26/07/2024

Sobre a Risada

Prólogo.

1. “O coração alegre aformoseia o rosto” (Pv 15.13a); a alegria é uma bênção; é uma dádiva; é fruto do Espírito (cf. Gl 5.22-23); o preceito sapencial descreve que a alegria traz beleza; a alegria é um elemento embelezador; mas, também a alegria pode ser elemento de manipulação e com isso deixa de ter beleza e fulgor; pois, a alegria verdadeira difere da falsa alegria; e isto pode ser entendido a partir da distinção entre riso e sorriso; e a elucubração sobre a risada, isto é, sobre o ato de rir, ou mais propriamente, sobre a manifestação da alegria, pode ser entendida a partir desta simples distinção, mas que demonstra a diferença entre a alegria virtuosa e que faz bem, e a falsa alegria que é viciosa e contamina todo o ser.

2. Assim sendo, se faz necessário investigar os aspectos concernentes a este tópico de estudo, delineado a partir da proposição da risada; e compreender este assunto tanto da perspectiva bíblica, quanto da perspectiva filosófica; tanto a partir dos ensinamentos bíblicos, quanto a partir dos ensinamentos filosóficos; pois, a alegria como parte das virtudes, diz respeito a algo fundamental da vida humana, e por isso, é objeto de investigação racional; logo, compreender sobre a risada abaliza o entendimento sobre a alegria e sobre a distinção entre riso e sorriso, bem como as nuances que vem amalgamadas a estes entendimentos, que são fundamentais no entendimento sobre o drama da vida humana.

Capítulo I: A definição de risada.

3. O primeiro aspecto a ser falado diz respeito a uma definição de risada; evidentemente, risada diz respeito ao ato de rir ou de gargalhar; portanto, numa definição mais específica, é necessário compreender o que é o riso; Cícero diz que o riso está limitado por alguma torpeza ou deformidade (cf. Cícero, De Oratore, II, 236); logo, o riso surge a partir de algum defeito, e/ou deformidade que de alguma forma não deveria estar disforme; esta deformidade causa o riso ou pelo menos impulsiona sua prática através de algum uso desta deformidade. Esta é a definição mais simples de riso e de sua causa mais comum.

4. Mas, além disso, o riso pode conter elementos de análise psicológica; pois, como diz Quintiliano, o riso é movido por certo movimento do ânimo (cf. Quintiliano, Institutio Oratoria, VI, 6); logo, onde há o riso há algo ou alguma coisa influenciando o ânimo ou movendo-o, que tanto pode ser a deformidade, quanto a compreensão inversa da deformidade, isto é, se ri da “deformidade” de outrem para esconder e velar a própria deformidade; e isto, infere tantos aspectos que vão desde o entendimento sobre a alma, pois o riso é certo movimento da alma até o entendimento sobre a feitiçaria (por mais chocante que isso possa parecer), que produz o movimento do ânimo involuntariamente bloqueando o entendimento para compreender coisas boas e virtuosas; etc.

5. Portanto, se tem alguns preceitos para se compreender a risada: primeiro, o modo da risada (se é riso ou sorriso); segundo, a raiz da risada; terceiro, o estado de alma de quem dá o riso; quarto, o riso utilizado como instrumento de pessoas viciosas; quinto, o riso como inversão da realidade; sexto, o riso como expressão de alguma morbidade da alma; sétimo, o riso pode ser expressão de submissão absoluta a um sistema vicioso. Estes preceitos e aspectos, ao serem analisados com cuidado e esmero, constituem-se uma excelente ferramenta para se descobrir a raiz da risada, bem como para descortinar o estado de alma dos participes das risadas.

6. Além destes aspectos, se observa que as pessoas viciosas e sem caráter, tentam se utilizar da risada para manipular e/ou influenciar negativamente aqueles de quem riem; pois, o riso serve como uma flecha pontiaguda que acutila a mente e corrompe a vontade daqueles que se deixar enfeitiçar pela inveja que emana da risada; tanto que os filósofos antigos, pensavam na risada como elemento que era utilizado pelo sofistas em seus discursos, para enganar e surrupiar as pessoas; mas não somente pelos sofistas em seus discursos, mas principalmente por aqueles que vivem tal qual sofisma, isto é, de maneira dissoluta, insolente e viciante. Na verdade, os que mais se utilizam da risada como instrumento de escárnio são aqueles que menos possuem virtudes e os que mais cometem os vícios da baixeza (cf. Rm 1.26-32).

