05/05/2024

O Discipulado de Bonhoeffer

Prefácio.

           

Este ensaio procura elucidar um aspecto da teologia de Dietrich Bonhoeffer, o pastor-mártir que enfrentou Hitler e o nazismo; a vida e a obra de Bonhoeffer continuarão a inspirar e a servir de exemplo pelo decorrer das épocas e dos tempos para cristãos, pastores, teólogos, estudiosos em geral, pela coragem, ousadia, firmeza, sinceridade de propósito e vida piedosa; pois, a teologia de Bonhoeffer se desenvolve, em sua maior parte, no período da luta da Igreja (Kirchenkampf); é uma teologia formada e estabelecida num dos momentos mais escuros da história.

Como se sabe, infelizmente Bonhoeffer foi martirizado em 1945 aos 39 anos; e, infelizmente, ele não pode desenvolver sua teologia, que pelos insights demonstrados nos escritos fragmentários e nos livros publicados, certamente, teria um significativo desenvolvimento; talvez alguém possa algum dia levar adiante os insights e perspectivas de Bonhoeffer, e desenvolvê-los de maneira mais pungente e aprofundá-los, algo de fundamental importância para a teologia do terceiro milênio.

Os escritos de Bonhoeffer, alguns dos quais, verdadeiros clássicos da teologia, chamam a atenção pela simplicidade somada a uma profundidade espiritual, que poder-se-ia chamá-lo de místico do séc. XX; a simplicidade bíblica, o fervor evangélico, a profundidade e agudeza de análise, a aguçada percepção sobre a situação sócio-cultural, tornam os escritos de Bonhoeffer verdadeiras pérolas de significativo valor sobre a teologia, particularmente, em relação a eclesiologia, a vida cristã e a teologia pastoral; e, entre estes escritos, um chama a atenção, o livro de 1937, “Nachfolge” (Discipulado). 

Este livro é o mais conhecido e o mais influente de Bonhoeffer, e um dos textos mais impressionantes da história da cristandade, embora não sem a problemática teológica da época em que foi escrito; pois, a profundidade do texto, com a clareza e a sinceridade bíblica, açambarcam uma exortação e uma repreensão a todas as épocas onde a Igreja cristã deixa de ser Igreja de Jesus Cristo e passa a ser qualquer outro tipo de “igreja”; a teologia do discipulado de Bonhoeffer é um chamado a consciência e a razão para os cristãos, para que sempre permaneçam como cristãos fundamentados no evangelho, em suas doutrinas e em suas vidas, diante de tempos caóticos e mesmo diante das mais terríveis épocas de apostasia.

Mas, este livro não somente foi desenvolvido de acordo com o contexto da época, que aliás é a chave hermenêutica principal para se entender a ideia de discipulado proposta por Bonhoeffer como um todo e o encargo do discipulado como tema teológico; mas as proposições de Bonhoeffer desenvolvidas a medida que via a subserviência dos cristãos e da Igreja para com Hitler e o nazismo, se cristalizaram e se desenvolveram a partir da aguçada percepção do que é a Igreja, da natureza da Igreja como communio sanctorum; logo, o discipulado de Bonhoeffer não somente é um chamado para os cristãos seguirem verdadeiramente a Jesus Cristo, mas também uma repreensão profética à Igreja quando suas práticas se tornam contrárias a revelação de Deus.

Entretanto, a teologia do discipulado também tem sérios problemas; embora Bonhoeffer tenha sido um piedoso pastor e teólogo, a ideia geral do discipulado que propugna, tem imbuído em si o liberalismo teológico de Adolf von Harnack, o lendário teólogo alemão; pouco se menciona sobre a influência de Harnack em Bonhoeffer, mas é incisiva; e, mesmo que Bonhoeffer tenha rejeitado alguns pontos fundamentais da teologia de Harnack e de sua escola teológica, algumas proposições de Harnack, como encarnadas no clássico “Das Wesen des Christentums” (em tradução brasileira como “O que é Cristianismo?”), se mostram evidentes em Bonhoeffer, e são o pano de fundo diante do qual a ideia de discipulado se desenvolve; na verdade, em sua compreensão do cristianismo e da religião, Bonhoeffer tem muito da influência de Harnack, já que o próprio Bonhoeffer fora aluno de Harnack; e uma história interessante do relacionamento entre os dois, pois, o próprio Harnack ficou muito impressionado com o jovem Bonhoeffer e quis fazê-lo um historiador eclesiástico, certamente, para torná-lo seu substituto; isso, por si, diz muito da grandeza de Bonhoeffer como teólogo, e da influência de Harnack em sua teologia.

No entanto, mesmo diante destas e de muitas outras problemáticas, o discipulado propugnado por Bonhoeffer fora um chamado profético para os cristãos acordarem da sonolência espiritual, e assim, voltarem a viver como verdadeiros discípulos de Cristo; por isso, o verdadeiro discipulado só é evocado em tempos onde a Igreja se desvia de seu propósito e de sua missão, ou em termos mais duros, quando num geral as Igrejas entram em estado de apostasia; salvo nesta condição, não se faz necessário falar de discipulado; todavia, em tempos de perseguição, ou em tempos que antecedem a perseguição, ou em tempos onde a Igreja cristã é dominada por ideologias nefastas, ou práticas anti-bíblicas, é sempre oportuno e necessário lembrar e estudar de maneira renovada a invectiva de Bonhoeffer sobre o discipulado, mas também se compreender os problemas inerentes ao se evocar este tema teológico.

Soli Deo Gloria!

In Nomine Iesus!

04 de maio de 2024.

 

I. O Legado de Dietrich Bonhoeffer.

 

1. A teologia de Dietrich Bonhoeffer sempre chama a atenção; não somente pelo fato das contribuições teológicas de Bonhoeffer, que apesar de não serem muitas, são excelentes; mas, principalmente pelas contribuições pastorais, algumas das quais se constituem alguns dos textos mais belos de toda a história da cristandade. Além disso, o testemunho da vida de Bonhoeffer, principalmente nos 10 últimos anos de vida, constituem um testemunho sem igual de uma vida digna do evangelho vivida em meio a um dos momentos mais tenebrosos da história. Não somente os teólogos ou os cristãos admiram Bonhoeffer, mas todas as pessoas de bem, ao ouvirem sobre a história de vida deste pastor luterano são tomadas pelo senso de admiração.

2. A posição de Bonhoeffer na história da cristandade é indiscutível; seja como místico, ou como pastor, ou como teólogo, Bonhoeffer ocupa um lugar de suma importância na história; mas não somente na história eclesiástica, mas particularmente, na história da teologia do séc. XX; Bonhoeffer, que não foi um teólogo dogmático como Barth, ou um exegeta neotestamentário como Bultmann, ou um teólogo-filósofo da cultura como Tillich, mas, mesmo assim deixou sua marca indelével na história da teologia do séc. XX, estando ao pé de igualdade com estes famosos e grandes eruditos da ciência teológica.

