21/07/2025

Sobre o Comentário ao Corpus Platonicum

A filosofia de Platão se concentra na teoria das ideias; tudo o mais que o mestre da Academia fez e produziu diz respeito a explicação e demonstração de que a ordem da realidade está disposta em ideias e através de ideias; embora Platão mesmo fosse contra a escrita no tocante a filosofia (cf. Carta VII), aquilo que ele escreveu, conquanto tenha o norte específico em função da teoria das ideias, toca uma ampla gama de assuntos que permeia toda a filosofia. 

E, mesmo que qualquer classificação cronológica e/ou temática dos diálogos platônicos seja tida como inapropriada, se estabelece um parâmetro básico para uma melhor explicação didática do conteúdo dos diálogos, não pretendendo com isso nenhuma ordenação absoluta a este respeito; a filosofia de Platão segue o parâmetro da teoria das ideias; e a partir disso se pode subdividi-la em dois blocos: a teoria ou doutrina das ideias e a vida nas ideias; ou tomando outros termos: doutrina e ética.

O amplo e genial escopo da filosofia platônica se divide em doutrina e ética; embora em todos os diálogos se mencione e se evoque muitos outros aspectos, os quais estão todos interligados, seja num diálogo em específico seja em todos os outros diálogos, se pode utilizar esta divisão em dois blocos para melhor compreender a filosofia de Platão.

Com isso, o comentário a todo o Corpus Platonicum (doravante, CP) estará em ordem e disposto de acordo com a ordenação que emana desta divisão em dois blocos gerais, e nas subsequentes divisões que são necessárias em cada um destes dois blocos gerais.

Pois, ao compreender a ordem ontológica da realidade, a teoria das ideias, Platão a fizera não por um simples estalo ou revelação, mas através da constante e genial observação da realidade, donde ele parte das situações comuns, através quais compreende o que concerne a virtude e similares, os verdadeiros bens da vida, e a partir disso infere um bem superior, o Sumo Bem, e outras designações amalgamadas, tais como a Beleza, a Verdade, etc., com os quais passa a compreender de maneira mais apurada todo o esplendor da ordem da realidade disposta em ordenação ontológica de acordo com a dignidade dos seres.

Assim, ao se analisar por exemplo um diálogo que toca o tema da virtude, se analisa não somente a virtude em geral ou uma virtude em específico, mas se sabe que a partir da análise desta virtude, se infere outro princípio superior, que dá a forma e base para esta virtude, e assim, paulatinamente, até se chegar ao Sumo Bem, ou Primeiro Bem; e então, do Sumo Bem, se compreende as emanações do bem em todos as coisas e em todos os seres, e a compreensão dos graus e das espécies desta participação dos seres inferiores no ser superior demonstra o modo como a realidade está disposta; em suma, este é o escopo da teoria das ideias.

Tendo compreendido isto, se pode apresentar a disposição do comentário ao CP, de acordo com esta ordem acima descrita, pois foi o modo como Platão desenvolveu suas obras: dos diálogos que versam sobre temas éticos e sobre a virtude, de acordo com situações cotidianas (ética ou vida nas ideias), para os diálogos teóricos, nos quais se têm as percepções teóricas que são extraídas a partir da análise da realidade (doutrina ou teoria das ideias).

 

α. ÉTICA.

A. Virtude em Si.

I. Protágoras.

II. Ménon.

              a. Da Virtude.

III. Hípias Menor.

              a. Hiparco.

B. As Virtudes em Geral.

IV. Laques.

V. Cármides.

VI. Lísis.

VII. Hípias Maior.

              a. Clitofon.

              b. Da Justiça.

C. A Vida na Virtude.

VIII. O Banquete.

IX. Filebo.

              a. Hálcion.

              b. Erixias.

D. A Virtude em Sociedade, ou, Política.

X. Górgias.

              a. Amantes Rivais.

              b. Teages.

              c. Demódoco.

XI. A República.

XII. O Político.

              a. Sísifo.

XIII. Crítias.

XIV. As Leis.

XV. Epinomis.

              a. Minos.

β. DOUTRINA.

A. A Consciência de Morte, ou Iniciação ao Saber.

XVI. Apologia de Sócrates.

XVII. Críton.

XVIII. Eutífron.

XIX. Fédon.

              a. Axíoco.

B. Lógica e Linguagem.

XX. Crátilo.

XXI. Eutidemo.

XXII. Menexeno.

XXIII. Ion.

C. Ciência Natural.

XXIV. Timeu.

D. Ontologia ou Metafísica Geral.

XXV. Fedro.

              a. Primeiro Alcibíades.

              b. Segundo Alcibíades.

XXVI. Teeteto.

              a. Definições.

E. Metafísica Especial, ou Metafísica Propriamente Dita.

XXVII. Parmênides.

XXVIII. O Sofista.

Tendo disposto esta ordem, se prossegue para esta análise nesta ordem; outrossim é que, quando for necessário, também se fará comentário aos diálogos ditos apócrifos, que também são acoplados no CP, de acordo com o tema e de acordo com este panorama acima apresentado, e que serão tomados como de autoria de Pseudo-Platão (nome genérico para designar o que o platonismo antigo desenvolveu e que se atribuiu ao próprio Platão).

Com isso, se terá um grande e amplo escopo da filosofia platônica; e se se observar com cuidado, se compreenderá que esta ordenação é a que Aristóteles hauriu de seu mestre no desenvolvimento de sua obra; aliás, em muitos aspectos é a estrutura na qual está disposto de todo o Corpus Aristotelicum; na verdade, tal ordenação não é disposta de modo arbitrário, mas a partir de pressuposições daquele que melhor compreendeu a doutrina de Platão, embora não tenha sido propriamente um platônico e tenha caminhado numa direção oposta, mas sempre em ordem aos caminhos abertos por seu mestre.

E que este projeto que aqui é evocado seja concluído, a fim de que o Senhor Jesus Cristo seja glorificado através de doutrinas; com fé em Seu auxílio, e confiante de Sua graça para levar a cabo tal projeto, concluo esta nótula informativa sobre o comentário ao CP.

θεῷ χάρις!


14/07/2025

A Impiedade do Pacifismo

1. A apologia em prol do pacifismo sempre é permeada por desequilíbrio, inverdade e burrice; na verdade, seja de acordo com a reta razão seja de acordo com a fé, o pacifismo sempre é um caminho irracional e assaz perigoso; pois, a atitude mais correta, e é a que a Sagrada Escritura também ensina, a saber, de ser pacificador (cf. Mt 5.9), mas jamais pacifista; pois o pacifismo contradiz plenamente um preceito do Senhor Jesus: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34); o pacifismo é contra os ditames do Santo Evangelho.

2. Na verdade, há uma grande diferença entre o pacificador e o pacifista; pois, o pacifismo tem uma face bonita, e é agradável aos ouvidos encharcados com a cera das ideologias, mas traz efeitos terríveis, já que gera apatia quanto ao avanço da tirania; por isso, o pacifista que diz buscar a paz acaba por ajudar aqueles que buscam a guerra para matança e domínio. No entanto, o pacificador busca e propaga a paz, sem decair em indolência e sem deixar de ter a percepção correta quanto ao discernimento dos tempos.

Pois, o pacifismo sempre traz uma compreensão errada em relação aos problemas da vida humana, entre os quais a maldição da guerra; assim, se compreende que embora seja uma maldição terrível, a guerra é algo que faz parte da história da humanidade e continuará a ser parte desta história até a consumação dos séculos; portanto, negar este fato é incorrer em irracionalidade; e, pior, tentar transmogrifar este fato buscando uma paz de cemitério, é evidência de imbecilidade.

3. Deste modo, se constata que de acordo com a fé se deve ser a favor da guerra quando esta se mostra necessária; e há sim momentos onde a guerra é necessária; além do que, a Sagrada Escritura prescreve que há tempo de paz e tempo de guerra (cf. Ec 3.8b), demonstrando que goste-se ou não, aceite-se ou não, a guerra é um problema humano, que infelizmente nunca deixará de existir. Por isso, o pacifismo é contra um preceito da Sagrada Escritura.

E, neste mesmo sentido, se constata que não há nada de cristão no pacifismo; na verdade, o pacifismo é evidência de impiedade, porque busca uma solução divina sob mãos humanas para um problema humano; aliás, o que a fé prescreve, e também é atestado pela reta razão, é que os fiéis devem ser pacificadores; por isso, o pacifismo é contra a bem-aventurança proclamada pelo Senhor Jesus.

4. Todavia, nas circunstâncias onde a guerra é necessária, não se pode haver pacifismo; o pacifismo que querem evocar em nome da fé, além de demonstrar a soberba e a insolência dos falsos pacifistas, não consegue lidar com firmeza e esperança com um terrível problema; nenhum dos pacifistas consegue lidar com a guerra quando esta acontece; então, o problema é do pacifista; agora um pacificador, quando todas as tentativas pela paz são malfadadas, sabe como lidar com a guerra.

E isso se aclara com um exemplo, Sir Winston Churchill, um pacificador, mas não um pacifista; o lendário primeiro-ministro britânico sempre buscou a paz em todos os momentos, mas quando chegou a maldição da guerra, não se deixou vencer pela indolência e insolência dos pacifistas e batalhou para manter incólume e alçada a bandeira da liberdade; e este é apenas um entre tantos exemplos.  

5. Assim, se constata que a fé verdadeira também se coaduna com a possibilidade da guerra; não da guerra simplesmente pela guerra; mas também não do pacifismo pelo pacifismo; por isso, ser cristão também é ser favorável a guerra quando esta é necessária; e embora isso seja parte da absurdidade da vida, se for negado é negação da própria realidade; não se pode negar algo da vida humana, senão se decai na anti-realidade.

Portanto, o pacifismo que busca negar a guerra, na verdade é uma negação da própria realidade, pois a guerra, infelizmente, é parte da vida humana; por isso, o Pregador ao pensar sobre os absurdos da vida constatou que os períodos cíclicos da história se coadunam na dialógica paz e guerra, guerra e paz.

Aliás, este também foi o dístico que Tolstói utilizara para escrever seu grande clássico “Guerra e Paz”; ora, até na literatura se consegue ter esta compreensão, e ainda existem pessoas de fé que se tornam subservientes aos grimórios do pacifismo.

6. Com isso, se constata que o pacifismo, um desequilíbrio anti-realidade, não se coaduna com a fé e nem com a reta razão. Portanto, se reafirma que ser cristão também é ter de entender, ainda que isso seja assaz doloroso, que se deve ser favorável a guerra quando esta é necessária. Isto, em si, não contradiz os preceitos do Evangelho, mas simplesmente evita que em nome de uma falsa compreensão do Evangelho, se crie um instrumento anti-realidade que não consegue lidar com um dos mais terríveis problemas humanos, a guerra; pois, estranhamente, o pacifismo acaba por influenciar ainda mais os tiranos na guerra por domínio; isto, a história testemunha de forma incontestável; etc.

