24/12/2025

Explicação de “O Violinista” de Karl Marx

Proêmio

 

A poesia “O Violinista” (1837) é um dos textos mais impressionantes de Karl Marx[1] (mesmo que seja uma de suas obras de juventude); pois, Marx descreve a si mesmo, quem é e o que procurará fazer, através da alegoria com um violinista; Marx compara sua vida, suas capacidades, seus labores, ao laborar de um violinista; não porque não pudesse falar de si mesmo de maneira aberta e desvelada, mas porque através dos símbolos concernentes a atividade do violinista, ele poderia descrever melhor o ímpeto que o moveria em tudo o que procuraria fazer e as consequências de seus labores. E a procura por tais símbolos é evidência cabal de sujeição a Hegel.

Assim, o “violinista” neste poema é um signo que se refere, em primeiro lugar, ao próprio Marx, mas que, em segundo lugar e de maneira derivada, também diz respeito a todos os marxistas. O violinista mor, Marx, e os violinistas acompanhantes, os marxistas; a orquestra do marxismo só comporta violinos, não só pela falta de pluralidade na verdade do pensamento marxista, mas principalmente por causa do propósito que os move de maneira indivisa e inconcussa, tal como é assustadoramente desvelado nesta poesia.

Expliquemos, pois, alguns aspectos desse poema, o qual é a base para a exegese do pensamento marxiano, do qual se origina o pensamento marxista. Então, a compreensão desse poema (e de outros poemas de Marx) é o fundamento para quem busca entender e compreender o marxismo como um todo; pois, quem quer compreender filosoficamente e espiritualmente o propósito de Marx e do marxismo, deve iniciar pela análise e estudo das obras poéticas de Marx.

 

§ 1

 

O símbolo do violinista. A busca por símbolos, seja através de metáforas seja através de alegorias, demonstra ou a necessidade de encontrar meios de expressar sentimentos difíceis de serem descritos em prosa narrativa, ou então demonstra a tentativa de desvelar algo que está oculto, que se for expresso de maneira direta, descortinará o propósito real de quem escreve; por isso, alguns autores, movidos por propósitos hediondos, escondem seus verdadeiros propósitos através de metáforas e figuras em obras poéticas.

No caso de Marx, ele descortina quem é e o que faz através da figura do violinista. O violinista é aquele que serra as cordas, isto é, quem exerce uma arte com maestria: do mesmo modo é com Marx, é alguém que quer exercer sua arte com maestria (a arte de Marx é a eficácia em estabelecer seus propósitos, os propósitos do marxismo); pois, o violinista ao exercer sua arte com maestria, torna a mesma um hábito pelo qual ele é reconhecido; do mesmo modo é com aqueles que sabem exercer a arte a qual se dedicam de maneira maestrina.

Assim, se Marx conseguir exercer sua arte com maestria, ele conseguirá colocar todos aqueles a que influencia, de maneira direta ou indireta, conscientemente ou não, sujeitos aos propósitos do marxismo; ao serrar as cordas do marxismo, aqueles que são dominados pelos sons do violino da doutrina marxista, são por este sujeitados ao propósito marxista.

Por isso, o símbolo do violinista é para descrever alguém que exerce uma arte com maestria, bem como para descrever aas consequências que este exercer uma arte com maestria traz àquele que assim faz.

Mas, por que Marx se utiliza da alegoria do violinista? Simples, assim como muitos de sua época, alegorias com instrumentos musicais servia para demonstrar o que concerne a execução da arte praticada e seus efeitos naqueles a quem é direcionada.

Marx não é o único que se utiliza desta alegoria, vários no séc. XIX também o fizeram, mas Marx é o único que o faz com outros propósitos do que aqueles que também se utilizaram da mesma alegoria; outros autores utilizam desta alegoria apenas com propósitos poéticos, Marx além dos propósitos poéticos também a utiliza com propósitos descritivos tanto de si mesmo quanto de seus labores.

Pois, através da alegoria do violinista, Marx descreve a si mesmo e explica as consequências de seus labores.

 

§ 2

 

O frenesi na música, expressão de alma em desordem. A primeira descrição é sobre o frenesi da música; a indagação de Marx, “por que esse som frenético?”, não é tanto em relação a um som dissonante; mas, é a indagação sobre a raiz do frenesi; pois, se Marx se descreve como um violinista (e de fato, ele entendia realmente de música), ele não indaga sobre a razão harmônica do som frenético, mas sim sobre sua causa; por isso, Marx indaga: “por que você olha tão descontroladamente em volta?”, isto é, indaga a causa do descontrole e da inquietação; depois, indaga ainda: “por que salta seu sangue, como o mar agitado?”, isto é, indaga a causa da ansiedade psíquica (música frenética causa ansiedade na alma); e, por fim, indaga: “o que impulsiona seu arco tão desesperadamente?”, isto é, indaga a causa do desespero.

Ou seja, através da música frenética, o próprio Marx constatou os efeitos deste tipo de música no indivíduo, a saber: descontrole, inquietação, ansiedade, desespero. Por isso, o frenesi na música e o frenesi ocasionado pela música é expressão de alma em desordem; assim, através da música frenética se consegue colocar as massas populares em desordem, isto é, em inquietação, ansiedade, desespero e similares.

Portanto, Marx constata uma coisa através da alegoria do violinista, dos efeitos da música frenética, isto é, da música ideologizada, da música utilizada com propósitos ideológicos; com isso, ele se compara ao violinista não somente para constatar isso, como de fato em poucos versos constatou de maneira magistral e de modo muito mais apurado do que os mais eruditos críticos musicais, mas principalmente para poder efetuar o mesmo através da impregnação ideológica nas mais variadas artes, isto é, em todas as manifestações culturais (em suma, o marxismo cultural é isso).

E, com isso, se descortina outro propósito de Marx, a saber, o de propagar cabalmente o que parece que ele na verdade critica; isso é fruto do sistema hegeliano, apresentar algo com aparência de “crítica”, mas na verdade propagar justamente este algo sob as máscaras da “crítica”; é isso que Marx descortina sobre si nesta poesia, ao ponderar sobre o frenesi na música; pois, parece que Marx critica ferrenhamente este frenesi, quando na verdade o próprio Marx desvela que é isso o que ele pretende fazer, não somente na música e nas artes, mas em toda a sociedade.

Por isso, os efeitos do marxismo na vida sócio-cultural são da mesma espécie que os efeitos do frenesi na música.

