I
Hegel procurou fazer da filosofia não a busca pelo
saber através da investigação sobre a realidade, mas muito além disso, ele
procurou instaurar um pensamento mágico; ora, um pensamento mágico, em sentido
religioso, é puro xamanismo; mas agora um pensamento mágico na filosofia, é uma
mágica que funciona apenas para o propósito de quem a evoca, como Nietzsche
acertadamente constatara em “A Vontade de Poder” (§ 749): “A mágica
que funciona para nós, o olho de Vênus que fascina nossos adversários e os
cega, é a magia do extremo, a força sedutora que irradia de tudo o que é
extremo”.
Ora, a filosofia mágica é um extremo; por isso, deste
extremo irradia uma força sedutora, uma “luz” sedutora que cega o entendimento
dos antagonistas, ao mesmo tempo em que os fascina; por isso, a transmutação de
filosofia como análise da realidade para filosofia mágica é um extremo, e quem
leva a cabo este extremo exerce fascínio e domínio sobre quem antagoniza com
esta transmutação; é deste modo que Hegel domina até mesmo sobre seus
antagonistas e os subjuga a seu sistema.
No entanto, justamente neste aspecto está o erro fatal
de Hegel, pois para efetuar isso ele precisou transmogrifar o conceito de
verdade; ao invés de verdade na consciência, Hegel propugnara a consciência
como verdade; não mais a consciência como meio para se chegar a compreensão da
verdade, mas a própria consciência como artífice da verdade; assim não se há
mais verdade fora da consciência, pois para Hegel somente a consciência dita as
normas da verdade, já que a consciência-de-si só se efetiva através de si
mesma, dando forma ao que o próprio Hegel chama de “razão ativa” (cf. Ph
V, B).
Portanto, ao Hegel propugnar isso, e ao ter isso se
instaurado plenamente, ainda que ninguém consiga de facto se aperceber
disso, passa a não se ter normas objetivas para a verdade; e esse é o erro
fatal de Hegel, pois se não se tem normas objetivas para a compreensão da
verdade, então não se tem verdade; ora, se não se tem verdade, quem quer que
arrole algo da verdade a partir destas perspectivas jamais estará elucubrando
sobre a verdade em si, mas sobre a “verdade” que propugna a partir de si.
Deste modo, não é muito difícil de se aperceber,
compreendendo estes aspectos, da canalhice e da insinceridade de quem propugna
algo deste tipo.
Além disso, Hegel afirmara que se conhece apenas a
figura (gestalt) da verdade (cf. Ph § 5); ora, se se conhece apenas a
figura de algo, então não se pode conhecer este algo; e isso, por sua vez, dá a
entender que a verdade segundo Hegel não pode ser conhecida por si, mas apenas
através daquele que mostra sua figura; mas se a verdade não pode ser conhecida,
tampouco sua “figura” será conhecida.
Por isso, aqueles que velam a verdade, criam as
figuras que querem para significar tudo menos a verdade; e as coisas
significadas a partir disso passam a se tornar a “verdade” mesmo que
sejam totalmente contrárias a própria verdade.
II
O erro fatal de Hegel em querer transmutar a verdade
em figura da verdade, é a razão do próprio Hegel de querer mudar a filosofia de
amor ao saber para saber efetivo (cf. Ph § 5); o “saber efetivo”, por
sua vez, nada tem de busca pela verdade, antes é a manifestação da verdade
através do atinar que a figura da verdade busca induzir; assim, não se tem mais
a verdade da realidade, mas a verdade da consciência, a qual por estar na
consciência também “cria” a realidade tal como quer.
E isto, obviamente, é um extremo; portanto, é a partir
deste extremo que se cria, tal como Nietzsche constatara, a força sedutora que
cega os antagonistas deste erro fatal; é um erro que em si é fatal, mas que
também acabrunha seus antagonistas no mesmo jogo infernal, na mesma
parafernalia dialética que em si nada contém de instrumentalidade para a
verdade, antes prende a consciência e a inteligência no modo anti-verdade, ou
dito em outros termos, gesta o espírito dialético que ao compreender algo da
verdade passa a praticar algo contra a própria verdade compreendida.
Assim, este erro de Hegel que parece em primeira
instância parece pueril, é algo terrível; pois, a fatalidade da transmutação da
verdade é algo que permeia tudo e todos; não se tem vida individual e social
sóbria sem a verdade; a verdade é a coluna pela qual os homens constroem o que
é de bom e de verdadeiro em tudo na vida; sem verdade, sem fundamento sólido
para a vida.
Por isso, a transmutação da verdade na consciência
para a consciência como verdade, instaura de maneira inconsciente que é o
próprio indivíduo que cria a verdade para si, ao invés de apreendê-la das
múltiplas luzes através das quais a verdade é manifestada.
Com isso, o erro fatal de Hegel, subjetivismo doentio,
gera uma sociedade de indivíduos subjetivos (no sentido dostoievskiano,
indivíduos doentes; no sentido pascalino, indivíduos que se divertem); os seres
subjetivos aceitarão tudo e de tudo, menos a própria verdade; pois, o
subjetivismo elevado a este grau, faz com que os homens considerem a si mesmos
como “deus”, ainda que na prática neguem isso; mas quem faz da própria
consciência o mote para a verdade, está preso no jogo de Satanás para ensinar
os homens a quererem ser como “deus”; portanto, se alguém nega a verdade na
própria vida, a partir de ter evocado a própria verdade a partir de si, então
tal pessoa gestou em si a morbidade da alma.
E é isso que ocorre com todos os que vivem distantes
da verdade ao criarem para si as próprias verdades. O erro fatal de Hegel é tão
fatal que ninguém - salvo raríssima exceção - consegue escapar das
consequências deste erro, tanto na vida pessoal quanto na vida social.
Analogamente, o erro de Hegel é tão prejudicial que faz na mente, ou seja, na
consciência e no intelecto, o mesmo efeito que o cianeto faz no corpo.
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