7. A fé e a reta razão prescrevem a doutrina pacificadora, mas não prescrevem a doutrina pacifista. Ser pacificador é buscar sempre a paz, mas também saber que quando a guerra é necessária não se adianta buscar uma paz de cemitério, o tótem dos pacifistas; no entanto, ser pacifista é querer paz quando é necessário a guerra, além do que os pacifistas sempre não conseguem discernir os tempos: quando é tempo de guerra buscam a todo custo transmogrifá-lo em tempo de paz (o que jamais ocorre, mas em compensação os que assim buscam, acabam por se calcinar na anti-realidade); o pacifismo é uma ilusão, e os cristãos que buscam o pacifismo buscam uma paz ilusória e utópica; a flor frágil da paz não é preservada por aqueles que não sabem discernir quando é tempo de paz e quando é tempo de guerra.

8. Ademais, a babaquice do pacifismo se tornou costumeiramente aceito depois da publicação do ensaio de Immanuel Kant, “À Paz Perpétua” (1795); embora, as razões de Kant sejam até certo ponto plausíveis do ponto de vista de um filósofo, a existência concreta das nações não pode se enveredar por utopismo, mesmo proveniente de sentenças de grandes filósofos; o utopismo kantiano no projeto da paz perpétua preparou o terreno para o desenvolvimento da doutrina pacifista na contemporaneidade.

No entanto, este utopismo causou males terríveis; pois, é um utopismo que não leva em conta a experiência real da vida das nações; por isso, um preceito de Kant, de que os exércitos permanentes deveriam desaparecer completamente com o tempo, que parecia ser algo bom, tornou-se em instrumento de permissividade para o domínio de tiranos e carniceiros; e a resposta definitiva a tal utopismo veio de George Washington: “estar preparado para a guerra é a melhor maneira de preservar a paz”.

9. Deste modo, o pacifismo é um utopismo; um utopismo kantiano; pois, se sabe que neste mundo nunca haverá paz perpétua; portanto, querer buscar uma paz perpétua é um grimório kantiano, que nada tem de piedoso; por isso, o pacifismo, ética da doutrina da paz perpétua, além de estar contra os preceitos racionais e da experiência da vida humana, na qual infelizmente sempre se tem a maldição da guerra, também está contra um preceito da Sagrada Escritura, o qual ensina que a paz perpétua, a paz sem fim, será trazida por Cristo, quando este reinar eternamente (cf. Is 9.6-7); antes disso, que ocorrerá apenas no fim dos tempos, não haverá paz perpétua, pois a vida do homem sobre a terra é uma constante guerra (cf. Jó 7.1). Portanto, a fé cristã jamais se pode deixar levar pelo pacifismo, mas sempre deve permanecer uma fé pacificadora; isto é o que convém a um fiel diante dos problemas humanos. 

θεῷ χάρις


07/07/2025

Breve Apologia Contra a Ortodoxia Russa

Proêmio.

1. Com ardente preocupação, e com profunda tristeza, se faz necessário vociferar contra a ortodoxia russa; as agitações, confusões e problemas causados pelo apoio da Igreja Ortodoxa Russa (doravante, ortodoxia russa) à guerra que sua nação trava contra a Ucrânia, demonstram que esta Igreja, outrora uma das mais belas expressões da Ortodoxia, se tornou um viveiro de prostituição espiritual.

Pois, àquilo que é afirmado no livro do Apocalipse, da grande Babilônia (cf. Ap 17.1ss), pode ser afirmado de tempos em tempos das Igrejas que se rendem as ideologias, as quais vendem sua primogenitura espiritual e se prostituem espiritualmente e racionalmente sendo dominadas por poderes de mando; no caso em voga, isso pode ser aplicado plenamente para descrever o atual estado da ortodoxia russa.

2. A triste e lamentável situação a qual a ortodoxia russa se submeteu, tornaram-na uma Igreja apostasiosa; e, embora o caminho ortodoxo seja de paz, amor e misericórdia, quando necessário, se deve revolver o antigo espírito polêmico dos teólogos bizantinos dos sécs. XIV e XV, principalmente quando os tentáculos das ideologias a carranca da apostasia começam a se assomar a vida eclesial.

Agora, não mais se luta apenas contra os inimigos externos, mas também com a própria obra maligna dominando a vida eclesial através de princípios ideológicos; a Igreja Ortodoxa Russa se tornou, sem sombra de dúvidas, uma Igreja Ideologizada; por isso, deixou de ser uma Igreja bíblica e deixou de ser uma Igreja embasada pela tradição dos Santos Padres.

Parte I: A Apostasia da Igreja Ortodoxa Russa.

3. Portanto, não é difícil de se perceber que a unidade da ortodoxia é duramente golpeada pela situação a qual a ortodoxia russa, consciente ou não, se submetera e/ou fora submetida, sem quase nenhuma discordância, o que é ainda pior; parece que a verdadeira fé fora amordaçada em nome da subserviência para com a vontade de poder do nacional-bolchevismo, a doutrina do “mundo russo”, vituperando a esperança cristã.  

Pois, o que se espera da Igreja, e é isso que os fiéis em toda a parte também esperam, é que anuncie o evangelho de Jesus Cristo e seja coluna e firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.16); quando isso não ocorre, a Igreja deixa de se sujeitar a Cristo, e passa se sujeitar a todos os poderes de mando humano, corrompendo sua missão prescrita por Deus.

Por isso, a não-sujeição a Sagrada Escritura e a Tradição, como normas para a vida da Igreja, faz com que a Igreja se sujeite as bolotas de carne do chiqueiro das ideologias.

4. Novamente, agora não só na Igreja Católica ou na Igreja Protestante, o estado de sonho ideológico volta a se atinar; e muito pior, uma completa sujeição a um estado de sonho ainda mais maligno e hediondo do que fora a ideologia nacional-socialista; o Patriarca Russo Kirill, em um sermão em 06 de março de 2022, justificara o apoio a esta guerra imunda como “uma luta metafísica”, preceito inalterável da ideologia do “mundo russo”.

Ora, isso além de sofisma, é uma monstruosa afronta contra a Sagrada Escritura; não existe luta metafísica, pois não há dualismo metafísico – e que não se busque embasar isso no que Platão estabelece em “A República”, pois tal luta é uma perversão do real sentido do preceito platônico; o mal não está na mesma medida que o bem, pois o Bem é infinitamente superior, ainda que em alguns momentos o mal pareça dominar.

Na verdade, o que há é luta moral, e aqueles que estão sujeitos aos grimórios da proposição da “luta metafísica”, como o patriarca russo, estão na verdade contra a lei moral natural e contra a moral revelada.

A pífia e inócua justificação teológica do patriarca russo não tem base nem na reta razão nem na revelação; portanto, são aqueles que apoiam a Rússia nesta guerra, que verdadeiramente estão contra a luz, contra a verdade de Deus e contra os valores mais sagrados da vida humana.

Por isso, se afirma em alto e bom tom que a hierarquia da ortodoxia russa se mostrou completamente contrária ao evangelho e aos ensinamentos bíblicos e dos padres da Igreja ao se submeterem de maneira vil e infame ao apoio e a justificação desta guerra assassina.

5. Deste modo, se observa que a ortodoxia russa fora permeada por uma ideologia carniceira; logo, não há mais nela a genuína fé na Santíssima Trindade, nem a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; a genuína fé na Santíssima Trindade requer aquiescência total e plena para com o que é transmitido na Sagrada Escritura e pelos padres da Igreja; assim, onde há sujeição ideológica, há um desprezo deliberado pela fé verdadeira. Pois, a sujeição ideológica se move de acordo com a chamada “trindade infernal”: Satanás, o anti-cristo e o falso profeta.

Portanto, quando a ortodoxia russa se tornara subserviente ao nacional-bolchevismo, o melhoramento do antigo sonho de Lênin que se tornara no passado em nacional-socialismo, se tornara um viveiro de hipocrisia, em abominação a Deus, ao mesmo tempo em que está sendo movida pelos enganos de Satanás, pelo espírito do anti-cristo e pelas hipocrisias do falso profeta, e, por isso se tornaram em falsa religião; isso tudo é evidência de apostasia da fé verdadeira.

Na verdade, toda esta subserviência se tornara como que uma sinfonia infernal, na qual uma antiga Igreja se tornara instrumento fundamental da obra de Satanás. E o mais triste de tudo isso é a defesa obstinada e insolente por parte da hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa dos preceitos da ideologia do “mundo russo”.

Parte II: Os Princípios da Ideologia do “Mundo Russo”.

6. Ora, tendo compreendido a apostasia que tomou conta da ortodoxia russa, também se faz necessário entender os princípios da ideologia do “mundo russo[1], doutrina que corrompera a ortodoxia russa; e a ideologia do “mundo russo”, propaga pelo menos cinco preceitos gerais, os quais são: primeiro, um centro político comum (Moscou); segundo, um centro espiritual comum (Kiev); terceiro, uma língua comum, o russo; quarto, uma igreja comum, a Igreja Ortodoxa Russa; quinto, um patriarca comum, o patriarca de Moscou.

Ora, é mais do que evidente que estes princípios da ideologia do “mundo russo” não somente violam a própria racionalidade, mas são totalmente anti-eclesiais; ou seja, em todos os sentidos são evidência da obra de Satanás.

Por isso, se afirma em ecos cósmicos que a ideologia do “mundo russo” é uma séria e hedionda afronta contra a fé verdadeira, o que se constata através dos princípios basilares que permeiam a doutrina do “mundo russo”; portanto, analisar-se-á brevemente cada um destes cinco preceitos gerais.

7. Quanto ao primeiro, a ideia de um centro político comum, é um fundamento comum as ideologias totalitárias, posto que querem efetuar o domínio sob a autoridade política de um Estado Total; a busca por um centro político comum, além daquele já estabelecido, é na verdade uma busca por um Estado Total; ora, o Estado Total é a deificação da vontade de poder de alguém com autoridade de “deus”, que sempre é o cumprimento em um líder político do axioma de César: “o estado sou eu”.

Na verdade, o preceito de um centro político comum evidencia a busca por um poder absoluto, no estado de sonho onde as babaquices da ideologia se tornam a nova realidade; outrossim, é que a ideia de um centro político comum é a ideia da instauração de um reino sob a Segunda Realidade; ora, a busca pela Segunda Realidade é evidência de morbidade na alma, da doença espiritual que se assoma aos homens que buscam ser “deus”; os que propagam ideias de acordo com a Segunda Realidade buscam a deificação sob a vontade de poder; por isso, a ortodoxia russa ao se tornar subserviente a ideias da Segunda Realidade leva ao vitupério a doutrina da verdadeira divinização.

Ora, isto é uma forma de gnose em função de uma nova espécie de gnosticismo; a gnose da ideologia, a busca pelo “mundo russo”, em função do gnosticismo que se encarna na própria ideologia, o nacional-bolchevismo.

