Prólogo.
1. A curiosidade é
um tema corriqueiro de uma sociedade, e por isto é um tema que passa
desapercebido; embora não seja um tema constantemente elucubrado, é algo que
permeia a vida humana no cotidiano; alguns, tem-na como algo bom; outros como
algo ruim; e realmente, há algo de bom na curiosidade, quando a mesma instiga a
buscar algum bem ou alguma coisa que ajuda no conhecimento da verdade, como nos
estudos e na busca por adquirir conhecimento intelecto. Todavia, a curiosidade
tem permeado a vida mais como um mal do que como algo bom; pois, pouquíssimos
são aqueles que buscam o conhecimento; logo, a curiosidade que tem permeado a
vida humana é a curiosidade como um mal e não aquela curiosidade em relação ao
conhecimento.
2. E, este tipo de curiosidade tem de ser analisado; não uma análise exaustiva, não uma análise fenomenológica da curiosidade, que aqueles com mais condições devem fazer o mais rápido possível; mas, de acordo com a necessidade que se nos foi imposta, uma análise da curiosidade enquanto um mal, para se conhecer a raiz, a natureza e as consequência da curiosidade; por isso, compreender sobre a curiosidade é tema preponderante não somente da filosofia, mas também da teologia; assim sendo, compreender sobre a curiosidade imbui aspectos filosóficos e teológicos. Deste modo, adentrar-se-á a uma compreensão inicial sobre a curiosidade, a qual em si mesma é suficiente para se entender este “fenômeno” e sua natureza.
Capítulo I: A curiosidade é uma desordem.
3. Deste modo,
compete compreender o que é curiosidade; pois, a curiosidade em si mesma,
envolve tanto elementos da alma, quanto elementos exteriores, isto é, tanto o
indivíduo quanto aquilo que se lhe apresenta; por isso, se compreende a
curiosidade de dois modos: primeiro, a curiosidade como desordem; segundo, a
relação entre a curiosidade e a concupiscência dos olhos.
4. Em relação ao
primeiro, se constata que a curiosidade é uma forma de desordem; Tomás de
Aquino afirma que a curiosidade é uma desordem (cf. Comentário a
Tessalonicenses, 1ª epist., cap. IV, lect. 1, n. 78); logo, a curiosidade
emerge de alguma desordem e se torna uma desordem, ao embeber a alma em vários
elementos contraditórios que corroem a virtude e a sobriedade da consciência;
pois, a curiosidade, além de privar a alma do bem, a inocula o veneno do mal; e
a curiosidade se manifesta cada vez mais como elemento que conduz a alma a
algum elemento mórbido.
5. Portanto, a curiosidade é uma desordem na medida que tira a ordem dos ímpetos naturais; pois, estes ímpetos, conquanto possam ser movidos pela curiosidade, e assim possam frutificar em algo bom, as mais das vezes, estes ímpetos são corroídos pela curiosidade, ao ponto da alma ser movida para elementos de desordem e de corrupção do coração; por isso, muitos curiosos desenvolvem a inveja ao invés de desenvolverem alguma virtude ou qualidade; pois, a curiosidade abre as portas para a inveja na medida que pela desordem causada pela curiosidade, a própria se transforma na inveja em relação a ordem de outrem.
Capítulo II: A curiosidade e a concupiscência dos olhos.
6. Em relação ao
segundo, se constata que a curiosidade possui estreita relação com a
concupiscência dos olhos; na verdade, é pela concupiscência dos olhos que os
homens adquirem a desordem da curiosidade; quanto mais males os olhos possuírem
maior será a intensidade da desordem da curiosidade; e quanto maior a
curiosidade, mais intensa será a concupiscência dos olhos. O instigar da
curiosidade eleva os olhos cada vez mais para a concupiscência, ao passo que a
concupiscência inocula cada vez mais a curiosidade.
7. Por isso,
Agostinho diz que a concupiscência dos olhos torna os homens curiosos; pois, o
desejo dos olhos permeia a imaginação, e se se imagina o que é vicioso, todo o
ser se torna vicioso, pois, a imaginação que se estabelece pelo desejo dos
olhos, semeia na imaginação o desejo como se tivesse sido praticado; logo, pela
concupiscência dos olhos, se imagina o que não se deve sobre outrem, e isto,
estimula a curiosidade naquilo que não convém, tornando-a busca de coisas ruins
e viciosas; pois, como o próprio Agostinho assevera, a curiosidade busca as
coisas contrárias; logo, a desordem da curiosidade institui a contradição em
todo o ser; pois, como os olhos são a candeia do corpo (cf. Mt 6.22a), então, a
partir da curiosidade se estabelece desordem em todo o ser.
8. Além disso, a curiosidade que surge pela concupiscência dos olhos, as mais das vezes, transforma-se em voyeurismo (ou mixoscopia); e a partir do voyeurismo surgem os vícios sexuais, entre os quais, o mais corriqueiro é o vício em pornografia; mas, o voyeurismo se inicia não em relação a questões sexuais, conquanto as mais das vezes desemboque em questões sexuais; mas o voyeurismo surge da curiosidade com relação a privacidade e a intimidade de outrem; logo, da curiosidade surge o voyeurismo, e deste, surgem outras coisas ainda piores; e, assim, se consegue compreender os perigos terríveis da curiosidade.
Capítulo III: A curiosidade e os vícios.
9. A curiosidade,
ao ser uma desordem, acaba por ser tornar um hábito; e este hábito, uma vez
cristalizado, se transforma num vício, tornando a curiosidade porta de entrada
de vícios e de atos viciantes; pois, um vício é sempre algo contrário a
natureza; Tomás de Aquino afirma que há vício sempre que um ser qualquer tem
disposição contrária ao que lhe convém por natureza (cf. STh Ia IIae, q. 71, a.
