Prólogo.
A arte da dança é uma arte no amplo escopo das artes
humanas; e como o fim das artes é conduzir a compreensão da verdade, se faz
necessário sempre que possível elucubrar sobre aspectos concernentes a todas as
artes ou aspectos mais específicos sobre uma ou outra arte; como as indagações
de vossa dileção dizem respeito a arte da dança, responder-lhe-ei de maneira a
explicar cada uma como um artigo, com sua respectiva resposta; assim creio
ficar mais simples o entendimento das respostas e a compreensão do que concerne
a alguns aspectos da verdade sobre a arte de dançar. Pois, qualquer arte
praticada, se for praticada com ordem e decência, deve conduzir a compreensão
sobre a verdade.
Artigo 1: Se dançar é pecado?
Dançar não é pecado; embora, se tal ato for mal
praticado, ou praticado sem as razões corretas, pode induzir ao pecado; pois,
embora seja uma parte do que concerne a uma arte, e como toda arte manifesta um
aspecto da verdade, a prática sóbria e virtuosa da arte da dança, em concórdia
com outros aspectos, também conduz ao conhecimento da verdade.
Artigo 2: Se é permitido dançar na Igreja?
Não é permitido dançar na Igreja; e as razões são mais
do que óbvias; pois, a liturgia cristã não tem nenhum aspecto que conduz a
necessidade da dança; na verdade, se se permite dançar na Igreja, então se
vitupera o propósito da vida eclesial e da liturgia; por isso, dançar na Igreja
é pecado. E, embora se utilize muito a descrição veterotestamentária de que o
Rei Davi dançou se alegrou na presença do Senhor (cf. 2Sm 6.14-16) para querer
propagar tal prática na Igreja, isto não é permissão para se dançar na Igreja;
pois, o que o Rei Davi fez não foi um ato litúrgico e não foi realizado no
templo, foi algo praticado no contexto cívico e de acordo com a lei cerimonial
de Israel. Portanto, tanto de acordo com a reta razão quanto de acordo com a
revelação, não é permitido dançar na Igreja; e isso é uma obviedade gritante.
Artigo 3: Se todos podem dançar?
Obviamente, todos podem dançar; desde que seja uma
dança adequada as possibilidades de cada um; quem não aguenta dançar muito
tempo, por qualquer razão que seja, que dance o tempo que for proporcional as
próprias forças; além disso, como também é óbvio, existem danças que são
próprias para os homens e danças que são próprias para mulher, e ainda se tem
danças que são próprias para dançar em conjunto homem e mulher. Deste modo, se
alguém decide, como parte do lazer que lhe é necessário, praticar a arte da
dança, que adeque isso de acordo com as próprias capacidades e de acordo com a
sobriedade racional que é necessária, assim como em tudo na vida.
Artigo 4: Se a dança deve ser com modéstia?
Qualquer arte praticada deve ser feita com modéstia; a
modéstia no exercício de uma arte tem a ver com ordem e com decência; aliás, se
uma arte, seja ela qual for, for praticada sem ordem e sem decência, o
propósito de tal é desfigurado e tal arte só conduzirá ao engano; portanto, a
prática da arte de dançar deve ser feita com ordem e com decência a fim de que
esta arte cumpra seu propósito naquele que a executa, bem como para que a
dança, usufruída como lazer e/ou como ofício, seja um meio para conduzir à verdade.
Artigo 5: Se o ato de dançar pode levar a rejeição a
razão?
A arte da dança, se não for praticada com modéstia,
pode se tornar um instrumento para ocasionar ou cristalizar a rejeição a razão;
pois, se racionalmente algo requer modéstia, e a modéstia não é praticada,
então este algo se torna em instrumento para instituir a rejeição a razão; e
assim uma arte se transmuta em anti-arte, ocasionando os efeitos contrários aos
que deveria proporcionar. Por isso, se não for praticada de modo correto, e com
as intenções corretas, a arte da dança serve para inocular uma espécie de “viagra”
na sensualidade, tornando esta totalmente desordenada. E a sensualidade, uma
vez desordenada, ocasiona a rejeição a razão. Por isso, através da dança se
pode ocasionar a rejeição a razão.
Artigo 6: Se a dança tem alguma utilidade?