8. Quanto ao segundo, a ideia de um centro espiritual comum, é a busca pelo estabelecimento de uma religião global sob o domínio e a autoridade da ideologia; tal busca, além de demonstrar impiedade no coração, é evidência de soberba calcinada com ódio, pois se busca instaurar um “reino espiritual” sob o domínio ideológico; é a busca do anti-cristo por instaurar um falso profeta sob sua tutela, para ter uma religião para si e a partir de si; por isso, se torna cada vez mais perceptível que o objetivo desta guerra imunda é conquistar a capital da Ucrânia (Kiev), mesmo que para isso chegue a destruí-la por completo, para servir de centro religioso do “mundo russo”.

Ora, a fé não está sujeita a centros espirituais; as antigas sedes apostólicas são respeitadas e tem certa primazia porque foram o berço da doutrina apostólica; mas mesmo essas, na dignidade e autoridade que lhes convêm, não buscam ser um centro espiritual comum; a busca por um centro espiritual comum é parte dos grimórios do Estado Total; na verdade, este centro espiritual comum que a ideologia do “mundo russo” propaga terá apenas um poder simbólico, pois todo o poder político e religioso se concentrará na figura do líder da Santa Rússia.

Portanto, é a tentativa de sujeitar o poder espiritual a uma figura e a um poder de mando humano, elevando esse homem a categoria de nova revelação da história; é o estabelecimento de um Czar que é ao mesmo tempo um líder político e um líder religioso: como líder político, torna-se um imperador, e como líder religioso, torna-se um papa.

9. Quanto ao terceiro, a busca por uma língua comum, é a busca pelo estabelecimento e domínio através da linguagem, onde todas as expressões e declarações serão controladas através da manipulação da linguagem, seja por simplificações linguísticas ideológicas seja por sujeição sistêmica (por exemplo, como fora feito na China); por isso, a ideologia do “mundo russo” ao buscar uma língua comum, busca ao mesmo tempo implementar na fala, na hermeneia e na interpretação, aquilo que o nacional-bolchevismo estabelece como os parâmetros para o pensamento e sua respectiva interpretação; em todos os sentidos, é uma loucura total.

Com isso, se aclara uma tentativa de dominar o que as pessoas pensam, falam e interpretam da realidade; é a inculturação plena e absoluta da Segunda Realidade; embora a corrupção da língua russa ainda não tenha chegado a este estágio, é para isso que caminham velozmente.

Portanto, a defesa e a propagação de uma doutrina que vitupera o propósito divino para a linguagem como modo de expressar a realidade, é ao mesmo tempo irracionalidade e desprezo pela revelação, já que o dom da linguagem é algo que o próprio Deus prescreve ao homem, como é celebrado na Sagrada Escritura (cf. Sl 45.1), bem como é atestado pela reta razão[2].  

10. Quanto ao quarto, a busca por uma igreja comum, é a tentativa de formar uma única igreja, não em vista da verdadeira unidade, mas em busca de sujeição ideológica; a busca por uma igreja comum, em suma, é a formação de uma igreja em razão de propósitos ideológicos e estatais, configurada em torno da doutrina do “mundo russo”, doutrina que desfigurou a face eclesial da ortodoxia russa; na verdade, esta busca nada tem do verdadeiro ecumenismo e nem busca a verdadeira unidade; antes é a desfiguração da unidade no vínculo do Espírito (cf. Ef 4.3), em razão de uma pútrida “teologia” ideológica. Pois, a busca por uma igreja comum da ideologia do “mundo russo” tem por objetivo perverter a verdadeira fé em nome da aquiescência ideológica e/ou em função de um princípio teológico corrompido e corruptor.

11. Quanto ao quinto, a busca por um patriarca comum, encarnado no patriarca de Moscou, não é a tentativa de honrar um líder espiritual, mas a sujeição a um patriarca que não tem autoridade canônica para arrolar-se tal autoridade eclesial e espiritual; além disso, a busca por um patriarca comum pela ideologia do “mundo russo” é calcinada pelo espírito de usurpação, tanto contrário a um sentimento fundamental da fé (cf. Fp 2.5), quanto contrário aos cânones dos concílios antigos, que apresentam o patriarca da sé de Constantinopla como o representante dignatário e espiritual da Ortodoxia[3]; por isso, a busca da ideologia do “mundo russo” por um patriarca comum, encarnado no patriarca de Moscou, também é usurpação da sucessão apostólica e da fé da Igreja ao longo dos séculos.

Além disso, esta busca por um patriarca comum, não tem a ver apenas com propósitos ditos religiosos, mas é parte de um plano de poder político onde um líder religioso se submete e presta adoração a um líder político com autoridade divina absoluta; é como se diz no livro do Apocalipse sobre o falso profeta (segunda besta) que adora e conduz a adoração ao anti-cristo (primeira besta) [cf. Ap 13.11-18].

Parte III: Conclusões Contra a Ortodoxia Russa.

12. E, diante destes aspectos, e em função de que a doutrina do “mundo russo” tem devastado e dividido a Santa Igreja ao redor do mundo, se reafirma, com resolução e convicção, inspirado na Sagrada Escritura e na tradição viva da Santa Igreja, as seguintes verdades:

13. [i] “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus” (Mt 22.21). A distinção entre Igreja e Estado é princípio fundamental da vida eclesial e da vida estatal; Igreja não é Estado, e Estado não é Igreja; ambos têm missões específicas e distintas; transformar a Igreja em aparato estatal ou formar elementos eclesiais no Estado, é criar um eclesiasticismo estatal ou um estado eclesiástico que viola plenamente os mandamentos bíblicos para a existência da Igreja e para a função do Estado; não se pode confundir as funções de ambos e nem aceitar a transmogrifação de um no outro; na verdade, a função dos governantes civis é estabelecida por Deus (cf. Rm 13.1ss), com o propósito de manter uma vida tranquila e ordenada, em razão do bem comum; e a função da Igreja é proclamar o evangelho, com liberdade absoluta, e ser coluna e firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.16).

Portanto, não há nenhum líder, político, governante ou rei, que possa querer colocar o Estado acima de tudo, nem que possa querer reivindicar da Igreja a adoração que é devida somente a Deus (cf. Is 40.8); não há ninguém superior a Jesus Cristo (cf. Fp 2.9-11; Ap 5); por isso, se rejeita totalmente a ideia de querer fundar um “mundo” no qual se tem uma Igreja que é serviente aos nefastos propósitos ideológicos-estatais e no qual se tem um Estado eclesiasticista; na verdade, rejeita-se completamente qualquer doutrina que torne o Reino de Deus subserviente aos propósitos dos poderes de mando humano ou a questões puramente seculares, seja de senhores eclesiásticos seja de senhores civis.

Além disso, se rejeita resolutamente qualquer forma de governo que deifica o Estado numa teocracia absoluta e que acaba por absorver a Igreja, privando e/ou coagindo-a a não se manifestar livremente e profeticamente contra as injustiças e vilezas cometidas por líderes civis e/ou eclesiásticos.

14. [ii] “Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino não é daqui” (Jo 18.36). O Reino de Deus não é deste mundo; pois, o reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo (cf. Rm 14.17); logo, é evidente que o Reino de Deus não é um reino no sentido dos reinos humanos; é um reino que transcende completamente as aspirações políticas e ideológicas; a participação neste reino é outorgada a todos quantos creem, independente de raça, cor ou nacionalidade; assim, é um reino já presente, através da graça, mas ainda não totalmente realizado, o que se dará somente na glória.

Deste modo, se condena e se rejeita totalmente qualquer doutrina que busque substituir ou usurpar a autoridade do Reino de Deus, seja qual reino terreno for: seja o Reich, seja o império comunista, seja a Santa Rússia, ou outro qualquer; ninguém pode usurpar a autoridade e o poder do Reino de Deus querendo arrolar para si tal autoridade.

15. [iii] “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28). A fé não se baseia em grupos étnicos ou raciais; a fé verdadeira está além de divisões de etnia, raça ou cor; por isso, se reafirma que as “distinções da carne[4], como afirmara São Gregório Nazianzeno, são uma consequência da vida neste mundo, as quais jamais devem ser abolidas, pois são parte da grande e bela pluralidade humana.

Portanto, a afirmação de uma “suposta” superioridade racial da Santa Rússia, como propaga a ideologia do “mundo russo”, é uma afronta a fé bem como um atentado contra a dignidade humana; a inviolável dignidade da pessoa humana não está em sua etnia, ou raça, ou cor, mas pura e simplesmente em ser pessoa, criada a imagem de Deus (cf. Gn 1.26).

Assim, a afirmação e/ou a propagação da ideia da superioridade racial, é uma afronta aos mais sagrados valores defendidos pela Santa Igreja durante toda a história; não se pode resumir a fé a um grupo étnico; por isso, se rejeita qualquer afirmação que arrole para uma raça em específico uma superioridade outorgada por Deus ou algo similar, pois todos os homens, em todas as raças, em todas as cores, são objeto da mesma dignidade e sujeitos dos mesmos direitos fundamentais.

16. Por isso, a superioridade racial defendida e propagada pelo nacional-bolchevismo e que se assomou como doutrina à ortodoxia russa é um vilipêndio da Sagrada Escritura, pois a Igreja de Jesus Cristo está presente em qualquer nacionalidade, seja grega, siríaca, jordaniana, russa, ucraniana, georgiana, americana ou de qualquer outra raça ou nacionalidade; onde se tem crentes em Jesus Cristo que vivem a liturgia corretamente e estão em conformidade com a fé comum da Igreja ao longo dos séculos, ai há uma Igreja verdadeira.

Portanto, os critérios do verdadeiro cristianismo não são raciais ou étnicos; aliás, o falso cristianismo, a religião calcinada nas labaredas do anti-cristo, é que se baseia em argumentos religiosos a partir de questões raciais ou étnicas. Deste modo, a santidade e/ou dignidade de um ser humano não está em sua etnia, ou raça, ou cor, mas em ser pessoa; e a veracidade da fé não está ligada a etnia, ou raça, ou cor, mas na vida em virtude, na verdade e de acordo com a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor Jesus Cristo (cf. Hb 12.14).

17. Com isso, se constata que em tudo o que propaga a ideologia do “mundo russo” é contrária aos preceitos invioláveis da fé bem como é contrária aos preceitos mais sagrados da vida humana; pois, em suma, a ideologia do “mundo russo” é etnofiletismo; e onde há etnofiletismo ou filetismo não há fé verdadeira, e onde há fé verdadeira não há etnofiletismo; por isso, diante da infâmia provocada pela ortodoxia russa, uma igreja que se tornara subserviente e sujeita ao etnofiletismo, se reafirma categoricamente o que fora afirmado em 1872 no Sínodo de Constantinopla: Rejeitamos, condenamos e condenamos o filetismo, isto é, a discriminação racial, a discórdia étnica, a discórdia e a divisão na Igreja de Cristo como uma contradição ao ensinamento do Evangelho e aos santos cânones de nossos piedosos padres, que sustentam a Santa Igreja, ordenam toda a Cristandade e a guiam ao culto”.