Capítulo II: A distinção entre riso e sorriso.

7. E, ao se elucubrar sobre a risada, após a definição basilar da mesma, é necessário se compreender outro aspecto de fundamental importância; pois, ao se evocar o termo risada, se açambarca muitos aspectos; além disso, o tema também se reveste de dificuldades incisivas; Quintiliano afirma: “a natureza de sua matéria é muito perigosa, pois o riso não se afasta muito do escárnio” (Quintiliano, Institutio Oratoria, VI, 7); por isso, elucubrar sobre o riso, sobre a risada, requer uma distinção, justamente para se evitar este perigo elencado por Quintiliano; deste modo na elucubração racional sobre a risada, se evoca a distinção entre riso e sorriso, que constitui-se de um dos mais importantes aspectos nesta elucubração.

8. O riso, refere-se a atitude da risada como escárnio; o riso é expressão de escárnio, da risada que é escarnecedora; por isso, segundo o Pe. Vieira, o riso sempre é seguido pelo pranto, bem como também diz o Pe. Vieira que a maior impropriedade da razão é o riso, e que o riso é o final do racional; logo, se percebe que o riso, por ser expressão de escárnio, é sempre contrário a razão; na verdade, o riso é a maior impropriedade da razão, pois é expressão da rejeição a razão; cada ato de riso é sinal da cristalização da rejeição a razão.

9. O sorriso, refere-se ao verdadeira risada, a expressão da verdadeira alegria; o sorrido é expressão de alma virtuosa; por isso, o sorriso é sempre seguido por virtudes, bem como o sorriso é uma das mais belas propriedades da razão; pois, o sorriso é expressão do racional e da perfeita sobriedade da razão; logo, se percebe porque o sorriso é sempre favorável a razão; na verdade, o sorriso é uma das mais belas propriedades da razão, pois é expressão da sobriedade da razão e das virtudes na alma; portanto, o sorriso é evidência de um coração alegre, de um coração que experimenta a verdadeira alegria, que fortalece a inteligência e fortifica a vontade, ao ponto de até mesmo de servir de elemento embelezador (cf. Pv 15.13a).

Capítulo III: O riso e o sorriso na sabedoria bíblica.

10. E, esta distinção entre riso e sorriso, e suas respectivas propriedades, também é extraída da sabedoria bíblica; e, sobre isso, dois aspectos são salientados: primeiro, as descrições bíblicas sobre o riso; segundo, a descrição bíblica sobre o sorriso.

Primeiro, as descrições bíblicas sobre o riso; nas Escrituras, o riso é apresentado como elemento de escárnio contra as coisas de Deus e de zombaria contra os preceitos de Deus; por isso, no Evangelho se diz: “Ai de vós que agora rides, porque vos lamentareis e chorareis!” (Lc 6.26b). Além disso, o riso, como é parte do escárnio, é praticado por aqueles que as Escrituras chamam de “bocas ímpias”; e a boca ímpia derriba uma cidade (cf. Pv 11.11); e, como os ímpios maquinam o mal, então, o riso é proveniente de um coração corrompido e onde há engano, pois há engano no coração dos que maquinam o mal (cf. Pv 12.20); e, o riso é expressão do coração que maquina o mal ou que pratica o mal, donde, muitas vezes o próprio riso provir de maneira involuntária, tal como Quintiliano afirmara que o riso muitas vezes irrompe involuntariamente (cf. Quintiliano, Institutio Oratoria, VI, 9); e, se irrompe de maneira involuntária aquilo já domina o coração mais não se apercebe, e através do riso “involuntário” se consegue compreender e perceber o que está no coração de alguém e o que este alguém está fazendo.

11. Segundo, as descrições bíblicas sobre o sorriso; nas Escrituras, o sorriso é apresentado como elemento de alegria e do coração alegre (cf. Pv 15.13); por isso, a expressão da alegria é o sorriso, que diferentemente do riso, não é expressão de maldade e engano, mas de verdade e sinceridade; outrossim, é que o riso sempre é calcinado com a injustiça, enquanto que a verdadeira alegria é praticar a justiça (cf. Pv 21.15). Portanto, o sorriso é a descrição da alegria, da verdadeira alegria, que se expressa não de maneira involuntária como o riso, mas que se expressa de maneira sóbria e voluntária, demonstrando sobriedade na alma. Pois, a verdadeira alegria é fruto de olhos bons (cf. Pv 15.30), enquanto que o riso é proveniente de olhos ruins. Logo, o sorriso difere do riso em natureza e essência, bem como naquilo que demonstra exteriormente o estado do interior do indivíduo.