 

§ 3

 

A alma em desordem é ordenada ao inferno. A alma em desordem, pelo frenesi da música, tem um destino; pois, o frenesi, ao ocasionar desordem, traz consigo as consequências desta desordem; por esta razão, Marx indaga a razão dele tocar violino: “por que eu toco violino?”, isto é, indaga a razão do porque utiliza deste ofício, ou seja, a razão de seu laborar; e, na verdade, Marx não toca apenas o violino, ele produz ondas selvagem; por isso, indaga: “ou as ondas selvagens rugem?”, isto é, Marx compara o seu ofício como violinista, uma alegoria, como o rugir de ondas selvagens; ou seja, as consequências do frenesi musical produzido pelo Marx violinista é o rugir das “ondas selvagens”. O frenesi do pensamento marxista é uma tsunâmi contra os fundamentos da ordem social.

Ora, e por que Marx faz isso? Simples, ele mesmo responde: “para que eles possam bater na costa rochosa”, ou seja, Marx toca o violino para levar as embarcações – no caso aqui, alegoria para representa os seres humanos - a bater nas costas rochosas, a naufragar na vida; o frenesi propagado por Marx tem dois modos de levar as pessoas a naufragar na vida, como o próprio Marx assevera: “que o olho fique cego, que o peito inche”, isto é, que cegue a visão, ou seja, que cegue a capacidade de discernir racionalmente, e que seja inchado pela soberba; o propósito de Marx ao executar sua arte é fazer com que as pessoas naufraguem na vida através da cegueira da razão e da soberba no coração. E estes são os efeitos do pensamento marxista: cegueira da razão e soberba no coração.

Por isso, ao frenesi da música causar desordem na alma, ele causa desordem em todo o ser; e alma em desordem é alma gritante, é alma que ao ser dominada pela desordem, tem por consequência ser dominada pelo reino da desordem (aliás, pode-se explicar este grito aqui através de uma comparação com a explicação da obra “O Grito” de Edvard Munch); assim, alma em desordem é alma ordenada ao inferno, tal como Marx afirma: “o grito dessa alma desce para o inferno”; ora, a alma que desce ao inferno é a alma que entrou em desordem pelo frenesi propagado, seja por qual meio for (na alegoria de Marx neste poema, através da música).

E a guisa de complemento a explicação da sentença desta estrofe, se entende que tudo no pensamento marxiano tem dois sentidos: um literal e outro alegórico (um sentido além da letra); e isso, que não é mera coincidência, se assemelha muito com a exegese das coisas sagradas; por isso, o pensamento marxista busca substituir a religião e os dogmas religiosos; na verdade, o pensamento marxista busca substituir a Sagrada Escritura pelos textos de Marx; os sentidos do pensamento marxista buscam transmogrifar os sentidos da exegese religiosa; e embora não façam isso de jure, de facto conseguem açambarcar muitos nesta invectiva, até aqueles que se dizem “cristãos”.

Além do que, é por esta razão que é de ínvia dificuldade compreender o marxismo, já que não se entende o que está por detrás do texto escrito, isto é, não se entende as entrelinhas (os alegorismos marxianos); e nisso Marx segue a risca o que Hegel fizera, a saber, esconder seu real propósito através de figuras, alegorias, símbolos, signos, etc.

Outrossim, é que Marx compreende o que concerne ao destino eterno das almas; no entanto, o que ele propugna em seu laborar é para colocar uma desordem tal nas almas dos indivíduos que os leve para o inferno. Isso é o próprio Marx quem afirma de maneira direta e sem dubiedades. Portanto, o pensamento marxista tem por propósito encaminhar as almas para o inferno.

 

§ 4

 

O desprezo aos dons divinos. Após ter designado seu propósito, Marx passa a indagar a si mesmo como violinista; na verdade, não uma indagação do eu para com o próprio eu, mas utiliza-se da função do narrador, para indagar ao próprio violinista (no caso o próprio Marx indagando a si mesmo); por isso, Marx afirma: “violinista, com desprezo você rasga seu coração”, isto é, o violinista desvela a si mesmo, rasga o próprio coração, mas o faz com desprezo; não desprezo por si, mas desprezo por Deus. Marx despreza a Deus. Este é o sentido deste verso.

Ora, desprezar a si mesmo no “rasgar” do coração é o que Nietzsche chamara de niilismo, ou o que Dostoiévski chama de doença em “O Homem do Subsolo”; e essa doença é algo grave, pois, se “um Deus radiante emprestou-te a tua arte”, ou seja, se suas capacidades provém da bondade divina, então rejeitá-las é o mesmo que rejeitar a si mesmo; e Deus outorga tais capacidades para conduzir à beleza: “para deslumbrar com ondas de melodia”, isto é, para comover e deleitar, e também “para voar para a dança das estrelas no céu”, isto é, para encantar. Por isso, rejeitar estas capacidades é o mesmo que rejeitar a comoção, a deleição e a admiração.

Na verdade, nestes versos Marx descortina o propósito dos dons e capacidades de cada um, e num sentido geral, acerta; pois, Deus outorga os dons para as artes, a fim de que os homens conheçam a verdade, e conduzam os homens a comoção, a deleição e ao encantamento.

No entanto, Marx o faz não somente para designar no que consiste isso; se assim fosse, seria uma definição assaz útil; Marx delineia esta concepção para demonstrar não o que ele de fato busca fazer, mas para mostrar que vai fazer completamente o contrário.

Nesta concepção, Marx propugna outra forma da encarnação do “espírito dialético”, isto é, aquele estado de alma que ao compreender algo da verdade, por ter compreendido este algo, passa a se portar contra este algo. E o “espírito dialético” é a pior forma de descaro já instituída entre os seres humanos.

Assim sendo, se compreende que Marx indaga a si mesmo enquanto violinista, não para mostrar que a arte que executa provém das capacidades que Deus lhe outorgou, mas sim para mostrar que a maestria que ele possui não provém do “Deus radiante”, mas de outro alguém.

Por isso, Marx descortinará o que está por detrás dele enquanto violinista, ou sem a alegoria, o que o conduz no que ele faz e labora. Assim, Marx não somente demonstra seu total desprezo para com os dons divinos, mas também seu total desprezo aos transcendentais; por isso, o pensamento marxista é um pensamento anti-transcendental.

 

§ 5

 

O que está por detrás do violinista, o Demônio. Ao indagar a si mesmo, Marx então passa a resposta pessoal a esta indagação com uma sentença exclamativa: “como assim!”, isto é, como se pode perguntar algo deste tipo, como se pode fazer tal indagação, pois o que ele faz está mais do que evidente do porque faz e para quem faz; Marx diz: “Eu mergulho, mergulho sem falhar”, isto é, ele exerce sua arte sem falha, pelo menos no que ele se propõe a fazer; no entanto, ele não diz que toca as cordas do violino, mas que mergulha; ou seja, no exercício de sua arte, o violinista Marx não o faz a fim de tirar os sons belos do violino, mas de mergulhar algo.