3. O legado de Bonhoeffer, perpassa várias das áreas da ciência teológica; questões relacionadas a ética, a comunhão dos santos, a leitura orante da Bíblia, bem como as noções de revelação, testemunho, vida prática, a vivência ministerial, etc., demonstram um Bonhoeffer preocupado com a resposta cristã e evangélica às questões difíceis de sua época; Bonhoeffer ensinou na Universidade, pregou e exerceu as funções pastorais na Igreja, e encorajou e instruiu jovens pastores no exercício do ministério; foi pastor, professor, pregador, e pastor de pastores; e isto, durante o ignominioso período onde a Igreja Evangélica na Alemanha e os cristãos eram vigiados pelos nazistas; e, particularmente, a Igreja onde Bonhoeffer pregava, e o seminário onde lecionava, eram alvos das buscas e da vigilância constante da Gestapo.

4. Mas, o legado de Bonhoeffer não se estabelece somente pelo testemunho e pela fidelidade diante das opressões e perseguições cruéis; os escritos de Bonhoeffer, são de igual modo incisivos e impactantes; pois, são fruto desta resposta proveniente do testemunho; e ao mesmo tempo em que testemunhava de Cristo, Bonhoeffer vivia a existência eclesial na liturgia e desenvolvia-se na tarefa científica da teologia; por isso, a teologia de Bonhoeffer orbita nestes três aspectos fundamentais: o do testemunho, o da existência eclesial e o da tarefa científica da teologia. Bonhoeffer foi exemplo na existência teológica como teólogo do testemunho diante das gentes; foi exemplo na existência teológica como communio sanctorum, da verdadeira comunhão dos santos na verdadeira Igreja de Jesus Cristo, sob o senhorio e os mandamentos somente de Jesus Cristo; e foi exemplo na existência teológica cristalizada na reflexão acadêmica e rigorosa da teologia enquanto ciência, do primor científico da reflexão teológica.

5. E, ao se aperceber que Bonhoeffer conseguira produzir algo de valor num período tão sombrio; muito embora devido as dificuldades deste período não tenha podido ter a calma e a paciência necessárias para desenvolver seus insights de maneira mais aprofundada e científica, é um fato de capitular importância compreender que Bonhoeffer conseguira produzir excelentes reflexões teológicas neste período; algumas das quais, verdadeiros tesouros de sabedoria espiritual e de teologia prática; e a produção de Bonhoeffer encontrou a “maturidade” justamente neste período, embora não sua total expressão e organização que poderiam ter alcançado se não fora um período tão tenebroso, e se tivesse vivido mais; por isso, para se entender Bonhoeffer, há de se levar em conta o desenvolvimento de sua teologia a luz dos acontecimentos históricos que o cercaram.

6. Portanto, três aspectos chamam a atenção na teologia de Bonhoeffer: primeiro, foi uma teologia de resposta; segundo, foi uma teologia no contexto do “reavivamento” da existência teológica; terceiro, foi uma teologia com enfoque pastoral mesmo diante de terríveis atrocidades.

Primeiro, foi uma teologia de resposta; a teologia de Bonhoeffer foi estabelecida, em sua maior parte, como uma teologia de resposta às questões de seu tempo; pois, diante da terrível apostasia de sua época, se fez necessário que sua teologia se formasse e se construísse em resposta às questões que surgiam como necessidade urgente diante das inomináveis práticas que surgiam da apostasia total que tomou conta de sua nação; mas, não somente de uma teologia de resposta, que procura demonstrar os argumentos bíblicos e as pressuposições da existência teológica, mas de uma resposta centrada, completa, totalmente cristocêntrica, em que os problemas da época e os problemas eclesiais são enfrentados com o enfoque bíblico-cristológico.

Segundo, foi uma teologia no contexto do “reavivamento” da existência teológica; a teologia de Bonhoeffer, se estabeleceu como teologia de resposta, de quando do “reavivamento” da existência teológica; pois, diante da séria situação em que se encontra a sociedade, a Igreja e os cristãos, os teólogos principalmente, se encontravam apáticos e desfibrados; a existência teológica foi um brado para que a Igreja, os cristãos, os teólogos, acordassem do sono e tornassem-se novamente vigilantes; e a teologia de Bonhoeffer enquanto uma teologia de resposta se torna evidente justamente no contexto deste “reavivamento”; no entanto, a teologia de Bonhoeffer não somente foi mais uma perspectiva que surgiu durante esse tempo, mas a teologia de Bonhoeffer, certamente, é um dos mais belos e efusivos exemplos do que realmente é e significa a existência teológica, em seu fulgor na teologia pastoral.

Terceiro, foi uma teologia com enfoque pastoral mesmo diante de terríveis atrocidades; a teologia de Bonhoeffer, como uma teologia de resposta que surgiu em meio a retomada da existência teológica, manteve-se totalmente com o enfoque pastoral diante de terríveis atrocidades; Bonhoeffer manteve o encargo do testemunho cristão, mesmo diante das terríveis e cruéis atitudes do partido nazista; porque estava diante Deus, Bonhoeffer pode testemunhar sobre Deus diante da negra escuridão que assolou sua época; porque estava diante da fonte da luz, pode ser iluminado por esta luz para ser um fanal diante das mais densas trevas que assolavam a sociedade; portanto, a teologia de Bonhoeffer se manteve com o enfoque pastoral, como o enfoque do testemunho bíblico, do discipulado verdadeiro, mesmo diante das terríveis e inomináveis crueldades que sua época e sua sociedade testemunharam.

7. Além destes aspectos, os quais, ao se compreender o contexto histórico onde se desenvolveu a teologia de Bonhoeffer, se consegue perceber que a teologia do pastor-mártir tem uma posição singular em meio ao desenvolvimento da teologia do séc. XX; ainda não houve ninguém que fizera uma análise da teologia protestante do séc. XX de maneira completa e englobante, tal, como por exemplo, Barth fizera sobre a teologia protestante do séc. XIX; na verdade, ao se pensar na posição de Bonhoeffer na teologia do séc. XX, talvez ele possa ser ofuscado no sentido de produção acadêmica e intelectual por nomes como Paul Tillich, Emil Brunner, e o próprio Barth; e, realmente, em relação a produção teológica, o velho Barth ocupa a primeira fileira; todavia, a teologia de Bonhoeffer não foi uma teologia como a de Barth, isto é, o propósito que Bonhoeffer estabeleceu para si não era o mesmo que Barth estabelecera para si; a teologia de Bonhoeffer não é uma teologia de resolução de problemas teológicos, mas a teologia de Bonhoeffer é uma teologia do testemunho, uma teologia “mística”, que por ser mística, acopla os aspectos da existencialidade humana; mas, um “místico”, e afirme-se isso de maneira contundente, protestante, totalmente protestante.

8. Por estes e outros fatores, a teologia de Bonhoeffer tem gerado inúmeros desafios, e entre os mais agudos críticos de Bonhoeffer, e até mesmo de muitos de seus simpatizantes, tem sido declarada como a precursora da “teologia da morte de Deus”; embora os arautos da “teologia da morte de Deus” tenham se utilizado de Bonhoeffer, a teologia de Bonhoeffer de maneira nenhuma é “teologia da morte de Deus”; antes, é uma teologia do Deus vivo diante de uma Igreja morta espiritualmente e esclerosada biblicamente em sua organização eclesiástica; embora os teólogos da morte de Deus tenham tentado se basear em Bonhoeffer, nada seria mais injusto com Bonhoeffer e sua teologia, do que colocá-lo como precursor ou formador de uma “teologia da morte de Deus”.

