1. “Este é o livro dos
mandamentos de Deus e a Lei que subsiste para todo o sempre. Todos aqueles que
a seguem adquirirão a vida, e os que a abandonam morrerão” (Br 4.1); esta
sentença do texto deuterocanônico, descreve bem o que é a Bíblia; pois, em
todos os sentidos, a Bíblia é o Livro, donde se afirmar: “Este é o livro”;
e, a Bíblia é o Livro, por dois motivos: primeiro, porque é o livro dos
mandamentos de Deus: “Este é o livro dos mandamentos de Deus”; segundo,
porque é a lei que subsiste eternamente: “e a lei que subsiste para todo o
sempre”. Deste modo, este livro, o mais singular livro entre os homens, é o
melhor presente que Deus deu a humanidade[1].
2. A excelência da Bíblia pode
ser descrita de três modos: primeiro, em Seu autor; segundo, em seu conteúdo;
terceiro, em seus efeitos.
Primeiro, em Seu autor, que é
Deus. “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de
particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de
homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito
Santo” (2Pe 1.20-21).
Segundo, em seu conteúdo, que
aponta para Cristo. “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a
vida eterna, e são elas que de mim testificam” (Jo 5.39).
Terceiro, em seus efeitos. “Porque,
assim como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, mas regam a
terra e a fazem produzir, e brotar, e dar semente ao semeador, e pão ao que
come, assim será a palavra que sair da minha boca; ela não voltará para mim
vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei”
(Is 55.10-11).
E os efeitos da Sagrada
Escritura, se dão de dois modos: um em relação a conversão dos pecadores: “Porque
com grande veemência convencia publicamente os judeus, mostrando pelas
Escrituras que Jesus era o Cristo” (At 18.28); outro, em relação ao
conforto e consolação dos fiéis. “Porque tudo que dantes foi escrito para
nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras,
tenhamos esperança” (Rm 15.4). “Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a
Deus e à palavra da sua graça; a ele, que é poderoso para vos edificar e dar
herança entre todos os santificados” (At 20.32).
3. Portanto, a Bíblia é
recomendada de modo altaneiro e com os mais preciosos elogios, os quais, por
sua vez, devem, a partir da própria Escritura devem fazer três coisas: ensinar,
deleitar e comover; os elogios à Sagrada Escritura, são um modo de demonstrar a
excelência da lei do Senhor. E isto, a fim de ensinar: “Toda Escritura
divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir,
para instruir em justiça” (2Tm 3.16); a fim de deleitar: “Mais
desejáveis são do que o ouro, sim, do que muito ouro fino; e mais doces do que
o mel e o licor dos favos” (Sl 19.10); e, a fim de comover: “a minha
alma tinha-se derretido quando ele falara” (Ct 5.5b). Pois, segundo
Agostinho, este é o propósito do ensino, tanto que, “ensinar é uma
necessidade; deleitar, um prazer; comover, uma vitória”[2].
E, a Sagrada Escritura, faz os três, tanto em função de Seu autor, quanto de
seu conteúdo, bem como em seus efeitos. Por isso, literalmente é o Livro.
4. Além disso, recomenda-se a
Bíblia, a fim de que a mesma não seja ignorada, pois, há este perigo entre o
povo de Deus, como atesta a própria Escritura: “O meu povo foi destruído,
porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também
eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te
esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos” (Os
4.6); portanto, a Escritura jamais pode ser ignorada, pois senão se ignora o
próprio Cristo; como São Jerônimo diz: “ignorar as Escrituras, é ignorar a
Cristo”[3].
Portanto, recomenda-se a Escritura, pois, a Escritura testemunha de Cristo;
logo, examinar a Escritura, é melhor conhecer a Cristo, já que toda a Escritura
testemunha de Cristo, como o próprio Senhor Jesus afirmara: “E disse-lhes:
São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: convinha que se
cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e
nos Salmos” (Lc 24.44).
