escolástico e um polemista de notável reconhecimento; por esta razão Jorge Curtésio foi intitulado Escolário (o mesmo que Escolástico na cultura latina).

E em meio aos grandes desafios de sua época pode desenvolver notáveis reflexões em milhares de obras, das quais a maior parte infelizmente foram perdidas; Jorge Curtésio permaneceu um gigante intelectual em meio a completa sujeição do saber a propósitos desvirtuosos e anti-intelectuais que dominavam toda a cristandade na baixa escolástica.

Pois, as últimas décadas do Império Bizantino foram terríveis, tanto do ponto de vista intelectual quanto do ponto de vista espiritual, o que fez com que Jorge Escolário decidisse sair da vida pública e se dedicasse a ajudar os cristãos, a apoiar São Marcos de Éfeso e a servir como intelectual da corte imperial.

E, dentre as características mais notáveis de Jorge Escolário, estão sua notória capacidade e reconhecimento como jurista, bem como sua trajetória como filósofo escolástico e polemista; e estas duas últimas se concatenam; pois, em meio a cristandade grega se ter um filósofo escolástico, profundo admirador e conhecedor de Tomás de Aquino, e um apreciador do tomismo - na verdade, um tomista bizantino! -, se demonstra que Jorge Escolário era diferente de tudo aquilo que era comum em seu tempo e num todo na tradição grega-bizantina; e ao ter um domínio pleno da teologia, tanto latina quanto grega, e da filosofia, Jorge Escolário se tornou no mais importante polemista bizantino, tendo disputado com vários intelectuais e saindo vencedor de todas as disputas as quais travou, mesmo contra notáveis intelectuais, dando a ele o epiteto, mais do que justo, de polemista invencível.

Por esta capacidade e conhecimento, ele foi convocado pelo imperador bizantino para ser parte de uma comissão teológica para acompanhar o Concílio de Florença; participou ativamente deste Concílio, e até chegou a apoiar a causa unionista (união com Roma); no entanto, quando as propostas florentinas foram contra a fé ortodoxa, São Marcos de Éfeso abandonou o Concílio e rejeitou a união florentina, e Jorge Curtésio o acompanhou, tornando-se assim discípulo mais próximo deste santo que foi último pilar da fé ortodoxa antes da Queda de Constantinopla; em São Marcos de Éfeso, Jorge Curtésio encontrou um verdadeiro pai espiritual.

Entretanto, mesmo que tenha vivido em toda esta ebulição e em meio aos tumultos dos anos finais do Império Bizantino, Jorge Curtésio decidiu seguir a vocação monástica como leigo, a fim de dedicar-se a oração e ao estudo, tomando o nome monástico de Genádio; Jorge Curtésio Escolário foi ao mosteiro não para virar sacerdote ou para ocupar posição na hierarquia, mas poder continuar a desenvolver sua obra como intelectual ao mesmo tempo em que vivia como monge, bem como para ajudar com seu conhecimento a causa anti-unionista (contra a união com Roma); no entanto, os desígnios da Divina Providência apenas estavam dando os preparos finais para algo totalmente inesperado, mas que marcou para sempre a história da Santa Igreja Ortodoxa.

Nas semanas finais do Império Bizantino, com o Império Otomano já dando a entender seu propósito inalterável de conquistar Constantinopla, o próprio imperador árabe, o sultão Mehmed II, mandou contatar Genádio para que caso Constantinopla caísse, e a população grega de bom grado o obedecesse, ele deixaria incólume a liberdade religiosa para a Igreja Ortodoxa; e após a Queda de Constantinopla, o próprio Mehmed II, tendo visto a confusão terrível no meio da cristandade grega, decidiu nomear Genádio como Patriarca de Constantinopla, o que foi amplamente aceito pela população grega, pelos otomanos, e pelos hierarcas da Igreja (embora com grande relutância por parte do próprio Genádio); e assim, ascendeu Genádio ao trono patriarcal logo após a Queda de Constantinopla, tornando-se assim em Genádio II, um leigo que ascendeu diretamente a sé de Constantinopla, recebendo das mãos do próprio Mehmed II o pálio patriarcal.

E é realmente um mistério da divina providência, pois Genádio Escolário conquistara a estima e o respeito intelectual do mundo árabe justamente por ser um aristotélico, algo pouco comum em meio a cristandade grega, quase era que totalmente platônica e/ou neoplatônica; e ao ascender ao trono patriarcal, procurou corrigir os excessos do neoplatonismo na Ortodoxia, infelizmente sem muito êxito.

