1. Recentemente,
vi uma atitude proveniente de alguns que provêm da teologia pentecostal, em
evocar uma influência de Martin Heidegger na teologia; e, para isso, evocaram o
aspecto da “filosofia existencialista” de Heidegger; ora, Heidegger não tem uma
filosofia existencialista; Heidegger fez parte da fenomenologia, e depois,
edificou um sistema filosófico próprio; e, a filosofia de Heidegger, uma
simbiose de fenomenologia — a de Heidegger e não a de Husserl -, de filosofia
antiga (pré-socráticos), de Scotus, de ocultismo e hermetismo alemão, de Hegel,
de Brentano, do próprio Husserl, etc.; a filosofia de Heidegger é um
sincretismo que tem por culminância o desvelar da verdade que se dá própria
filosofia de Heidegger.
2. O
jovem Heidegger chegou a impressionar Husserl; o que em si é um feito
extraordinário, pela capacidade de análise e pela dedicação aos estudos; mas,
ao desenvolver seu pensamento, Heidegger se distanciou de Husserl e fez uma
amalgama com todas as influências que teve, e procurou construir um sistema
filosófico completo a partir da ontologia. Neste sentido, Heidegger alcança a
maturidade intelectual ao publicar a obra “Sein und Zeit” (Ser e Tempo,
1927), e ao publicar “Kant und das Problem der Metaphysik” (Kant e o
Problema da Metafísica, 1929). Nisto, se estabelece a ideia fundamental de
Heidegger da história da filosofia como história do ser.
E,
este aspecto é o que se constitui o cerne do sistema de Heidegger, que
constitui-se não somente uma tentativa de acoplar o saber filosófico, mas de
usar este saber para efetuar o domínio (como por exemplo, Hegel fizera com o
sistema da ciência); por estes e outros motivos, o sistema filosófico de
Heidegger é totalmente contrário a fé cristã; nas várias análises de Heidegger,
em questões puramente filosóficas, se tem inúmeras contribuições ao saber, tais
como: o ressurgimento e a devida valorização de Hölderlin, a interpretação da
“Fenomenologia do Espírito” de Hegel, a interpretação de Nietzsche, os estudos
na “Metafísica” de Aristóteles, os estudos sobre Heráclito, etc.; mas de igual
modo como em Hegel, ao se verificar as aporias do sistema de Heidegger, se
observa que tal sistema nada tem a contribuir para com a fé e nada tem a
contribuir para com a teologia.
Por
isso, se evocam alguns aspectos das razões do porquê é necessário se vociferar
contra a influência de Martin Heidegger na teologia.
3.
Karl Barth, que apesar de não ser filósofo, tinha um erudito conhecimento
filosófico, afirmou numa carta a Bultmann (20 de junho 1931): “não porque é
Heidegger, mas porque ele é um filósofo que como tal não tem nada a dizer em
teologia e sobre teologia”. Ora, a afirmação de Barth a Bultmann, amigo de
Heidegger, certamente diz respeito a teologia; pois, um teólogo, enquanto
teólogo e no exercício da existência teológica, nada tem a aprender com
Heidegger, pois, como diz Barth, Heidegger, e não somente por ser Heidegger que
em si já é motivo para rejeitar, mas pelo fato de ser um filósofo, e como tal
nada tem a contribuir com a teologia e sobre a teologia. Nisto, Barth acertou
em cheio, com suas razões meio “puristas”, mas que alguns anos depois seriam
atestadas de maneira assombrosa. Em relação a este aspecto, a atitude do maior
teólogo do século passado, também deve ser seguida em tempos atuais.
4. A
filosofia de Heidegger, principalmente nas duas publicações acima mencionadas,
busca uma solução para o problema do ser, que Heidegger identifica como o cerne
da história da filosofia e da própria história da humanidade; para Heidegger, a
filosofia só seria levada a cabo quando chegasse um tempo onde ocorresse um
grande despertar, que levasse ao desvelamento da verdade (aletheia
[consultar a este respeito a interpretação de Heidegger sobre o Sofista de
Platão]), ao mesmo tempo em que tomasse conta da sociedade como um poder de
domínio absoluto para manter este despertar; o desvelamento da verdade é
Heidegger que proporciona em sua filosofia, e o poder de domínio para tomar
conta da sociedade Heidegger identificou em Hitler e no nazismo; Heidegger
tentou fazer como Aristóteles e encontrar num líder político um modo de aplicar
seus ensinamento a toda uma sociedade; enquanto Aristóteles educara Alexandre,
que fizera inúmeras coisas boas e salutares, Heidegger passou a se envolver e a
guiar filosoficamente Hitler e o nazismo, e se sabe as atrocidades que
emergiram de Hitler e os nazistas. Para Heidegger, sua filosofia, e a concreção
de seus planos históricos através de Hitler e do nazismo, era, respectivamente,
o ponto culminante da filosofia e da história.