5. Deste modo, se compreende a
importância de se conhecer a Escritura; e, para melhor conhecer a Escritura, de
antemão, se faz necessário compreender o modo como a mesma está disposta, isto
é, sobre as partes das Sagradas Escrituras. E, sobre isso, duas considerações
são feitas: primeiro, a respeito da divisão geral da Escritura; segundo, a
respeito da divisão específica de cada parte da Escritura.
Em relação ao primeiro, se
observa duas coisas: primeiro, a divisão geral da Escritura, em Antigo e Novo
Testamento; segundo, a divisão temática da Escritura, em lei e graça. “Porque
a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo
1.17). Pois, toda Escritura é ao mesmo tempo lei e graça como se constata nos
Santos Padres. E, a distinção da Escritura como lei e evangelho, ou lei e
graça, ou mandamentos e graça, é uma pressuposição estabelecida de maneira
cabal por Tomás de Aquino[4].
6. Em relação a segunda
consideração, se fazem duas coisas: primeiro, compreende-se a divisão do Antigo
Testamento; segundo, a divisão do Novo Testamento.
Quanto ao primeiro, o próprio
Senhor Jesus estabelece a divisão do Antigo Testamento em três partes, a saber:
lei, profetas e salmos (cf. Lc 24.44); quanto ao segundo, também se estabelece
a divisão do Novo Testamento em três partes: a fonte da graça, a doutrina da
graça, e a vida na graça.
7. Em relação ao Antigo
Testamento, se compreende o mesmo em três partes distintas: primeiro, a lei;
segundo, os profetas; terceiro, os salmos. Nestas três partes está contido todo
o Antigo Testamento.
Quanto ao primeiro, a lei,
refere-se aos cinco primeiros livros de Moisés, de Gênesis a Deuteronômio.
Quanto ao segundo, os profetas,
se subdivide em duas partes: uma, a dos livros históricos, que versam sobre o
agir de Deus na história de seu povo, de Josué aos livros de Macabeus; a outra,
a dos livros proféticos, que versam sobre a mensagem de Deus para seu povo e
para todos os povos, que vai de Isaías até Malaquias, os profetas maiores e os
profetas menores.
Quanto ao terceiro, os salmos, se
compreende os textos sapenciais, de Jó ao Eclesiástico.
Nesta divisão tríplice, se
encontra o Antigo Testamento, que estabelece os mandamentos e ordenanças de
Deus ao Seu povo, apontando para o cumprimento do plano eterno da redenção em
Cristo. “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu
evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que
desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora e se notificou
pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as
nações para obediência da fé, ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus
Cristo para todo o sempre. Amém!” (Rm 16.25-27).
8. Em relação ao Novo Testamento,
se compreende o mesmo, de igual modo como no Antigo Testamento, em três partes
distintas: primeiro, a fonte da graça; segundo, a doutrina da graça; terceiro,
a vida na graça.
Quanto ao primeiro, a fonte da
graça, se subdivide em duas partes: primeiro, os evangelhos, de Mateus a João,
que narra a vida e as obras do Senhor Jesus, Aquele que é a fonte da graça, e
por meio de quem a graça fora outorgada de maneira plena e cabal. “Havendo
Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, a nós falou-nos, nestes últimos dias, pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo” (Hb 1.1-2). Segundo, o
início da Igreja, a partir da fonte da graça, através da Obra do Espírito, no
livro dos Atos dos Apóstolos.
Quanto ao segundo, a doutrina da
graça, se compreende as epístolas paulinas, de Romanos a Filemon, nas quais, se
dá a descrição da doutrina estabelecida a partir da fonte da graça, sublimando
e completando a mensagem do Velho Testamento, onde a graça está manifesta sob a
forma da lei.
Quanto ao terceiro, a vida na
graça, se subdivide em duas partes: primeiro, o desenvolvimento da vida na
graça, nas epístolas gerais; segundo, a consumação da vida na graça e de todas
as coisas, no livro do Apocalipse.
