04/12/2025

Sobre o Ato de Dançar

Prólogo.

 

A arte da dança é uma arte no amplo escopo das artes humanas; e como o fim das artes é conduzir a compreensão da verdade, se faz necessário sempre que possível elucubrar sobre aspectos concernentes a todas as artes ou aspectos mais específicos sobre uma ou outra arte; como as indagações de vossa dileção dizem respeito a arte da dança, responder-lhe-ei de maneira a explicar cada uma como um artigo, com sua respectiva resposta; assim creio ficar mais simples o entendimento das respostas e a compreensão do que concerne a alguns aspectos da verdade sobre a arte de dançar. Pois, qualquer arte praticada, se for praticada com ordem e decência, deve conduzir a compreensão sobre a verdade.

 

Artigo 1: Se dançar é pecado?

 

Dançar não é pecado; embora, se tal ato for mal praticado, ou praticado sem as razões corretas, pode induzir ao pecado; pois, embora seja uma parte do que concerne a uma arte, e como toda arte manifesta um aspecto da verdade, a prática sóbria e virtuosa da arte da dança, em concórdia com outros aspectos, também conduz ao conhecimento da verdade.

 

Artigo 2: Se é permitido dançar na Igreja?

 

Não é permitido dançar na Igreja; e as razões são mais do que óbvias; pois, a liturgia cristã não tem nenhum aspecto que conduz a necessidade da dança; na verdade, se se permite dançar na Igreja, então se vitupera o propósito da vida eclesial e da liturgia; por isso, dançar na Igreja é pecado. E, embora se utilize muito a descrição veterotestamentária de que o Rei Davi dançou se alegrou na presença do Senhor (cf. 2Sm 6.14-16) para querer propagar tal prática na Igreja, isto não é permissão para se dançar na Igreja; pois, o que o Rei Davi fez não foi um ato litúrgico e não foi realizado no templo, foi algo praticado no contexto cívico e de acordo com a lei cerimonial de Israel. Portanto, tanto de acordo com a reta razão quanto de acordo com a revelação, não é permitido dançar na Igreja; e isso é uma obviedade gritante.

 

Artigo 3: Se todos podem dançar?

 

Obviamente, todos podem dançar; desde que seja uma dança adequada as possibilidades de cada um; quem não aguenta dançar muito tempo, por qualquer razão que seja, que dance o tempo que for proporcional as próprias forças; além disso, como também é óbvio, existem danças que são próprias para os homens e danças que são próprias para mulher, e ainda se tem danças que são próprias para dançar em conjunto homem e mulher. Deste modo, se alguém decide, como parte do lazer que lhe é necessário, praticar a arte da dança, que adeque isso de acordo com as próprias capacidades e de acordo com a sobriedade racional que é necessária, assim como em tudo na vida.

 

Artigo 4: Se a dança deve ser com modéstia?

 

Qualquer arte praticada deve ser feita com modéstia; a modéstia no exercício de uma arte tem a ver com ordem e com decência; aliás, se uma arte, seja ela qual for, for praticada sem ordem e sem decência, o propósito de tal é desfigurado e tal arte só conduzirá ao engano; portanto, a prática da arte de dançar deve ser feita com ordem e com decência a fim de que esta arte cumpra seu propósito naquele que a executa, bem como para que a dança, usufruída como lazer e/ou como ofício, seja um meio para conduzir à verdade.

 

Artigo 5: Se o ato de dançar pode levar a rejeição a razão?

 

A arte da dança, se não for praticada com modéstia, pode se tornar um instrumento para ocasionar ou cristalizar a rejeição a razão; pois, se racionalmente algo requer modéstia, e a modéstia não é praticada, então este algo se torna em instrumento para instituir a rejeição a razão; e assim uma arte se transmuta em anti-arte, ocasionando os efeitos contrários aos que deveria proporcionar. Por isso, se não for praticada de modo correto, e com as intenções corretas, a arte da dança serve para inocular uma espécie de “viagra” na sensualidade, tornando esta totalmente desordenada. E a sensualidade, uma vez desordenada, ocasiona a rejeição a razão. Por isso, através da dança se pode ocasionar a rejeição a razão.

 

Artigo 6: Se a dança tem alguma utilidade?