Mas o que é este algo? O próprio Marx afirma: “Meu sabre de sangue negro em sua alma”; Marx não toca as cordas do violino apenas, isto é, ele não apenas executa sua arte, mas mergulha o sabre negro dele (sabre negro é específico para ser usado em rituais de bruxaria, ainda mais sendo sabre de sangue), na alma de outrem, ou seja, este é o real propósito de Marx; ou dito de outro modo, Marx executa sua arte para colocar um sabre de sangue negro na alma dos indivíduos.

Por isso, ele mesmo constata: “Essa arte Deus não quer nem deseja”, ou seja, este tipo de arte Deus abomina (a arte imbuída de feitiçaria); pois, não é uma arte que cumpre seu propósito natural, mas a arte que Marx executa é a arte em função da bruxaria, com o sabre de sangue negro em suas mãos para adentrar as almas das pessoas.

Portanto, aquele que assim o faz não vai deslumbrar ou encantar; mas, antes, como o próprio Marx assevera: “Salta para o cérebro das névoas negras do Inferno”, isto é, aquele que exerce sua arte com o sabre de sangue negro para mergulhá-lo na alma de outrem, salta para a as névoas negras do inferno; ou seja, o destino da arte que não cumpre seu propósito é o inferno.

A arte que é anti-arte é permeada pelas névoas negras do inferno, pois estas névoas já dominaram o cérebro, a mente daquele que executa a arte deste modo. E é esta espécie de arte que Marx propaga; então, o pensamento marxista tem a mente permeada pelas névoas negras do inferno.

 

§ 6

 

O acordo do violinista com Satanás. E Marx assim o faz não somente tal como o mergulhar, isto é, como algo rápido e feroz, mas “até que o coração esteja enfeitiçado”, ou seja, até que o coração seja dominado pela bruxaria do sabre de sangue negro; e mais: “até os sentidos cambalearem”, isto é, até os sentido serem corrompidos de seu propósito natural; ora, em suma este é o linguajar da magia, da feitiçaria; por isso, quando Marx diz que ele usa o sabre de sangue negro para mergulhar nas almas, ele dá a entender que o propósito real é outro, e assim a alegoria com o violino desvela-se em seu real significado, a saber: evidenciar a feitiçaria que Marx propaga.

Por isso, o próprio Marx afirma: “Com Satanás eu fiz meu acordo”, isto é, Marx descreve em rodeios e sem metáforas, em meio a uma alegoria, que ele faz um acordo com Satanás; por isso, ao invés de usar o arco de violinista, ele usa o sabre negro dos rituais de bruxaria. O Marx violinista não é aquele que toca o violino, mas aquele que usa o sabre de sangue negro para os propósitos da bruxaria. E nisto o pensamento marxista se engendra: propaga bruxaria e impregna bruxaria não só nas artes, mas em todo o ímpeto das manifestações culturais.

Portanto, ao fazer seu acordo com Satanás, ao fazer seu pacto com Satanás, Marx desvela que é Satanás quem o conduz em sua arte, ao afirmar: “Ele risca os sinais, marca o tempo para mim”, isto é, Marx afirma que é Satanás quem o conduz em sua arte, ou seja, é Satanás quem o conduz no que ele faz e labora.

Assim, a arte que Marx propaga, e as artes que são influenciadas pelo marxismo, produzem um efeito terrível, tal como o próprio Marx afirma: “Eu toco a marcha da morte rápido e grátis”, isto é, ao ter Satanás como seu condutor, Marx afirma que o exercício de sua arte é a marcha da morte, ou seja, é o que conduz a morte, e isto de maneira “rápida e grátis”; por isso, o pensamento marxista é uma orquestra em função da marcha da morte, isto é, em função da propagação da morte e do inferno.

E Marx o faz totalmente consciente disso; por isso, o próprio Marx evoca a contradição hegeliana: “Devo jogar escuro, devo jogar luz”, isto é, ao mesmo tempo em que desvela o que concerne ao exercício da arte, também desvela que seu propósito está além disso, a saber, ao mostrar no que concerne a arte na verdade vela o que faz através da arte. E, ao ter feito diametralmente o oposto nos versos anteriormente, ao evocar esta contradição hegeliana, demonstra sua total sujeição a Hegel.

Além do que, Marx faz isso até que todo o seu ser seja dominado completamente: “Até que as cordas do arco partam meu coração completamente”, isto é, até que ele não tenha mais sentimentos, até que ele morra; Marx propugna ser um serviçal de Satanás enquanto viver, até a hora de sua morte, ou seja, até que seu coração seja partido pelo próprio sabre que ele se utiliza como arco.

Outrossim, é que esta última sentença evoca uma síntese com o sistema hegeliano; assim como em Hegel, a meta (Ziel), só é alcançada na morte; por isso, no último capítulo do sistema da ciência de Hegel, morre-se a própria determinação individual, ou seja, morre o homem para Deus, e Deus morre para o homem; esta é a dialógica hegeliana; e Marx a segue a risca: não que Deus de fato tenha morrido, mas ao propugnar a própria morte para Deus e a morte de Deus para o homem, o homem pode partir seu coração completamente, isto é, pode ser completamente despessoalizado e despersonalizado.

E Marx faz isso: propugna a própria morte, e a morte de Deus para ele, para pode ser totalmente um serviçal de Satanás. Pois, tal como Hegel, somente assim Marx alcança seus reais objetivos, tal como já fora descrito. Mas, Marx não propugna a própria morte através de figuras fúnebres, mas através da alegoria do coração completamente partido.

E a guisa de conclusão, se deve explicar que a morte de Deus descrita por Nietzsche, fora propugna e sistematizada por Hegel, e vivenciada plenamente por Marx e pelos marxistas.

 

***

 

Ora, não se fizera uma explicação muito aprofundada deste poema, mas apenas explicou-se os principais aspectos alegóricos que servem para entender o real propósito de Marx e do marxismo; pois, Marx, na alegoria do violinista, um tipo de alegoria corriqueira em sua época, desvelou o real propósito de seus labores; por isso, compreender as nuances deste poema é o fundamento para a interpretação e compreensão do marxismo, dos fenômenos inerentes ao marxismo, já que neste poema é desvelado o motivo-base de todo o pensamento de Marx e, por consequência, de todos os marxistas. 

E termina aqui esta explicação. θεῷ χάρις



[1] In: Karl Marx e Friedrich Engels, Marx-Engels Collected Works Vol. 1: Karl Marx 1835-1843 [Lawrence & Wishart, 1975], pág. 22-23. 


20/12/2025

Encómio ao Primeiro Concílio de Niceia

1. Ó tu, cidade de Niceia, antiga glória do Império Romano, joia do Império Bizantino, viste ocorrer em vossas ruas empoeiradas um dos maiores Concílios Ecumênicos da história.

Que cidade, pois, fora digna de dignatária assembleia?