12. Deste modo, na sabedoria bíblica existem descrições primárias da distinção entre riso e sorriso, e existem inúmeras descrições secundárias que são açambarcadas a partir da distinção entre riso e sorriso e no modo como as características do riso e do sorriso são delineadas na sabedoria bíblica; o riso como elemento que descreve o escárnio e a zombaria; o sorriso como a verdadeira alegria a que aformoseia o rosto e fomenta coisas boas na alma.

Capítulo IV: Os tipos de riso.

13. Tendo feito esta distinção fundamental entre riso e sorriso, tanto na reta razão quanto em relação a sabedoria bíblica, se prossegue para entender os tipos de riso e os tipos de sorriso. Primeiro, evidentemente, os tipos de riso; depois, os tipos de sorriso. Pois, ao se verificar o riso como “impropriedade da razão”, se observa que o mesmo se expressa de alguns modos, e estes modos ou tipos, também tem imbuídos em si algumas outras coisas. Logo, compete analisar os tipos de riso. E, sobre isso, duas coisas se estabelecem: primeiro, o riso como ato vicioso; segundo, o riso como ato viciante.

14. Em relação ao primeiro, se estabelece três pressupostos: primeiro, o riso é expressão de escárnio, isto é, de zombaria contra as coisas de Deus; por isso, como diz o Pe. Vieira, o riso sempre é seguido pelo pranto.

Segundo, o riso é expressão de tolice, e é tal como o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela (cf. Ec 7.6); logo, aqueles que riem expressam tolice, seja em atos e/ou palavras seja no apoio a práticas tolas e vis.

Terceiro, o riso desdenhoso, o riso que as mais das vezes é movido pela inveja; como o riso irrompe involuntariamente, então, o que move para o riso, é a razão do riso; então, se o riso é desdenhoso, isto é, se se escarnece da virtude ou do caráter virtuoso de alguém, então, isto é desdém, o qual, por sua vez, nasce da inveja; por isso, o riso desdenhoso é expressão de inveja calcinada na alma.

Logo, se tem o riso escarnecedor, o riso tolo, e o riso invejoso; algumas vezes o riso manifesta uma destas características, outras mais de uma; mas, geralmente, o riso é expressão da amalgama destas três características. Assim sendo, o riso é sempre expressão de vícios, pois é um ato vicioso, emana de vícios e expressa os mais variados tipos de vícios. Por isso, aqueles que dão risadas, estão com a alma enlameada nos vícios.

15. Em relação ao segundo, se estabelecem dois pressupostos: primeiro, o riso como elemento de contaminação; pois, como o riso é expressão de atos viciosos, então, necessariamente, o riso germinará vícios; por isso, o riso é viciante, isto é, gera vícios em quem as flechas do riso acertam; e, por isso, em todas as manifestações do riso, sempre se tem a geração de vícios; aqueles que dão risadas propagam os vícios, e por isso, são viciantes.

Segundo, o riso como elemento de degeneração; o riso como elemento de contaminação, não somente contamina aquele que dá risada, e aqueles diante de quem as risadas são feitas, mas o vício gera a degeneração espiritual; e toda degeneração espiritual, mina a força vital e fundamental; logo, as risadas servem de elemento para minar a verdadeira força e a vitalidade natural, isto é, as risadas buscam interromper as fontes cristalinas das virtudes. Por isso, onde há o riso, há a degeneração espiritual; e onde há degeneração espiritual, haverá todo tipo de males e de obra maligna; pois, a degeneração espiritual, transforma os jardins da alma em pasto lodacento para a obra dos demônios.

Capítulo V: Os tipos de sorriso.

16. Depois de se ter evocado alguns tipos de riso, se faz necessário analisar os tipos ou modos do sorriso. E, sobre isso, se evoca três coisas: primeiro, o sorriso como expressão de alegria; segundo, o sorriso como expressão da piedade natural; terceiro, o sorriso como expressão da piedade espiritual.