Na verdade, como afirma Battista Mondin, a teologia de Bonhoffer pode ser definida como um “cristocentrismo a-religioso”, pois, “o conteúdo do pensamento de Bonhoeffer é Cristo. Ele é um defensor convicto de um cristocentrismo apaixonado, exigente, absoluto, completo. Para nenhum outro teólogo moderno Cristo é uma realidade tão viva, próxima, real e transformadora como para ele. Baseia em Cristo toda a realidade e toda a espiritualidade. E desenvolve a doutrina da Igreja particularmente no que se refere a Cristo[1]. Mas, como diz Mondin, a forma desta teologia é a-religiosa.

9. Um cristocentrismo ainda mais radical do que o de Barth; certamente, Bonhoeffer é o mais significativo cristocêntrico desde Zinzendorf; conquanto Bonhoeffer tenha sido influenciado por Harnack, por Barth, por Lutero, por outros teólogos luteranos, sua teologia lembra mais a Zinzendorf, pelo amor a Cristo, um amor quase que exclusivo; também neste quesito Bonhoeffer está bem próximo de Schleiermacher, que tinha uma reverência tamanha por Cristo, que viveu para honrar e servir a Palavra, a saber, a Cristo; conquanto Bonhoeffer tenha sido influenciado pelo cristocentrismo recuperado por Herrmann e tornado novamente palavra do dia por Barth, este cristocentrismo possui uma riqueza tão grande, que Bonhoeffer quase chega a ser um “herrnhutter”; portanto, isso o coloca na mesma linha de Zinzendorf e de Schleiermacher; e isso em sinal da grandeza de Bonhoeffer como teólogo; certamente, pode-se chamar Bonhoeffer de o maior cristocêntrico do séc. XX.

E, sua teologia, reflete totalmente isso; um cristocentrismo centrado, exigente, completo, absoluto, e por consequência, a rejeição de tudo aquilo que desfigura e/ou vitupera este cristocentrismo, no caso de sua época, a “religiosidade”, ou mais propriamente, a transmutação da teologia em antropologia (como Feuerbach houvera afirmado que era a obra dos tempos modernos!); é essa religiosidade que transforma a teologia em antropologia que Bonhoeffer rejeita veementemente, de maneira mais radical até do que Barth, pois, era essa religiosidade que tinha tomado conta da Igreja em sua época e tornado os “cristãos” sujeitos a Hitler e ao nacional-socialismo. Os “cristãos alemães”, como esse movimento ficou conhecido, era um sincretismo desta religiosidade antropológica, da teologia que é transmogrifada em antropologia, com a ideologia nacional-socialista. A religiosidade que surgiu deste sincretismo foi o que Bonhoeffer veementemente rejeitou.

10. A teologia de Bonhoeffer ergue-se como resposta a estas questões; e seu cristocentrismo radical, é em vista a corrupção moral e doutrinária da Igreja Evangélica; diante de uma Igreja corrompida e tornada sujeita a poderes de mando humanos, a única atitude é um cristocentrismo radical; épocas de apostasia generalizada e contínua, requerem um remédio radical e veemente; a teologia de Bonhoeffer foi um dos remédios para tentar curar os males de sua época, e seu cristocentrismo radical foi um brado “cósmico” para a Igreja acordar do sono e se arrepender do pecado de “abandonar a Cristo” e de se tornar subserviente a homens e a poderes de mando humanos. Mas, infelizmente, Bonhoeffer não foi ouvido; todavia, seu testemunho reluz e permanece, mesmo que sua época tenha “tapado” os ouvidos para lhe ouvir; sua época não o ouviu, e pode-se dizer até que foi rejeitado; mas após sua morte, todos o ouviram, continuam a ouvir e continuarão a ouvi-lo enquanto este mundo existir.

11. Portanto, se pode afirma de maneira resoluta que Bonhoeffer foi um dos poucos cristãos verdadeiros em meio a apostasia total que tomou conta da sociedade em que vivia; foi um dos poucos a levantar a voz na Igreja em defesa da verdadeira Igreja; foi um quase solitário defensor de Cristo e de sua soberania sobre a Igreja diante de uma Igreja que se rendia a ordenanças humanas como base de sua proclamação e de sua mensagem. Contra isso, Bonhoeffer se vociferou; contra a corrupção moral, doutrinária, litúrgica, eclesiológica, Bonhoeffer se posicionou em honra a Cristo e em defesa de Sua Palavra; e, por isso, seu testemunho continuará a ecoar nos quarteirões da história.

A piedade, a simplicidade, a firmeza, o vigor teológico, fazem de Bonhoeffer um dos mais significativos teólogos da história; mas, principalmente, o cristocentrismo, é o que o torna Bonhoeffer um dos mais interessantes teólogos da história.

12. O cristocentrismo que apreendera de Barth, o tornara um cristocêntrico ainda mais radical do que o próprio Barth. Certamente, para Barth, o único cristocêntrico verdadeiro dos tempos modernos fora Zinzendorf[2] - e, Barth está corretíssimo neste quesito; mas, nesta descrição, acrescenta-se Bonhoeffer; na verdade, em tempos modernos, Zinzendorf e Bonhoeffer, são os dois únicos verdadeiramente cristocêntricos. E isso, em honra ao legado do próprio Bonhoeffer ser equiparado teologicamente a Zinzendorf, fato esse pouco percebido, mas que é uma chave hermenêutica fundamental para se entender a teologia de Bonhoeffer, pois, embora não seja um “discípulo” de Zinzendorf, equipará-lo a Zinzendorf é um modo de se aclarar a grandeza de Bonhoeffer como teólogo a partir do encargo fundamental de sua teologia. Portanto, o legado de Bonhoeffer é esse: um cristocentrismo radical, completo, absoluto, bíblico, a-religioso, contra a transformação da teologia em antropologia, contra os falsos cristãos, contra os movimentos “eclesiais” inventados pelo Diabo, contra a corrupção da vida cristã, contra a desfiguração da communio sanctorum; etc.

 

II. Bonhoeffer e o Discipulado.

 

13. Todavia, a descrição básica da teologia de Bonhoeffer, e o caractere pelo qual ele é mais conhecido, provêm do livro “Discipulado”; certamente, a invectiva de Bonhoeffer em se tratando do discipulado, e em outras coisas do mesmo período, são frutos da chamada de consciência aos teólogos e aos cristãos, à Igreja em geral, que Karl Barth e outros fizeram através do que o próprio Barth chamara de “existência teológica hoje”; a teologia do discipulado de Bonhoeffer é um dos frutos da atitude corajosa e extremamente oportuna de Karl Barth e daqueles que escreveram em função de alertar a Igreja do perigo da subserviência ao nacional-socialismo, bem como para alertar do falso e vil cristianismo daqueles que dizendo-se “cristãos” apoiavam e promoviam uma ideologia nefasta, aqueles que na época eram chamados de “Deutschen Christen” (cristãos alemães), os cristãos da Igreja do Reich.