Não somente uma dignatária assembleia, mas a própria Santa Igreja, representada pelos sucessores dos apóstolos, se ajuntou para resolver questões teológicas e aperfeiçoar o que concerne a Sagrada Tradição.

Ó Niceia, cidade lendária, viste as resoluções de bispos santos abalizar e definir adequadamente o símbolo da fé.

Ó Niceia, o que tu não teria a nos contar se tu pudesses falar.

2. Assim, ao rememorar os 1700 anos do Primeiro Concílio de Niceia, não se poderia deixar de saudá-la, ó antiga cidade; mas, principalmente saudar este notável Concílio Ecumênico, um dos maiores e mais importantes de toda a história.

A teologia nicena é a teologia da cristandade; não que as fórmulas nicenas acoplaram todo o desenvolvimento teológico, o que por si seria impossível; mas as fórmulas nicenas definiram com precisão e síntese no que consiste a fé cristã enquanto conjunto de doutrinas reveladas.

A fé cristã é fundamentalmente experiência com Cristo, mas esta experiência também deve ser manifesta em formulações racionais precisas e sintéticas, não só para testemunho entre as gentes, mas também para glorificar a Deus através dos dons da inteligência.

3. A fé nicena é uma fé que concatena a verdadeira experiência com a explicação racional adequada; pois, aquilo que se crê há de ser corretamente entendido (cf. Is 7.9b); e fora isso que os padres nicenos fizeram, a saber, definiram da melhor maneira possível a experiência da fé verdadeira que lhes fora transmitida, a qual verdadeiramente experienciaram, e a qual preservaram e conservaram sem nenhuma alteração.

A teologia nicena é expressão da fé imutável da Santa Igreja; a fé na Santíssima Trindade, na obra de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, nos quais está a beatitude da vida cristã, e o esplendor do hábito da glória.

Convocados para lidar com as heresias de Ário, lidaram não somente com estas terríveis heresias de maneira magistral, mas legaram à toda Igreja um tesouro inestimável, que enriquecera e enobrecera grandemente a Sagrada Tradição. O símbolo niceno é uma das glórias da Sagrada Tradição.

4. Deste modo, o que provém das fórmulas nicenas é a mais límpida e útil teologia: glorificar a Deus por quem Ele é e louvá-lo e honrá-lo pelo que Ele faz; glorificar a Jesus Cristo, nosso bendito Redentor, por sua obra da cruz para nos salvar e livrar do inferno; glorificar ao Espírito Santo, Senhor nosso e que vivifica nossas almas para os mistérios santificantes; mas também honrar e dignificar a Santa Igreja, na qual se administra os Santos Sacramentos, proclamando aos fiéis e ao mundo a esperança da vida eterna.

Em suma, isto constitui a teologia dos padres nicenos; o que para alguns parece apenas uma simples fórmula antiga, para os verdadeiros cristãos é motivo de alegria e veneração, já que as fórmulas nicenas ao estarem em perfeita conformidade com o que é transmitido na Sagrada Escritura, engendram o verdadeiro propósito da Sagrada Tradição, desenvolver a fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos sempre em conformidade com o que os Santos Apóstolos ensinaram.

5. Por isso, veneramos o Primeiro Santo Concílio Ecumênico, por sua fidelidade ao mandamento de Cristo aos Apóstolos, e por terem laborado em honra a verdade, defendendo a reta fé, debelando os erros perniciosos dos hereges, e ensinando o caminho do bem, no qual se conforma disciplina correta e crença correta, ortodoxia e ortopraxia.

Ó Padres Nicenos, louvamos a Deus por vossas vidas e testemunho, que assistidos pelo imperador Constantino, preservastes a fé apostólica sob a liderança iluminada de São Ósio de Córdova, digno sucessor dos apóstolos, e testemunhastes a beleza da fé ortodoxa.

Por esta razão, a Santa Igreja, tanto no Oriente quanto no Ocidente, após algumas discussões, reafirmara em concórdia as fórmulas definidas, as quais deram testemunho fidedigno do que era proclamado desde os tempos apostólicos.

6. Assim sendo, a fé nicena é a manifestação da verdadeira unidade da Igreja, a unidade na verdade; a firmeza na verdade é o que manifesta plenamente a unidade da Igreja em todos os rincões do mundo; ó Padres Nicenos, vós fostes fanal para preservar a unidade e a proclamar em honra a verdade, que é o próprio Cristo (cf. Jo 14.6).

A beleza fulgurante da unidade da Igreja, se dá sempre que a Igreja confessa e honra toda a verdade, e permanece plenamente em conformidade com a verdade; assim a Santa Igreja cumpre sua função, sendo coluna e firmeza da verdade (cf. 1Tm 3.15).

A firmeza da verdade foste manifesta em vós, Padres Nicenos, que preservam esta firmeza na fidelidade a Tradição Apostólica, e em testemunharem de maneira fidedigna a fé que recebestes.

7. Por isso, diante da memória dos 1700 anos do Primeiro Concílio de Niceia, rendamos louvor ao Deus Trino, pelo testemunho e fidelidade dos Padres Nicenos, orando de maneira uníssona em todo o mundo:

Ó Santíssima Trindade, mistério altissonante de graça, bondade e comunhão, louvamos-te pelo Venerável Primeiro Concílio Ecumênico, pelos Padres Nicenos, os quais em razão da firmeza da fé que receberam e movidos pelo Espírito Santo, testemunharam da fé reta e sólida diante dos ataques dos hereges; Deus Glorioso, nos dê a graça de sermos fiéis a Ti como foram os Padres Nicenos, principalmente diante dos tempos difíceis que vivemos e diante das dificuldades que se apresentam a Santa Igreja; nos conduza, ilumine, e fortaleça no caminho da verdade, a fim de que sob o ímpeto niceno, testemunhemos da verdade e possamos sempre encontrar o mel saído da rocha, que o nosso bendito Senhor Jesus Cristo nos outorga sempre que o buscamos em Sua palavra revelada. Glória seja dada a Ti, Deus Uno e Trino, por Cristo nosso Senhor, na unidade do Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém”. 


18/12/2025

Resposta a 7 indagações

Prólogo

 

Tendo recebido vossas indagações no início do mês passado, somente agora que consigo as responder; espero que minhas respostas o encontrem bem, bem como espero que estas respostas sirvam para sanar vossas dúvidas, pois estas também são dúvidas de muitos outros; cada indagação que fizeste tomei como um artigo, e os ordenei do modo como fizestes estas indagações; as respostas são breves e sintéticas, mas são respostas precisas e estão em perfeita conformidade com a autoridade da Sagrada Escritura e com a autoridade da Sagrada Tradição naquilo a que se referem.

 

Artigo 1: Se a desobediência aos preceitos morais tira a alma do caminho da divinização?