Primeiro, o sorriso como expressão de alegria; o sorriso é expressão de verdadeira alegria; e o sorriso, como tal, traz inúmeros benefícios para o corpo; pois, o sorriso é o ato que mais movimenta músculos na face, e com isso, produz aquilo que a Escritura chama de embelezamento (cf. Pv 15.13). Logo, o sorriso sempre traz evidência de alegria, e esta alegria sempre “poliniza” ao seu redor, e “contagia” outras pessoas com coisas boas, pois, esta é a natureza da alegria.

17. Segundo, o sorriso como expressão da piedade natural; além disso, o sorriso é expressão de piedade natural, isto é, daquela piedade inerente a natureza humana, que na Ética ganha o nome de virtudes cardeais ou naturais; logo, o sorriso é expressão de que a natureza humana não fora degenerada totalmente (embora isso não signifique necessariamente que haja justiça espiritual [cf. Is 64.6]); mas o sorriso, mesmo naqueles que não conhecem a Deus, é expressão de piedade natural, a qual é obrigação natural e inalienável de todo ser humano, pela dignidade inviolável que lhe é inerente. Portanto, o sorriso, diferente do riso, demonstra as propriedades da razão e do racional; enquanto que o risível é irracional e vitupera a vontade, o sorriso é racional e preserva a vontade da contaminação.

18. Terceiro, o sorriso como expressão da piedade espiritual; e, o sorriso, evidentemente, também tem a ver com a alegria espiritual; pois, aqueles que foram regenerados, haverão de sorrir; e, principalmente estes, haverão de demonstrar a verdadeira alegria através do sorriso; e, mesmo que na vida nem tudo seja “sorriso” e alegria, todavia, a alegria há de ser evidente no cristão, mesmo em momentos de tristeza e de intensas tribulações. Por isso, aquele que crê em Cristo, é alguém alegre (cf. Fp 4.4). Logo, o sorriso é expressão de piedade espiritual, a piedade da comunhão com Deus, que o torna o humor, mesmo em personalidades fortes, expressão do atuar da graça de Deus no indivíduo. Portanto, o sorriso principalmente se torna manifesto a partir da piedade espiritual.

19. Deste modo, há três maneiras de se entender o sorriso; todos eles, se manifestam em menor ou maior grau; mas, em todos os tipos de sorriso, há a manifestação da graça de Deus; a verdadeira alegria, sempre é obra da graça; nos dois primeiros tipos evocados, obra da graça comum de Deus; no último tipo, obra da graça salvadora; mas, sempre é obra da graça. Nos dois primeiros tipos, de quando da preservação da natureza da corrupção total do Pecado; no último tipo, de quando da obra soberana do Espírito em reconciliar o pecador com Deus através de Cristo. Portanto, há estes três tipos de sorriso, os quais testemunham da obra da graça, diferentemente do riso, que são expressão da degeneração espiritual, e que são a rejeição da graça comum de Deus, seja de maneira consciente na blasfêmia e revolta contra Deus, seja de maneira inconsciente de quando do domínio cultural pelas ideologias nefastas.

Capítulo VI: A alegria natural verdadeira.

20. E, se observa que em relação a descrição dos tipos de sorriso, se percebe algo interessante; pois, ao se diferenciar riso e sorriso, e os aspectos que vem amalgamados, se pode aclarar a compreensão sobre a alegria natural verdadeira, que justamente deve ser objeto de análise; pois, em se tratando dos verdadeiros cristãos, a alegria deve ser algo evidente, e é parte da vida cristã; sobre isso, não é necessário se falar muito neste escrito; todavia, é necessário se entender os aspectos do que se constitui a alegria natural verdadeira, a qual, deve permear toda a vida humana, seja nos cristãos seja naqueles que não são cristãos; e isto, pelo fato de que são seres humanos, bem como porque a alegria verdadeira é evidência incontestável da preservação e da conservação da dignidade humana.

21. Assim sendo, a alegria natural verdadeira é entendida a partir de dois prismas, os quais também são os transcendentais dos direitos humanos, a saber: primeiro, a partir da vida em liberdade; segundo, a partir da busca pela felicidade.

