27/07/2024

Breve Apologia Contra a Influência de Martin Heidegger na Teologia

1. Recentemente, vi uma atitude proveniente de alguns que provêm da teologia pentecostal, em evocar uma influência de Martin Heidegger na teologia; e, para isso, evocaram o aspecto da “filosofia existencialista” de Heidegger; ora, Heidegger não tem uma filosofia existencialista; Heidegger fez parte da fenomenologia, e depois, edificou um sistema filosófico próprio; e, a filosofia de Heidegger, uma simbiose de fenomenologia — a de Heidegger e não a de Husserl -, de filosofia antiga (pré-socráticos), de Scotus, de ocultismo e hermetismo alemão, de Hegel, de Brentano, do próprio Husserl, etc.; a filosofia de Heidegger é um sincretismo que tem por culminância o desvelar da verdade que se dá própria filosofia de Heidegger. 

2. O jovem Heidegger chegou a impressionar Husserl; o que em si é um feito extraordinário, pela capacidade de análise e pela dedicação aos estudos; mas, ao desenvolver seu pensamento, Heidegger se distanciou de Husserl e fez uma amalgama com todas as influências que teve, e procurou construir um sistema filosófico completo a partir da ontologia. Neste sentido, Heidegger alcança a maturidade intelectual ao publicar a obra “Sein und Zeit” (Ser e Tempo, 1927), e ao publicar “Kant und das Problem der Metaphysik” (Kant e o Problema da Metafísica, 1929). Nisto, se estabelece a ideia fundamental de Heidegger da história da filosofia como história do ser. 

E, este aspecto é o que se constitui o cerne do sistema de Heidegger, que constitui-se não somente uma tentativa de acoplar o saber filosófico, mas de usar este saber para efetuar o domínio (como por exemplo, Hegel fizera com o sistema da ciência); por estes e outros motivos, o sistema filosófico de Heidegger é totalmente contrário a fé cristã; nas várias análises de Heidegger, em questões puramente filosóficas, se tem inúmeras contribuições ao saber, tais como: o ressurgimento e a devida valorização de Hölderlin, a interpretação da “Fenomenologia do Espírito” de Hegel, a interpretação de Nietzsche, os estudos na “Metafísica” de Aristóteles, os estudos sobre Heráclito, etc.; mas de igual modo como em Hegel, ao se verificar as aporias do sistema de Heidegger, se observa que tal sistema nada tem a contribuir para com a fé e nada tem a contribuir para com a teologia. 

Por isso, se evocam alguns aspectos das razões do porquê é necessário se vociferar contra a influência de Martin Heidegger na teologia. 

3. Karl Barth, que apesar de não ser filósofo, tinha um erudito conhecimento filosófico, afirmou numa carta a Bultmann (20 de junho 1931): “não porque é Heidegger, mas porque ele é um filósofo que como tal não tem nada a dizer em teologia e sobre teologia”. Ora, a afirmação de Barth a Bultmann, amigo de Heidegger, certamente diz respeito a teologia; pois, um teólogo, enquanto teólogo e no exercício da existência teológica, nada tem a aprender com Heidegger, pois, como diz Barth, Heidegger, e não somente por ser Heidegger que em si já é motivo para rejeitar, mas pelo fato de ser um filósofo, e como tal nada tem a contribuir com a teologia e sobre a teologia. Nisto, Barth acertou em cheio, com suas razões meio “puristas”, mas que alguns anos depois seriam atestadas de maneira assombrosa. Em relação a este aspecto, a atitude do maior teólogo do século passado, também deve ser seguida em tempos atuais. 

4. A filosofia de Heidegger, principalmente nas duas publicações acima mencionadas, busca uma solução para o problema do ser, que Heidegger identifica como o cerne da história da filosofia e da própria história da humanidade; para Heidegger, a filosofia só seria levada a cabo quando chegasse um tempo onde ocorresse um grande despertar, que levasse ao desvelamento da verdade (aletheia [consultar a este respeito a interpretação de Heidegger sobre o Sofista de Platão]), ao mesmo tempo em que tomasse conta da sociedade como um poder de domínio absoluto para manter este despertar; o desvelamento da verdade é Heidegger que proporciona em sua filosofia, e o poder de domínio para tomar conta da sociedade Heidegger identificou em Hitler e no nazismo; Heidegger tentou fazer como Aristóteles e encontrar num líder político um modo de aplicar seus ensinamento a toda uma sociedade; enquanto Aristóteles educara Alexandre, que fizera inúmeras coisas boas e salutares, Heidegger passou a se envolver e a guiar filosoficamente Hitler e o nazismo, e se sabe as atrocidades que emergiram de Hitler e os nazistas. Para Heidegger, sua filosofia, e a concreção de seus planos históricos através de Hitler e do nazismo, era, respectivamente, o ponto culminante da filosofia e da história. 