 

Os preceitos morais são outorgados pelo Salvador para curar a alma, como afirma São Clemente de Alexandria no livro I do Pedagogo (cap. II); ora, como eles são dados para curar a alma, e a alma é cada vez mais curada a medida que usufrui os mistérios da divinização, então, a desobediência aos preceitos morais retira a alma do caminho da divinização e a coloca no processo de infernização; por esta razão, a Sagrada Escritura intitula como apostasia a desobediência deliberada e orgulhosa dos preceitos divinos (ou preceitos morais); com isso, se há desobediência deliberada e orgulhosa dos preceitos morais, então a alma se torna em pasto no qual os demônios agem, retirando-a do caminho glorioso da verdadeira divinização. Portanto, é imprescindível e inalterável que os fiéis desenvolvam suas vidas espirituais sempre em obediência absoluta aos preceitos morais, tanto para evitar os engodos de Satanás, quanto para evitarem que suas almas sejam presas nas correntes da infernização.

 

Artigo 2: Se a desobediência aos preceitos morais gera obstinação?

 

A desobediência deliberada e continuada dos preceitos morais gera obstinação com relação as coisas espirituais; na verdade, todo indivíduo que fica obstinado com relação a coisas espirituais, já sendo participante dos mistérios da fé, é porque está em completa desobediência aos preceitos morais; a desobediência aos preceitos divinos gera obstinação; e esta obstinação, por sua vez, é insuflada pelos demônios através de práticas luxuriosas; pois, o demônio da luxuria se deleita com obstinação espiritual, e a obstinação espiritual semeia no próprio coração a volúpia, que uma vez semeada, frutifica rapidamente; por isso, a obstinação espiritual atina o coração para a luxuria, e esta, por sua vez, acaba por obnubilar o intelecto e cauterizar a consciência para a compreensão dos efeitos terríveis da desobediência aos preceitos morais; além do que, o demônio da luxuria é totalmente avesso aos preceitos morais; por isso, onde se tem desobediência aos preceitos morais se tem a ação do demônio da luxuria.

 

Artigo 3: Se o consumo de tabaco é pecado?

 

Depende; sim, depende; pois, como se tem uma série de preceitos morais nas Escrituras Sagradas sobre o devido cuidado com o corpo e com a saúde, como parte do que concerne ao fiel no caminho da verdadeira divinização, então se o consumo de tabaco inferir algo deste tipo, o mesmo se torna pecado; obviamente isto tem a ver com o modo como o fiel vive no equilíbrio que convém a vida na fé.

Por isso, nem em todo caso se pode afirmar que o consumo de tabaco é pecado, como no caso dos charutos, que nem sempre são maléficos a saúde; e isto depende da constituição física de cada um: para uns faz mal, para outros não; para aqueles que faz mal é pecado, já para aqueles que não faz mal não é pecado. Todavia, em outros casos, se pode afirmar que o consumo de tabaco sempre é pecado, como no caso dos cigarros que são totalmente prejudiciais a saúde (por isso, o consumo de cigarro sempre é pecado).

Portanto, se requer equilíbrio e discernimento sobre o que convém a prática do consumo de tabaco: se for por necessidade de relaxamento ou lazer, que se averigue se isso faz mal ou não a si mesmo. Ora, se não for prejudicial a si mesmo que se o consuma com bom senso e moderação; no entanto, se o consumo de tabaco faz mal a si mesmo, então é pecado.

Por isso, o consumo de tabaco, para aqueles a quem é permitido, se quiserem consumir, que seja expressão de relaxamento e lazer, e não de divertimento; pois, se o consumo de tabaco for expressão de divertimento se tornará em um vício totalmente pecaminoso.

Além disso, a proibição ou não do consumo de tabaco se vincula a costumes; por isso, se tem denominações cristãs que proíbem totalmente o consumo de tabaco, enquanto outras não o proíbem, e outras ainda que o incentivam; não é errado a proibição, nem é errado a permissão; todavia, se alguém está em alguma denominação que proíbe o consumo de tabaco convém que obedeça aos costumes da mesma, senão tal pessoa está em estado de esquizofrenia; agora os que praticam tal ato dentro dos conformes não se utilizem disso para querer gerar provocação e brigas com aqueles que o proíbem - pois, tal tipo de provocação evidencia obstinação.

Outrossim, é que o consumo de tabaco sempre é pecado para quem teve problemas com vício; se uma pessoa foi viciada em tabaco, então o consumo do tabaco para essa pessoa sempre é pecado; portanto, se alguém perdeu a sobriedade por causa de vício em tabaco, ao vencer esse vício que nunca mais consuma tabaco, senão decairá em pecado e sofrerá com a recaída no vício (que sempre é sete vezes pior).

Então, num geral a exortação é que se evite; pois, as mais das vezes, não se tem moderação para tais atos, principalmente na cultura brasileira; pois, pode ocorrer, dado aos desequilíbrios inerentes da cultura brasileira, que alguém comece consumindo tabaco e acabe ficando viciado neste consumo; por isso, se alguém ainda tem fraquezas na fé, ou na própria personalidade (como é o caso de todo brasileiro), que se evite o consumo de tabaco, mesmo que tal consumo possa não ser pecado.

E a guisa de conclusão, se aplique também tudo o que foi dito sobre o tabaco nesta resposta à questão do consumo de bebida alcoólica. Num geral, é o mesmo raciocínio.

 

Artigo 4: Se a vida espiritual está sujeita a liberdade?

 

A vida espiritual está sujeita a lei da liberdade, tanto no sentido da liberdade enquanto um bem da natureza, como uma verdade eterna, que deve ser preservada incólume e inviolável; quanto no sentido da liberdade enquanto um dom da graça; mas, principalmente neste segundo aspecto, da liberdade enquanto um dom da graça; pois, a vida espiritual só se desenvolve a medida da obediência a perfeita lei da liberdade (cf. Tg 1.25); na verdade, a verdadeira espiritualidade está em conformidade com a perfeita lei da liberdade; a piedade é aferida pela lei da liberdade; por isso, a vida espiritual está sujeita a liberdade, pois a vida espiritual, a vida no caminho da verdadeira divinização, é uma vida permeada pelos ensinamentos do Santo Evangelho, o qual é a perfeita lei da liberdade. Assim sendo, a bem-aventurança da vida espiritual é estar em conformidade plena com a perfeita lei da liberdade, já que é por esta lei que os fiéis vão ser julgados perante Deus de acordo com o modo como vivem (cf. Tg 2.12).

 

Artigo 5: Se é correto a utilização do vocábulo sobrenatural?

 

Não é correto a utilização do vocábulo sobrenatural; no entanto, se tem uma exceção quanto a utilização deste termo, que é no âmbito dos autores escolásticos; mas, em suma, este vocábulo é errado; e isto se evidencia por três razões: primeiro, não existe nada sobre-natureza, ou está na natureza (coisas naturais) ou além da natureza (coisas espirituais); assim, tanto fisicamente não existe nada sobre-natureza quanto teologicamente não existe nada sobre-natureza.