Assim sendo, se pronúncia como anátema o etnofiletismo propagado pela ortodoxia russa, e se anematiza a própria ortodoxia russa por estar sujeita a práticas contrárias a Sagrada Escritura e contrárias a tradição dos Santos Padres.

18. E termina aqui esta breve apologia contra a ortodoxia russa. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.



[1] Os princípios aqui evocados estão todos embasados nos ideólogos e teóricos da ideologia do “mundo russo”; portanto, são elucidados a partir dos intelectuais que fundamentaram estas aberrações. Pode parecer até loucura, mas literalmente estes intelectuais buscam fundamentar e discorrer sobre uma série de babaquices, algumas das quais são mencionadas. 

[2] Por exemplo, Platão (cf. Crátilo) e Aristóteles (cf. Peri Hermeneias). 

[3] Eis as proposições dos Concílios Antigos que comprovam isso: “O Bispo de Constantinopla, no entanto, deve ter a prerrogativa de honra, após o Bispo de Roma porque Constantinopla é Nova Roma” (1º Concílio de Constantinopla, can. 3); inicialmente foi conferida honra abaixo apenas do bispo de Roma; e depois, isso foi melhor abalizado e fora conferida a mesma honra e a mesma dignidade que o bispo de Roma: “O bispo de Nova Roma (Constantinopla) gozará dos mesmos privilégios que o bispo da Roma Antiga” (Concílio da Calcedônia, can. 28). 

[4] cf. São Gregório Nazianzeno, Oratio VII, n. XXIII. 


02/07/2025

A Latinidade, a Cristandade e os Demônios

1. A latinidade, vocábulo sintético para aclarar tudo que o mundo ocidental produziu desde o surgimento do império romano, é um dos tesouros da humanidade; mas, este tesouro tem suas problemáticas; assim como os tesouros amaldiçoados das histórias fantásticas, a latinidade traz imbuída os elementos de sua própria desfiguração; pois, o mundo latino emergiu da barbárie; por isso, toda vez que a cultura latina é assolada pela barbárie, seja ela de qual espécie for, então o tesouro da latinidade passa desintegrar-se e a degenera-se. Este é o peso que ronda a latinidade, que a assola desde o início e que permanecerá assolando-a até o fim dos tempos.

2. Deste modo, a cristandade latina também se defronta com esta problemática; o princípio latino, que surge desde emergir da barbárie, cristalizado na obra de Tertuliano, se defronta as mais das vezes com o mesmo problema; por isso, a cristandade latina sempre estará em profunda tensão quando a cultura se atinar aos grimórios da barbárie; pois, a cultura é o elemento aferidor de medida do estado da cristandade latina; não que o cristianismo seja pura e simplesmente algo a mais na cultura, mas a inter-relação é tão profunda na cristandade latina, que a corrupção da cultura afeta diretamente a vida intra-eclesial.

3. Ora, o próprio Tertuliano constatara o problema da relação com a cultura, ao afirmar que com o mudar das épocas, muda-se as vestimentas e muda-se alguns costumes (cf. De Pallio, cap. I); e esta proposição atesta justamente o problema da latinidade, que com o passar as épocas, ao se defrontar com a degeneração da cultura, busca mudar algumas práticas a fim de aplacar alguns problemas; todavia, a degeneração da cultura não se soluciona com a mudança de algumas práticas e costumes; a mudança de práticas e costumes apenas atrasa um pouco os graus mais terríveis de degeneração; ora, isso se constata na cristandade latina principalmente no tocante a liturgia; pois, os respectivos graus de abuso litúrgico demonstram o estado de degeneração da cultura.

4. Todavia, isso pode ser melhor aclarado através de uma elucidação literária; sabe-se que a maestria e genialidade de Dostoiévski é indiscutível; o gênio das letras russas conseguiu como ninguém descrever as consequências da degeneração cultural; embora, tendo estado numa cultura que não foi formada pela latinidade, ele descreveu a própria degeneração da latinidade, que havia permeado a Rússia de seu tempo através do iluminismo e do marxismo; e a obra que melhor denota esta análise é o imorredouro romance “Os Demônios”, uma das obras máximas da literatura mundial. Nesta obra, Dostoiévski descreve a degeneração da latinidade a partir de elementos comuns de sua época, mas que é uma descrição dos efeitos de quando a cultura se degenera, seja em qual época for.

5. Os demônios que passam a dominar e a exercer este domínio de quando da degeneração da cultura, na verdade, são os instrumentos de Satanás para gerar a subversão dos povos; e, quanto a isso, se pode voltar a uma descrição ainda mais antiga, que concerne a própria glória da latinidade; pois, Virgílio, poeta máximo da latinidade, estabelece que a subversão dos povos é efeito da comoção do Aqueronte (cf. Eneida, VII, 325); ora, o Aqueronte é o reino dos demônios; então, o que gera a comoção do Aqueronte, passa a atinar e a emanar os demônios a todos os aspectos da vida social; por isso, a comoção do Aqueronte tem como consequência a subversão dos povos. Ou, dito em outros termos, a degeneração plena da cultura só ocorre quando os demônios não tem os impedimentos para suas ações.

6. Ora, três são os impedimentos para que os seres do Aqueronte dominem e degenerem totalmente a cultura, a saber: primeiro, as verdades eternas; segundo, a firmeza da personalidade; terceiro, a religião verdadeira.

Quanto ao primeiro, as verdades eternas - liberdade, verdade, religião, moral, etc. -, são um freio para a corrupção moral porque preservam a ordem, a disciplina e os bons costumes, elementos fundamentais que impedem a subversão e a degradação intelectual e moral.

Quanto ao segundo, a firmeza da personalidade, porque a personalidade é a maior força que o indivíduo possui; a primazia ontológica do indivíduo enquanto pessoa se manifesta na força da personalidade; logo, se se enfraquece e/ou desfigura a personalidade, então, não haverá força no indivíduo para suportar e/ou resistir à subversão da sociedade, o que fará com os indivíduos despersonalizados se tornem em instrumento da subversão causada pela comoção do Aqueronte.

Quanto ao terceiro, a religião verdadeira, porque a religião revelada é o maior empecilho a completa subversão dos povos; pois, a religião verdadeira propaga o reinado social de Cristo, e os demônios não agem para a completa subversão quando os povos se submetem ao reinado social de Cristo; no entanto, quando a religião verdadeira é corrompida, principalmente através da desfiguração da liturgia, meio mais eficaz para enfraquecer e corromper a cristandade, então se perde a força da coluna e firmeza da verdade; ora, quando isso ocorre, a cristandade torna-se como Sansão ao ter seus cabelos cortados (cf. Jz 16.19-21). A incorruptibilidade litúrgica é o nazireado inviolável prescrito por Deus à cristandade.

7. Deste modo, as crises na cristandade latina estão em intima relação com a crise na cultura; na verdade, são expressão da mesma na vida intra-eclesial; portanto, quando os demônios dominam a cultura, não é de se assustar que na própria cristandade se tenha a ação dos demônios, posto que a subversão dos povos se estabelece justamente quando a cristandade também passa a ser instrumento da obra maligna; a peneira de Satanás, se assoma a cristandade quando esta se rende, consciente ou não, a vontade de poder e deixa de se estabelecer única e exclusivamente sob o senhorio de Cristo.

A falta de sujeição a Cristo torna os fiéis e a vida intra-eclesial sujeita a ação dos seres do Aqueronte; a degeneração cultural, quando chega a estágios de completa decadência intelectual e moral, é evidência que os seres aqueronticos já tomaram conta de muitas das expressões da vida eclesial - e a forma mais evidente de se perceber isso é através dos abusos litúrgicos.

E, infelizmente, este é o triste retrato que se faz da cristandade latina de tempos em tempos; isso se pode dizer de quando do saque de Constantinopla pela Igreja latina no séc. XIII; o mesmo se pode dizer da cristandade latina no séc. XV e nas primeiras décadas do XVI; ou com o protestantismo do séc. XIX e das primeiras décadas do séc. XX, ou então do protestantismo do séc. XXI; etc.

8. Ademais, como é mais do que evidente, toda comoção tem algo a ver com sentimento, mesmo a comoção do Aqueronte; pois, os seres aqueronticos não se manifestam primariamente na corrupção da doutrina, mas na perversão do sentimento; a destruição da ortopatia, gerando a heteropatia, é o meio mais eficaz que o demônio tem se utilizado para corromper a cristandade latina.

Assim, o excesso de afetividade traz imbuído não somente a sensualidade (cf. Os 4.11), mas também a corrupção da verdade e a própria degeneração da inteligência; aliás, todas as práticas e doutrinas estranhas que começaram a se assomar no catolicismo no segundo milênio tem por detrás este princípio - todas, sem nenhuma exceção, que toma forma no catolicismo com a proposição do dionisionismo afetivo.

Além disso, a afetividade em excesso depois de efetivada, tornará a vida intra-eclesial e seus representantes sujeitos a tudo, menos a verdade, seja na doutrina seja na moral; por isso, se observa tantos abusos litúrgicos hediondos, tal como ocorrera no Israel antigo; e os abusos litúrgicos, assim como outras degenerações da vida eclesial são abominação a Deus (cf. Am 5.21-23).

9. Deste modo, quando a latinidade está em estágios avançados de degeneração, o que está ocorrendo é que as forças do Aqueronte tomaram conta de basicamente tudo; então, o que resta fazer, não é se render as ondas das novidades e/ou apregoações afetivas, mas sim pura e simplesmente reestabelecer a ordem, a decência e o temor no culto a Deus, com reverência, silêncio e sem abusos litúrgicos, para pelo menos a vida eclesial não ser dominada pelos seres aqueronticos.

Pois, somente assim a cristandade latina não é completamente corrompida pela ação dos demônios; quando assim age, continua a servir como coluna e firmeza da verdade na parte latina do Ocidente; no entanto, quando isso não ocorre, a degradação é tão medonha, que até aqueles que deveriam ter responsabilidade de testemunhar da verdade se tornam aqueles que mais a vituperam.

Esta é uma simples radiografia da cristandade latina de quando da corrupção cultural; e quando isso ocorre, infelizmente, as Igrejas podem estar abarrotadas de pessoas, mas quase todos são falsos cristãos ou ímpios, ou pior, apóstatas. 

θεῷ χάρις


01/07/2025

Breve Apologia Contra o Ato de Tatuar o Corpo

Prólogo.

1. “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31); ora, a vida cristã consiste em fundamentalmente fazer tudo para a glória de Deus; portanto, o fiel em tudo o que faz, seja nas mínimas coisas, busca agradar a seu Senhor; pois, desde as coisas básicas, como comer e beber, etc., tudo deve ser feito tendo em vista a glória do Senhor, a fim de agradá-lo em tudo, já que isso é a antessala da beatitude eterna, e este é o caminho em função da verdadeira divinização (cf. 2Pe 1.4).