14. A teologia do discipulado é um dos mais belos e dignos frutos, de um daqueles que realmente entendeu o que é a existência teológica, e que a aplicou de maneira contundente na teologia pastoral; certamente, Bonhoeffer conseguira entender a real “consequência” da existência teológica; ou nos termos que ele mesmo desenvolvera, o real custo de ser cristão; a designação de Bonhoeffer para os “cristãos alemães” que Barth rejeitara veementemente como um movimento do Diabo, era a de que viviam a “graça barata”; por isso, de Bonhoeffer advêm a famosa fórmula: a graça é de graça, mas custa caro; a graça de Deus é dada de graça a todos quantos creem em Jesus Cristo como único e suficiente salvador, mas viver esta graça, como servos de Deus, custa muito; esta é a fórmula bonhoeferiana da teologia do discipulado. Por isso, se fazem necessárias algumas considerações sobre o livro de Bonhoeffer; pois, conquanto os insights sobre o discipulado que Bonhoeffer desenvolve sejam de inestimável valor, e de uma profunda piedade, são reflexos do liberalismo teológico de Adolf von Harnack (ícone do liberalismo teológico ritschliano). 

15. E o livro “Discipulado”, é um livro de reflexões e meditações simples e profundas; simples, porque são reflexões facilmente entendíveis; profundas, porque reúnem sob o manto da simplicidade o cerne da mensagem evangélica, o âmago do que significa ser cristão. E, este livro, um marco da teologia no séc. XX, é composto de duas partes: a primeira parte, onde Bonhoeffer analisa a proposição sobre o discipulado; a segunda parte, onde Bonhoeffer analisa a relação da Igreja de Jesus Cristo com o discipulado; na primeira parte, Bonhoeffer faz uma exposição do sermão do monte; na segunda parte, a aplicação do sermão do monte e suas descrições para a eclesiologia, ou mais propriamente, suas prescrições para a vivência eclesiástica, para a existência eclesial; (i) na primeira parte, Bonhoeffer traça os ditames do que é ser discípulo de Cristo; (ii) na segunda parte, apresenta a concreção destes ditames na communio sanctorum.

16. [i] Na primeira parte, Bonhoeffer faz uma apresentação do “chamado” de Deus à salvação, à obra graciosa de Deus, e medita sobre o significado desta graça, a “graça preciosa”; e, por consequência, do chamado desta graça para a obediência e para o “carregar a cruz” (cf. Lc 9.23); o chamado da graça preciosa, conduz a vida responsável sob esta graça; a graça outorgada de graça, é vivida com responsabilidade, “carregando a cruz”, e negando-se a si mesmo; viver sob esta graça custa muito, na verdade, custa tudo; e, na compreensão sobre esta graça, Bonhoeffer apresenta o cerne da vida responsável sob a graça recebida de graça; ele assevera: “A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, pelo qual o ser humano vende feliz tudo que possui; é a pérola preciosa, pela qual o mercador oferece todos os seus bens; é o domínio do reino de Cristo, pelo qual o ser humano arranca o olho que o faz tropeçar; é o chamado de Jesus Cristo, pelo qual o discípulo deixa suas redes para trás e o segue. A graça preciosa é o evangelho que sempre se deve procurar, a dádiva que se deve pedir, a porta à qual se tem de bater. Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado; é graça porque chama ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao ser humano; é graça pois só assim dá vida ao ser humano; é preciosa porque condena o pecado; é graça porque justifica, perdoa o pecador. É preciosa sobretudo porque foi preciosa para Deus, porque lhe custou a vida de seu Filho — ‘Porque fostes comprados por preço’ (ICo 6.20) — e portanto não pode ser barato para nós o que custou caro para Deus. É graça, sobretudo, porque Deus não considerou que seu próprio Filho custasse caro demais para pagar por nossa vida, e assim o deu por nós. A graça preciosa é a Encarnação de Deus. A graça preciosa é a graça como templo de Deus, que deve ser protegido do mundo, que não pode ser lançado aos cães. Por isso, é graça como palavra viva, a Palavra de Deus, por ele próprio proferida, conforme lhe agrada. Chega até nós como o gracioso chamado ao discipulado de Jesus, como mensagem de perdão ao espírito angustiado e ao coração despedaçado. É preciosa porque submete o ser humano ao jugo do discipulado de Jesus Cristo; é graça porque Jesus afirma: ‘Meu jugo é suave, e meu fardo é leve’[3].  Esta é a proposição de Bonhoeffer sobre a graça cara, a graça que evoca o discipulado, em contrariedade ao que Bonhoeffer chama de graça barata.

17. Assim sendo, ao apresentar a base do chamado ao discipulado, do chamado misericordioso e gracioso de Jesus Cristo para que os homens o sigam, Bonhoeffer passa a apresentar o que realmente significa o “seguir a Cristo”, isto é, o que significa ser discípulo de Cristo; e para isso, Bonhoeffer se utiliza do “sermão do monte” (cf. Mt 5-7), para aclarar e explicar qual é o verdadeiro caminho que os discípulos de Cristo devem tomar para testemunharem de Cristo e de Seu evangelho; e Bonhoeffer delineia o “sermão do monte” em três aspectos, respectivamente, um cada para capítulo do “sermão do monte”: primeiro, o extraordinário da vida cristã (cf. Mt 5); segundo, a abscondicidade da vida cristã (cf. Mt 6); terceiro, a separação da comunidade dos discípulos (cf. Mt 7).

18. E justamente nestes três aspectos, além de fornecer uma explicação do sermão do monte, estabelecem três princípios básicos do que significa ser cristão; do que significa testemunhar de Cristo no mundo; do que significa ser discípulo de Cristo.

Primeiro, o extraordinário da vida cristã (cf. Mt 5); isto é, aqueles elementos que constituem a diferença absoluta entre o cristão e o não-cristão, a saber, o caminho de amar os inimigos, de orar por aqueles que os perseguem (cf. Mt 5.44-45); este é o extraordinário da vida cristã.

Segundo, a abscondicidade da vida cristã (cf. Mt 6); isto é, aquela vida em testemunho, que mais propriamente é vivida diante da abscondicidade, da vida em oração e piedade que não aparece diante do mundo, mas que agrada a Deus, da vida em abscondicidade que pode orar “pai”, e o Senhor Todo-Poderoso ouvir e habitar com aquele que o ama e que se relaciona com Ele; esta é a abscondicidade da vida cristã, do testemunho que faz algo de bom e de meritório e que prefere nem saber que realmente o fez, como diz o Senhor Jesus: “quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tuda direita” (Mt 6.3).

Terceiro, a separação da comunidade dos discípulos (cf. Mt 7); isto é, da separação em relação a santidade, dos princípios diversos que guiam aqueles que seguem a Cristo que divergem totalmente dos princípios mundanos; pois, aqueles que seguem a Cristo vivem sob a bondade de Deus, a qual ensina aqueles que creem a viverem segundo a lei e os profetas, como ensina o Senhor Jesus: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos faça, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7.12). Este princípio, separa a comunidade dos discípulos dos homens naturais, porque os homens naturais não vivem para agradar a Deus, enquanto que os discípulos vivem sob a bondade de Deus, em responsabilidade diante de Deus, no caminho da porta estreita (cf. Mt 7.13-14); esta é a separação da comunidade dos discípulos.

19. A tríplice descrição de Bonhoeffer sobre o “sermão do monte” açambarca de maneira contundente e magistral os princípios básicos do reino de Deus manifesto na vida dos cristãos; e, em continuidade a isso, Bonhoeffer trabalha a questão sobre os “mensageiros” do reino de Deus, os mensageiros da mensagem do “sermão do monte” (cf. Mt 9.35-10.42); a tríplice descrição do “sermão do monte”, é seguida por uma análise sobre os mensageiros do evangelho; certamente, uma análise daqueles que são chamados a transmitir o evangelho; pois, se o Senhor Jesus outorga aos seus discípulos seus mandamentos, então, também os envia para proclamar esta mensagem, e dá-lhes as diretivas de como eles devem proceder na proclamação do evangelho, bem como avisa de antemão sobre as vicissitudes que vão enfrentar.