Segundo, o termo sobrenatural foi criado para tentar focalizar uma sub-esfera na esfera natural; ora, isto é um erro crasso; pois, só se tem na natureza duas esferas: a das operações visíveis e a das operações ocultas; o termo sobrenatural passou a ser designado para as operações ocultas; com isso, cometeu-se o erro de afirmar que a obra de Deus se dava nas operações ocultas da natureza, na esfera quântica; por isso, se afirmar coisas como o “sobrenatural de Deus” e similares é um erro teológico monstruoso, pois coloca a obre extraordinária de Deus como se fosse apenas a das operações quânticas da natureza. Portanto, falar no “sobrenatural de Deus” é querer colocar as coisas reveladas como se fossem as operações ocultas da natureza.

Terceiro, o termo sobrenatural é parte da secularização da compreensão sobre a natureza; embora os escolásticos tenham desenvolvido muitos aspectos, a questão sobre a natureza (physis) ficara em grande parte incompleta, e como ninguém abalizou esta questão, a mesma serviu para gestar um secularismo na compreensão sobre as esferas da realidade; assim, acoplou-se as operações ocultas da natureza como “sobrenatural”, e reduziu-se as coisas reveladas a meras operações quânticas; por esta razão, cresceu-se muito uma espiritualidade mágica, focada nas “mensagens” do universo e similares; mas tudo isso não passa de pensamento mágico; portanto, utilizar do termo sobrenatural acabou por se tornar expressão de um pensamento xamanista.

Deste modo, que se afirme e se reafirme que não existe “sobrenatural de Deus” e que Deus não age de modo “sobrenatural”; Deus age além da natureza de maneira gloriosa, mas nunca Sua obra poderosa pode ser apenas classificada como “sobrenatural”, pois isto seculariza a compreensão sobre o infinito poder de Deus e sobre o próprio modo como Ele revelou que age no mundo. Assim, só se aceite, com ressalvas, o termo “sobrenatural” em reflexões permeadas pela teologia da escola, do contrário se rejeite de maneira cabal qualquer coisa dita sobre o “sobrenatural” de Deus.

 

Artigo 6: Se é soberba falar do que não se sabe?

 

Uma das manifestações da soberba é falar do que não se sabe; pois, querer arrolar um saber que não se possui, em si, é ato de vanglória; além disso, falar do que não se sabe é jactância; e a jactância é uma das manifestações de soberba, especificamente em relação ao conhecimento; e a soberba se manifesta de dois modos em relação ao conhecimento: a jactância e a imbecilidade; portanto, seja a imbecilidade seja a jactância são manifestações da soberba; aliás, na Sagrada Escritura aqueles que “não investigam” (investigar aqui tem o sentido de inquirir, de buscar o saber), isto é, aqueles que rejeitam o conhecimento, são dominados pelo orgulho (cf. Sl 10.4); portanto, biblicamente, as manifestações da soberba quanto ao conhecimento são equiparadas ao orgulho de Satanás (cf. Ez 28.15-17); assim, os imbecis e os jactantes são filhos de Satanás. Por isso, falar do que não se sabe é soberba, e rejeitar o saber também é soberba; e ambos são evidência da obra de Satanás, já que tanto a imbecilidade quanto a jactância são frutos do impedimento da razão que é algo operado pela eficácia de Satanás (cf. 2Ts 2.9-10).

 

Artigo 7: Se convém tratar com severidade os soberbos?

 

Obviamente, convém tratar com severidade os soberbos; pois, os soberbos são aqueles que atentam de maneira obstinada e sofística contra a verdade; e tais práticas são parte das fortalezas que os demônios levantam contra o conhecimento de Deus (cf. 2Co 10.5); por isso, os soberbos devem ser tratados consoantes ao tipo de soberba que propagam: se no sentido moral, então que sejam repreendidos e exortados duramente; se no sentido intelectual, então que sejam confrontados e confutados de maneira veemente e firme; pois, a permissividade para com os soberbos corrompe as pessoas símplices, e vitupera a simplicidade espiritual inerente a própria fé; na verdade, os soberbos roem como gangrena na vida eclesial (cf. 2Tm 2.17-18), bem como são como pragas que destroem uma lavoura na vida social; assim, quem respeita os soberbos acaba por se tornar soberbo. Por isso, os soberbos devem ser tratados consoantes as suas soberbas, e isto sempre com severidade; pois, quanto mais grave é a doença mais dosado deve ser o remédio; a doença da soberba só é tratada corretamente com doses fortes do remédio da repreensão e/ou pela disciplina moral.

***

Com cordiais saudações, e cumprimentos sinceros, rogo as bênçãos de Deus sobre vossa dileção, com votos cada vez maiores para que adentres a leitura e ao estudo das Divinas Escrituras, sabendo que estas te tornarão sábio para a salvação em Jesus Cristo (cf. 2Tm 3.15); não deixe de ler, meditar, estudar, escrutinar as Divinas Escrituras, pois estas são sempre mel saído da rocha para aqueles que estão nas sendas do Bom Pastor. 

Bendito seja Deus para sempre. Amém. 


14/12/2025

Sobre o Comentário a Suma Teológica

A Suma Teológica, segundo Pio XI, papa de Roma, é o céu visto da terra; e um elogio desta natureza, proveniente de um sucessor de São Pedro, é algo de grande importância; não somente porque se trata da obra de um santo católico, mas principalmente porque é a obra magna de um gênio sublime; se a produção intelectual da cristandade fosse aferida em prateleiras, Tomás de Aquino estaria na parte de cima da primeira prateleira, e a Suma Teológica, sem sombra de dúvida, ocuparia um lugar de destaque; na verdade, a Suma Teológica é impressionante não somente para o catolicismo, mas para toda a cristandade; todos aqueles que amam a verdade sempre ficarão impressionados com a grandeza e a magnitude da Suma Teológica.  

Deste modo, é de se entender que mesmo entre os intelectuais bizantinos do séc. XIV houveram aqueles que acertadamente valoraram e compreenderam a grandeza e a importância da obra magna de Tomás de Aquino; aliás, alguns santos ortodoxos dos sécs. XIV e XV foram ensinados teologicamente através tanto da Suma Contra os Gentios quanto da Suma Teológica; embora estas obras contenham alguns “latinismos”, isto é, vícios intelectuais da latinidade, os quais contém sérios problemas teológicos (principalmente na Suma Teológica), num geral estas duas obras são assaz salutares para ensinar teologia e para ensinar a correta relação entre filosofia e teologia, entre fé e razão.