 

A arte da dança tem muitas utilidades, principalmente quanto a saúde física; e embora o Apóstolo seja severo demonstrando que o exercício físico tem pouca utilidade para a piedade (cf. 1Tm 4.8), o que em sentido direto é uma verdade, o exercício físico ajuda a manter o corpo saudável e em bom funcionamento, e isto contribui para que o indivíduo possa caminhar adequadamente na piedade. Portanto, a arte da dança, assim como qualquer outra forma de cuidado pessoal, tem utilidade quanto a saúde física e em benefício do bom cuidado com o corpo, o que também é parte da fé.

 

Artigo 7: Se todos os tipos de dança são permissíveis?

 

Num geral, quase todos os tipos de dança são permissíveis; pois, existem alguns tipos de dança que atinam de maneira desordenada e pecaminosa a sensualidade; estes tipos de dança, que induzem ou propagam práticas sexuais promíscuas, evidentemente são pecaminosas e não são permissíveis aos fiéis; portanto, o tipo de dança é permissível se não induzir ao pecado e não for permeado por músicas pecaminosas que ensinam a imoralidade sexual. Com isso, nem todos os tipos de dança são permissíveis; mas se deve procurar os tipos de dança que conduzem ao bom exercício desta arte, a fim de fazer bem a saúde corpórea sem com isso fazer mal a saúde espiritual. Ora, seguindo este princípio impreterível, se alcança um bom senso geral sobre a arte de dançar.

 

Artigo 8: Se se deve ter um tempo adequado para praticar o ato de dançar?

 

Com absoluta certeza, aqueles que buscam o exercício através da arte de dançar, devem ter um tempo adequado para isso; pois, nem todo tempo é tempo de dançar; nas Divinas Escrituras se ensina que há um tempo adequado para cada propósito ou ação humana (cf. Ec 3.1); portanto, se deve separar um tempo adequado, dentro do tempo destinado para o lazer, para a prática da arte de dançar por aqueles que assim tem interesse nesta arte; pois, isto além de ajudar na disciplina vivencial, também ordena de modo sóbrio o tempo de lazer e/ou de exercício destinado a esta prática. Portanto, se alguém tem interesse na prática da arte de dançar, assim como em qualquer exercício para o bem do corpo, é impreterível que destine de modo adequado um tempo específico para tal finalidade.

 

Artigo 9: Se se pode dançar em qualquer lugar?

 

Evidentemente, não se pode dançar em qualquer lugar; mas se deve ter um local destinado para isso, seja em meio a exercícios físicos ou em locais para exercício físico, ou em salas ou salões utilizados para tal fim; pois, do mesmo modo como se tem de destinar um tempo adequado para a prática desta arte, também há de se ter um local adequado; pois, por exemplo, existem locais onde não se pode e não se deve dançar: não se pode dançar em escolas, a não ser em festividades e nunca na sala de aula; não se pode dançar em hospitais; não se pode dançar em cemitérios; não se pode dançar em jurisdições públicas; não se pode dançar na Igreja; etc.; enfim, não se pode dançar em locais onde não é se é apropriado; por isso, se deve ter um local apropriado, seja um estabelecimento, ou mesmo um local separado em casa para isso, a fim de que aqueles que se interessam possam exercer com sobriedade a arte de dançar ou qualquer outro exercício físico.

 

Artigo 10: Se a dança pode se tornar em divertimento?

 

A arte da dança pode e deve ser praticada por aqueles que na mesma tem interesse, desde que seja feito ou por lazer ou como ofício (no caso de dançarinos ou dançarinas profissionais); no entanto, se a arte de dançar é praticada como divertimento, então se perde todo o bem que esta arte pode fornecer; pois, o divertimento, segundo a definição de Pascal, é a forma como os homens velam de si a própria miséria; logo, se alguém prática a arte da dança como divertimento, então não está praticando uma arte, mas velando de si a própria miséria através da dança; nisto também se discerne quem pratica esta arte com ordem e decência e quem a pratica de modo sensual: aqueles praticam a arte de dançar por lazer o fazem com ordem e decência, mas aqueles que praticam a arte de dançar como divertimento tornam a dança em instrumento sensual e sensualizador.

 

***

 

Ora, tendo respondido vossas indagações de maneira breve e o mais simples possível, espero que sirvam para sanar vossas dúvidas quanto a arte de dançar, e talvez sirvam para ajudar outras pessoas que por acaso possam ter as mesmas dúvidas; além disso, o que foi afirmado sobre a arte de dançar, em grande parte, também pode ser aplicado sobre qualquer forma de exercício físico. Com sinceros e cordiais cumprimentos, concluo este escrito. 

θεῷ χάρις


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