5. Em seu discurso como reitor a Universidade de Freiburg, em 27 de maio de 1933, intitulado “A Autoafirmação da Universidade Alemã”, expressou abertamente o fato de Hitler e os nazistas terem chegado ao poder como um grande despertar, e se referiu a este em termos de uma “grandeza e esplendor deste despertar”; para Heidegger, sua filosofia foi que ocasionou este despertar, e que Hitler e o partido nazista, eram aqueles que levariam adiante este despertar (OBS: em relação a isso, se pode pensar na decepção que isto deve ter gerado em Husserl); mas, os fatos não mentem, e Heidegger se tornou no mentor intelectual-filosófico do partido nazista, como mostram os Cadernos Negros destes anos. A filosofia de Heidegger mostrou que seu propósito se cumpriria cabalmente em desvelar a verdade que ninguém nunca conseguira compreender, e que este despertar à verdade também era feito em toda sociedade, através de Hitler e do partido nazista; e isto, é motivo suficiente para se compreender que a filosofia de Heidegger nada tem a contribuir com a teologia. 

6. Além disso, Heidegger, nos Cadernos Negros, faz uma declaração do que se constitui filosoficamente o nazismo, que para ele eram aquele que iriam retomar a essência dos alemães; Heidegger na Reflexão VII (1938), afirma: “A essência dos alemães: Que lhes seja permitido permanecer agarrados à luta pela sua essência, e que só sendo tal luta eles são as únicas pessoas que podem ser. Com esta luta só se casa aquele que é capaz de suportar a questionabilidade suprema daquilo que é mais digno de ser questionado (a diferença do ser), sem vacilar na margem de tempo que lhe foi dada pelo seu orgulho essencial […] Ser alemão: carregar o fardo mais íntimo da história do Ocidente, projetando-o no futuro”. Esta descrição de Heidegger é de difícil compreensão; mas, de maneira sintética, o que Heidegger afirma filosoficamente como luta pela essência, Hitler e o partido nazismo afirmam praticamente como a eliminação dos judeus: a luta pela essência de Heidegger é o mesmo que a purificação racial apregoada pelos nazistas (este parágrafo é adaptado de uma das breves lições de outro escrito, “Nótulas sobre o Nazismo” [outubro de 2023]).

A eliminação dos judeus como doutrina do partido nazista, foi filosoficamente embasada a partir da “luta pela essência” de Heidegger; o que Hitler houvera preconizado que faria no “Mein Kampf” (1924), ganhou forma e base filosófica a partir da influência de Heidegger, como se atesta nos Cadernos Negros. Isto, em si, demonstra outro aspecto indiscutível do porque a influência de Heidegger na teologia é extremamente maléfica, pois, a alma de uma filosofia é o que constitui a natureza de sua influência e de sua aplicabilidade.

7. Portanto, se uma filosofia como a de Heidegger tem essa alma que fora brevemente descrita, é clarividente as razões do porquê a filosofia de Heidegger não pode ser aplicada na teologia. Ou, tomando emprestado a expressão de Garrigou-Lagrange, para que um sistema filosófico seja batizado, é preciso que o mesmo possua alma; e o sistema filosófico de Heidegger possui uma alma “imbatizável”; logo, não tem nada a contribuir com a teologia. 

Deste modo, estas breves razões, são mais do que suficientes do porquê Heidegger não pode ter sua filosofia utilizada como simbiose ou como base de argumentação e/ou reflexão teológica; em relação a isso, a contribuição de Barth continua altaneira e deve ser seguida por todos aqueles que se dizem “teólogos” ou que almejam a ser “teólogos”, a saber: Heidegger nada tem a contribuir com a teologia. E, ponto final!

θεῷ χάρις! 


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