Por exemplo, São Gregório Palamas, São Genádio Escolário, e tantos outros, foram ensinados e educados teologicamente nestas obras, sem com isso decaírem nos vícios intelectuais da latinidade; pois, estas obras, provenientes de um gênio sublime, concatenam precisão de síntese, com uma eficaz ordem das disciplinas e dos assuntos teológicos, sendo com isso imprescindíveis para o estudo e a reflexão teológica.

Portanto, em relação a este aspecto, as Sumas de Tomás de Aquino são extremamente úteis; aliás, por esta razão que São Genádio Escolário procurou escrever epítomes e resumos às mesmas para que fossem melhor utilizadas e aproveitadas no contexto da cultura bizantina; mas, em especial, chama a atenção a Suma Teológica, na qual se demonstra, de maneira inconcussa e apodítica, que Tomás fora um “sábio inspirado por Deus” (a expressão é de São Genádio Escolário!); aliás, vale lembrar o elogio de Karl Barth quando fizera um seminário sobre a Suma Teológica, no qual constatou que lidar com Tomás de Aquino, “era incrivelmente instrutivo, mas simplesmente assustador, porque o homem trabalhava com uma meticulosidade que até agora, por exemplo, não nos permitiu formular uma única objecção. Ele também sabia tudo, absolutamente tudo”.

Na verdade, a Suma Teológica é a obra mais sublime já escrita por um ser humano no âmbito de todo o saber humano; não somente pelo conteúdo, e pela precisão dos argumentos, e porque nas soluções e nas mais de 10.000 respostas a objeções não se tem nenhum erro de sofisma ou argumento posto de modo errado, mas principalmente porque na Suma Teológica se concatenou o fulgor da revelação, o realismo da filosofia aristotélica e a precisão do método escolástico; além disso, Tomás soube se utilizar de todo o saber de seu tempo a fim de levar a cabo o projeto de uma obra que servisse para ensinar e instruir os principiantes nas verdades da religião cristã.

Assim, pois, fica delineada a estrutura da Suma Teológica:


PRIMEIRA PARTE (Ia).

Prólogo.

Prolegomena: Sobre a Doutrina Sagrada (Ia, q. 1).

Tratado I: De Deo Uno (Ia, q. 2-26).

Tratado II: De Deo Trino (Ia, q. 27-43).

Tratado III: A Obra dos Seis Dias (Ia, q. 44-49).

Tratado IV: Dos Anjos (Ia, q. 50-64).

Tratado V: A Criação Corpórea (Ia, q. 65-74).

Tratado VI: O Homem (Ia, q. 75-102).

Tratado VII: A Conservação e o Governo das Coisas (Ia, q. 103-119).

SEGUNDA PARTE (IIa).

Primeira Seção (IaIIae).

Tratado VIII: A Bem-Aventurança (IaIIae, q. 1-5).

Tratado IX: Os Atos Humanos (IaIIae, q. 6-21).

Tratado X: As Paixões da Alma (IaIIae, q. 22-48).

Tratado XI: Os Hábitos (IaIIae, q. 49-54).

Tratado XII: As Virtudes em Geral (IaIIae, q. 55-67).

Tratado XIII: Os Dons do Espírito Santo (IaIIae, q. 68-70).

Tratado XIV: Os Vícios e Pecados (IaIIae, q. 71-89).

Tratado XV: A Lei (IaIIae, q. 90-108).

Tratado XVI: A Graça (IaIIae, q. 109-114).

Segunda Seção (IIaIIae).

Tratado XVII: A Fé (IIaIIae, q. 1-16).

Tratado XVIII: A Esperança (IIaIIae, q. 17-22).

Tratado XIX: A Caridade (IIaIIae, q. 23-46).

Tratado XX: A Prudência (IIaIIae, q. 47-56).

Tratado XXI: A Justiça (IIaIIae, q. 57-122).

Tratado XXII: A Fortaleza (IIaIIae, q. 123-140).

Tratado XXIII: A Temperança (IIaIIae, q. 141-170).

Tratado XXIV: Os Atos Específicos de Certos Homens (IIaIIae, q. 171-189).

TERCEIRA PARTE (IIIa).

Tratado XXV: O Verbo Encarnado (IIIa, q. 1-26).

Tratado XXVI: A Vida de Cristo (IIIa, q. 27-58).

Tratado XXVII: Os Sacramentos em Geral (IIIa, q. 59-65).

Tratado XXVIII: O Batismo (IIIa, q. 66-71).

Tratado XXIX: A Confirmação (IIIa, q. 72).

Tratado XXX: A Eucaristia (IIIa, q. 73-83).

Tratado XXXI: A Penitência (IIIa, q. 84-90).

Suplemento.

Tratado XXXII: A Penitência [Continuação] (Suplem., q. 1-28).

Tratado XXXIII: A Extrema-Unção (Suplem., q. 29-33).

Tratado XXXIV: A Ordem (Suplem., q. 34-40).

Tratado XXXV: O Matrimônio (Suplem., q. 41-68).

Tratado XXXVI: A Ressurreição (Suplem., q. 69-99).


Ora, tendo fornecido este esboço da estrutura da Suma Teológica, se faz necessário informar que ao proceder no comentário a esta inigualável obra da teologia cristã, se vai explicar cada artigo em uma lição, de acordo com a estrutura de cada tratado e respectivamente de acordo com a estrutura de cada questão; por exemplo, em cada tratado se tem várias questões, em cada questão vários artigos, e assim se terá uma lição para cada artigo de cada questão, e isso será feito de igual modo em todos os tratados da Suma Teológica, que aqui foram enumerados apenas para uma melhor disposição e subdivisão do amplo escopo desta obra inigualável.

Aliás, ao proceder deste modo, se conseguirá explicar de maneira mais adequada, e em pormenores toda a estrutura desta catedral gótica construída com palavras e argamassa teológica e filosófica; outrossim, é que em sua maior parte cada tratado será tomado como um volume em separado deste comentário (a não ser os tratados muito curtos que serão acoplados em conjunto com outro tratado), tanto pela profundidade e extensão desta obra, como para melhor aproveitamento para leitura e estudo, e outras razões mais, que por si mesmas são clarividentes.

***

Outrossim, mesmo que isso pareça ser algo quase que “utópico”, “inalcançável”, que é “tomismo de segunda mão”, etc., como alguns já afirmaram ao saberem deste projeto, não me preocuparei com estes epítetos e estereótipos imbecilóides, mas levarei adiante este projeto, e oxalá o Senhor Jesus Cristo me permita conclui-lo com maestria, tanto para honrá-Lo e glorificá-Lo, quanto para que os que se dedicam a ciência teológica possam ter um guia mais aprofundado para compreenderem esta monumental catedral gótica construída por Tomás de Aquino.