20. E os ensinamentos do Senhor Jesus nesta parte do Evangelho elencada por Bonhoeffer, demonstram o “apelo” do Senhor Jesus ao discipulado; um chamado a vida digna do evangelho (cf. Fp 1.27); uma convocação real de Cristo aos seus mensageiros, colocando-lhes como embaixadores do Reino de Deus (cf. 2Co 5.20); quando Jesus Cristo chama seus discípulos, e os ensina no caminho que devem seguir, o caminho da graça preciosa, o caminho da liberdade; como Karl Barth afirmara: “Jesus Cristo apela ao discipulado, isto é, a uma vida humana no caminho que abriu, a uma vida humana na liberdade que deu[4].

Portanto, o verdadeiro discipulado é viver em liberdade, na liberdade espiritual que Jesus Cristo deu, de acordo com Seu evangelho; e o verdadeiro discipulado sempre deve ser evocado, quando a lei da liberdade (cf. Tg 1.25, 2.12) deixa de fazer parte da existência eclesial, seja pela desfiguração da liberdade pelos poderes de mando humano, seja pela apostasia da própria Igreja. Por isso, Bonhoeffer, ao falar sobre os mensageiros do Evangelho, isto é, aqueles que Deus chama de maneira específica para proclamar Sua Palavra, se deve reafirmar que o Senhor Jesus Cristo, ao os chamar, faz o “apelo” ao discipulado, ou como Barth afirmara, “a uma vida humana na liberdade que deu”; o discipulado é uma vida na liberdade, e que isto não seja esquecido por todos aqueles que propugnam o discipulado. Não existe discipulado sem liberdade; na verdade, o discipulado deve ser evocado quando os cristãos esquecem que na Igreja existe uma lei perfeita, a perfeita lei da liberdade (cf. Tg 1.25).

21. Este caminho aberto por Jesus Cristo, este caminho que Ele ensina aos seus discípulos, e o caminho que Ele os ordena a prosseguirem é um caminho de lutas e de vicissitudes. Como o Senhor diz: “pregai, dizendo: É chegado o Reino dos céus” (Mt 10.7), ao mesmo tempo que em os comissiona a realizar suas obras: “Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8); mas, ao comissionar seus discípulos para realizar suas obras, o Senhor Jesus também alerta aonde os está enviando e para que os está enviando: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10.16); por isso, o Senhor Jesus os manda ter cautela e prudência diante daqueles que os perseguiriam: “Acautelai-vos, porém, dos homens, porque eles vos entregarão aos sinédrios e vos açoitarão nas suas sinagogas” (Mt 10.17); na verdade, o Senhor Jesus também afirma que os seus discípulos, os mesmos que ele comissiona a irem pregando e anunciando o Reino de Deus, por viverem na graça preciosa e por serem discípulos Seus, serão odiados: “E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt 10.22).

Este é o caminho que espera aqueles que trilham o caminho que Jesus Cristo anuncia, o caminho da graça e da liberdade, o caminho dos discípulos, o caminho dos embaixadores do Reino de Deus, o caminho que fará com que os homens tenham ódio da mensagem que transmitem; e assim, os perseguirão e os matarão, mas quem perder a vida por causa de Cristo, acaba por achar a vida e a salvação eterna; o Senhor Jesus assevera: “Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á” (Mt 10.39).

22. [ii] Na segunda parte, Bonhoeffer trabalha a noção da Igreja de Jesus Cristo e o discipulado; ou mais propriamente, sobre as formas como o discipulado, descrito no “sermão do monte”, é evidenciado na doutrina e na vida eclesial; pois, se o “sermão do monte” é a descrição do que é ser discípulo de Cristo, então, esta descrição açambarca os aspectos fundamentais da existência eclesial; para compreender este aspecto, Bonhoeffer elenca seis pressupostos: primeiro, as questões preliminares; segundo, o batismo; terceiro, o corpo de Cristo; quarto, a Igreja visível; quinto, os santos; sexto, a imagem de Cristo.

Nestes seis pressupostos, Bonhoeffer consegue açambarcar alguns aspectos daquilo que é descrito como existência eclesial; pois, refletem sobre os princípios fundamentais do que constitui-se ser cristão e do que constitui-se ser Igreja; sem estes pressupostos, biblicamente fundamentados, não existe Igreja; a verdadeira Igreja, a Igreja invisível, quando se torna evidenciada na Igreja visível, tem em si estes pressupostos; mas, quando a Igreja visível é desfigurada, então, estes princípios fundamentais são destonados; e, assim, se tem a apostasia da Igreja. Logo, os discípulos de Cristo, ao se reunirem em comunhão, a communio sanctorum, para se mostrarem ao mundo como Igreja, para que o mundo creia (cf. Jo 17.20-21), terão necessariamente estas características do que Bonhoeffer estabelece sob o pressuposto da “Igreja de Jesus Cristo e o Discipulado”; é o signo teológico bonhoefferiano, para demonstrar quando uma Igreja é realmente e verdadeiramente Igreja de Jesus Cristo.

23. Com isso, a proposição de Bonhoeffer se estabelece de maneira magistral; uma análise básica, oriunda de reflexões e meditações no evangelho de Mateus, as quais, testemunham do Cristo Rei que chama os homens a segui-Lo e a serem seus discípulos, bem como traça e indica o caminho que estes devem seguir, outorga os mandamentos do reino de Deus no “sermão do monte”, e assim, os institui para levar esta mensagem aos confins da terra como seus embaixadores (cf. 2Co 5.20); o discipulado é isso, viver como Cristo ensinou e testemunhá-Lo com palavras, na proclamação do evangelho, mas principalmente com ações concretas que demonstrem estas virtudes propagadas pelo reino de Deus, as quais indicam o extraordinário da vida cristã, principalmente em épocas que as próprias Igrejas se engendram nos caminhos da apostasia. O discipulado é um brado cósmico para os cristãos voltarem a viver conforme o Evangelho.

24. E a teologia do discipulado que se estabelece a partir da invectiva de Bonhoeffer, tornara-se um ponto de inflexão da teologia no séc. XX; no entanto, mesmo diante da importância singular deste livro e de seu conteúdo vigoroso, no período posterior a luta da Igreja, após a Segunda Guerra, a perspectiva do discipulado fora desfigurada, principalmente nas últimas duas décadas, ou mais precisamente, das últimas três décadas do séc. XX, e do início do séc. XXI em diante.

Na verdade, houvera uma super-valorização sobre a questão do discipulado, quase que uma “deificação” do discipulado, e isto de maneira desfigurada; criou-se uma enorme variedade de formas de se aplicar o “discipulado”, desde pequeno grupos e institutos eclesiásticos, etc.; no entanto, ao que parece, ninguém compreendera realmente o que é o discipulado; a ênfase no discipulado, na verdade, é feita a partir do atestado de óbito de morte espiritual das Igrejas; o discipulado só deve ser reafirmado quando isso ocorre.