Primeiro, a partir da vida em liberdade; o ser humano nasceu para viver em liberdade; logo, para que haja a alegria natural deve haver liberdade, e liberdade plena em todos os sentidos; na verdade, a alegria natural verdadeira, é fruto da vida em liberdade; alegria e liberdade se coadunam; a alegria natural, pressupõem a liberdade, enquanto que a liberdade ao ser experienciada tal como tem de ser traz a alegria natural. Logo, a vida em liberdade, pressuposto singular da dignidade que é inerente a todo ser humano, é o caminho para que a alegria natural verdadeira seja evidente e mais demonstrada; além disso, a vida em liberdade, calcina o caráter do povo a partir da bondade natural, da bondade em relação as coisas naturais que se manifesta de diversos modos, tais como: respeito para com próximo, cuidado com a natureza, amor para com a criação, busca da justiça nas coisas humanas, senso de dever, de justiça, de esperança, etc.

22. Segundo, a partir da busca pela felicidade; além de ter nascido para viver em liberdade, o ser humano nasceu para a felicidade; a vida feliz, objeto de reflexão dos filósofos antigos, é pressuposto inalienável da vida humana; logo, se manifesta de diversos modos e de diversas maneiras, principalmente a partir da vida em liberdade, que expressa a alegria natural verdadeira; pois, com isso, o ser humano vive em liberdade, e o faz para poder buscar a felicidade; isto, ao ser vivenciado de maneira sóbria e digna, produz a alegria natural verdadeira, que é expressão da satisfação natural que advêm do exercício do mandato cultural; logo, o ser humano ao exercê-lo de maneira correta e de acordo com sua natureza, tal como Deus o criou para exercer, gera os elementos para se usufruir da alegria natural verdadeira, expressa na vida em liberdade e que se torna mais evidente na correta busca pela felicidade em relação as coisas naturais.

23. Isto, é o que perfaz o entendimento na sabedoria racional e na sabedoria bíblica, sobre o coração alegre; o coração alegre, na sabedoria natural, é fonte de vida e fonte para a vida; logo, o coração alegre, proporciona à alma uma série de benefícios, que inclusive beneficiam o corpo; pois, a alegria é remédio natural para a alma e para o corpo; por isso, na sabedoria racional se valora a verdadeira alegria, como princípio da vida feliz; e na sabedoria bíblica se prescreve a alegria como elemento preponderante para se entender a beleza da vida e  se compreender a responsabilidade que o ser humano tem em relação ao cuidado com a criação.

Capítulo VII: Riso e sorriso, vício e virtude.

24. Assim, se compreende a distinção entre riso e sorriso; e, respectivamente, esta distinção, também estabelece a diferença entre vício e virtude; o vício é a contrariedade da razão, como diz Tomás de Aquino; a virtude, por sua vez, é o assentimento da razão em vista da vida correta; logo, como o riso é a impropriedade da razão, logo, o riso é expressão de vícios e conduz a vícios, isto é, é vicioso e viciante; em contrapartida, o sorriso é a propriedade da razão, logo, o sorriso é expressão de virtudes e conduz a estas e ao entendimento da importância de buscar desenvolver as virtudes.

25. Deste modo, se compreende a dialética antitética entre o riso e o sorriso; enquanto o riso é evidência de atos viciosos e viciantes, o sorriso é evidência de atos virtuosos e de atos que possuem virtuose; enquanto que o riso é a demonstração de irracionalidade, o sorriso é a demonstração de racionalidade; enquanto que o riso é expressão de imbecilidade, o sorriso é expressão de inteligência; enquanto que o riso é escárnio, o sorriso é benquerença; enquanto que o riso é expressão de desdém e inveja, o sorriso é expressão de simpatia e de caridade; enquanto que o riso é expressão de doença na alma, o sorriso é expressão de alma saudável; enquanto que o riso é expressão de sensualidade maléfica, o sorriso é expressão de satisfação; enquanto que o riso é expressão de impiedade, o sorriso é expressão de piedade; etc.

26. Com isso, se pode compreender a diferença fundamental entre riso e sorriso, que demonstra a diferença entre vício e virtude; assim sendo, esta simples distinção serve para aclarar o entendimento sobre vários aspectos concernentes ao vício e a virtude, os quais, por sua vez, demonstram que riso e sorriso diferem não somente em sentido conceitual, mas no próprio âmago da alma de um ser humano, sendo a partir destes, isto é, de riso e de sorriso, possível reconhecer o caráter e o estado de alma de um indivíduo.