Além disso, mesmo que outros já tenham comentado e explicado a Suma Teológica, tal como por exemplo o Cardeal Caetano, ninguém ainda a comentou de modo exaustivo, o que se fará neste comentário; pois, este comentário ao procurar exaurir e explicar os quilométricos quarteirões da Suma Teológica, a demonstrará em todo o seu fulgor e beleza; e assim se terá palmilhado o caminho para que a teologia continue a se desenvolver de maneira correta, tal como fora abalizada pelo último grande mestre da ciência teológica na cristandade latina.

Confiante, pois, no auxílio da graça divina e na iluminação do Espírito Santo, a fim de levar a cabo o comentário a obra magna de um gênio sublime a quem o próprio Cristo dissera: “escreveste bem de mim Tomás”, posso concluir este opúsculo informativo sobre o comentário a Suma Teológica.

θεῷ χάρις


08/12/2025

O Erro Fatal de Hegel

I

 

Hegel procurou fazer da filosofia não a busca pelo saber através da investigação sobre a realidade, mas muito além disso, ele procurou instaurar um pensamento mágico; ora, um pensamento mágico, em sentido religioso, é puro xamanismo; mas agora um pensamento mágico na filosofia, é uma mágica que funciona apenas para o propósito de quem a evoca, como Nietzsche acertadamente constatara em “A Vontade de Poder” (§ 749): “A mágica que funciona para nós, o olho de Vênus que fascina nossos adversários e os cega, é a magia do extremo, a força sedutora que irradia de tudo o que é extremo”.

Ora, a filosofia mágica é um extremo; por isso, deste extremo irradia uma força sedutora, uma “luz” sedutora que cega o entendimento dos antagonistas, ao mesmo tempo em que os fascina; por isso, a transmutação de filosofia como análise da realidade para filosofia mágica é um extremo, e quem leva a cabo este extremo exerce fascínio e domínio sobre quem antagoniza com esta transmutação; é deste modo que Hegel domina até mesmo sobre seus antagonistas e os subjuga a seu sistema.

No entanto, justamente neste aspecto está o erro fatal de Hegel, pois para efetuar isso ele precisou transmogrifar o conceito de verdade; ao invés de verdade na consciência, Hegel propugnara a consciência como verdade; não mais a consciência como meio para se chegar a compreensão da verdade, mas a própria consciência como artífice da verdade; assim não se há mais verdade fora da consciência, pois para Hegel somente a consciência dita as normas da verdade, já que a consciência-de-si só se efetiva através de si mesma, dando forma ao que o próprio Hegel chama de “razão ativa” (cf. Ph V, B).

Portanto, ao Hegel propugnar isso, e ao ter isso se instaurado plenamente, ainda que ninguém consiga de facto se aperceber disso, passa a não se ter normas objetivas para a verdade; e esse é o erro fatal de Hegel, pois se não se tem normas objetivas para a compreensão da verdade, então não se tem verdade; ora, se não se tem verdade, quem quer que arrole algo da verdade a partir destas perspectivas jamais estará elucubrando sobre a verdade em si, mas sobre a “verdade” que propugna a partir de si.

Deste modo, não é muito difícil de se aperceber, compreendendo estes aspectos, da canalhice e da insinceridade de quem propugna algo deste tipo.

Além disso, Hegel afirmara que se conhece apenas a figura (gestalt) da verdade (cf. Ph § 5); ora, se se conhece apenas a figura de algo, então não se pode conhecer este algo; e isso, por sua vez, dá a entender que a verdade segundo Hegel não pode ser conhecida por si, mas apenas através daquele que mostra sua figura; mas se a verdade não pode ser conhecida, tampouco sua “figura” será conhecida.

Por isso, aqueles que velam a verdade, criam as figuras que querem para significar tudo menos a verdade; e as coisas significadas a partir disso passam a se tornar a “verdade” mesmo que sejam totalmente contrárias a própria verdade.

 

II

 

O erro fatal de Hegel em querer transmutar a verdade em figura da verdade, é a razão do próprio Hegel de querer mudar a filosofia de amor ao saber para saber efetivo (cf. Ph § 5); o “saber efetivo”, por sua vez, nada tem de busca pela verdade, antes é a manifestação da verdade através do atinar que a figura da verdade busca induzir; assim, não se tem mais a verdade da realidade, mas a verdade da consciência, a qual por estar na consciência também “cria” a realidade tal como quer.

E isto, obviamente, é um extremo; portanto, é a partir deste extremo que se cria, tal como Nietzsche constatara, a força sedutora que cega os antagonistas deste erro fatal; é um erro que em si é fatal, mas que também acabrunha seus antagonistas no mesmo jogo infernal, na mesma parafernalia dialética que em si nada contém de instrumentalidade para a verdade, antes prende a consciência e a inteligência no modo anti-verdade, ou dito em outros termos, gesta o espírito dialético que ao compreender algo da verdade passa a praticar algo contra a própria verdade compreendida.

Assim, este erro de Hegel que parece em primeira instância parece pueril, é algo terrível; pois, a fatalidade da transmutação da verdade é algo que permeia tudo e todos; não se tem vida individual e social sóbria sem a verdade; a verdade é a coluna pela qual os homens constroem o que é de bom e de verdadeiro em tudo na vida; sem verdade, sem fundamento sólido para a vida.

Por isso, a transmutação da verdade na consciência para a consciência como verdade, instaura de maneira inconsciente que é o próprio indivíduo que cria a verdade para si, ao invés de apreendê-la das múltiplas luzes através das quais a verdade é manifestada.

Com isso, o erro fatal de Hegel, subjetivismo doentio, gera uma sociedade de indivíduos subjetivos (no sentido dostoievskiano, indivíduos doentes; no sentido pascalino, indivíduos que se divertem); os seres subjetivos aceitarão tudo e de tudo, menos a própria verdade; pois, o subjetivismo elevado a este grau, faz com que os homens considerem a si mesmos como “deus”, ainda que na prática neguem isso; mas quem faz da própria consciência o mote para a verdade, está preso no jogo de Satanás para ensinar os homens a quererem ser como “deus”; portanto, se alguém nega a verdade na própria vida, a partir de ter evocado a própria verdade a partir de si, então tal pessoa gestou em si a morbidade da alma.

E é isso que ocorre com todos os que vivem distantes da verdade ao criarem para si as próprias verdades. O erro fatal de Hegel é tão fatal que ninguém - salvo raríssima exceção - consegue escapar das consequências deste erro, tanto na vida pessoal quanto na vida social. Analogamente, o erro de Hegel é tão prejudicial que faz na mente, ou seja, na consciência e no intelecto, o mesmo efeito que o cianeto faz no corpo. 


Explicação de “O Violinista” de Karl Marx

Proêmio   A poesia “ O Violinista ” (1837) é um dos textos mais impressionantes de Karl Marx [1] (mesmo que seja uma de suas obras de j...