A arte da dança tem muitas utilidades, principalmente
quanto a saúde física; e embora o Apóstolo seja severo demonstrando que o
exercício físico tem pouca utilidade para a piedade (cf. 1Tm 4.8), o que em
sentido direto é uma verdade, o exercício físico ajuda a manter o corpo
saudável e em bom funcionamento, e isto contribui para que o indivíduo possa
caminhar adequadamente na piedade. Portanto, a arte da dança, assim como
qualquer outra forma de cuidado pessoal, tem utilidade quanto a saúde física e
em benefício do bom cuidado com o corpo, o que também é parte da fé.
Artigo 7: Se todos os tipos de dança são permissíveis?
Num geral, quase todos os tipos de dança são
permissíveis; pois, existem alguns tipos de dança que atinam de maneira
desordenada e pecaminosa a sensualidade; estes tipos de dança, que induzem ou
propagam práticas sexuais promíscuas, evidentemente são pecaminosas e não são
permissíveis aos fiéis; portanto, o tipo de dança é permissível se não induzir
ao pecado e não for permeado por músicas pecaminosas que ensinam a imoralidade
sexual. Com isso, nem todos os tipos de dança são permissíveis; mas se deve
procurar os tipos de dança que conduzem ao bom exercício desta arte, a fim de
fazer bem a saúde corpórea sem com isso fazer mal a saúde espiritual. Ora,
seguindo este princípio impreterível, se alcança um bom senso geral sobre a
arte de dançar.
Artigo 8: Se se deve ter um tempo adequado para
praticar o ato de dançar?
Com absoluta certeza, aqueles que buscam o exercício
através da arte de dançar, devem ter um tempo adequado para isso; pois, nem
todo tempo é tempo de dançar; nas Divinas Escrituras se ensina que há um tempo
adequado para cada propósito ou ação humana (cf. Ec 3.1); portanto, se deve
separar um tempo adequado, dentro do tempo destinado para o lazer, para a
prática da arte de dançar por aqueles que assim tem interesse nesta arte; pois,
isto além de ajudar na disciplina vivencial, também ordena de modo sóbrio o
tempo de lazer e/ou de exercício destinado a esta prática. Portanto, se alguém
tem interesse na prática da arte de dançar, assim como em qualquer exercício
para o bem do corpo, é impreterível que destine de modo adequado um tempo
específico para tal finalidade.
Artigo 9: Se se pode dançar em qualquer lugar?
Evidentemente, não se pode dançar em qualquer lugar;
mas se deve ter um local destinado para isso, seja em meio a exercícios físicos
ou em locais para exercício físico, ou em salas ou salões utilizados para tal
fim; pois, do mesmo modo como se tem de destinar um tempo adequado para a
prática desta arte, também há de se ter um local adequado; pois, por exemplo,
existem locais onde não se pode e não se deve dançar: não se pode dançar em
escolas, a não ser em festividades e nunca na sala de aula; não se pode dançar
em hospitais; não se pode dançar em cemitérios; não se pode dançar em
jurisdições públicas; não se pode dançar na Igreja; etc.; enfim, não se pode
dançar em locais onde não é se é apropriado; por isso, se deve ter um local
apropriado, seja um estabelecimento, ou mesmo um local separado em casa para
isso, a fim de que aqueles que se interessam possam exercer com sobriedade a
arte de dançar ou qualquer outro exercício físico.
Artigo 10: Se a dança pode se tornar em divertimento?
A arte da dança pode e deve ser praticada por aqueles
que na mesma tem interesse, desde que seja feito ou por lazer ou como ofício
(no caso de dançarinos ou dançarinas profissionais); no entanto, se a arte de
dançar é praticada como divertimento, então se perde todo o bem que esta arte
pode fornecer; pois, o divertimento, segundo a definição de Pascal, é a forma
como os homens velam de si a própria miséria; logo, se alguém prática a arte da
dança como divertimento, então não está praticando uma arte, mas velando de si
a própria miséria através da dança; nisto também se discerne quem pratica esta
arte com ordem e decência e quem a pratica de modo sensual: aqueles praticam a
arte de dançar por lazer o fazem com ordem e decência, mas aqueles que praticam
a arte de dançar como divertimento tornam a dança em instrumento sensual e
sensualizador.
***
Ora, tendo respondido vossas indagações de maneira
breve e o mais simples possível, espero que sirvam para sanar vossas dúvidas
quanto a arte de dançar, e talvez sirvam para ajudar outras pessoas que por
acaso possam ter as mesmas dúvidas; além disso, o que foi afirmado sobre a arte
de dançar, em grande parte, também pode ser aplicado sobre qualquer forma de
exercício físico. Com sinceros e cordiais cumprimentos, concluo este escrito.
θεῷ χάρις!
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