Então, se há uma ênfase desmedida no discipulado, é porque as Igrejas estão mortes espiritualmente e se enveredaram no caminho da apostasia, ou então porque são dominadas por algum poder de mando humano ou porque ab-rogam para si alguma forma de revelação que não a Revelação de Deus.

25. Por isso, a evocação do discipulado, parte do princípio de que as Igrejas estão desfiguradas enquanto instituição, tal como na época que Bonhoeffer estabelecera sua contribuição inestimável sobre o discipulado; por isso, a super-valorização do discipulado de maneira desmedida, das duas uma: ou então não se sabe realmente do que trata o discipulado e se começou novamente a falar disso porque se tornara “moda teológica”; ou então, as Igrejas realmente foram desfiguradas e se tornaram em seitas.

Certamente, um pouco das duas coisas; pois, tornara-se “moda teológica” falar em discipulado, e isso porque realmente as Igrejas estão sendo desfiguradas paulatinamente, pela subserviência a princípios provenientes da apostasia cultural, e pela aceitação de práticas anti-bíblicas, a ordenação feminina e outros males espirituais, o que torna estas Igrejas em seitas.

26. Deste modo, o discipulado, se realmente for necessário de ser reafirmado, deve ser reafirmado a partir dos princípios evocados por Bonhoeffer, e de quando do desvio da verdade por parte das Igrejas, das diversas denominações cristãs; do contrário, se reafirmar o discipulado tal como ele é, é afirmar que as instituições eclesiais estão deformadas de seu propósito bíblico e deixaram de ser evidência da Igreja enquanto organismo vivo; por isso, se elucubrar e se evidenciar o discipulado, requer alguns cuidados e alguns princípios; não é porque se tornara “moda teológica”, que se deve tornar parte da existência eclesial; até mesmo porque o discipulado que Bonhoeffer propugnou vai contra toda a onda de “novidades” que tem permeado a existência eclesial da Igreja Evangélica na contemporaneidade (desde a formatos antropocêntricos de pregação a quase totalidade das músicas gospel); certamente, Bonhoeffer seria até mais radical do que fora contra a “Igreja antropocêntrica” de sua época, que se rendeu aos ditames de uma ideologia nefasta e que se embasara em poderes de mando humano para ter o conteúdo de sua mensagem - aliás, afirme-se, que as Igrejas na época de Bonhoeffer eram Igrejas totalmente apostasiosas.

Por isso, o verdadeiro discipulado, reafirma a existência teológica, e é um brado a respeito da vida cristã e da existência eclesial fundamentadas no Evangelho; ou mais propriamente, nos termos confessionais da época de Bonhoeffer, embasados naquilo que a declaração de Barmen houvera afirmado: “Jesus Cristo, como nos é atestado na Sagrada Escritura, é a única Palavra de Deus que devemos ouvir, e em quem devemos confiar e a quem devemos obedecer na vida e na morte. Rejeitamos a falsa doutrina de que a igreja teria o dever de reconhecer — além e aparte da Palavra de Deus — ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como fontes da sua pregação e como revelação divina[5]. 

O verdadeiro discipulado é a confirmação e a comprovação desta verdade reafirmada pelo § 1 da Declaração Teológica de Barmen, mas também feito de quando da mesma necessidade que levou a se estabelece esta tese da referida declaração.

27. Portanto, que o testemunho de Bonhoeffer, numa época de extrema dificuldade, seja um baluarte eficaz para que se possa, através de sua vida e escritos, principalmente do livro “Discipulado”, se aperceber dos males que rondam a existência eclesial nestas últimas décadas; com isso, diante do cenário hodierno, diante de Igrejas corrompidas em suas doutrinas, ações e práticas, se compreende qual deve ser o testemunho cristão, o testemunho da existência teológica, a saber, o testemunho de fidelidade absoluta, até nos mínimos aspectos, para com a Palavra de Deus; é a revelação de Deus a fonte de conhecimento para as práticas e as ações da Igreja, tanto em sua existência como esposa de Cristo, quanto em sua existência como coluna e firmeza da verdade. A palavra de Deus é a fonte donde emana a vontade de Deus para a Igreja, tanto na liturgia, quanto no testemunho, e ainda em sua existencialidade diante dos homens como coluna da verdade, como guardiã da liberdade e como mãe da caridade.

28. Com isso, se percebe que a ênfase desmedida no discipulado, de maneira desfigurada e longe do verdadeiro propósito de se falar e refletir sobre o discipulado, gerou uma série de problemas às Igrejas; pois, a super-valorização do discipulado é uma das raízes que criou o movimento dos “desigrejados”; ora, se as Igrejas enquanto instituições estão desfiguradas, o que a afirmação do discipulado pressupõe, então, não se tem motivo e nem razões bíblicas para fazer parte destas instituições; por isso, existe aqueles que, mantendo as disciplinas espirituais, os meios de graça particulares, são mais fiéis a Deus do que aqueles que fazem parte dos arraiais eclesiais contaminados e desfigurados; o movimento dos “desigrejados”, é uma prova indiscutível da falência espiritual das Igrejas, as quais, com raras exceções enveredaram pelas modas do discipulado, sem sequer se aperceber que a proposição a respeito do discipulado é o que confirma que estas Igrejas estão desfiguradas e se tornaram em seitas.

29. Além disso, a necessidade premente de novidades, e a manipulação na esfera eclesial - que se tornara caractere indiscutível em muitas Igrejas - tão hedionda quanto a manipulação dos partidos comunistas, são testemunho mais do que evidente da falência espiritual e moral das diversas Igrejas. É basicamente o mesmo cenário de corrupção que Bonhoeffer viu em sua época, com a diferença do modo em que ocorrera esta corrupção. Certamente, diante deste cenário, a afirmação de Barth volve-se a mente: “A Igreja Protestante já está cercada por uma nuvem negra de desconfiança. Qualquer pessoa que não seja cega pode ver. Mas os seus líderes são cegos e não veem isso. Eles se regozijam com a confiança que um pequeno grupo de ‘pessoas da igreja’ parece depositar neles, sentando-se a seus pés com expectativa repetidas vezes aos domingos e feriados - e eles não veem que este é também e especialmente o caso com este o bom ‘povo da igreja’ pequeno-burguês. É um resquício de confiança que pode e irá desaparecer se a insignificância de toda a questão eclesiástica for provada. Mas isso será provado se a igreja continuar a falar assim por algum tempo, impunemente e sem ser perturbada. A pequena burguesia, que ainda dá consolação aos pastores, um dia lhes agradecerá este ópio. E mesmo que não o fizessem imediatamente e que esta atividade continuasse impunemente por mais 100 anos, ainda assim seria verdade que esta igreja - a igreja que deveria ser legitimamente representada por esta voz - está abandonada por Deus e todos são traidores da Igreja (e não apenas da Igreja) que os ‘conduziram’ até lá[6].

E a descrição de Barth, feita a quase cem anos atrás, continua a ser atual; e, diante de um cenário que as Igrejas estão desfiguradas, diante da crescente e desmedida afirmação sobre o discipulado, se apercebe o estado real das Igrejas, a saber, que a Igreja “está abandonada por Deus”. Com isso, a evocação do discipulado, demonstra a “insignificância de toda a questão eclesiástica”; portanto, que o entendimento sobre o verdadeiro discipulado e sua evocação, sirva de auto-análise do estado das Igrejas, bem como para que se compreenda que quando o discipulado é evocado, é porque a Igreja, para utilizar as palavras da crítica de Barth, “está abandonada por Deus”. A descrição de Barth é de quase uma década antes da invectiva de Bonhoeffer sobre o discipulado, mas é a descrição que demonstra o estado da Igreja diante da qual Bonhoeffer teve de lutar para reafirmar o verdadeiro cristianismo.