Ora, a vida na fé tem preceitos constituintes; embora, a fé surgir no coração seja obra do Espírito Santo (cf. Jo 16.8), o fiel responde a este chamado da graça, de modo a confessar a Jesus Cristo como único e suficiente Salvador (cf. Rm 10.9); entretanto, a resposta à revelação é demonstrada no fiel através da aquiescência e na obediência a todos os preceitos da Sagrada Escritura; não há fé cristã onde há rejeição a alguns preceitos bíblicos em detrimentos de outros, ou na rejeição de uns e na aceitação de outros; o que cumpre ao fiel é obedecer tudo quanto é transmitido na Sagrada Escritura e ponto.

2. No entanto, em tempos hodiernos, aqueles que se dizem “cristãos” estão vituperando preceitos bíblicos pela obstinação do próprio coração, posto que não experimentaram verdadeiramente a graça de Deus; na verdade, a obstinação contra os preceitos sagrados da fé é evidência de iniquidade no coração; e, entre tantas práticas errôneas que foram acopladas por uma geração que se diz cristã, mas que são ímpios e obstinados, está o ato de tatuar o corpo; as desculpas vis, e as razões inócuas, propagada por muitos que se dizem “cristãos” para apoiar tal prática, além de ser vituperação da fé é também um atentado contra a reta razão.

Por isso, em função da defesa da fé, e em busca da explicação e exposição da correta moral bíblica, se vai fazer uma análise do ato de tatuar o corpo de acordo com os parâmetros teológicos; portanto, se vai proceder de dois modos: tanto de acordo com a Sagrada Escritura, quanto de acordo com a reta razão; pois, se sabe que em relação aos assuntos da fé se tem dois modos de proceder[1]: por autoridade e pela razão.

Ora, quanto a autoridade, se vai a Sagrada Escritura e aos Santos Padres, o que é preceito indiscutível da teologia sacra; quanto a razão, através de argumentos racionais, pois o que é racional é da fé. E, tendo esta compreensão em mente, que permeia tudo quanto diz respeito a análise e elucubração das coisas concernentes a fé, se vai prosseguir nesta breve apologia contra o ato de tatuar o corpo.

Parte 1: O Ato de Tatuar o Corpo sob o Escrutínio da Reta Razão.

3. E o procedimento, neste caso, será primeiro elucubrar sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com a reta razão, e, depois, se elucubrar sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com a Sagrada Escritura; na verdade, o ato de tatuar o corpo é tão errôneo que o simples procedimento de colocá-lo sob o escrutínio da reta razão é suficiente para compreender o quão errado é este ato.

Ora, o que concerne ao escrutínio da reta razão, e isto em qualquer análise racional, pode ser evidenciado de dois modos: (i) primeiro, a partir de argumentos racionais; (ii) segundo, a partir dos costumes.

4. [i] Primeiro, a partir de argumentos racionais; ora, a argumentação racional, em suma, procede-se de acordo com a ordem dos argumentos; e em tal ordem, muitos são as possibilidades de argumentos; em relação ao tema proposto, se nos utilizaremos do argumento mais fraco e do argumento mais simples, dado a vileza do assunto; o argumento mais fraco é o argumento de autoridade; e o argumento mais simples é o argumento das leis gerais da lógica.

Assim, examinemos, portanto, o ato de tatuar o corpo de acordo com estes dois argumentos, os mais fáceis e simplórios entre todos os argumentos racionais; se uma prática pelo menos ultrapassa a barreira destes dois argumentos, então tal prática pode ser tomada como algo possivelmente racional; no entanto, se uma prática não ultrapassa a barreira destes dois argumentos, então, tal prática é totalmente antirracional.

Na verdade, estes argumentos são tão simplórios em relação ao escrutínio da reta razão, que por si são suficientes para demonstrar a validade racional ou não de alguma prática e/ou doutrina.

5. Ora, primeiro, o argumento mais fraco, o argumento de autoridade; em questões racionais ou filosóficas, o argumento de autoridade é o argumento mais fraco[2]; portanto, analisemos o ato de tatuar o corpo de acordo com este argumento.

E, quanto a isso, tomemos como autoridade ninguém menos do que Goethe, polímata e mestre da literatura alemã, de quem Einstein afirmara: “um poeta sem igual e um dos homens mais inteligentes e sábios de todos os tempos”; entre tantos outros elogios que demonstram isso como corolário, já que a própria obra de Goethe atesta isso de maneira apodítica; etc.

Ora, Goethe afirmara categoricamente: “tatuar o corpo é um retorno ao animalismo[3]; portanto, de acordo com a autoridade de Goethe, um dos escritores mais influentes e sábios de todos os tempos, o ato de tatuar o corpo é um retorno ao animalismo; e que quer dizer Goethe com animalismo? Simples, uma amalgama de xamanismo e irracionalidade.

Logo, quando Goethe se refere o ato de tatuar o corpo como um retorno ao animalismo, ele está ao mesmo tempo afirmando que tal prática é também um retorno ao xamanismo, no sentido religioso, e uma calcificação da irracionalidade, no sentido intelectual.  

6. Portanto, de acordo com o argumento de autoridade, o ato de tatuar o corpo é completamente errôneo; ora, se o ato de tatuar o corpo sequer passa pelo argumento mais fraco, então, tal prática é tida, de modo apodítico, como totalmente irracional; e isto, por si, é suficiente para demonstrar que o ato de tatuar o corpo é totalmente anti-cristão, pois o que é irracional jamais é algo da fé cristã; a fé não se coaduna com irracionalidade; onde há irracionalidade deliberada não há fé, pois como afirmara São Gregório Nazianzeno, a fé é a conclusão de nossa razão[4].

Ora, isto, particularmente se prova de acordo com a autoridade: primeiro, da Sagrada Escritura; pois, a Sagrada Escritura afirma: “Oh! Quão fortes são as palavras da boa razão!(Jó 6.25a), bem como o dito do Apóstolo que a vida diante de Deus é um culto racional (cf. Rm 12.1); etc.

Segundo, dos Padres da Igreja; ora, São Justino Mártir afirma que tudo o que foi expresso de positivo (de bom, de racional), e isto seja na filosofia ou em qualquer outro aspecto, por quem quer que seja, pertence a nós cristãos[5]; e também o dito de Tomás de Aquino, que toda verdade dita provém do Espírito Santo (cf. STh IaIIae, q. 109, a. 1, ad. 1); etc.

7. Então, se prova pela autoridade da Sagrada Escritura e pela autoridade dos Padres da Igreja, e dos sábios, que o que é irracional não é da fé; pois, a vida na fé é uma vida racional e uma vida litúrgica, cultica, e é de um culto lógico, racional, de acordo com a reta razão; portanto, uma prática e/ou doutrina que é irracional, logicamente, é contrária a fé; e tudo o que não é da fé é pecado (cf. Rm 14.23). Logo, como o ato de tatuar o corpo é algo irracional, então obviamente não provém da fé; por isso, o ato de tatuar o corpo é pecado.

8. No entanto, a questão é ainda mais complexa; pois, o retorno ao animalismo, que Goethe corretamente afirmara, no ato de tatuar o corpo, ainda aponta para outra proposição; pois, o que é irracional pode ser aferido de dois modos: primeiro, pela ignorância ou falta de conhecimento; e a falta de conhecimento ocasiona a destruição e a perversão (cf. Os 4.6, 14). Segundo, pelo impedimento da razão; ora, segundo Tomás de Aquino onde há impedimento da razão há obra de Satanás[6].

9. Assim, se o ato de tatuar o corpo é um retorno a irracionalidade, então tal prática está imbuída de influência maligna, posto atentar deliberadamente contra a reta razão ao mesmo tempo em que é impedimento da própria razão. Ou seja, além do ato de tatuar o corpo ser completamente irracional, é evidência de obra demoníaca.

Ora, estes aspectos são evocados simplesmente a partir do argumento mais fraco, e nem se extraiu todos os corolários racionais e teológicos possíveis deste argumento, e isso utilizando apenas uma sentença de uma autoridade em todo o amplo escopo de todo o saber humano.

Logo, é mais do que evidente que o ato de tatuar o corpo é completamente errado, e é pecaminoso; e poder-se-ia, além da máxima de Goethe, evocar algumas outras sentenças e declarações de outros autores; mas, certamente apenas pela proposição de Goethe fica suficiente e indiscutivelmente demonstrado que o ato de tatuar o corpo é anti-racional; portanto, o ato de tatuar o corpo também é totalmente anti-cristão.

10. Ademais, além do argumento de autoridade, o argumento mais fraco, ponderemos sobre o ato de tatuar o corpo de acordo com o argumento mais simples, posto que estes dois argumentos foram os evocados para esta análise; o argumento mais simples é aquele que tem por parâmetro as leis gerais da lógica; ora, três são as leis gerais da lógica, a saber: lei da identidade, lei da não-contradição e lei do terceiro excluído.

11. A lei da identidade é a que afirma que algo é idêntico a si mesmo, tal como a proposição “X é X”, ou “Y é Y”; portanto, se uma proposição é verdadeira ela permanece verdadeira, e se uma proposição é falsa ela permanece falsa; logo, se algo é racional permanece racional, e se algo é irracional permanece irracional.

Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é racional ou é irracional; e, como fora atestado pelo argumento de autoridade, o ato de tatuar o corpo é irracional, mesmo diante de qualquer sofisma que se possa arrolar para a permissividade do mesmo; logo, permanece sendo irracional; a identidade do ato de tatuar o corpo é a irracionalidade, e isso não muda porque a prática se tornou moda ou porque se há muitas permissões em prol tal prática, ou em supostos sofismas que arrolam que os preceitos sagrados não condenam tal prática; etc.

12. E a lei da não-contradição é a que afirma que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo, tal como a proposição “X é Y”, ou “Y é X”; portanto, uma proposição verdadeira e sua negação, ou vice-versa, não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, ou falsa e verdadeira ao mesmo tempo; ou a proposição é verdadeira ou é falsa; logo, se algo é verdadeiro é verdadeiro e não falso, e se algo é falso é falso e não verdadeiro.

Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é algo verdadeiro ou é algo falso; ora, como foi provado pelo argumento de autoridade e acima, através da lei da identidade, o ato de tatuar o corpo é irracional; e como o que é irracional não provém da verdade, então, o ato de tatuar o corpo não é algo que provém da verdade; e tudo que não provém da verdade não é parte da fé cristã; portanto, a prática de tatuar o corpo é algo falso e não verdadeiro, bem como não condiz com a verdade; com isso, se compreende que se algo é falso não pode ser verdadeiro, e o ato de tatuar o corpo não deixa de ser irracional e imbecilidade porque se tornou corriqueiro e/ou porque se tornara moda.