Mas, o primeiro patriarca após a Queda de Constantinopla é um aristotélico, e é o instrumento utilizado por Deus para reordenar a Ortodoxia depois da bagunça e das práticas apostasiosas que tomaram conta dos anos finais do Império Bizantino; em meio a um dos piores momentos para a Igreja Ortodoxa, Deus levantou um intelectual leigo para ser patriarca, e um patriarca aristotélico-tomista.

E, mesmo que Genádio tenha renunciado poucos anos depois de ser nomeado, e tenha retornado por pouco tempo cerca de mais duas vezes a ser patriarca, não se pode menosprezar seu legado incomparável para a cristandade grega; mesmo que tenha sido patriarca por pouco tempo, seu legado é duradouro, e mais extenso do que qualquer outro Patriarca dos tempos modernos.

E o imenso legado de Genádio Escolário foi justamente ser um homem com a vida em ordem, como é inerente aos santos, tanto moralmente quanto intelectualmente, e isto em meio a uma época de desordens, confusões e incertezas; e a vida ordenada deste homem santo, trouxe ordem e ordenação para toda a Ortodoxia; a vida ordenada de Genádio Escolário trouxe vivacidade espiritual, disciplina e organização para uma cristandade que vinha sendo assolada pela decadência espiritual e pela imoralidade.  

Por isso, se a Igreja Ortodoxa continuou sua missão após o domínio otomano, deve em primeiro lugar agradecer a Deus; mas, depois deve agradecer a Genádio Escolário, que por ser um homem virtuoso e santo, pelo exemplo de sua vida pode assegurar a continuidade da instituição patriarcal, bem como preservou incólume a fé ortodoxa; aliás, isso faz pensar com certo pesar que em muito do que Genádio Escolário quis fazer não obteve auxílio e foi em parte rejeitado, e legado ao ostracismo.

Por isso, a vida de Genádio Escolário tem muito a ensinar; e seus escritos, dos quais a maior parte infelizmente se perdeu após o domínio otomano, testemunham de uma mente grandiloquente e de sua notável capacidade intelectual; no entanto, dos escritos que foram preservados, se tem o testemunho não somente do notável intelectual, mas também testemunham de um homem com uma fé viva e ardente; Genádio não somente é escolástico, mas também é pai espiritual; o pai espiritual que iluminou a cristandade grega em sua pior turbulência.

Genádio II se tornou santo, e seu legado intelectual é imenso, conquanto tenha sido completamente esquecido; mas além disso, o legado de São Genádio Escolário também é ter dado novamente força e ânimo para a já cansada cristandade grega, e dos frutos de sua vida e testemunho, pode trazer novo vigor e frescor para a Santa Igreja Ortodoxa, vigor esse proveniente de uma espiritualidade profunda.

E aproveita-se o ensejo para mencionar um fato curioso e pouco valorado; a autocefalia da Igreja Ortodoxa Russa, que ao longo dos séculos se tornou numa das mais belas expressões da fé ortodoxa (embora em tempos atuais esteja em decadência pela sujeição a preceitos ideológicos), só se efetivou e teve os efeitos gloriosos que teve graças ao legado de São Genádio Escolário como Patriarca de Constantinopla; e o mesmo se pode dizer de todas as Igrejas autocéfalas que surgiram depois; a Ortodoxia como um todo tem uma dívida muito grande com este pilar da fé ortodoxa.

Na verdade, se pode afirmar que as vicissitudes da vida de São Genádio Escolário testemunham de maneira grandiosa que os mistérios da Divina Providência são insondáveis e inescrutáveis. A personalidade mais trágica de seu tempo, como São Genádio Escolário fora chamado, e os lamentos que envolvem sua vida, foram apenas o obrar divino para que de suas vicissitudes brotasse o bom perfume de Cristo, o qual serviu e continuar a servir para honrar ao próprio Cristo e para a edificação da Santa Igreja.

Assim, tenho por certo que após fornecer este breve panorama da vida e do legado de São Genádio Escolário, deve ficar mais do que clarividente as razões do porque o tenho como meu santo de devoção; na verdade, ao fazer este breve panorama, forneço de maneira direta e indireta as razões do porque São Genádio Escolário deve ser digno de estima, e porque deve ser recuperado do ostracismo e voltar a ser valorizado por toda a cristandade grega.