30. O evocar o discipulado não é somente elaborar e analisar as formas para se ensinar o como se deve seguir a Jesus Cristo; o termo discipulado fora evocado como signo teológico para quando a Igreja estiver nos caminhos da apostasia, e de quando a Igreja “está abandonada por Deus”. Pois, o seguir a Jesus Cristo fora talhado na teologia medieval como a teologia da imitação de Cristo, e após a Reforma como doutrina da vida cristã; a volta ao discipulado, é quando ocorre a apostasia da Igreja e dos cristãos, quando a “insignificância de toda a questão eclesiástica”, está mais do que evidente; portanto, que se lembre destas verdades ao se afirmar e se evocar o discipulado, pois, somente nestas condições, é o que discipulado deve ser reafirmado; pois, do contrário, eis o caos eclesiástico, como a existência da Igreja Evangélica no Brasil e no mundo testemunha de maneira clarividente nas últimas décadas.

 

III. Uma Avaliação Crítica.

 

31. Deste modo, tendo compreendido alguns aspectos sobre o “Discipulado” de Bonhoeffer, pode-se, conjuntamente com análise destes aspectos, se evocar uma avaliação crítica da linha teológica fundamental que serve como pano de fundo para a invectiva de Bonhoeffer; pois, sobre isso, quase não se foi falado; na verdade, é um dos aspectos mais importantes para se compreender a proposição de Bonhoeffer sobre a teologia do discipulado; pois, conquanto a teologia do discipulado tenha muitos aspectos salutares, também não deixa de ter aspectos problemáticos e aporéticos; compreender estes aspectos problemáticos deve perfazer toda e qualquer análise séria sobre a teologia do discipulado.

32. No início do livro, Bonhoeffer afirma: “A graça barata é graça como doutrina, como princípio, como sistema[7]; nesta expressão, se compreende donde advêm a influência primordial do discipulado de Bonhoeffer; pois, ao designar a graça barata - para Bonhoeffer a perversão e apostasia do evangelho -, como doutrina, princípio, sistema, Bonhoeffer está seguindo a linha da crítica teológica de Harnack e da escola teológica que ele representava; Harnack, criticara a helenização do cristianismo, e por consequência, das formulações racionais que são provenientes da influência grega; logo, em Harnack, se tem a desvalorização e rejeição da reflexão teológica-sistemática; Paul Tillich, reconheceu este problema e asseverou: “Minha crítica à teologia liberal como um todo, e a Harnack em particular, é sua ausência de teologia sistemática. Aceitavam os resultados da pesquisa histórica erradamente. Diante disso, seus pronunciamentos sistemáticos eram comparativamente pobres. Mas faziam sentido para muita gente, na época[8]. Logo, desta afirmação de Tillich se consegue compreender um dos problemas do liberalismo teológico de Harnack, o qual, infelizmente influencia decisivamente Bonhoeffer em sua invectiva sobre o discipulado.

33. Pois, a crítica de Bonhoeffer, logo no primeiro capítulo de seu livro, sobre a doutrina, o princípio, o sistema, é uma crítica ao princípio dogmático do cristianismo; pois, Bonhoeffer não critica um sistema humano apenas, como a Igreja em sua época havia se tornado em Igreja do Reich (uma Igreja com o sistema nazista); mas a crítica de Bonhoeffer também é em relação a proposição do sistema doutrinário, ou melhor, a sua possibilidade e necessidade; neste sentido, a crítica de Bonhoeffer é a mesma que resulta dos estudos da escola teológica que Harnack representava; logo, a crítica de Bonhoeffer não deixa de ser enviesada com o liberalismo teológico de Harnack; deste modo, a invectiva de Bonhoeffer sobre o discipulado, embora tenha significativos e preciosos aspectos, é uma outra formulação, mais bem feita e com uma percepção pastoral aguçadíssima, daquilo que Harnack houvera proposto em “Das Wesen des Christentums”.

34. A invectiva de Bonhoeffer em se voltar a vida cristã pura e simples, de acordo com o Evangelho, a qual, certamente sempre deve ser ouvida, tem a influência do que Harnack propugnara como a simplicidade da mensagem de Jesus Cristo. Harnack assevera: “A grandeza e o poder da mensagem de Jesus Cristo decorrem do fato de ser tão simples e, ao mesmo tempo, tão rica. Tão simples, a ponto de caber em cada um dos pensamentos apresentados. Tão rica, que cada um desses pensamentos mostra-se inesgotável, indo muito além do que podemos apreender nos seus ditos e parábolas. Mas, além disso, sua pessoa permanece viva em tudo o que disse. Suas palavras falam a nós ao longo dos séculos como se pertencessem ao presente. É nisto que a verdade desta sentença se verifica: ‘Fala, para que eu te possa ver’[9]. A expressão de Harnack é formidável, e se fosse apenas esta expressão seria totalmente aceitável; o problema é que esta expressão não é pura e simplesmente a descrição da beleza da simplicidade da mensagem de Jesus Cristo, mas é parte do programa de deshelenização do cristianismo; o desenvolvimento da teologia de Bonhoeffer segue o mesmo caminho; pois, a crítica de Bonhoeffer de que a graça (a mensagem de Jesus Cristo, o Evangelho), tornara-se em graça barata (corrupção e desfiguração do Evangelho), e ao estabelecer esta crítica da graça barata tendo a mesma como doutrina, princípio, sistema, é ao mesmo tempo uma crítica a todo o desenvolvimento teológico sóbrio e saudável da patrística e da escolástica (donde provêm o desenvolvimento das ideias de doutrina, princípio, sistema em relação ao desenvolvimento teológico).

35. E, compreendendo-se isto mais a fundo, afirma-se as seguintes proposições, com evidências históricas: a ideia de doutrina está disposta nas primeiras gerações após o período apostólico, principalmente a partir de Tertuliano; a ideia de princípio, fora estabelecida por Orígenes, dos princípios teológicos fundamentais à reflexão teológica; e a ideia de sistema, aplicada a reflexão teológica-sistemática provêm da escolástica; então, a teologia do discipulado, como crítica a graça barata, a graça barata que Bonhoeffer identifica também como doutrina, princípio, sistema, passa a ser uma crítica a tudo quanto representam os conceitos de doutrina, princípio, sistema, em relação ao todo da teologia cristã. Donde, ao se efetivar a teologia do discipulado, logo, se terá a rejeição ao que estes conceitos significam; se terá a rejeição a doutrina; se terá a rejeição aos princípios teológicos; e se terá a rejeição ao sistema teológico (ou mais propriamente, a rejeição a teologia sistemática ou dogmática).