Logo, não é possível que o ato de tatuar o corpo seja ao mesmo tempo certo e errado, como muitos de seus partidários, inclusive por parte daqueles que se dizem “cristãos”, tentam arrolar; o ato de tatuar o corpo é errado de acordo com a reta razão; e por ser contrário a razão, também é contrário a fé; e por ser contrário a fé é pecado.

13. E, por último, a lei do terceiro excluído é a que afirma que uma proposição ou é verdadeira ou é falsa, e não existe uma terceira possibilidade; por isso, uma proposição deve ser verdadeira ou falsa, e quanto a isso não há meio termo.

Portanto, ou o ato de tatuar o corpo é verdadeiro ou é falso, não existe meio termo; e aqueles tatuam o corpo ou estão certos ou estão errados, não existe meio termo; logo, como se provou no argumento de autoridade e nas duas leis da lógica acima, a da identidade e a da não-contradição, o ato de tatuar o corpo é irracional; assim, o ato de tatuar o corpo é irracional, e não há meio termo, ao mesmo tempo em que aqueles que fazem tatuagem estão errados e pecam, e quanto a isso também não há meio termo.

14. Com isso, se conclui pelas leis gerais da lógica que o ato de tatuar o corpo é evidência de irracionalidade, bem como negação da própria racionalidade, já que tudo aquilo que está contra as leis da lógica também está contra o raciocínio; e onde não se tem o raciocínio bem estabelecido, se tem impedimento da razão; logo, etc. (vd. n. 8-9)

E, certamente, este aspecto evocado a partir dos argumentos racionais, embora tenham sido utilizados apenas dois destes argumentos, o mais fraco e o mais simples, já é por si só suficiente para demonstrar que o ato de tatuar o corpo é errôneo do ponto de vista da racionalidade humana.

Pois, o que não provém da razão, ou dito em outros termos, o que é irracional, jamais deve ser tido em voga por seres racionais e desenvolvidos, menos ainda tido em voga pelos fiéis; certamente, por esta razão que Goethe, magistralmente, afirma que o ato de tatuar o corpo é um retorno a animalidade; etc.

15. [ii] Segundo, a partir dos costumes; ora, o primeiro aspecto do escrutínio da reta razão são os argumentos racionais; depois, são os costumes; pois, os costumes são parte preponderante da simples intelecção, a primeira das operações do intelecto; logo, o que está de acordo com os costumes é algo racional; e tudo que está contra os bons costumes é algo irracional; além do que, sem os costumes não há desenvolvimento da intelecção; portanto, para se aferir se algo é correto ou não, é só colocar este algo sob a razão dos costumes, isto é, o que está em conformidade com os bons costumes é racional e o que não está em conformidade com os bons costumes ou busca destruir os bons costumes é algo irracional (cf. 1Co 15.33).

Ora, o que está em conformidade com os bons costumes está em consonância com o que é correto em todas as épocas e em todos os locais; e isto é atestado e confirmado pelos sábios de todas as épocas; logo, o que os sábios estabeleceram, a partir da reta razão, como o que é correto, deve ser tido em conta ao se aferir se algo é ou não correto; e, neste sentido, o escrutínio dos bons costumes se coaduna com o argumento de autoridade; pois, o que foi declarado pelos sábios, as mais das vezes, tem validade imorredoura quanto as coisas humanas; portanto, o que os sábios declaram tem validade em ordem aos bons costumes, porque, geralmente, haurem o saber imbuído nos bons costumes, o que é inerente a experiência concernente a apreensão dos indivisíveis e que está presente em muitos aspectos da revelação natural.

16. Deste modo, cumpre evocar quais são os bons costumes que são manifestos desde tempos imemoriais; ora, certamente, em relação a isso, se pode evocar um aspecto indiscutível, a saber, quanto ao cuidado de si. E justamente este aspecto é o que concerne ao se analisar o ato de tatuar o corpo de acordo com o segundo aspecto do escrutínio da reta razão.

Ora, o costume mais imemorial, presente desde o início do mundo, é o cuidado que o ser humano tem de si; e no cuidado de si está tanto o cuidado com as necessidades básicas, tais como alimentação, descanso, trabalho, etc., quanto o cuidado com as necessidades emocionais-espirituais, tais como a racionalidade, a sociabilidade, a religiosidade, etc.

17. Portanto, no cuidado de si, tal como o costume estabelece, se tem os preceitos do que é bom e do que não é bom ao ser humano; ora, o que é bom está de acordo com a reta razão, e o que não é bom não está de acordo com a reta razão, ou seja, é irracionalidade.

Com isso, se se consegue aclarar que se uma prática é irracional, então esta prática não está de acordo com os costumes; por isso, se uma prática é irracional, então, não concerne ao cuidado de si; e, como fora provado pelo argumento de autoridade, o ato de tatuar o corpo é algo irracional, então, é uma prática contra os bons costumes e contra o costume mais fundamental da vida, a saber, o cuidado de si.

Portanto, é evidente que o ato de tatuar o corpo é algo que atenta contra o cuidado de si; ora, se isto é evidente, então é ainda mais clarividente que o ato de tatuar o corpo é contra os bons costumes; assim, esta prática também não passa pelo escrutínio dos bons costumes; e tudo que é contra os bons costumes deve ser rejeitado como anti-racional e como anti-humano.

18. Outrossim, é que em relação ao cuidado de si vem amalgamado a necessidade de religar (religare); e ao se evocar a questão da necessidade de religar, se pode compreender realmente o que concerne sobre o ato de tatuar o corpo; pois, foi em busca da necessidade de religar que os povos pagãos criaram o costume de fazer, como se chamava antigamente, marcas em suas carnes ou peles; os povos xamânicos e politeístas tinham o costume de se tatuar em função de algum ritual religioso.

Ora, como é evidente as práticas xamânicas são anti-racionais, pois são anti-natureza ao se manifestarem através de psiquismo e por grimórios, etc.; portanto, como os povos pagãos foram os que primeiro evocaram o ato de tatuar o corpo, não como parte de racionalidade, mas como algo imbuído de religiosidade, então o tatuar o corpo tem em si algo de paganismo e xamanismo.

19. E, os homens, dado a limitação do intelecto para compreender as coisas divinas, ao não adorarem a Deus como Deus (cf. Rm 1.18-32), foram bestializados e passaram a adorar animais e a si mesmos como “deuses”, donde surgiu o ato de tatuar o corpo como modo de se auto-deificarem, tal como os antigos pagãos faziam como parte de seus rituais religiosos mais pessoais; os egípcios, por exemplo, tinham tal prática como parte de suas festas litúrgicas e como parte de identificação religiosa.

No entanto, em tempos hodiernos, em grande parte a auto-deificação do xamanismo antigo se transmutara como uma falsa auto-satisfação para velar a compreensão sobre a volúpia e a luxuria que domina os corações; ora, os antigos povos pagãos tinham o costume de se tatuar a fim de aplacarem a ira divina ou a fim de obterem algum favor de suas divindades.

Além disso, tomando essa prática de acordo com termos pascalinos, se pode afirmar que o ato de tatuar o corpo é um divertimento. Ora, segundo Pascal, os homens evocam para si divertimentos para velarem de si mesmos a própria miséria[7]; e isso se coaduna plenamente com a descrição acima, pois as práticas xamânicas, em suma, são um tipo de ópio para os homens velarem de si a própria miséria.

20. Assim sendo, de acordo com os costumes se pode extrair dois corolários básicos, a saber, que o ato de tatuar o corpo é contra o cuidado de si, costume indiscutível dos seres dotados de alma racional, bem como tatuar o corpo é ato de ritual religioso no que concerne as religiões anímicas ou xamânicas (mais atualmente, estas práticas são mais comuns em religiões de matrizes africanas, no que popularmente no Brasil se chama de “macumba”); com isso, tatuar o corpo não somente infere contra a racionalidade, mas também contra o cuidado de si, bem como é evidência de sujeição do coração ao motivo-base do xamanismo, que é uma amalgama de luxuria e soberba.

21. Deste modo, aqueles que praticam e/ou fazem práticas xamânicas, seja elas quais forem - entre as quais o ato de tatuar o corpo -, demonstram que estão imbuídos de luxuria e soberba. Ora, a soberba precede a ruína (cf. Pv 16.18), bem como é o vício inerente a Satanás (cf. Ez 28.14-17); e a luxuria é a insaciedade da alma em práticas de escárnio contra Deus, e é permeada pela aura da perdição e do inferno, pois a propriedade inerente do inferno e da perdição é nunca se fartar (cf. Pv 27.20), isto é, ser imbuído absolutamente de luxuria.

Portanto, aqueles que praticam atos soberbos, tal como o ato de tatuar o corpo, estão calcinados para a ruína, bem como possuem em si o vício de Satanás; além do que, aqueles que praticam atos luxuriosos, tal como o ato de tatuar o corpo, estão permeados pelo inferno no coração, pois se sujeitaram aos grimórios da perdição.

22. E, quanto ao que concerne ao escrutínio da reta razão, com a mais absoluta certeza, o escrutínio por argumentos racionais e o escrutínio pelos bons costumes são mais do que suficientes para demonstrar a completa irracionalidade do ato de tatuar o corpo. Portanto, de acordo com escrutínio da reta razão, se tem razões mais do que suficientes para apologizar contra o ato de tatuar o corpo, e para declarar em alto e bom tom que o ato de tatuar o corpo por ser contra a razão também é contra a fé; e por isso é um ato pecaminoso.

Parte 2: O Ato de Tatuar o Corpo sob o Escrutínio da Sagrada Escritura.

23. Ora, tudo o que de mais simplório existe para escrutinar uma prática e/ou doutrina de acordo com a reta razão fora evocado na primeira parte, o que por si foi mais do que suficiente para aclarar o que fora proposto; não de acordo apenas com preceitos teológicos, mas pura e simplesmente de acordo com o juízo da reta razão; e, como ficara clarividente, o ato de tatuar o corpo, sem sequer se ter adentrado aos principais argumentos, mas simplesmente a partir do argumento mais fraco e do argumento mais simples, é totalmente anti-racional.

24. Todavia, como é necessário não somente analisar certas práticas de acordo com a fé não apenas pela razão, mas também por autoridade, como concerne em tudo na teologia sacra, então, concerne analisar o ato de tatuar o corpo sobre o escrutínio da Sagrada Escritura.

E, como se já não somente fosse suficiente a análise pela razão, que é suficientíssima, convém ainda analisar por autoridade, sob a autoridade normativa da Sagrada Escritura, a fim de que os soberbos, luxuriosos e insolentes que atentam contra a Sagrada Escritura na permissividade com a prática de tatuar o corpo possam se converter desta prática infame contra a moral revelada.

25. Deste modo, para se analisar uma prática de acordo com o escrutínio da Sagrada Escritura, se deve ter em voga que os princípios doutrinários bíblicos estão em concórdia com os princípios morais, e vice-versa; então, o que a Escritura prescreve doutrinariamente, também prescreve moralmente; ora, em relação ao tema em voga, que diz respeito ao corpo, a Sagrada Escritura apresenta uma efusiva e singular teologia do corpo, em tudo quanto diz respeito ao cuidado com o corpo, a fim de honrar a Deus no cuidado com o corpo, quanto no que diz respeito aos pecados contra o corpo, os quais desonram a Deus e vituperam a dignidade humana.