5. Em
seu discurso como reitor a Universidade de Freiburg, em 27 de maio de 1933,
intitulado “A Autoafirmação da Universidade Alemã”, expressou
abertamente o fato de Hitler e os nazistas terem chegado ao poder como um
grande despertar, e se referiu a este em termos de uma “grandeza e esplendor
deste despertar”; para Heidegger, sua filosofia foi que ocasionou este
despertar, e que Hitler e o partido nazista, eram aqueles que levariam adiante
este despertar (OBS: em relação a isso, se pode pensar na decepção que isto
deve ter gerado em Husserl); mas, os fatos não mentem, e Heidegger se tornou no
mentor intelectual-filosófico do partido nazista, como mostram os Cadernos
Negros destes anos. A filosofia de Heidegger mostrou que seu propósito se
cumpriria cabalmente em desvelar a verdade que ninguém nunca conseguira
compreender, e que este despertar à verdade também era feito em toda sociedade,
através de Hitler e do partido nazista; e isto, é motivo suficiente para se
compreender que a filosofia de Heidegger nada tem a contribuir com a
teologia.
6.
Além disso, Heidegger, nos Cadernos Negros, faz uma declaração do que se
constitui filosoficamente o nazismo, que para ele eram aquele que iriam retomar
a essência dos alemães; Heidegger na Reflexão VII (1938), afirma: “A
essência dos alemães: Que lhes seja permitido permanecer agarrados à luta pela
sua essência, e que só sendo tal luta eles são as únicas pessoas que podem ser.
Com esta luta só se casa aquele que é capaz de suportar a questionabilidade
suprema daquilo que é mais digno de ser questionado (a diferença do ser), sem
vacilar na margem de tempo que lhe foi dada pelo seu orgulho essencial […] Ser
alemão: carregar o fardo mais íntimo da história do Ocidente, projetando-o no
futuro”. Esta descrição de Heidegger é de difícil compreensão; mas, de
maneira sintética, o que Heidegger afirma filosoficamente como luta pela
essência, Hitler e o partido nazismo afirmam praticamente como a eliminação dos
judeus: a luta pela essência de Heidegger é o mesmo que a purificação racial
apregoada pelos nazistas (este parágrafo é adaptado de uma das breves lições de
outro escrito, “Nótulas sobre o Nazismo” [outubro de 2023]).
A
eliminação dos judeus como doutrina do partido nazista, foi filosoficamente
embasada a partir da “luta pela essência” de Heidegger; o que Hitler houvera
preconizado que faria no “Mein Kampf” (1924), ganhou forma e base
filosófica a partir da influência de Heidegger, como se atesta nos Cadernos
Negros. Isto, em si, demonstra outro aspecto indiscutível do porque a
influência de Heidegger na teologia é extremamente maléfica, pois, a alma de uma
filosofia é o que constitui a natureza de sua influência e de sua
aplicabilidade.
7. Portanto,
se uma filosofia como a de Heidegger tem essa alma que fora brevemente
descrita, é clarividente as razões do porquê a filosofia de Heidegger não pode
ser aplicada na teologia. Ou, tomando emprestado a expressão de
Garrigou-Lagrange, para que um sistema filosófico seja batizado, é preciso que
o mesmo possua alma; e o sistema filosófico de Heidegger possui uma alma
“imbatizável”; logo, não tem nada a contribuir com a teologia.
Deste
modo, estas breves razões, são mais do que suficientes do porquê Heidegger não
pode ter sua filosofia utilizada como simbiose ou como base de argumentação
e/ou reflexão teológica; em relação a isso, a contribuição de Barth continua
altaneira e deve ser seguida por todos aqueles que se dizem “teólogos” ou que
almejam a ser “teólogos”, a saber: Heidegger nada tem a contribuir com a
teologia. E, ponto final!
θεῷ χάρις!
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