Nesta tríplice divisão está
disposto o Novo Testamento, que estabelece a graça para a vida de acordo com os
mandamentos de Deus, a graça operante e suficiente para conduzir os eleitos na
vida que agrada a Deus e para transformá-los de glória em glória. “Mas todos
nós, com cara descoberta, refletindo, como um espelho, a glória do Senhor,
somos transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do
Senhor” (2Co 3.18). A graça que demonstra que a obra iniciada por Deus em
seus eleitos, Ele a completará completamente. “Tendo por certo isto mesmo:
que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus
Cristo” (Fp 1.6).
9. Em suma, esta é a divisão da
Escritura, a mensagem da graça de Deus: primeiro, a graça velada sob a forma da
lei e anunciada pelos profetas ao longo da história do povo de Deus; segundo, a
graça desvelada cabalmente em Jesus Cristo, o Filho de Deus. Portanto, analisar
as Escrituras, compreender as Escrituras, é compreender sobre os mistérios
inauditos da graça de Deus, sobre o grandioso favor imerecido de Deus. Logo,
examinar as Escrituras, produz três efeitos nos fiéis: primeiro, a Palavra de
Deus discerne os pensamentos e os propósitos do coração. “Porque a palavra
de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois
gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas,
e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4.12).
Segundo, a Palavra de Deus santifica os fiéis que nela meditam e que a amam. “Santifica-os
na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). “Oh! Quanto amo a tua
lei! É a minha meditação em todo o dia” (Sl 119.97). Terceiro, a Palavra de
Deus é fonte do bem. “O que atenta prudentemente para a palavra achará o
bem, e o que confia no Senhor será bem-aventurado” (Pv 16.20).
10. Deste modo, oremos para que o
Senhor desvende os nossos olhos para contemplarmos as maravilhas de Sua
palavra. “Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei”
(Sl 119.18). E, para que Ele ilumine os olhos de nosso entendimento para a
compreensão de das riquezas inauditas da Sagrada Escritura. “tendo
iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a
esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória de sua herança nos
santos” (Ef 1.18). “Melhor é para mim a lei da tua boca do que inúmeras
riquezas em ouro e prata” (Sl 119.72).
Portanto, certos e confiantes da boa mão do Senhor em nos guiar e iluminar podemos adentrar ao estudo e a compreensão da Sagrada Escritura, amparados e consolados pelo guiar do Espírito Santo, o inspirador e cultivador da Sagrada Escritura, em quem confiamos e cremos que nos conduzirá no entendimento da Sagrada Escritura. Oremos a Cristo neste sentido, e tornemo-lo um hábito no caminho da vida piedosa.
[1] Entre tantos
testemunhos de personagens icônicas da história a respeito da importância da
Bíblia, volve-se a mente aquilo que Abraham Lincoln, 16º presidente dos EUA, afirmara: “em relação a este
Grande Livro, só tenho a dizer que é o melhor presente que Deus deu ao homem.
Todo o bem que o Salvador deu ao mundo foi comunicado por meio desse livro. Se
não fosse por ela, não poderíamos distinguir o certo do errado. Todas as coisas
mais desejáveis para o bem-estar do homem, aqui e no além, podem ser encontradas
retratadas nele” (Roy P. Basler (ed.), Collected Works of Abraham
Lincoln Vol. 7 [New Brunswick/New Jersey: Rutgers University Press, 1953],
pág. 542).
[2] cf. Santo Agostinho, De Doctrina Christianae, livro IV, cap. 12,
n. 27.
[3] São Jerônimo, Commentaria in Isaiam Prophetam, prol., n. 1-2, In: PL
24, pág. 17.
[4] cf. Tomás de Aquino, De Commendatione et Partitione Sacrae Scripturae, pars II.
E este escrito se baseia na pressuposição tomasiana e na pressuposição
albertiana sobre o princípio bíblico (principium biblicum), a fim de apresentar
a Sagrada Escritura.
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