26. Portanto, como o ato de tatuar diz respeito ao corpo, para compreender tal ato de acordo com o escrutínio da Sagrada Escritura se deve entender o que a Palavra de Deus prescreve doutrinariamente sobre o corpo; quanto a isso, são evocados três princípios: primeiro, é parte inviolável da fé manter o corpo irrepreensível (cf. 1Ts 5.23), isto é, manter o corpo intocado de pecados deliberados; a contrariedade a este princípio é evidência da não-participação na fé, ou seja, impiedade e/ou apostasia; portanto, manter o corpo irrepreensível sem pecados deliberados contra o mesmo é parte inviolável e indiscutível da fé.

Assim, o ato de tatuar o corpo é pecado contra o corpo, posto que ato anti-racional; logo, quem tatua o corpo, peca contra a santidade e atenta contra o cuidado que a fé prescreve quanto ao corpo, pois é pecado deliberado contra o corpo; logo, quem pratica tal ato não é cristão.

27. Ademais, a fé prescreve que ninguém pode aborrecer o próprio corpo (cf. Ef 5.29), isto é, ninguém faz mal ao próprio corpo de maneira deliberada; pois, aborrecer o próprio corpo, além de irracionalidade, é desprezo a Deus; logo, se alguém tatua o corpo, aborrece o próprio corpo, ou seja, faz mal a si mesmo; pois, aborrecer o corpo está imbuído na descrição bíblica de querer destruir o corpo; portanto, como quem tatua o corpo aborrece o corpo, então, ao mesmo tempo quem tatua o corpo também quer destruir o corpo, ainda que inconscientemente; é um simples e apodítico raciocínio.

Aliás, o Apóstolo afirma que quem quer destruir o templo de Deus, isto é, o corpo, Deus o destruirá (cf. 1Co 3.16-17); portanto, como o corpo é templo do Espírito Santo (cf. 1Co 6.19), requer que os fiéis cuidem do mesmo e velem pela santidade do mesmo sem pecados deliberados contra o corpo, já que tais pecados são tanto contra a reta razão quanto contra a vontade revelada de Deus.

Ora, estes dois preceitos gerais são suficientes para aclarar alguns preceitos doutrinários quanto a teologia do corpo; embora, hajam muitos outros preceitos bíblicos quanto ao corpo, estes dois evocados já delineiam o que concerne ao cuidado do corpo em relação a não se ter pecados deliberados contra o corpo tal como o ato de tatuá-lo.

28. Ademais, como o ato de tatuar o corpo é aquilo que nos povos antigos está imbuído no ato de fazer marcas sobre si, então, tal ato está contra as Escrituras; pois, a lei moral bíblica prescreve absolutamente contra tal prática; então, de acordo com a moral bíblica é expressamente proibido tatuar o corpo; pois, embora o termo tatuagem seja uma palavra mais moderna, no entanto é uma prática antiquíssima, já que o que se descreve nas práticas pagãs como o fazer marcas em si, tanto dizem respeito a golpes contra o corpo ou auto-mutilação quanto dizem respeito a fazer pinturas permanentes em si; e o fazer pinturas permanentes em si é o que passou a se chamar de tatuagem.

29. Ora, um dos preceitos morais da Sagrada Escritura, em Lv 19.28, adverte contra o fazer marcas em si, tanto contra a auto-mutilação em favor dos mortos (que era parte dos atos culticos dos povos pagãos), quanto contra o fazer pinturas permanentes em si (o ato de tatuar o corpo, que também era parte dos atos culticos dos povos pagãos); então, na Sagrada Escritura tem sim uma proibição categórica contra o ato de tatuar o corpo; a não-compreensão deste versículo é falta de compreensão do contexto imediato desta passagem, que continua plenamente válida na nova aliança assim como todos os preceitos morais veterotesmentários (vd. apêndice).

30. E, tendo aclarado estes aspectos a respeito do ato de tatuar o corpo a partir do escrutínio da Sagrada Escritura, se consegue compreender que de acordo com os preceitos bíblicos, o ato de tatuar o corpo é pecado e vituperação da dignidade-santidade que convém ao fiel em relação ao corpo; pois, como diz a Escritura o corpo deve ser conservado irrepreensível, isto é, sem pecados deliberados, os quais atentam contra o propósito de Deus para o corpo, bem como são sempre imbuídos de prática religiosas pagãs que são totalmente contrárias a vontade revelada de Deus, a qual requer a plena santidade de vida nos fiéis (cf. 1Ts 4.3), isto é, no corpo, na alma e no espírito (cf. 1Ts 5.23); etc.

Parte 3: Respostas a Alguns Argumentos.

31. E, como se não fosse já suficiente o escrutínio da reta razão e o da Sagrada Escritura, que são mais do que suficientes tal como fora demonstrado, se deve ainda responder alguns argumentos comuns por parte tanto dos que arrolam a permissividade com o ato de tatuar o corpo quanto dos que ainda evitam condenar tal ato como pecaminoso, posto a insolência e obstinação destes em favor de uma prática pecaminosa e vil.

32. Ora, os argumentos mais comuns e os mais utilizados em favor do ato de tatuar o corpo são os seguintes:

(1) O Apóstolo diz em 1Co 10.31 que tudo é lícito; logo, o ato de tatuar o corpo é lícito.

(2) A Igreja como um todo não tem proibições absolutas contra o ato de tatuar o corpo; então, não é algo pecaminoso.

(3) Os cristãos sírios e coptas têm, desde os tempos antigos, o costume de fazer pequenas tatuagens da cruz.

(4) O ato de tatuar o corpo, se for feito com um significado espiritual, não é proibido; pois, se a tatuagem tiver um significado espiritual então é permissível.

(5) O ato de tatuar o corpo, assim como tudo na vida, tem de ter modéstia e discernimento.

(6) Como não há proibições bíblicas e/ou eclesiásticas, o ato de tatuar o corpo é permissível e deve ser feito com reverência e não por vaidade; o problema da tatuagem está em ser feita com vaidade.

(7) O reino de Deus é liberdade; por isso, a proibição do ato de tatuar o corpo é religiosidade; logo, no reino de Deus é permitido ato de tatuar o corpo.

Responder-se-á, portanto, a cada um destes argumentos, a fim de demonstrar que são errados, sofísticos e anti-bíblicos.

33. [ad. 1] A sentença do Apóstolo diz respeito a licitude de tudo que é da fé; pois, o que não é da fé, obviamente, é ilícito segundo a própria fé; por isso, ao se discernir o que é da fé se compreende também o que não é da fé; e em se tratando da reta razão, o que é racional é da fé, e o que é irracional não é da fé; portanto, o que é racional é lícito e convém, e o que é irracional é ilícito.

Ora, o ato de tatuar o corpo é irracional; portanto, de acordo com a fé não é lícito; logo, a sentença do Apóstolo não é base para o ato de tatuar o corpo; portanto, não se pode arrolar um argumento para o ato de tatuar o corpo a partir de 1Co 10.31; na verdade, este versículo é um testemunho escriturístico a respeito da pecaminosidade do ato de tatuar o corpo posto, de maneira indireta, atestar e exortar contra atos ilícitos.

34. [ad. 2] O fato da Santa Igreja não possuir declarações formais contra o ato de tatuar o corpo, não é base para a permissividade para com o mesmo; pois, as declarações formais da Santa Igreja são quanto a questões dogmáticas, através dos Concílios, etc.; no entanto, em questões da lei moral natural, e naquilo que a Sagrada Escritura é mais do que óbvia, não existe necessidade formal de tais declarações.

Além do que, no que a reta razão pode conhecer da verdade, a Santa Igreja não precisa prescrever, apenas concordar; por isso, sendo mais do que clarividente que o ato de tatuar o corpo é pecaminoso, tanto de acordo com a Escritura quanto de acordo com a reta razão, não se faz necessário uma condenação formal da Santa Igreja contra tal ato.

Pois, se é irracional não é da fé; e se não é da fé, a Santa Igreja necessariamente está contra, mesmo que não tenha feito declarações formais quanto a certas questões. Portanto, como o ato de tatuar o corpo é irracional, e está contra a fé e por isso é pecado, então, ainda que não tenha declarações formais contra tal ato, a Santa Igreja condena o ato de tatuar o corpo como pecaminoso e totalmente errado.

35. [ad. 3] A atitude dos cristãos sírios e coptas em tatuar o corpo, desde tempos antigos, é um erro que se perpetuou por gerações; a antiguidade deste ato não o torna aceitável; pois, a cultura síria e a cultura egípcia continuaram edificadas sobre a forma cultura do período da religião primeira, onde era costume dos povos o ato de tatuar o corpo como parte de práticas pagãs; os cristãos sírios e coptas que tatuam o corpo continuam incorrendo em paganismo.

Pois, como os preceitos morais veterotestamentários continuam válidos no Novo Testamento, e há uma proibição bíblica categórica contra o ato de tatuar o corpo em Lv 19.28, então, se há aqueles que se dizem cristãos e fazem tal ato, estão deliberadamente pecando; além do que, o ato de tatuar o corpo mostra a sujeição de uma forma de inculturação que permaneceu em certas tradições cristãs de práticas pagãs do Egito Antigo.

Portanto, o fato de que existem cristãos sírios e coptas que fazem pequenas tatuagem de cruz em seus pulsos, não muda o fato de que o ato de tatuar o corpo é pecado e totalmente errado tanto de acordo com a reta razão quanto de acordo com a própria fé cristã.

Aliás, certamente, esta é uma das razões do porque os cristãos sírios e coptas são tão perseguidos, pois permanecem em desobediência contra a vontade revelada de Deus, praticando um ato pecaminoso, trazendo-se sobre si mesmos o juízo de Deus (cf. Dt 28.15ss).

36. [ad. 4] O ato de tatuar o corpo sempre tem um significado espiritual voltado ao paganismo; então, não existe nenhuma justificativa, sob argumentos ditos espirituais, que permita com que os cristãos façam tatuagem; pois, o próprio ato de tatuar o corpo mostra sujeição e subserviência para com o motivo-base do paganismo.

Portanto, não existe nenhuma possibilidade de que o ato de tatuar o corpo, seja de que forma for, tenha algum significado espiritual em conformidade com a fé cristã; na verdade, o ato de tatuar o corpo, seja de que forma for, tem um significado espiritual totalmente contrário a fé, pois não há verdadeira espiritualidade onde há irracionalidade.

Aliás, onde há irracionalidade, como no ato de tatuar o corpo, se tem evidência apodítica de obra de Satanás, isto é, de espiritualidade demoníaca.