Capítulo VIII: O riso e o problema da sensualidade.

27. Além desta dialética antitética que a distinção entre riso e sorriso demonstra, ao se perceber os aspectos concernentes ao riso, se observa outro problema em relação a risada, a saber, o problema da sensualidade; este problema está imbuído nos vícios que são evidentes e que emanam do riso; mas, especificamente, o riso é expressão de sensualidade deformada ou degenerada; pois, a sensualidade degenerada, faz com que o indivíduo perca a sobriedade da consciência para resistir as forças culturais de domínio e a vontade de poder das ideologias nefastas.

28. Com isso, se observa que o problema da sensualidade, que também é o problema da sexualização desmedida, que gera luxuria e desenfreio; por isso, aqueles que são dominados por esta sexualização desmedida, acabarão por se tornar indivíduos despersonalizados; pois, esta sexualização, torna os indivíduos insolentes e luxuriosos, e, por consequência, avessos ao conhecimento e a verdadeira sabedoria - e por isso, também contrários a Deus. E no texto sagrado se diz que a sensualidade tira a inteligência (cf. Os 4.11), isto é, a sensualidade da maneira errada; logo, esta sensualização desmedida tende a se evidenciar não só por práticas erradas, mas principalmente através do riso; o riso é um dos elementos preponderantes que se tornam evidentes quando a sensualidade fora degenerada, ou por práticas infames ou pela sensualidade desmedida que destrói a inteligência e cauteriza a consciência.

29. Portanto, o riso demonstra uma série de outros problemas que não somente os anteriormente mencionados; na verdade, o riso é aferidor de medida de vários problemas que assolam o ser humano, seja como indivíduo seja na sociedade, ou em concomitantemente em ambos; logo, o riso atesta não somente o problema da sensualidade, mas vários problemas que tiram a dignidade humana, pois, estes obscurecem a inteligência, obnubilam a consciência e rompem com o ímpeto natural para as coisas humanas.

Capítulo IX: A necessidade da alegria.

30. Com isso, ao se compreender a distinção entre riso e sorriso, e os aspectos amalgamados a este distinção, se pode prosseguir para o término desta reflexão; e, isto, se compreendendo a necessidade da alegria; o ser humano necessita de alegria; a vida feliz não somente é um ideal dos filósofos estoicos, mas pressuposto da própria vida; logo, é preponderante se entender a necessidade da alegria, não somente para evocar mais sorrisos na existência humanas, mas também para se vencer a ditadura do riso, que sufoca o ímpeto da verdadeira alegria.

31. Pois, a alegria tem suas expressões, tais como: o desenvolvimento pessoal; o desenvolvimento da personalidade; o crescimento em conhecimento; o desenvolvimento do ímpeto natural da vida, em viver, casar, ser bom marido, ser boa esposa; ter filhos; produzir cultura; honrar a Deus acima de tudo; viver em liberdade; cuidar da natureza; os velhos ajudarem com sua sabedoria os mais jovens; os mais jovens ajudarem os mais velhos com suas forças; o amor e o esmero nas simples atividades cotidianas; etc. Tudo isso, e muitas outras coisas, são formas de expressão da verdadeira alegria natural, a qual é inerente ao desenvolvimento das virtudes cardeais.

32. Por isso, a alegria é necessária; para que estas e outras coisas sejam desenvolvidas de maneira natural e sóbria; ao mesmo tempo em que, ao estas coisas se tornarem evidentes e se manifestarem, são formas de expressão da verdadeira alegria; por isso, ao se elucubrar sobre o riso, ou ao elucubrar sobre o sorriso, há sempre de se desembocar e se averiguar como pressuposto indiscutível a proposição da necessidade da alegria; pois, sem alegria a vida se torna insuportável e sem sentido; uma das coisas que confere sentido a vida humana no tocante as coisas naturais, é a alegria, a qual, atesta a existência de um Ser Superior, Deus, “que é um ser vivo, eterno, maximamente bom” (Met. 1072b30). Em última instância, é a Deus que se refere a verdadeira alegria natural. Logo, a necessidade da alegria, evoca de maneira altissonante o fundamento da vida e da existência, que está em Deus.

33. Termina aqui esta explicação sobre a risada. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 

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