§ 3

Além da devoção a São Genádio Escolário, também nutro grande devoção por todos os Padres da Igreja, especialmente pelos Padres Capadócios, e tenho grandíssima admiração por Orígenes apesar da desdita inominável que caiu sobre sua obra; além disso, também evoco minha devoção e estima pelos pilares da Ortodoxia pós-patrística, tais como São Fócio, São Gregório Palamas e São Marcos de Éfeso.

E além destes, os quais são mais do que evidentes em parte do que escrevo, tenho devoção e estima por São Porfírio de Kavsokalyvia, o evangelizador de prostitutas, por São Dumitru Stăniloae, o sábio interprete da Filocalia, e por São Gabriel Urgebadze, o louco por Cristo. Esses são os principais santos aos quais tenho uma devoção mais atenta e específica; embora, assim como todo cristão fiel, tenha estima, admiração e devoção por todos os santos.

Ademais, também considero por bem evocar minha estima por Alberto Magno e Tomás de Aquino, escolásticos latinos; embora se tenha muitas ressalvas quanto ao escolasticismo na Ortodoxia, nutro simpatia e estima por Alberto e Tomás por tudo de bom que fizeram em relação a intelectualidade, sem deixar de lado a verdadeira piedade; foram gigantes intelectuais, mas também foram mestres da espiritualidade.

Alberto reformou a filosofia e a ciência, e Tomás elevou a filosofia; além do que, naquilo que não estão especificamente explicando a latinidade são muito úteis a todos os cristãos, especialmente nos comentários bíblicos que escreveram; e digo mais, os comentários bíblicos de Alberto e de Tomás são verdadeiras pérolas de grande valor. As glosas albertianas e tomasianas aos livros da Sagrada Escritura, num geral, são utilíssimas.

Também nutro admiração e estima pelos intelectuais árabes da era de ouro do islamismo, tais como Alfarábi, Avicena, Averróis, entre outros; e em relação a filosofia na modernidade, tenho profunda estima e admiração por Nietzsche, Husserl e Lavelle: tenho grande admiração por Nietzsche, sempre fico estupefato com a profundidade de Husserl, e sempre me surpreendo com a vitalidade intelectual de Lavelle.

Aliás, poderia mencionar aqui Platão, Aristóteles, Cícero, Boécio, etc., mas outros escritos já são por si suficientes para mostrar minha estima, predileção e grandíssima admiração por estes e num geral por todos os autores clássicos. E, como é óbvio, se tem a influência salutar destes e de outros autores em minha obra intelectual.

Em suma, e embora não seja sincretista, posso afirmar que procuro extrair o que de cada um destes autores tem de melhor, sem deixar de ter a minha própria contribuição ao saber; ou dito em outros termos, ao ler estes e outros autores, alcanço muitos saberes, e a partir disso procuro desenvolver outros saberes; deste modo, com sinceridade posso fazer minha a sentença de C. S. Lewis: “Ao ler bons livros, tornei-me mil homens sem deixar de ser eu mesmo”.

***

Ora, tendo feito estas ponderações gerais, subdivididas em três parágrafos, creio que responderá de maneira mais adequada a indagação feita sobre meu santo de devoção; embora tenha feito apenas um panorama geral da vida e do legado de São Genádio Escolário, o que foi dito é para o presente propósito suficiente para aclarar quem foi este pilar da ortodoxia; no mesmo interim, também evoquei alguns outros santos que tenho devoção, e alguns filósofos que tenho estima; mas isso já está claro em outros escritos. 

Portanto, ao declarar meu santo de devoção, que tenha ficado bem explicado que a vida cristã se desenvolve em contato com os santos de todas as épocas, pois a comunhão dos santos não está sujeita a épocas temporais, é uma comunhão eterna; por isso, os cristãos verdadeiros também veneram os ícones dos santos dos tempos de outrora, porque suas vidas e testemunho continuam a falar em tempos atuais e continuarão a falar até a consumação dos séculos. 

Bendito seja Deus por outorgar à Santa Igreja Ortodoxa santos dignos de testemunharem com suas vidas o Sagrado Evangelho. 

θεῷ χάρις


O Modo Dialético de Pensar

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