37. [ad. 5] Ora, como o ato de tatuar o corpo é uma amalgama de paganismo e irracionalidade, então não tem como haver modéstia e discernimento em tal ato; pois, a modéstia e o discernimento estão em concórdia com a reta razão; por isso, o que é irracional, em si mesmo, tem falta de modéstia e falta de discernimento; portanto, como o ato de tatuar o corpo é irracional, então o ato de tatuar o corpo é evidência de completa falta de modéstia e total falta de discernimento; por isso, o ato de tatuar o corpo não condiz com a fé cristã.

38. [ad. 6] O ato de tatuar o corpo não possui reverência; pois, a verdadeira reverência e temor está em seguir os ensinamentos bíblicos e em estar de acordo com a reta razão; logo, onde há irracionalidade se tem a vaidade, pois a perseverança e/ou a obstinação na irracionalidade  engendra a imbecilidade; por isso, como o ato de tatuar o corpo é irracionalidade, então quem tatua o corpo está totalmente imbuído de vaidade; portanto, não se tem possibilidade de que o ato de tatuar o corpo seja feito com reverência, posto ser um ato de completa vaidade e orgulho.

O problema do ato de tatuar o corpo está no próprio ato de tatuar o corpo; um ato vaidoso não se torna menos vaidoso porque não se sabe que tal ato é vaidoso. Portanto, o ato de tatuar o corpo, em si mesmo, é evidência de vaidade e de soberba; logo, o ato de tatuar o corpo é contra toda forma de reverência e temor; na verdade, o ato de tatuar o corpo também demonstra um completo destemor e obstinação contra a verdade racional e contra a verdade revelada.

39. [ad. 7] A liberdade que o reino de Deus propaga é a liberdade na verdade (cf. Jo 8.32); liberdade sem conformidade com a verdade ou é farisaísmo ou é libertinagem; ora, o que é racional está em concórdia com a verdade, mas o que é irracional é contra a verdade; por isso, se constata que não existe liberdade sem verdade; aliás, liberdade sem verdade é escravidão velada sob as máscaras da libertinagem.

Portanto, como o ato de tatuar o corpo é irracional, então está contra a verdade; logo, se está contra a verdade não há em tal ato a liberdade; portanto, não existe liberdade no ato de tatuar o corpo; na verdade, o ato de tatuar o corpo é evidência de libertinagem; pois, a liberdade cristã está em conformidade com o que é racional e com todos os preceitos da Sagrada Escritura.

Assim sendo, o ato de tatuar o corpo é contra todos os preceitos e contra todos os valores do Reino de Deus; logo, é parte da identidade dos cidadãos do reino de Deus, o fato de que não tatuam o corpo; por isso, se constata que o reino de Deus não existe onde há libertinagem; logo, como o ato de tatuar o corpo é uma prática libertina, então, o ato de tatuar o corpo é completamente contrário aos valores do reino de Deus.

40. Assim, tendo dito estas palavras, tenho por certo que esta breve apologia é mais do que suficiente para aclarar tudo quanto diz respeito a irracionalidade e pecaminosidade do ato de tatuar o corpo; portanto, a reta razão e a revelação estão em concórdia absoluta quanto a condenação do ato de tatuar o corpo; que Deus nos auxilie a nos manter firmes e resolutos, a fim de ensinar e exortar a todos quantos forem necessários a não pecarem contra o corpo tatuando-o, pois isso é evidência de obra maligna e de luxuria no coração; etc.

E se por acaso houver ainda algum outro “argumento” sofístico em prol do ato de tatuar o corpo, que tal argumento seja apresentado para que possa colocar por escrito tudo quanto o Pai da verdade me der para refutar as falsas opiniões e as irracionalidades que tem se assomado em prol do ato de tatuar o corpo, os quais tem levado muitos para o caminho da perdição.

Assim, se houver tal argumento, que se me apresente e o responderei e confutarei o mais rápido que puder; se não, pois creio que não haverá nem mesmo por parte dos insolentes e dos luxuriosos, posto que esta breve apologia é mais do que suficiente para condenar e anematizar o ato de tatuar o corpo; e que Deus seja louvado porque tem nos preservado irrepreensíveis, com alegria, perante Sua presença e para testemunho de Sua graça; a Ele seja glória e majestade para sempre (cf. Jd 1.24s).

41. E termina aqui esta breve apologia. Bendito seja Deus por todas as coisas. Amém.

01 de julho de 2025.

 

Apêndice

Se o ato de tatuar o corpo é pecado?

(In: Questões a Trifena, q. 62)

Esta indagação é muito útil e diz respeito a uma questão contemporânea que assola a fé cristã; pois, já faz alguns anos que muitos que se dizem “cristãos” tem feito tatuagem, e muitos líderes tem apoiado esta prática afirmando que a Bíblia, ou o Novo Testamento, não condena que se faça tatuagem; no entanto, a Sagrada Escritura proíbe o ato de tatuar o corpo, tanto quanto proíbe o ato de colocar piercing.

Pois, em relação a Escritura, se tem tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento; ora, o que está no Antigo Testamento, mas não foi abolido ou declarado que caducou no Novo Testamento continua válido; por isso, em relação ao Velho Testamento se deve considerar três coisas: a lei moral, a lei cerimonial e a lei judicial; ora, a lei cerimonial e a lei judicial foram abolidas pelo Senhor Jesus Cristo no Novo Testamento; todavia, a lei moral não fora abolida e continua válida, plenamente válida.

E a lei moral se subdivide em dois aspectos: a lei moral propriamente dita, ou os dez mandamentos; e os preceitos morais, nos quais se tem várias prescrições quanto a santidade.

E a proibição do ato de tatuar o corpo se enquadra justamente em relação aos preceitos morais; sobre isso, a Escritura diz: “Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o Senhor” (Lv 19.28 ARC).

Ora, este texto elenca duas proibições: primeiro, quanto a se automutilar pelos mortos, que era prática comum dos povos pagãos, o cortarem-se ou o se auto-machucarem com golpes, como sinal de tristeza pelos mortos; quem isso faz peca contra a santidade de Deus. E a segunda proibição, quanto a fazer alguma marca física; e os povos pagãos tinha dois costumes quanto a fazer marcas sobre si: primeiro, em relação a fazerem desenhos e pinturas permanentes em si, o que atualmente se chama tatuagem; segundo, o colocarem atavios de metais em suas carnes, o que atualmente se chama de piercing; e quem isso faz também peca contra a santidade de Deus.

Então, num único texto sagrado se tem a proibição tanto do ato de tatuar o corpo quanto do ato de colocar piercing. Numa tradução mais atual, o texto sagrado diz: “Não façam cortes no corpo por causa dos mortos, nem tatuagens em si mesmos. Eu sou o Senhor” (Lv 19.28 NVI).

E, se fosse feita uma tradução ainda mais dinamizada do linguajar deste texto sagrado, o mesmo ficaria assim: “Não vos machucareis ou ferireis pelos mortos; nem fareis tatuagem ou piercing. Eu sou o Senhor” (Lv 19.28).

Portanto, é evidente que a Sagrada Escritura proíbe o ato de tatuar o corpo bem como proíbe o ato de colocar piercing; e como quem se diz cristão deve estar em conformidade com a Sagrada Escritura, como tudo que diz respeito a fé, pois tudo que diz respeito a fé está na Sagrada Escritura, e com isso, se entende que se algo é proibido na Sagrada Escritura então tal algo é contrário a fé e o que não provém da fé é pecado (cf. Rm 14.23b); então, se alguém sendo cristão tatua o corpo ou coloca piercing está pecando deliberadamente contra aquilo que diz crer.

E que isso ressoe para os líderes e pastores desorientados que tem ensinado e/ou declarado permissível que um cristão faça tatuagem e/ou piercing, pois a Escritura, de maneira categórica, proíbe o ato de tatuar o corpo e o ato de colocar piercing.

Outrossim, é que os preceitos morais são outorgados para curar a alma; ora, Clemente de Alexandria, no livro I do Pedagogo, diz que Deus outorga os seus preceitos a fim de curar a alma (cap. II); os preceitos de Deus são aquilo que também se chama de preceitos morais revelados, ou simplesmente preceitos morais; portanto, os preceitos morais foram prescritos por Deus para que os fiéis pudessem ter suas almas curadas e assim, paulatinamente, caminharem rumo a divinização (cf. 2Pe 1.4).

Além disso, isto também demonstra outro aspecto; pois, se a observação e a obediência aos preceitos morais conduz à cura da alma, então a não-observação e a desobediência aos preceitos morais evidencia o contrário, a saber, a doença na alma, a morbidade na alma; portanto, se alguém desobedece o preceito moral está com a alma mórbida; e se através de uma prática se adoece a alma, então, tal prática pode ser definida como uma rejeição a razão; e a rejeição a razão vem imbuída de uma série de sintomas, enumerados de acordo com o escrutínio da reta razão por Cícero no livro IV das Discussões Tusculanas (caps. 23-32).

E, segundo o próprio Clemente, no mesmo lugar supramencionado, aquele que peca age contra a razão (e vice-versa, quem age contra a razão peca); portanto, como o ato de tatuar o corpo é pecado, tal ato está contra a razão e tal ato é evidência de morbidade na alma posto este ato ser rejeição a razão; logo, etc.

Ora, aqueles que tatuam o corpo sempre estão sujeitos aos vícios que advém da rejeição a razão; e se pode observar isto na prática, pois o catálogo de sintomas evocado por Cícero é bem útil nesta descrição, pois aqueles que tatuam o corpo, ao rejeitarem a razão na prática deste ato, suas ações passam a ser expressão da rejeição a razão, e tais ações sempre estão imbuídas de uma série de sintomas, tal como os que são evocados na descrição ciceroniana, etc.; e quanto a isso não se tem exceção.

Deste modo, o ato de tatuar o corpo é pecado, bem como é expressão de rejeição a razão, ao mesmo tempo em que evidencia uma série de sintomas de uma alma mórbida por causa da obstinação e da luxuria no coração. Ora, o ato de tatuar o corpo por ser pecado é rejeição a razão; e por ser rejeição a razão é pecado.



[1] cf. Santo Agostinho, De Trinitate, livro I, cap. 2, n. 4.

[2] cf. Boécio, Commentaria in Topica Ciceronis, livro VI.

[3] Johann Wolfgang von Goethe, Maxims and Reflections On Life and Character, seção II, § 79.

[4] São Gregório Nazianzeno, Oratio XXIX, n. XXI.

[5] São Justino Mártir, II Apologia, n. 13.

[6] cf. Tomás de Aquino, Comentário a Tessalonicenses [Porto Alegre, RS: Concreta, 2015], 2ª Epist., cap. II, lect. 2, n. 48, pág. 145.

[7] cf. Blaise Pascal, Pensamentos [São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015], n. 136, pág. 76-77. 


Explicação do “Epigrama sobre Hegel” de Karl Marx

Proêmio   O “ Epigrama II ” ou “ Epigrama sobre Hegel ” (1837) [1] é um texto fundamental da filosofia marxiana, e é um dos textos mais...