36. Estas são algumas das consequências da efetivação da invectiva de Bonhoeffer sobre o discipulado; pois, conquanto Bonhoeffer tenha acertado em muitos aspectos, suas reflexões e proposições são de acordo com as necessidades de sua época; a teologia do discipulado que Bonhoeffer recupera tem um contexto específico, de quando da apostasia da Igreja; e, tem os princípios pelos quais fora influenciado, a saber, o liberalismo teológico de Harnack; logo, a invectiva de Bonhoeffer possui inúmeros aspectos salutares, e não deixa de ser importante nos contextos onde se faz necessária, mas, se for aplicada de maneira errônea, gerará uma crise eclesial terrível, pois, se gerará uma série de críticas ferrenhas a tudo quanto diz respeito a existência eclesial e a existência teológica. A teologia do discipulado, ou é uma bênção, no contexto onde se faz necessária, tal como fora aplicada por Bonhoeffer, ou então, gerará inúmeras aporias que demonstram aquilo que Barth chamara de “insignificância de toda a questão eclesiástica”.

37. Estas afirmações e descrições devem ser levadas em conta em qualquer proposição sobre a teologia do discipulado, e devem servir de uma análise crítica da aplicação desmedida que tal proposição tomou na Igreja hodierna. Agora, se as Igrejas, os teólogos, persistirem na aplicação da teologia do discipulado sem compreender sua necessidade e natureza, se terá ainda mais problemas do que se encontram atualmente nos arraiais eclesiásticos, e como se constata a partir das descrições anteriormente elencadas. O desvirtuamento da Igreja Evangélica, e a permissividade de práticas anti-bíblicas nos arraiais eclesiais, também são fruto da aplicação errada e sem necessidade da teologia do discipulado; e isso, infelizmente, não há como negar.

38. Além disso, a perspectiva de Bonhoeffer sobre o discipulado, assim como as perspectivas que dela provêm, isto é, toda a iniciativa e invectiva em torno da teologia do discipulado, embora tenha sido evocada com um propósito nobre e piedoso, traz em si os ditames da deshelenização do cristianismo; pois, toda invectiva do discipulado não é pura e simplesmente evocar o seguir a Jesus Cristo; mas, é uma invectiva contra uma salutar influência na edificação do cristianismo, que deu forma e base para que a Igreja se tornasse coluna e firmeza da verdade. As significativas e muito pertinentes invectivas de Harnack, devem ser estudadas, apenas se deve ter o cuidado com o programa da deshelenização do cristianismo, que traz muitos problemas para a existência teológica e para a existência eclesial.

39. Deste modo, a invectiva de Bonhoeffer, diante de um cenário de apostasia total, propôs uma volta ao discipulado; certamente, neste contexto, uma invectiva assaz significativa e pertinente; mas, que também trazia imbuída o programa de deshelenização do cristianismo; e, no contexto de Bonhoeffer, isso foi muito necessário, porque demonstrou aquilo que Barth afirmara como a “insignificância de toda a questão eclesiástica”; portanto, neste contexto não fazia muita diferença a deshelenização ou não do cristianismo; era um brado cósmico para que os cristãos se mantivessem fiéis ao Evangelho, mesmo que a Igreja instituição tivesse apostatado, e que houvesse nesta própria invectiva todas as aporias provenientes do programa da deshelenização do cristianismo.

40. Entretanto, em outros contextos que não o de apostasia total, a teologia do discipulado traz sérios problemas; pois, não somente proclama uma “ad fontes” do Evangelho, mas também traz imbuída as noções da deshelenização do cristianismo; e, ao mesmo tempo que traz uma volta as práticas do Evangelho, em os cristãos serem discípulos de Cristo, a teologia do discipulado também traz sérios problemas à existência eclesial; e, entres estes problemas os mais comuns e aporéticos são: 

O primeiro e mais comum, é a desvalorização da questão doutrinária; e, por consequência, a desvalorização da importância da firmeza doutrinária e a negação da importância doutrinária; e isto traz todos os problemas que surgem por falta da desvalorização doutrinária, já que sem a firmeza doutrinária, qualquer vento de doutrina açambarca as Igrejas (cf. Ef 4.14). 

O segundo, é a rejeição para com os princípios e axiomas teológicos fundamentais; e, por consequência, qualquer coisa tida como teologia é aceita mesmo que esteja sem fundamentação bíblica e racional; logo, com a rejeição aos princípios e axiomas teológicos fundamentais, qualquer poder de mando humano ou qualquer um que se arrole alguma “autoridade espiritual” procurará implementar práticas anti-bíblicas e anti-racionais como se fossem a vontade de Deus. 

O terceiro, é a rejeição e a negação da teologia sistemática; e, consequentemente, da desfiguração da importância e da natureza da pregação; pois, sem teologia sistemática, a pregação se torna ressequida e fraca; não que a pregação seja aula de teologia sistemática, mas o Dr. Llyod-Jones afirmou que para se ser um bom pregador, há de se conhecer muito bem a teologia sistemática; então, a rejeição e a negação da teologia sistemática - aliás, um dos principais aspectos da teologia de Harnack -, adentra aos arraiais enfraquecendo a prática da pregação, e inoculando no lugar da proclamação da Palavra de Deus outras mensagens, e, com isso, viciando as Igrejas em práticas apostasiosas que surgem de mensagens que não são provenientes da Palavra de Deus.

41. Estes três aspectos, são algumas das mais comuns consequências do programa da deshelenização do cristianismo; e, que vem imbuídos em toda e qualquer invectiva sobre a teologia do discipulado; a desvalorização da questão doutrinária, a rejeição para com os princípios e axiomas teológicos fundamentais, a rejeição e a negação da teologia sistemática, e as consequências que disto provêm, são o fruto da invectiva sobre a teologia do discipulado na existência eclesial.

E isto se demonstra na prática; todas as Igrejas que foram permeadas pela teologia do discipulado, sem nenhuma exceção, foram dominadas por práticas que são expressão ou da desvalorização da questão doutrinária, ou da rejeição para com os princípios e axiomas teológicos fundamentais, ou então, da rejeição e negação da teologia sistemática, e, em casos mais críticos, destes três aspectos conjuntamente.

42. Portanto, há de se levar em conta estes aspectos ao se querer evocar a teologia do discipulado; pois, sem nenhuma exceção, todos se mostram clarividentes em toda aplicação da teologia do discipulado; logo, a aplicação do discipulado, sem que seja feita num contexto adequado, e tal como Bonhoeffer o aplicara e que estabelecera como encargo fundamental do discipulado, tem de ser feita de maneira sóbria e consciente; senão, como fora afirmado anteriormente, eis o caos eclesiástico; e, esta é uma verdade aterradora que tomara conta da Igrejas Evangélicas nos últimos decênios.

43. Termina aqui esta breve exposição. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém. 



[1] Battista Mondin, Os Grandes Teólogos do Século Vinte [São Paulo: Editora Teológica, 2003], pág. 244.

[2] cf. Karl Barth, Kirchliche Dogmatik IV/1, § 62.2, pág. 763.

[3] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado [Edição Eletrônica. São Paulo: Mundo Cristão, 2016], pág. 14.

[4] Karl Barth, Christliche Ethik - Ein Vortrag [München: Chr. Kaiser, 1946], pág. 8.

[5] Declaração Teológica de Barmen, § 1.

[6] Karl Barth, Quousque tandem...? [1930], In: Karl Barth-Archiv 10010.

[7] Bonhoeffer, Op. Cit., pág. 13.

[8] Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sécs. XIX e XX [4ª ed. São Paulo: ASTE, 2010], pág. 228.

[9] Adolf von Harnack, O que é Cristianismo? [1ª ed. São Paulo: Editora Reflexão, 2014], pág. 52-53. 


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