2, co.); e a curiosidade, como é uma desordem, é algo contrário a natureza;
logo, a curiosidade é um vício.
10. Mas, a
curiosidade não somente é um vício que se desenvolve no indivíduo em desordem
interior; mas, é um vício, que torna o curioso alguém viciante; pois, a
desordem, ao se manifestar na curiosidade, acaba por tornar o curioso alguém
obsessivo com aquilo que lhe causa curiosidade (causando uma neurose
obsessiva), com o algo que lhe atina o ímpeto da curiosidade, e isto,
desenvolve uma morbidade na alma (ou morbidades); então, sendo a curiosidade
uma desordem, que se transforma num vício, a própria curiosidade passa a
desenvolver ou a abrir as portas para outros vícios, principalmente aqueles que
são mais suscetíveis a emergir da desordem.
11. Portanto, a curiosidade, como uma desordem, causa ainda mais desordens no interior do indivíduo, ao ponto de em alguns casos, desembocar na inferência da liberdade, tamanha o ímpeto da curiosidade; tem pessoas que chegam a tamanha desordem que a energia da pulsão sexual se transmuta em uma força vulcânica para saciar a curiosidade; e a curiosidade, uma vez que atinge este estado, se transforma um abismo sem fundo; pois, assim, o vício da curiosidade evolui, e um vício é sempre algo insaciável. A curiosidade, portanto, ao ser uma desordem, e com isso, ao se transformar em vício, torna o curioso um poço insaciável com relação ao objeto de sua curiosidade.
Capítulo IV: A curiosidade e a vida do próximo.
12. Deste modo,
sendo a curiosidade uma desordem, e sendo a mesma um vício, geralmente se
manifesta com relação a vida e as coisas do próximo; pois, o curioso, ao ter a
desordem em si, passará a ter curiosidade com relação àqueles que vivem em
ordem; logo, aqueles que vivem em desordem, tentarão vasculhar a vida de quem
vive em ordem para procurar algum vício com algum propósito escuso; por isso,
Tomás de Aquino afirma que aquele que busca examinar os vícios dos próximos,
para desprezá-los, detraí-los ou para inquietá-los, procede viciosamente (cf.
STh IIa IIae, q. 167, a. 2, ad 3); logo, a curiosidade faz com que o indivíduo
proceda viciosamente.
13. Assim, o
proceder vicioso do curioso com relação ao próximo, busca encontrar no próximo
as desordens que o curioso possui em si; pois, quem procura falhas grandes onde
as mesmas não existem, é porque estas falhas existem em si; o curioso busca
encontrar algum vício naqueles que vivem em ordem, para saciar o vazio do
monstro da curiosidade que alimenta dentro de si; por isso, a curiosidade se
manifesta com relação a ordem do próximo; e, pasma-se, não com relação as
grandes coisas que provêm da ordem; mas a curiosidade se manifesta com relação
a pequenos e simples afazeres feitos com ordem, que são o estopim para
despertar o ímpeto do curioso, e as mais das vezes, também alimentar a inveja.
14. Pois, a curiosidade com relação a vida do próximo, isto é, com o que o próximo trabalha, o que faz, com quem se relaciona, e coisas similares, torna o curioso não somente saciado com a curiosidade, mas ao mesmo tempo desenvolve a inveja, com o propósito de prejudicar o próximo em seus afazeres com ordem; a inveja do curioso busca destruir a ordem do objeto invejado, para que também neste se semeia a desordem da curiosidade; é um ciclo vicioso, mas que tem por ponto de partida a curiosidade.
Capítulo V: A curiosidade e a irracionalidade.
15. Além disso, se
pode constatar outro aspecto a respeito da curiosidade; pois, a curiosidade
além de ser desordem, e um vício; e o caractere de todo vício é estar contra a
natureza, estar contra a razão; e, Pseudo-Dionísio afirma que o mal do homem é
estar contra a razão (cf. De Div. Nom., cap. IV); logo, a curiosidade se
transforma em algo irracional, e por isso, como é algo irracional, é um mal que
assola o ser humano.
16. A curiosidade
inocula o mal no curioso, ao ponto deste semear males; a curiosidade enche o
indivíduo de males, de tal modo que, ao semeá-los, produz nestes e através
destes, elementos que propagam o mal; logo, a curiosidade se torna como que um
vírus, que se propaga a ponto de semear outros vícios; e, neste quesito,
acrescenta-se ainda, que a curiosidade é um elemento contrário a fé; onde há fé
verdadeira não existe este tipo de curiosidade que fora até aqui evocado; a
curiosidade sufoca e mata a fé; logo, se alguém se diz cristão e é influenciado
pela curiosidade que fora acima descrita, então, é alguém que apostatou da fé.
17. Pois, em relação a fé, a curiosidade mais do que apenas enfraquecer a fé, também calcina a soberba no coração, ao ponto de o curioso querer se tornar um “deus” sobre os objetos de sua curiosidade. Portanto, a curiosidade é sinal de irracionalidade, e um tipo de irracionalidade que, ao se cristalizar, se torna contrária a toda ordem e a toda virtude; pois, a desordem da curiosidade calcina a irracionalidade, de modo que a curiosidade passa a reger as ações do indivíduo; e as ações anti-racionais, se tornam, então, em elementos contrários a razão, isto é, em ações viciosas, e, consequentemente, em ações viciantes.
18. Termina aqui esta
explicação sobre a curiosidade. Bendito seja Deus por todas as coisas.
Amém.
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